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segunda-feira, 30 de junho de 2025

 

O conceito de temperatura média do mundo tem pouco a ver com a ciência.

Publicação:


 

As ideologias pós-modernas assumem que a atmosfera e os oceanos se aqueceram nas últimas décadas. Eles insistem que é o que eles chamam de um todo: a "temperatura dimodial" segue uma tendência ascendente. Essa temperatura é obtida pela coleta de medidas de ar em um grande número de estações de metano espalhadas pelo mundo, seu peso de acordo com a área que representam e, em seguida, o cálculo da média anual de acordo com o método usual de adicionar todos os valores e dividi-los entre o número de pontos.

No entanto, o conceito de temperatura global é enganoso, tanto a termodinâmica quanto matematicamente, diz Bjarne Andresen, professor do Instituto Niels Bohr da Universidade de Copenhague.

É impossível falar sobre uma única temperatura para algo tão complexo quanto o clima da Terra, diz Andresen, especialista em termodinâmica. Uma temperatura só pode ser definida para um sistema homogêneo. Além disso, o clima não é regido por uma única temperatura. Em vez disso, as diferenças de temperatura impulsionam os processos e criam tempestades, correntes marinhas, tempestades, etc., que compõem o clima.

A temperatura do mundo é outro conceito tão pouco válido quanto a classe média, onde um artifício matemático transforma uma sociedade dividida em classes sociais em algo homogêneo e uniforme. Eles só precisam repetir entelequias como a de nós todos iguais perante a lei - ou que todos nós temos os mesmos direitos.

Embora seja possível tratar a temperatura estatisticamente em uma escala local, não faz sentido falar sobre uma temperatura geral para a Terra. O planeta consiste em um grande número de componentes que não podem ser calculados em média. Em economia, faz sentido comparar a taxa de câmbio das moedas de dois países, mas você não pode falar sobre uma taxa de câmbio global média.

Se a temperatura cair em um ponto e aumentar em outro, a média permanecerá a mesma de antes, mas resultará em uma termodinâmica completamente diferente e, portanto, em um clima diferente. Se, por exemplo, a temperatura é de 10 graus em um ponto e 40 graus em outro, a média é de 25 graus. Mas se, por outro lado, a temperatura é de 25 graus em ambos os pontos, a média ainda é de 25 graus. Estes dois casos resultariam em dois tipos de condições climáticas completamente diferentes, uma vez que no primeiro haveria diferenças de pressão e ventos fortes, enquanto no segundo não haveria vento.

Se, em vez de temperatura, você quiser calcular o assalariado médio, é quase certo que a medida não leve em conta os desempregados, cujo salário é zero, então a média cairia um pouco.

Também é quase certo que, no cálculo, um acadêmico incluirá todos os tipos de renda econômica que não são salários, isto é, que acrescentará os emolumentos da burguesia, que ganha muito mais dinheiro, que continuará a aumentar o salário médio.

Outro problema com a temperatura global é que existem muitas maneiras de calcular a média.

Por exemplo, existem dois copos de água do mesmo tamanho. Em um deles a água é de 0 graus, na outra a 100. Ao adicionar esses dois números e dividi-los entre dois, você obtém uma temperatura média de 50 graus. Chama-se um numeracia. No entanto, a média geométrica desses dois números é de 46 graus. A diferença de 4 graus é a energia que impulsiona todos os processos termodinâmicos que geram tempestades, trovões, correntes marinhas, etc.

Eles são apenas dois exemplos de métodos diferentes para calcular médias e todos são igualmente corretos, mas uma razão física sólida é necessária para decidir se a temperatura média deve ser calculada de uma forma ou de outra. Dependendo dele, o mesmo conjunto de dados medidos pode mostrar simultaneamente uma tendência ascendente e uma tendência de queda nas temperaturas médias.

Portanto, as conclusões sobre a tendência das temperaturas globais podem ser o resultado do método matemático usado para obter a média e se nunca há uma boa explicação de por que um ou outro é escolhido, também não existe tal coisa quando é alterada em movimento.

() https://www.sciencedaily.com/releases/2007/03/070310101129.htm

Fonte: mpr21

sábado, 28 de junho de 2025

Um ontologia neo-materialista?

 

A semiótica como força produtiva

I

Por GABRIEL FREITAS*

Para fortalecer sua crítica ao capitalismo, o marxismo deve incorporar uma teoria materialista da língua: signos não são epifenômenos, mas tecnologias que constroem poder

A relevância do marxismo como ferramenta de análise e crítica social, bem como instrumento para a ação e organização revolucionária, segue inegável no século XXI. Suas categorias e filosofia subjacente continuam a oferecer compreensões poderosas sobre as dinâmicas do capitalismo, as relações de poder e as lutas por emancipação.

Contudo, para que o marxismo mantenha sua vitalidade e capacidade de interpelação frente aos complexos desafios da vida sócio-histórica, que está sempre em movimento, é crucial um esforço contínuo de atualização e refinamento de seu arsenal teórico e analítico. Nesse sentido, um fenômeno que demanda uma atenção renovada e aprofundada é o papel da língua e da semiose na constituição da realidade social, da ideologia e da própria subjetividade.

Neste curto texto, me proponho a enfrentar essa questão, argumentando que a tradição marxista, em suas vertentes mais clássicas e mesmo em algumas de suas releituras posteriores, tende a uma negligência sistemática ou a um tratamento superficial da língua. Frequentemente reduzida a um epifenômeno da base material, a um mero instrumento de comunicação ou a um reflexo passivo das relações de produção, a língua tem sua agência e sua materialidade própria subestimadas.

Essa lacuna, defendo, limita a capacidade do marxismo de compreender em toda a sua profundidade os mecanismos de produção e reprodução da ideologia, a construção da hegemonia e as sutilezas da constituição dos sujeitos sociais.

Como alternativa e superação, apresento as bases de um realismo materialista-semiótico. Esta abordagem, fundamentada em uma síntese transdisciplinar que articula contribuições da linguística (especialmente a Linguística Sistêmico-Funcional), da Teoria da Construção de Nicho Semiótico (informada pelas contribuições de biólogos marxistas como Lewontin e Levins e sua visão sobre a reestruturação causal na biologia evolutiva a partir da noção de causação dialética) e de uma reinterpretação da própria tradição marxista, busca entender a língua como uma força material ativa e constitutiva da realidade social e das relações de poder que a atravessam.

A semiose, nesta perspectiva, não é um domínio à parte da materialidade, mas uma dimensão intrínseca a ela, um conjunto de práticas e tecnologias que moldam ativamente o que podemos pensar, sentir, perceber e fazer.

A língua no marxismo

A relação entre o marxismo e a teoria da língua é complexa e, em muitos aspectos, paradoxal. Por um lado, a centralidade da ideologia, da consciência de classe e da crítica à alienação no pensamento de Marx e Engels sugeriria uma atenção especial aos mecanismos simbólico-linguísticos que medeiam as relações sociais e a percepção da realidade. Por outro lado, uma análise detida de seus textos revela uma ausência notável de uma teoria da língua sistemática e desenvolvida, uma lacuna que, com raras e notáveis exceções, tendeu a se perpetuar em grande parte da tradição marxista subsequente.

Marx e Engels, em obras como A Ideologia Alemã, reconheceram a língua como “a consciência prática, real, que existe para os outros homens e que, portanto, existe também para mim mesmo”, e afirmaram que “a língua é tão antiga quanto a consciência”. Essas formulações apontam para uma compreensão da língua como intrinsecamente social e ligada à atividade humana.

No entanto, essa intuição não se desdobrou em uma investigação aprofundada sobre a estrutura interna da língua, seus mecanismos de produção de significado ou seu papel ativo na configuração das próprias relações de produção e das formas de consciência. Prevaleceu, muitas vezes, uma visão instrumental da língua, ou uma tendência a considerá-la como parte da superestrutura, determinada em última instância pela base econômico-material.

Essa perspectiva, embora útil para destacar o condicionamento social da produção simbólica, acabou por negligenciar a materialidade da própria língua e sua capacidade de agência na transformação social.

Diante desse cenário, a negligência em relação à especificidade da semiose como fenômeno com suas próprias leis e dinâmicas teve consequências significativas. Limitou, por exemplo, a análise marxista da cultura, da arte e dos fenômenos cotidianos da comunicação, que por vezes foram tratados de forma reducionista.

A falta de uma teoria da língua robusta dificultou a compreensão de como o poder se inscreve nos próprios tecidos da língua, como as categorias linguísticas moldam a percepção da exploração e da dominação, e como a luta de classes se manifesta também como uma luta por significados, por narrativas, por hegemonia discursiva.

É verdade que algumas contribuições posteriores buscaram preencher essa lacuna. Valentin Volóchinov, figura proeminente do Círculo de Bakhtin, em Marxismo e filosofia da linguagem, ofereceu uma crítica contundente ao objetivismo abstrato e ao subjetivismo idealista na linguística, propondo uma visão da língua como um fenômeno social e ideológico por excelência, um campo onde os signos se tornam arena da luta de classes. Para Valentin Volóchinov, o signo é multiacentual, refletindo e refratando as contradições sociais.

Antonio Gramsci, com seu conceito de hegemonia, também abriu caminhos importantes ao destacar o papel da cultura, do senso comum e, implicitamente, da língua na construção do consentimento e na manutenção do poder da classe dominante. Seus escritos sobre os intelectuais, a organização da cultura e a necessidade de uma reforma intelectual e moral apontam para a centralidade das disputas simbólicas.

Louis Althusser, por sua vez, com a teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado, chamou a atenção para como instituições como a escola, a igreja e a mídia funcionam para reproduzir a ideologia dominante, interpelando os indivíduos como sujeitos. A língua é, evidentemente, o veículo privilegiado dessa interpelação.

Contudo, mesmo nessas contribuições valiosas, a análise muitas vezes permaneceu no nível do “conteúdo” ideológico veiculado pela língua, ou no papel das instituições, sem adentrar suficientemente na materialidade intrínseca da própria prática semiótica como força produtiva e constitutiva.

A semiose como um sistema material específico, com suas tecnologias, suas formas de construção de nichos e seus efeitos ontológicos – termos esses que serão desenvolvidos adiante –, ainda carece de uma exploração mais sistemática dentro do quadro marxista. O desafio, portanto, não é apenas reconhecer que a língua tem um papel na ideologia ou na hegemonia, mas compreender como ela opera materialmente para produzir e sustentar realidades sociais, e como essa operação está entrelaçada com as relações de poder e produção.

Fundamentos de um realismo materialista-semiótico

Para superar a lacuna histórica no tratamento da língua pela tradição marxista, propomos um realismo materialista-semiótico. Esta abordagem não busca apenas adicionar um “componente linguístico” ao marxismo, mas reconfigurar a própria compreensão da materialidade e da agência social a partir da centralidade da semiose. Trata-se de reconhecer que os signos não são meros reflexos ou ferramentas neutras, mas práticas materiais que ativamente constituem os mundos sociais, as subjetividades e as próprias condições de possibilidade da experiência e da transformação.

A defesa de um realismo material-semiótico encontra seu alicerce mais profundo na própria trajetória evolutiva da língua humana e nas propriedades singulares que emergiram desse processo. A transição de sistemas comunicativos mais simples, ou protolínguas, para a língua como um sistema semiótico de quarta ordem superior (ou seja, um sistema que herda características de sistemas físicos, biológicos, sociais e semióticos primários), conforme teorizado por Michael Halliday, não foi apenas um incremento quantitativo, mas uma transformação qualitativa com implicações ontológicas.

Central para essa transformação foi a emergência no sistema linguístico de um nível lexicogramatical abstrato, interposto entre o nível do conteúdo (semântica) e da expressão (fonologia/grafologia). Essa complexificação multinível, que Annabelle Lukin descreve como um “big bang semiótico”, dotou a língua de um poder de produção de significado sem precedentes.

A relação entre lexicogramática e semântica, diferentemente da relação arbitrária entre conteúdo e expressão, tornou-se “natural”, no sentido de que as escolhas gramaticais sistematicamente constroem e refletem padrões da experiência humana. A gramática, assim, não é um código neutro, mas, nas palavras de Halliday, um “interpretador ideológico embutido na própria língua”, que ativamente molda como a realidade é percebida e construída.

Ademais, a organização metafuncional da língua – sua capacidade de simultaneamente construir experiência (ideacional), negociar relações sociais (interpessoal) e criar relevância contextual (textual) – significa que toda representação é, intrinsecamente, uma ação e uma instanciação contextualizada de posicionamento social. Não há como separar o “conteúdo” de sua “forma” ou de seu “uso”; eles são coproduzidos.

É precisamente nessa complexificação semiótica – a gramaticalização do significado, a organização metafuncional e a capacidade de gerar o que Halliday chamou de “universo paralelo feito de significados” – que a dicotomia clássica entre materialismo e idealismo se dissolve. A língua, como prática social corporificada e sistema material (sons, gestos, inscrições), não é um mero reflexo de uma “base material” ou um veículo para “ideias” preexistentes.

Ela é a própria arena onde o material e o semiótico se constituem mutuamente. A “transdução do fenomenal de volta ao fenomenal”, como Halliday descreve a operação do signo linguístico através das interfaces de conteúdo e expressão, demonstra que a produção de significado é uma prática material que engendra o semiótico, e o semiótico só ganha agência e se manifesta através de práticas semiótico-materiais. A evolução da língua, portanto, não nos deu apenas uma ferramenta para descrever o mundo, mas uma tecnologia para ativamente construí-lo e habitá-lo de formas específicas, tornando a experiência humana inseparavelmente sócio-histórica e semioticamente mediada.

Os fundamentos desta perspectiva se assentam em alguns conceitos-chave, desenvolvidos em diálogo crítico e transdisciplinar:

(i) Linguística ontológica e relativismo semiótico controlado: Partimos da premissa de que a língua não é um sistema de etiquetas para uma realidade preexistente e independente. Ao contrário, as categorias e estruturas de uma língua (ou de um sistema semiótico mais amplo) desempenham um papel fundamental na própria constituição do que conta como “real” para uma determinada comunidade.

Diferentes sistemas semióticos não apenas “descrevem” o mundo de maneiras diferentes; eles ativamente constroem diferentes mundos de significado, diferentes ontologias. Isso não implica um relativismo absoluto onde “tudo vale”, pois, como veremos, a materialidade impõe constrangimentos. Trata-se, antes, de um relativismo semiótico que reconhece que nossa apreensão da realidade é sempre mediada e moldada pelas ferramentas semióticas de que dispomos. A língua, portanto, tem um estatuto ontológico: ela é condição de possibilidade para a emergência de certos tipos de seres, relações e fenômenos sociais.

(ii) Construção de nicho semiótico: inspirado na teoria da construção de nicho da biologia evolutiva, este conceito é transposto para o domínio da semiose humana. Assim como os organismos modificam seus ambientes e, com isso, alteram as pressões seletivas sobre si mesmos e outras espécies, os seres humanos, através de suas práticas semióticas (principalmente a língua, mas também rituais, artefatos, tecnologias), constroem ativamente seus nichos semióticos.

Estes são os ambientes simbólico-materiais que habitamos, que estruturam nossa percepção, cognição, afeto e ação. Um nicho semiótico não é apenas um “contexto cultural”, mas um sistema dinâmico de significados e práticas materiais que são coproduzidos e mantidos pelos seus habitantes. A língua é a principal ferramenta e o principal produto dessa construção de nicho, definindo o que é relevante, o que é possível, o que é valorizado dentro de um determinado universo social. Esses nichos, uma vez estabelecidos, exercem uma poderosa influência sobre as formas de vida que neles se desenvolvem, naturalizando certas práticas e marginalizando outras.

Afirmo que os seres humanos vivem imersos em “nichos semióticos” por considerar como ponto relevante a coevolução entre a língua e o cérebro humano, um processo brilhantemente explorado por Terrence Deacon.

Deacon argumenta que a língua não surgiu como um produto tardio de um cérebro já plenamente capacitado. Ao contrário, as primeiras capacidades simbólicas, mesmo que rudimentares, exerceram uma pressão seletiva única sobre a evolução cerebral. Cérebros mais aptos a adquirir, processar e transmitir sistemas simbólicos complexos foram favorecidos, levando a um ciclo de retroalimentação positiva em que a crescente complexidade linguística impulsionava a reorganização neural, e vice-versa.

Esse processo foi modulado por transformações mais amplas na evolução humana, como dinâmicas de auto-domesticação, que podem ter refinado as predisposições sociais para a cooperação e o aprendizado cultural intensivo, e o relaxamento de certas pressões seletivas que permitiram maior plasticidade e um período de desenvolvimento juvenil prolongado, crucial para a aquisição de sistemas semióticos complexos.

O resultado dessa trajetória coevolutiva não foi apenas um aumento no tamanho cerebral, mas uma reconfiguração qualitativa que deu origem a uma cognição fundamentalmente semiótica. Os seres humanos não são apenas usuários de símbolos; somos criaturas cuja percepção, pensamento, emoção e ação são mediados e constituídos por eles. Habitamos um mundo que é, em sua essência, um artefato simbólico.

É aqui que a analogia com os nichos ecológicos se torna poderosa: assim como os castores, através de sua atividade, constroem represas que transformam seu ambiente aquático, criando um nicho específico que molda sua existência e evolução, os seres humanos, através da língua e de outras práticas semióticas (rituais, artefatos, instituições), constroem ativamente seus nichos culturais e simbólicos.

Esses nichos semióticos – que englobam nossas tecnologias, narrativas, valores, ideologias e as próprias estruturas sociais – não são superestruturas etéreas, mas ambientes materiais e relacionais concretos. Eles definem o que é real, possível e desejável, moldam nossa subjetividade e são transmitidos e transformados através das gerações. Viver em um nicho semiótico significa que nossa relação com o mundo é sempre mediada por essa camada de significados e práticas materiais que nós mesmos coproduzimos, tornando a distinção entre um “mundo externo” puramente material e um “mundo interno” puramente ideal insustentável.

O argumento central que emerge da articulação desses conceitos é que a semiose é intrinsecamente material em seus processos, em suas práticas e em seus efeitos. Não há uma “base material” de um lado e uma “superestrutura simbólica” de outro. As práticas semióticas são práticas materiais que produzem efeitos materiais – na organização do trabalho, na distribuição de recursos, na saúde dos corpos, na estabilidade ou instabilidade dos ecossistemas.

Superar o dualismo matéria/signo é, portanto, um passo fundamental para uma análise marxista que possa dar conta da complexidade do mundo contemporâneo, onde a produção de significados e a produção de mercadorias estão cada vez mais imbricadas. Esta abordagem oferece uma saída para a subteorização da língua no marxismo, não ao negar a importância dos condicionamentos econômico-materiais, mas ao mostrar como estes são sempre mediados e coproduzidos por sistemas semióticos específicos.

Implicações para uma teoria marxista da ideologia e da hegemonia

A reconceitualização da língua e da semiose como forças materiais ativas, proposta pelo realismo materialista-semiótico, acarreta implicações profundas para uma teoria marxista da ideologia e da hegemonia. Ela nos permite ir além de certas formulações clássicas, oferecendo uma compreensão com mais nuances e operacionalizável desses fenômenos cruciais para a análise do poder.

Ideologia Revisitada Semioticamente: Tradicionalmente, no pensamento marxista, a ideologia foi frequentemente associada à noção de “falsa consciência”, a um conjunto de ideias que mascaram as contradições reais da sociedade de classes ou que servem para legitimar a dominação. Embora essa dimensão da crítica ideológica permaneça válida, uma perspectiva materialista-semiótica nos convida a ampliar essa compreensão. A ideologia não é apenas um “conteúdo” mental ou um “discurso” que reflete (ou distorce) uma base material.

Antes, a ideologia se manifesta nos próprios sistemas semióticos materiais que estruturam nossa percepção, cognição, afetividade e prática social. São as categorias linguísticas que usamos, os rituais em que participamos, os artefatos simbólicos que nos cercam que, em conjunto, tornam certas realidades “pensáveis”, “sentíveis” e “fazíveis”, enquanto outras são sistematicamente marginalizadas ou interditadas.

A ideologia, nesse sentido, é performativa: ela faz o mundo social ao mesmo tempo em que o interpreta. A luta ideológica, portanto, não é apenas uma batalha de ideias, mas uma disputa sobre os próprios meios de produção semiótica, sobre as tecnologias linguísticas e rituais que constituem os nichos onde a vida social se desenrola.

Hegemonia como Disputa de Nichos Semióticos Dominantes: O conceito gramsciano de hegemonia – a capacidade de uma classe dominante de exercer liderança moral e intelectual sobre as classes subalternas, obtendo seu consentimento ativo – ganha nova profundidade quando articulado com a teoria da construção de nicho semiótico.

A hegemonia não se estabelece apenas pela força ou pela coerção, nem somente pela difusão de ideias abstratas. Ela se constrói e se mantém através da criação e sustentação de nichos semióticos dominantes. Estes são ambientes simbólico-materiais onde as “verdades”, os valores e as práticas da classe hegemônica são naturalizados, tornando-se o “senso comum”, o pano de fundo inquestionado da vida social.

A “força semiótica acumulada” – o prestígio, a legitimidade e a autoridade associadas aos signos e rituais do nicho dominante – torna-se um componente central e material do poder hegemônico. A disputa pela hegemonia é, então, uma luta pela capacidade de definir e controlar os nichos semióticos mais influentes, de impor suas gramáticas e seus rituais, e de marginalizar ou cooptar os nichos alternativos ou contra-hegemônicos.

Busco, assim, argumentar em favor de uma reconceitualização do papel da língua e da semiose na tradição marxista, destacando a necessidade de superar uma negligência histórica que limita, em certa medida, o seu poder analítico. Proponho então o realismo materialista-semiótico como uma abordagem que entende a língua não como um mero reflexo da realidade material, mas como uma força material ativa, uma tecnologia social que constitui mundos, subjetividades e relações de poder.

A centralidade da linguística ontológica e da construção de nicho semiótico nos permite ver a ideologia e a hegemonia não como fenômenos puramente “superestruturais” ou “mentais”, mas como processos encarnados em práticas semióticas concretas que moldam a experiência e a ação.

Um marxismo enriquecido por uma teoria robusta da materialidade semiótica estará mais bem equipado para desvendar formas de dominação e para inspirar práticas de resistência e transformação sociossemiótica que sejam conscientes do poder constitutivo da língua. Superar as limitações históricas no tratamento da semiose não é um mero exercício acadêmico, mas uma tarefa urgente para revigorar o pensamento crítico e a práxis emancipatória.

O chamado à reflexão sobre o potencial de um realismo materialista-semiótico é, em última instância, um convite a reafirmar a capacidade do marxismo de se reinventar e de continuar sendo uma ferramenta indispensável para a compreensão e a transformação do mundo.

*Gabriel Freitas é mestre em Linguística pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) 

    COMENTÁRIO ;

   Não tenho a certeza bem fundada de que esta teorização não se deixe confundir com o idealismo dos signos contraposto ao materialismo, denunciado por V. I. Lenine no seu célebre "Materialismo e Empiriocriticismo" . O autor, pelo menos, não se "defende" desta possível acusação expressa nessa obra de influência tão decisiva na tradição marxista, como se a ignorasse (o que seria lamentável). Contudo, a seu favor, toda a argumentação , sem que refira a obra crítica leninista, é em defesa de uma materialismo dialético que "dissolva" (sic) um desvio idealista no marxismo e aproxime este de teses pertencentes do património filosófico idealista . Isto é, as "ideias" não são epifenómenos do cérebro. Neste sentido, o próprio V. I. Lenine iria mais tarde admitir corrigir o seu materialismo ingénuo primário, após a leitura da LÓGICA de Hegel, e, de resto, o marxista Vygotsky demonstrou , pioneiro nessas teses que ele foi, as origens sociais da mente ou das ideias. 

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Muito interessante esta utilização da dialética (materialista)

 

Marxismo e teoria da evolução

 
 

Por GABRIEL FREITAS*

A síntese estendida revela: a evolução não é um jogo de genes egoístas, mas uma dança dialética onde organismos esculpem seus nichos e a linguagem tece a realidade material

Em um artigo publicado no site A Terra é Redonda, argumentei que a tradição marxista tende a uma negligência sistemática ou a um tratamento superficial da língua e, dessa forma, apresentei as bases de um realismo materialista-semiótico. Introduzi conceitos como linguística ontológica, construção de nicho semiótico e a semiose como força produtiva constitutiva da realidade social humana, destacando a coevolução entre língua e cérebro.

Neste novo artigo, apresento mais elementos para sustentar minha proposta, explorando com mais detalhes as contribuições da Teoria da evolução para a consolidação de um realismo material-semiótico que possa contribuir para a atualização do marxismo contemporâneo. Mais especificamente, pretendo demonstrar como a síntese estendida da evolução, em contraste com o neodarwinismo tradicional, oferece um quadro teórico profundamente alinhado com o materialismo histórico-dialético e com as intuições fundamentais de Karl Marx sobre a relação entre os seres humanos e suas circunstâncias históricas.

Síntese estendida da evolução: superando o neodarwinismo

A síntese estendida da evolução representa o quadro teórico contemporâneo que busca expandir e superar a síntese moderna (também conhecida como neodarwinismo), incorporando avanços recentes no campo da biologia evolutiva que não são adequadamente contemplados no paradigma neodarwinista. O quadro teórico da síntese estendida, formalizado principalmente a partir dos anos 2000, tem como principais proponentes, entre outros, pesquisadores como Massimo Pigliucci, Eva Jablonka e Kevin Lala, mas suas raízes podem ser encontradas décadas antes, no trabalho pioneiro de biólogos marxistas como Richard Lewontin e Richard Levins.

A síntese moderna, consolidada entre as décadas de 1930 e 1950, representou a integração da teoria darwinista da seleção natural com a genética mendeliana e a genética populacional. Esta síntese estabeleceu um paradigma centrado em alguns princípios fundamentais: a evolução ocorre principalmente por meio de pequenas mudanças genéticas (mutações) e recombinação; a seleção natural é o principal mecanismo direcional da evolução; os genes são a única unidade de herança; o ambiente é uma força seletiva externa e independente dos organismos; e o desenvolvimento é um processo secundário na evolução.

Definido dessa maneira, o paradigma neodarwinista apresenta uma série de limitações significativas. Ele tende a um determinismo genético, a uma visão adaptacionista excessiva (criticada por Gould – também um biólogo marxista – e Lewontin, em um famoso artigo intitulado “The Spandrels of San Marco“), e a uma concepção unidirecional da relação organismo-ambiente.

A síntese estendida, por sua vez, incorpora novos processos e mecanismos evolutivos. Seus principais componentes incluem:

(i) Construção de nicho: Os organismos não são meros objetos passivos da seleção natural; são, na verdade, agentes ativos que modificam seus ambientes e, consequentemente, as pressões seletivas que atuam sobre si mesmos e sobre outras espécies.

(ii) Múltiplos sistemas de herança: A síntese estendida reconhece múltiplos sistemas de herança além do genético, incluindo herança epigenética (modificações químicas do DNA e proteínas associadas), herança comportamental (transmissão de comportamentos por meio da aprendizagem social), herança ecológica (modificações ambientais construídas por antepassados e herdadas pela geração atual) e herança simbólica (sistemas de comunicação e significado).

(iii) Plasticidade fenotípica: A capacidade dos organismos de modificar seu fenótipo em resposta a condições ambientais, sem alterações genéticas. A plasticidade não é apenas uma “resposta” passiva, podendo ser adaptativa e direcionar a evolução.

(iv) Viés de desenvolvimento: As restrições e possibilidades impostas pelos sistemas de desenvolvimento influenciam as trajetórias evolutivas, canalizando a variação em certas direções e limitando-a em outras.

(v)  Causalidade recíproca: em contraste com a visão unidirecional da síntese moderna, a síntese estendida enfatiza a causalidade recíproca entre genes, organismos e ambientes – em outras palavras, uma perspectiva dialética.

Lewontin e Levins – os biólogos dialéticos

É notável como muitos dos conceitos centrais da síntese estendida foram antecipados pelo trabalho de Richard Lewontin e Richard Levins, biólogos explicitamente marxistas que aplicaram o materialismo dialético à biologia evolutiva. Em obras como The Dialectical Biologist (O Biólogo Dialético, de 1985) e artigos como “The Organism as the Subject and Object of Evolution” (O Organismo como Sujeito e Objeto da Evolução, de 1983), Richard Lewontin já criticava o adaptacionismo excessivo, o determinismo genético e a visão passiva do organismo em relação ao ambiente.

Richard Lewontin argumenta que os organismos, em vez de se adaptarem a ambientes preexistentes, constroem ativamente seus nichos ecológicos, alterando as pressões seletivas que atuam sobre si mesmos. Esta visão dialética da relação organismo-ambiente é agora central para a síntese estendida, mas foi inicialmente desenvolvida a partir de uma perspectiva marxista.

Da mesma forma, a crítica de Gould e Lewontin ao “programa adaptacionista” antecipou muitas das críticas que a síntese estendida faz ao neodarwinismo. Eles argumentavam contra a tendência de ver todas as características dos organismos como adaptações otimizadas pela seleção natural, destacando a importância de restrições históricas e de desenvolvimento.

A causalidade dialética na biologia evolutiva

Richard Levins e Richard Lewontin, juntos, demonstraram a interpenetração dialética entre gene, organismo e ambiente. Eles criticaram a metáfora do “gene egoísta” e a ideia de que a evolução é meramente uma questão de otimização adaptativa a um ambiente fixo. Para eles, a evolução é um processo histórico complexo, contingente e multifatorial, em que as totalidades (como o organismo ou o ecossistema) têm propriedades emergentes que não podem ser reduzidas à soma de suas partes.

A causalidade recíproca ou dialética é central nessa abordagem. Não se trata de uma simples interação na qual A causa B e B causa A de forma linear. Trata-se de um processo em que A e B se coproduzem e se transformam mutuamente ao longo do tempo, de modo que nem A nem B permanecem os mesmos. O organismo é produto de seus genes e de seu ambiente, mas também é produtor de seu ambiente e, indiretamente, influencia a seleção de seus próprios genes e dos genes de seus descendentes. Esta visão reflete a dialética materialista de Marx, que via os seres humanos como produtos de suas circunstâncias históricas e sociais, mas também como agentes capazes de transformar essas circunstâncias através de sua práxis.

Herança ecossemiótica e a sombra do passado

A compreensão da construção de nicho e da causalidade dialética nos leva a um conceito central para a proposta do realismo materialista-semiótico: a herança ecossemiótica. Se os organismos, incluindo os humanos, constroem ativamente seus nichos, e se esses nichos modificados persistem no tempo, então as gerações subsequentes não nascem em um vácuo, mas herdam um ambiente já profundamente moldado pelas atividades de seus predecessores. Essa herança não é apenas genética; ela é também, e fundamentalmente para os humanos, uma herança ecológica e, inseparavelmente, semiótica.

Explicado de forma mais detalhada, a síntese estendida enfatiza que os organismos não são meros “objetos” da seleção natural; eles são também agentes ativos que modificam seus ambientes através de seu metabolismo, suas atividades e suas escolhas. Ao fazerem isso, eles alteram as próprias pressões seletivas que atuam sobre si mesmos, sobre seus descendentes e sobre outras espécies com as quais coabitam. Esse processo é a construção de nicho.

Exemplos clássicos na biologia incluem a construção de represas por castores, que transformam radicalmente ecossistemas fluviais, ou a produção de solo pelas minhocas, que alteram a estrutura e a composição química da terra. Esses organismos, ao modificarem seus ambientes, criam novas oportunidades e novos desafios ecológicos. Nesse sentido, um aspecto crucial da teoria da construção de nicho é o conceito de herança ecológica: as modificações ambientais persistentes criadas pelos organismos são legadas às gerações subsequentes como uma forma de herança, tão importante quanto a herança genética. Essa herança ecológica pode influenciar drasticamente as trajetórias evolutivas.

No caso humano, pensemos em campos agriculturáveis, cidades e estradas, – todos são componentes de uma herança ecológica que afeta profundamente as condições de vida e as possibilidades de desenvolvimento das gerações futuras. No entanto, para a espécie humana, essa herança ecológica está intrinsecamente entrelaçada com uma herança semiótica.

Os sistemas linguísticos, os corpos de conhecimento, as tradições orais e escritas, os mitos, as leis, as normas sociais, os rituais, os sistemas de valores, as tecnologias da informação e comunicação – tudo isso constitui um vasto e complexo aparato semiótico que é transmitido, aprendido, internalizado e modificado ao longo das gerações. Essa herança semiótica não é um mero adorno cultural; ela é o meio pelo qual a herança ecológica é interpretada, utilizada, mantida e transformada. É por meio da língua e de outros sistemas semióticos que aprendemos a usar as ferramentas legadas, a navegar pelos ambientes construídos, a participar das instituições sociais e a dar sentido ao mundo que herdamos.

Assim, falamos de uma herança ecossemiótica para enfatizar a indissociabilidade desses dois componentes. Os nichos que nós, humanos, herdamos são sempre nichos semiótico-materiais. As estruturas físicas de uma cidade (herança ecológica) são inseparáveis dos sistemas de signos (nomes de ruas, mapas, leis de zoneamento, discursos sobre a vida urbana – herança semiótica) que as organizam e as tornam habitáveis e significativas.

É dessa maneira que a famosa passagem de Marx em O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte passa a possuir uma nova camada de significado quando lida através da lente da herança ecossemiótica: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”.

As “circunstâncias com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” podem ser entendidas, em grande medida, como o nicho ecossemiótico herdado. Este nicho não é uma tela em branco sobre a qual os indivíduos podem inscrever livremente seus projetos. Ele é um campo de possibilidades e constrangimentos, um conjunto de recursos e limitações, de caminhos abertos e de obstáculos sedimentados pela história das gerações anteriores.

A “tradição de todas as gerações mortas” que “oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos” não se refere apenas a ideias ou crenças abstratas. Ela se materializa nos sistemas linguísticos que estruturam nosso pensamento, nos discursos hegemônicos que naturalizam certas relações de poder, nos rituais sociais que reproduzem normas e hierarquias, nas instituições que cristalizam práticas passadas e nos próprios artefatos e ambientes construídos que carregam consigo as marcas e as lógicas de quem os produziu.

Essa herança ecossemiótica, portanto, desempenha um papel dialético crucial na agência humana e na transformação histórica.

Condição de possibilidade para a ação: O nicho herdado fornece os recursos (materiais e semióticos) sem os quais a ação humana seria impossível. Aprendemos a pensar, a falar, a agir e a nos relacionar dentro das coordenadas desse nicho. As ferramentas, as tecnologias, os conhecimentos e as formas de organização social legadas pelo passado são a matéria-prima com a qual as novas gerações constroem seu presente.

Fonte de constrangimento e limitação: Ao mesmo tempo, o nicho herdado impõe limites. Os discursos marginalizam vozes dissidentes. As instituições resistem à mudança. As infraestruturas materiais perpetuam desigualdades. A “tradição” pode, de fato, oprimir, tornando certas alternativas impensáveis ou impraticáveis.

Objeto de transformação (práxis): De forma crucial, e em consonância com a perspectiva marxista, os seres humanos não são meros prisioneiros de seu nicho herdado. Por meio da práxis – a atividade consciente, social e transformadora – podemos modificar, subverter e, eventualmente, revolucionar os nichos ecossemióticos que herdamos. Essa transformação, no entanto, nunca parte do zero. Ela sempre ocorre a partir das condições legadas, utilizando e ressignificando os recursos disponíveis, e lutando contra os constrangimentos existentes. A história, nesse sentido, é um processo contínuo de construção, desconstrução e reconstrução de nichos semiótico-materiais.

Implicações para um marxismo biossociossemiótico

A síntese estendida da evolução oferece uma base científica robusta para um marxismo que possa dialogar com a teoria da evolução contemporânea, superando as limitações do determinismo genético e do adaptacionismo que muitas vezes foram usados para naturalizar desigualdades sociais e justificar o status quo. Algumas implicações importantes incluem:

(1) Superação do determinismo: Ao reconhecer múltiplos sistemas de herança e a plasticidade fenotípica, a Síntese Estendida rejeita o determinismo genético simplista, alinhando-se com a visão marxista de que os seres humanos são produtos de suas circunstâncias sociais, mas também agentes capazes de transformá-las.

(2) Causalidade dialética: A ênfase na causalidade recíproca entre genes, organismos e ambientes reflete a dialética marxista, que rejeita relações causais unidirecionais e enfatiza a interpenetração e transformação mútua dos fenômenos.

(3) Agência coletiva: O conceito de construção de nicho oferece uma base evolutiva para entender como a ação coletiva humana pode transformar as condições materiais e semióticas de existência, criando novas possibilidades para o desenvolvimento humano.

(4) Historicidade: A síntese estendida enfatiza a contingência histórica e as restrições de desenvolvimento, alinhando-se com a ênfase marxista na especificidade histórica e na importância das condições materiais herdadas.

(5) Crítica ao reducionismo: Ao reconhecer múltiplos níveis de organização e causalidade na evolução, a síntese estendida rejeita o reducionismo genético, assim como o marxismo rejeita o reducionismo econômico simplista.

Ao incorporar a teoria da construção de nicho e, fundamentalmente, a crítica dialética de Lewontin e Levins, o realismo materialista-semiótico busca oferecer uma base teórica sólida para afirmar a materialidade e a agência da língua e da semiose, não como entidades separadas da vida material, mas como dimensões constitutivas e transformadoras dela. Isso abre caminho para uma análise marxista mais detalhada e poderosa das formas de poder, ideologia e hegemonia.

A aproximação entre marxismo e teoria evolutiva, particularmente através da lente da Síntese Estendida, nos oferece uma compreensão mais sofisticada de como os sistemas semióticos emergem, persistem e se transformam em relação dialética com as condições materiais de existência.

Por um marxismo sem medos teóricos

A síntese teórica aqui proposta busca trazer implicações para a práxis política e para a elaboração teórica. Se os nichos semióticos são construídos e não dados, se a herança ecossemiótica é tanto um recurso quanto um constrangimento, então a luta por transformação social deve necessariamente incluir uma dimensão semiótica. Além de mudar as relações de propriedade, é preciso também transformar os sistemas de significado, as narrativas, os discursos e as práticas simbólicas que sustentam e naturalizam as relações de poder.

Partindo dessas compreensões, busco contribuir para um marxismo que dialogue sem medo com a teoria da evolução, fundamentado com a síntese estendida, reconhecendo que a luta de classes é também uma luta por significados, por narrativas, por hegemonia discursiva. Dessa forma, a construção de alternativas ao capitalismo envolve, além da reorganização das relações de produção, a criação de novos nichos semióticos que possibilitem formas de vida mais justas, sustentáveis e emancipatórias.

Em última análise, o que proponho é uma atualização do marxismo que leve a sério tanto a materialidade quanto a semiose, tanto a economia política quanto a ecologia simbólica. Um marxismo que compreenda que a transformação social é sempre, simultaneamente, uma transformação material e semiótica, e que a práxis revolucionária envolve a tomada dos meios de produção e a reconstrução dos nichos semióticos que habitamos.

Essa proposta de aproximação entre marxismo e teoria evolutiva não visa diluir a especificidade do marxismo em um ecletismo teórico, mas sim enriquecê-lo com contribuições científicas recentes que possam fortalecer sua capacidade analítica.

Ao reconhecer a centralidade da construção de nicho semiótico e da herança ecossemiótica, podemos desenvolver um marxismo mais atento à complexidade da vida sociossemiótica e mais capaz de orientar a práxis transformadora em um mundo onde a semiose e a materialidade estão umbilicalmente entrelaçadas.

*Gabriel Freitas é mestre em Linguística pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

ERIC HOBSBAWN

 ERIC HOBSBAWN

Vinculado ao Partido Comunista inglês durante toda sua vida, Eric Hobsbawn é autor de uma obra monumental — inspirada não apenas pelo marxismo, mas também por sua própria trajetória de vida (ele, afinal, nasceu em 1917 e de algum modo acompanhou todos os eventos marcantes do século XX) — e manteve-se ativo política e intelectualmente até sua morte, aos 95 anos. Entre as décadas de 1950 e 1960, dedicou-se ao estudo da classe operária, sobretudo a inglesa no período de sua formação, trabalhos que, nas palavras do historiador Osvaldo Coggiola, contrapunham:

“à velha história do movimento operário centrada sobre suas instituições (sindicatos, partidos, líderes, greves e insurreições), […] um novo tipo de história operária e popular, inspirada nos avanços da historiografia acadêmica e baseada na pesquisa de fontes primárias, na qual condições materiais de vida, práticas cotidianas, hábitos, costumes e cultura ganhavam seu devido lugar, contribuindo para uma reconstrução histórica mais precisa, não dogmática ou hagiográfica”.

Sem sombra de dúvidas, contudo, seu grande trabalho foram os volumes conhecidos como “As eras”, um imenso esforço de síntese da história ocidental desde a Revolução Francesa. “Essas obras de Hobsbawm são um tour de force sem paralelos na historiografia contemporânea, marxista ou não. A agenda da obra, sua periodização do capitalismo, é de inspiração marxista: a vitória, estabilização, expansão mundial e, finalmente, decadência do capitalismo, ocupando cada volume”. Longe de uma vulgarização, trata-se de “um relato sintético magistral, de uma erudição sem precedentes em relação aos períodos considerados e de magnífica fluidez lógica e literária […] Nunca um historiador havia conquistado tal grau de difusão escolar e popular”, escreve o professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo no artigo “Eric Hobsbawm, um historiador marxista”, publicado na Margem Esquerda #19.

 Blogue da Editora Boitempo, Brasil


 

Em O império universal e seus antípodas, o professor Marcos Del Roio traz um panorama abrangente sobre a história moderna percorrendo a formação, o desenvolvimento, a transformação e o declínio de impérios e sistemas mundiais, apresentando o Ocidente ao longo de centenas de anos e sua contraposição ao Oriente. O autor mostra como nasceu e se consolidou a ideia de um Oriente negativo, inferior e desprovido de identidade, pronto para ser conquistado e salvo pelo Ocidente.
 
Mesclando história, política, filosofia, economia e religião, Del Roio traz amplo conhecimento da história moderna: “Não se trata de mais uma obra sobre o Oriente imaginário, mas sim da análise do papel da negação e subalternização do outro na construção da identidade do Ocidente e do projeto do império universal, processo no qual a representação política do Oriente é um dos aspectos mais importantes”, diz o autor no prefácio.


Com erudição e comprometimento com pesquisa e fatos históricos, surge um retrato fidedigno dos últimos mil anos de poder e imperialismo no mundo: “Através de uma escrita cristalina, Marcos vai nos mostrando como, a partir do ano 1000, a Igreja e o Estado no Ocidente foram afirmando seus poderes, ao preço de criarem e solidificarem a imagem de um Oriente atrasado e inimigo — espécie de eterno aleijão político, econômico e cultural — e um próprio Ocidente interno subalternizado, feito de trabalhadoras, trabalhadores e insubmissos de toda cepa”, escreve o historiador Iuri Cavlak no texto de orelha.


quinta-feira, 26 de junho de 2025

Jacques Rancière, um dos mais importantes pensadores contemporâneos da Política

 Bertrand.pt - As Viagens da Arte

«O que dizem as instalações e as performances de arte contemporânea sobre o museu e a rua, a realidade e a ficção, a arte e a política? Jacques Rancière, teórico das fronteiras e dos cruzamentos disciplinares, reflecte sobre os limites e as transgressões da arte, numa viagem pelos fundamentos do pensamento estético até ao movimento que leva a arte para fora de si mesma.

As Viagens da Arte passam pela arquitectura, quando esta quer construir um novo mundo sensível, pela música, quando aspira à linguagem universal, pela tentativa de identificar arte e vida na época da Revolução Soviética, e pela diluição entre arte e política que caracteriza as práticas contemporâneas.

Na ambiguidade das suas fronteiras, a arte opõe-se à ordem que separa territórios e desliga o possível do impossível. Como trabalho estético de experimentação humana, permite-nos vislumbrar novas formas, indissociavelmente artísticas e políticas, de comunidade.» sinopse

terça-feira, 17 de junho de 2025

O petróleo, eis a questão.

 

O conflito Israel x Irã

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Por EDUARDO BRITO, KAIO AROLDO, LUCAS VALLADARES, OSCAR LUIS ROSA MORAES SANTOS e LUCAS TRENTIN RECH*

O ataque israelense ao Irã não é um evento isolado, porém mais um capítulo na disputa pelo controle do capital fóssil no Oriente Médio

Nas últimas semanas, o conflito, de amplo conhecimento e repercussão no debate público, do regime sionista de Israel – patrocinado pelo imperialismo americano com sua hegemonia do capital fóssil (MALM, 2016) – contra o Estado da Palestina ganhou novos contornos com o acirramento da tensão, inclusive, em relação a uma das maiores potências petrolíferas da região, a República Islâmica do Irã.

O objetivo da presente exposição é tratar do fenômeno político concreto, articulando a dinâmica de produção de petróleo e gás na região do Oriente Médio, sobretudo no Irã, alvo de potenciais ataques do regime sionista, com o conflito hegemônico entre Estados Unidos e China pelo controle do capital fóssil e suas implicações no mercado internacional de energia.

Histórico das relações entre Irã, Israel e Estados Unidos

No último dia 11 de junho, o Washington Post noticiou que os Estados Unidos estariam esvaziando suas embaixadas no Oriente Médio, sobretudo no Iraque, ao emitir autorização para retirada de “funcionários não-essenciais”[i] desses espaços frente ao crescente risco de uma ofensiva do regime sionista de Israel contra o Irã, após supostamente terem sido avisados de que o regime está “totalmente preparado para lançar uma operação contra o Irã”.

Mais tarde, na madrugada do dia 13 de junho em Teerã, as forças sionistas realizaram ataques a diversas bases militares no país, além de também terem atingido diversas bases nucleares do país. Ao todo foram mais de 80 mortos, incluindo diversos cientistas envolvidos no programa nuclear, o chefe do Estado-maior, além do chefe da Guarda Revolucionária iraniana.

Os ataques de Israel tiveram Teerã – cidade onde se concentram membros do alto escalão militar e político – e a cidade de Natanz – onde se concentram usinas de enriquecimento de urânio, insumo fundamental para o desenvolvimento de artefatos nucleares – que fica a pouco mais de três horas da capital, como principais alvos. Segundo a Associated Press, pelo menos mais seis cidades também foram atacadas.

Após o ocorrido, o regime israelense, na pessoa do ministro de defesa, Israel Katz, declarou estado de emergência e rapidamente fechou seu espaço aéreo. Até o momento, o Irã respondeu aos ataques enviando drones e mísseis balísticos ao território ocupado por Israel.[ii]

FIGURA 1.[iii]

Apesar de, num primeiro momento, saltar à vista uma possível ação independente por parte de Israel – sendo essa ideia fortalecida por declarações contraditórias do presidente Donald Trump, como a de que ele teria se oposto a ideia de ataque ao Irã[iv], segundo o The New York Times –, é adequado lembrar que, sem nenhuma dúvida, esta não será consumada sem o devido escrutínio do governo dos Estados Unidos, como já se haviam especulações há semanas: “Se for necessário o uso militar, nós usaremos força militar”, disse Donald Trump. “Israel obviamente estará muito envolvido nisso. Eles serão os líderes disso. Mas ninguém nos lidera, fazemos o que queremos fazer.”[v]

A fala do presidente expressa muito bem (basta olhar e ver) o papel desempenhado pelo regime de Israel no imperialismo estadunidense. Os EUA, certamente, agirão pelas garantias de seu próprio interesse; no entanto, Israel, enquanto protetorado americano, possuindo contradições distintas – porém que resultam no mesmo fenômeno – destes últimos em relação ao Irã, deverá ser o responsável direto pela ofensiva.

Essas se manifestam, pelo menos, desde que a França desenvolveu o programa nuclear israelense, se tornando uma condição de real preocupação a partir da década de 1970. O Irã viu não só sua qualidade de potência regional ser ameaçada, como também sua própria estabilidade política e soberania. Desse modo, o início do seu próprio projeto nuclear (na década de 1960) voltado para a produção de energia de interesse civil, foi causador de mal-estar no mundo ocidental no início dos anos 2000, quando já se era sabido que o programa nuclear iraniano poderia causar grande impacto na correlação de forças no Oriente Médio.

Aliado a isso, o suporte histórico do Irã à causa palestina é outro fato relevante para o acirramento dessa disputa. Desde 1990, o país mantém relações firmes com o Hamas, sendo formalizadas um ano depois, quando uma delegação do grupo político solicitou a criação de um gabinete oficial em território iraniano. Após o evento, o Irã forneceu apoio material ao grupo em diversas outras ocasiões, como no episódio de deportação em massa de líderes do grupo e da Jihad Islâmica palestina para o Líbano ou na invasão da Faixa de Gaza entre 2007 e 2008.

No primeiro, o Irã serviu como ponte para a aproximação entre o Hamas e o Hezbollah, além de promover frequentes visitas de autoridades aos líderes exilados; no segundo, o Irã forneceu, secretamente, diversos equipamentos militares fundamentais para a defesa da Palestina na região.[vi]

O Irã, portanto, figura como antagonista direto do regime sionista de Israel ao passo que é o principal responsável pela existência e a força da frente de combate mais incisiva do povo palestino e, importante lembrar, pela existência também do próprio povo palestino. Nesse contexto, o Irã é, ao mesmo tempo, um antagonista da hegemonia fóssil estadunidense, que, além de ter em Israel seu destacamento militar mais avançado no território, exerce forte influência no Golfo Pérsico através de suas diversas bases militares na costa oeste e ao longo do Oriente Médio.


FIGURA 2.[vii]

Estrutura histórica e a Revolução iraniana

O atual cenário de iminente conflagração, acentuado pela escalada de violência israelense em Gaza e pelo alinhamento do Irã à causa palestina, não pode ser analisado como um evento isolado. Pelo contrário, o que se observa é o ápice de uma trajetória histórica cujo ponto de ignição se deu após a Revolução Iraniana (1978-1979) (Espírito Santo, 2017).

Portanto, para compreender a profundidade estratégica deste confronto e o papel do Irã como uma potência energética no Oriente Médio (Bhagat, 2005), analisaremos a gênese e os motivos que transformaram a nação persa no principal antagonista da hegemonia fóssil norte-americana na região mais rica em petróleo do mundo.

A inserção do Irã em uma momentânea dinâmica de subordinação ao Ocidente foi selada em 1953. Naquele ano, o governo nacionalista do primeiro-ministro Mohammad Mossadegh foi deposto por um golpe orquestrado pela CIA (Estados Unidos) e pelo MI6 (Reino Unido). O “crime” de Mossadegh fora nacionalizar a indústria petrolífera, até então controlada pelo capital britânico, em uma tentativa de reverter a drenagem de riquezas do país.

O golpe restaurou ao poder o Xá Mohammad Reza Pahlavi, consolidando um regime cuja função no tabuleiro geopolítico era clara: atuar como um peão na estratégia de Washington, garantindo o fluxo de petróleo barato para o Ocidente e funcionando como um baluarte contra a influência da União Soviética, com quem o Irã compartilhava uma extensa fronteira estratégica (Alves, 2020).

Estruturava-se, assim, um modelo clássico de desenvolvimento dependente, no qual a economia periférica iraniana era moldada para servir aos interesses do centro imperialista (Foran, 1989). Sob essa lógica, o regime golpista do Xá promoveu um projeto de “modernização” autoritária conhecido como a “Revolução Branca” (1963), financiada pela vasta riqueza petrolífera. A iniciativa, contudo, produziu um efeito socialmente desastroso, aprofundando as crises internas (Nakhaei, 2020).

O primeiro ponto foi a concentração de renda e o aprofundamento da desigualdade. Operando sob uma lógica análoga à do “milagre econômico” (1969-1973) da ditadura militar brasileira, a promessa de “fazer o bolo crescer para depois dividir”, a riqueza do petróleo jamais foi redistribuída. Pelo contrário, alimentou uma pequena elite ocidentalizada, enquanto a vasta maioria da população, especialmente nos centros não-urbanos, permanecia marginalizada (Brandis, 2009).

Em segundo lugar, a imposição de um secularismo de Estado e de uma ocidentalização acelerada que separou setores cruciais da sociedade. O clero muçulmano xiita, majoritário no país e conhecido como ulemás, viu sua influência e suas tradições serem sistematicamente degradadas (Varol, 2016). Por fim, como em todo regime autocrático, a estabilidade era mantida pela força. Qualquer oposição política era brutalmente reprimida pela SAVAK (Organização de Inteligência e Segurança Nacional), a temida polícia secreta do regime, treinada e assessorada por agências dos EUA e de Israel.

Nesse contexto, o petróleo era percebido pela população não como um vetor de desenvolvimento nacional, mas como o elo da subordinação do país e a fonte de poder de um regime tirânico e subserviente a interesses forasteiros (Bina, 2017). A oposição, consequentemente, aglutinou-se em uma espécie de “frente ampla”, composta por liberais, nacionalistas, socialistas e, de forma mais organizada e capilarizada, o clero xiita, sob a liderança do Aiatolá Ruhollah Khomeini, que orquestrava a resistência a partir do exílio, primeiro no Iraque e, em sua fase final e mais decisiva, na França.

Desafiando teses que historicamente atribuíam poder de barganha política a setores operários clássicos, como os mineiros de carvão no país persa, a classe trabalhadora petroleira iraniana demonstrou uma agência histórica decisiva. Conforme apontado por Jafari (2019), esses operários, cientes de sua posição estratégica em uma economia totalmente articulada em torno da extração e comércio de petróleo, emergiram como a vanguarda do levante popular. Entre 1978 e 1979, uma onda de greves massivas, coordenadas nas refinarias e campos de petróleo de Abadan e da província do Cuzistão, efetivamente paralisou a produção e a exportação. O efeito sobre o regime do Xá foi duplo e devastador.

Primeiramente, no plano material, a ação coletiva induziu à asfixia econômica do Estado. Ao cortar a principal fonte de receita do país, os grevistas tornaram o regime incapaz de pagar seus funcionários e, crucialmente, seu aparelho repressivo, as forças armadas e de segurança. O pilar financeiro que sustentava a monarquia implodiu (Jafari, 2018).

O segundo impacto foi de ordem simbólica e política. Em uma inversão dialética hegeliana de poder, os trabalhadores demonstraram que o controle fático do recurso mais valioso do país não residia no palácio do monarca, mas naqueles que operavam os poços e as refinarias.

O petróleo, antes o símbolo máximo da dominação estrangeira e da tirania do Xá, foi ressignificado e transformado “de dentro”, em uma arma de sabotagem e mobilização popular, como argumentado por Timothy Mitchell (2009). Para a comunidade internacional, o sinal era inequívoco: o regime do Xá havia perdido o controle de fato sobre seu território e sua principal fonte de poder.

Contudo, a vitória da revolução catalisada por essa ação operária, abriu um vácuo de comando e controle. Foi neste momento que a “facção” mais organizada e com maior capilaridade social, o clero xiita sob a liderança de Khomeini, moveu-se para consolidar sua direção do processo. Os aliados conjunturais da “frente ampla” foram então sistematicamente neutralizados.

Liberais e nacionalistas, como os que compunham o governo provisório de Mehdi Bazargan, foram rapidamente marginalizados e expurgados do poder (Ostovar, 2009). Em seguida, as organizações de esquerda: socialistas, comunistas (como o partido Tudeh) e guerrilheiros (como os Fedayin do Povo), que haviam combatido ativamente a ditadura do Xá, foram declaradas inimigas do novo Estado e da própria fé.

A razão para essa perseguição brutal era dupla: primeiramente, sua ideologia secular e sobretudo marxista era fundamentalmente irreconciliável com o projeto de Khomeini de um Estado governado pela jurisprudência islâmica (a Velayat-e Faqih). Em segundo lugar, como grupos com experiência de combate, organização e uma base popular própria, eles representavam um polo de poder alternativo e uma ameaça militar direta à consolidação da hegemonia clerical e de sua nova guarda, a Pasdaran (Ostovar, 2009). A revolução, que começa com uma base ampla, foi deliberadamente afunilada para garantir a ascensão de uma teocracia xiita.

A interrupção da produção iraniana, seguida pela incerteza sobre a nova política do país, provocou o que ficou conhecido como o “Segundo Choque do Petróleo” em 1979. A redução na oferta fez os preços dispararem, mergulhando a economia global em uma recessão e reforçando a lição aprendida em 1973: a estabilidade do sistema energético ocidental era perigosamente dependente da estabilidade política do Oriente Médio, agora radicalmente alterada (Valladares, 2024).

A relação conturbada entre o Oriente Médio, em específico o Irã, e os países do eixo ocidental prosseguiu ao longo de toda a segunda metade do século XX, e persistiu no século XXI, conforme tratado posteriormente no tópico quarto.

Internamente, o novo lema do Irã, “Nem Ocidente, Nem Oriente, mas República Islâmica”, traduziu-se em uma política externa que rejeitava a subordinação a qualquer das superpotências da Guerra Fria (1947-1991) (Espírito Santo, 2017). O controle nacional sobre o petróleo tornou-se o pilar desta soberania. Isso sacramentou o fim da aliança estratégica com os Estados Unidos e, por consequência, com Israel, que passou da condição de parceiro discreto do Xá a ser rotulado como o “Pequeno Satã” e uma “entidade sionista ilegítima”, solidificando as hostilidades que foram os motivos da escrita deste artigo (Lewis, 2004).

Dois eventos subsequentes que valem a pena ser citados e foram relevantes. O primeiro foi a Crise dos Reféns (1979-1981), quando estudantes revolucionários, apoiados pelo novo regime, invadiram a embaixada dos EUA em Teerã e mantiveram 52 diplomatas e cidadãos americanos cativos por 444 dias. O ato foi uma resposta direta à decisão americana de acolher o Xá deposto para tratamento médico, o que foi interpretado no Irã como um prelúdio para um novo golpe orquestrado pela CIA, a exemplo de 1953 (Perosa Jr, 2013).

A crise humilhou publicamente os Estados Unidos, destruiu qualquer possibilidade de reconciliação a curto prazo e foi usada internamente por Khomeini para consolidar o poder da linha-dura clerical, eliminando os últimos vestígios de moderação do governo.

O segundo evento foi a Guerra Irã-Iraque (1980-1988). Vendo uma oportunidade no aparente caos revolucionário, o Iraque de Saddam Hussein, com massivo apoio financeiro e militar de potências ocidentais e monarquias do Golfo, que temiam a “exportação” da revolução islâmica, invadiu o Irã. O conflito brutal de oito anos consolidou a percepção iraniana de um mundo hostil e determinado a destruir seu novo regime.

Em resposta, o país foi forçado a aprimorar sua resiliência: começou a usar o petróleo como escudo, desenvolvendo canais de exportação paralelos para contornar sanções, forjando alianças com atores não alinhados ao eixo ocidental e definindo sua política energética como a espinha dorsal de sua resistência à hegemonia do capital fóssil liderada pelos EUA (Ostovar, 2009).

A revolução, portanto, não apenas derrubou um ditador, ela removeu um dos maiores agentes de petróleo do sistema de segurança energética ocidental, e o transmutou em um adversário ideológico e estratégico (McGlinchey, 2014). A consciência de que o petróleo poderia ser usado como arma, concebida nas greves de 1978, tornou-se a doutrina central de um Estado que, desde então, vê seus recursos energéticos como a principal ferramenta para garantir sua sobrevivência e projetar sua influência (Zunes, 2009).

Estavam assim consolidadas as premissas de um conflito prolongado, no qual o Irã adotou uma postura duradoura de antagonismo em relação aos Estados Unidos e a Israel, uma hostilidade que se projeta até os dias atuais.

A produção fóssil iraniana e a aproximação chinesa

Como visto acima, portanto, as disputas políticas e territoriais entre Israel e Irã não são suficientes para explicar o papel dos Estados Unidos nos conflitos; a elas soma-se a importância iraniana no mercado internacional de petróleo, cuja utilidade enquanto ferramenta de pressão global foi demonstrada ainda na Guerra do Yom Kippur (1973)[viii].

Ampliando o contexto, durante as operações para retomada de terras lideradas pela Síria e pelo Egito, os Estados Unidos garantiram a manutenção de sua principal ferramenta da hegemonia fóssil, prestando suporte militar ao regime de Israel. Como resposta, os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) impuseram «cortes consideráveis em sua produção de petróleo mês a mês, até a total evacuação das forças israelenses sobre todo o território árabe ocupado a partir da guerra de 1967 […]» e um embargo total de vendas sobre os Estados Unidos e outros países que apoiaram o regime israelense[ix].

Em um período de guerra fria, e iminente perigo nuclear, o petróleo era (como ainda o é) figura fundamental no contexto da reprodução da vida capitalista, enquanto capital fóssil (MALM, 2016), ou seja, como subversor da natureza e sua temporalidade, assumindo o papel de sujeito do processo produtivo, impondo seu tempo abstrato ao ritmo da reprodução do trabalho e da produção do mais-valor relativo e absoluto, portanto, agindo como um fator contrariante à queda da taxa de lucro.

Para além disso, desempenha papel fundamental, inclusive, na mobilidade de capitais, sendo, dialeticamente, agente ativo e passivo do exercício da hegemonia: ao passo que sua abundância atrai agentes imperialistas para o território onde se encontra, também é elemento fundamental para o exercício do próprio imperialismo.

Isso se manifesta, de forma concreta, no abastecimento tanto os setores de uso doméstico, como automóveis para deslocamento da força de trabalho, quanto blindados, grandes navios e caças dos porta-aviões nucleares, que dependiam diretamente do “ouro negro” (petróleo) para funcionar. Por isso, ainda que o sucesso dos embargos da OPEP na guerra sejam questionáveis — visto que Israel não mobilizou suas tropas para fora do território Árabe — o uso geopolítico do petróleo se comprovou, com a pressão exercida sobre os preços internacionais tornando a prática uma forma de contenção do Oriente Médio à hegemonia americana nas próximas décadas.

Ipso facto, o controle estadunidense sobre a região se acentuou. A inexistência de bases sobre território iraniano não implica em ausência de controle; pelo contrário, o controle passou a ser feito a partir de bases próximas ao canal de Suez e ao estreito de Ormuz, localizadas sobretudo no Kuwait, por contenção ao Iraque e problemas internos, Bahrein, Catar e nos Emirados Árabes Unidos. Através delas, o escoamento de petróleo iraniano para outras partes do mundo foi minado, numa tentativa de retardar o seu crescimento econômico.

Paralelo ao desenvolvimento da oil weapon árabe, os Estados Unidos aprenderam a utilizar a demanda por petróleo como uma ferramenta geopolítica, impondo desde 1979 uma sanção à quantidade de petróleo iraniana importada, restrita a não mais que cinquenta mil barris por dia[x]. As sanções se agravaram com o tempo, sob o pretexto de combate ao apoio do Irã ao terrorismo. Em 1984, investimentos, assistência financeira e transferência de material militar ao Irã por entidades estrangeiras foram proibidos.

Depois, em 1986, foi proibida a importação de bens e serviços iranianos. As medidas se agravaram a partir de 1995, durante o governo de Bill Clinton, com a tentativa de mobilizar os principais aliados dos Estados Unidos contra a importação de petróleo iraniano.

Contudo, a medida não teve grande sucesso, com muitos países se negando a adotar a postura severa visto que os Estados Unidos seguiam comprando petróleo do Irã e revendendo para o resto do mundo. Além disso, «sendo um bem fungível, o petróleo iraniano poderia ser trocado com outros países a fim de ser importado pelos EUA […]», reduzindo significativamente o impacto dessas novas sanções. Apesar das medidas serem anunciadas como ferramentas antiterrorismo, o desdobramento dos conflitos deixou bastante evidente que a tentativa de controle estadunidense do Golfo Pérsico era, na verdade, o principal motivador por detrás delas, visto que a região concentra cerca de dois terços do petróleo mundial e fugia do seu domínio ideológico durante a guerra fria.

As restrições impostas ao comércio internacional do Irã com o ocidente e o controle parcial dos Estados Unidos aos principais canais de comunicação fluvial entre o Irã e o mundo tornou necessário a aproximação do país a novos parceiros internacionais e a criação de estratégias alternativas para o desenvolvimento econômico e energético, entre elas, a ampliação do seu programa militar e formas alternativas de escoamento de petróleo.

Quanto à primeira alternativa, o dispêndio do Irã com o setor militar cresceu continuamente entre 1993 e 2006, mesmo estando sob sanções unilaterais dos Estados Unidos[xi]. Nesse mesmo período, o governo iraniano recusou-se a terminar os seus programas de enriquecimento de urânio, originários de um apoio conjunto dos Estados Unidos e outros países para promover a paz no oriente médio (sic) que posteriormente fora terminado e reativado a partir da década de 1990, agora com apoio da Rússia.

Como consequência, o conselho de segurança da ONU impôs sanções multilaterais ao Irã a partir de 2006, endossadas novamente pelos Estados Unidos e pela União Europeia em 2012, em ordens de frear o avanço militar e nuclear iraniana, resultando no sucessivo decréscimo dos gastos com o setor militar[xii].

O crescimento militar do Irã não é alheio às discussões do parágrafo anterior, acerca do petróleo, mas soma-se a eles; somente um grande poderio bélico instalado é capaz de garantir a soberania do país e o seu acesso aos mercados internacionais mesmo em face a severas pressões de agentes externos. Do contrário, a presença de bases estadunidenses próximas ao território iraniano seria suficiente para assegurar a sua completa subordinação aos interesses estrangeiros.

Quanto à segunda alternativa, o Irã adotou uma série de medidas ilegais para contornar as sanções e escoar a sua produção de petróleo. Estima-se que cerca de 80% do contrabando de exportação realizado no Irã se destine a produtos de petróleo, quando não a commodity em si[xiii].

O objetivo principal do contrabando é que os navios cargueiros passem despercebidos pelos principais canais de transporte fluvial que, como citados anteriormente, estão sob o campo de visão dos Estados Unidos e suas bases, dando ênfase ao estreito de Ormuz, principal rota de transporte de petróleo iraniano para a China. Nesse quesito, a própria China desempenha o papel de importante parceiro comercial do Irã, devido a interesses ideológicos, comerciais, e políticos, referentes ao domínio do golfo persa e o acesso ao petróleo.

A relação entre os dois países, entretanto, não é recente, mas vem sendo construída desde 1990. A princípio, o agravamento das sanções contra o Irã em 1995 e o sentimento antichinês que se apoderou do congresso americano fizeram com que as petrolíferas chinesas não estreitassem muito as suas relações comerciais com o Irã[xiv].

Depois, já no final da década, os países se aproximaram, tanto pela relação entre os compradores de petróleo chineses e os vendedores iranianos quanto pelos interesses dos governos, com parcerias que abrangiam desde o desenvolvimento nuclear a medidas de comércio. A importação de óleo iraniano pela China aumentou nos anos seguintes, sobretudo no período entre o final da década de 1990 até 2003.

Retorno à contemporaneidade e os mercados futuros

Uma vez realizada a contextualização histórica e política, torna-se possível analisar os conflitos atuais sob perspectivas alheias à ótica do conflito árabe-israelense — em especial a do mercado internacional de petróleo e do conflito entre Estados Unidos e China.

Inicialmente, o preço dos contratos futuros de petróleo, um dos principais instrumentos de proteção dos produtores ao risco de mercado e importante ferramenta de especulação, seguiu uma trajetória de queda ao longo dos primeiros semestres do ano, motivada pelo aumento da produção estadunidense através da política de intensiva permissividade a formas alternativas de extração, especialmente a de xistos em solo.

O nível maior de estoques americanos junto à menor demanda por petróleo deveria, em tese, se converter na redução da produção geral da OPEP, que já vinha realizando cortes há um ano com previsão estendida até junho de 2026; entretanto, como forma de punir alguns membros por inconformidade aos cortes de produção[xv] e tornar inviável a extração de petróleo via xisto, devido ao seu alto ponto de «breakeven» em relação às plataformas onboard árabes, a Arábia Saudita decidiu impor um aumento na produção de petróleo dos países da OPEP em ritmo acelerado.

Além disso, ela também percebeu que «manter cotas baixas de produção, uma estratégia feita para aumentar os preços, apenas permitiu que os Estados Unidos ganhassem participação de mercado, sobretudo nos países asiáticos»[xvi]. Os eventos do dia 13, entretanto, colocam em xeque todo o atual estratagema internacional acerca do petróleo.

Evidentemente, em caso de conflito prolongado entre o Irã e Israel e, sobretudo, caso esse conflito se estenda para todo o mundo árabe, parte do petróleo outrora escoado para os mercados internacionais pelas empresas locais será destinado à indústria da guerra. Ataques coordenados de ambos os lados acabam por colocar em perigo grandes produtoras de petróleo e estoques físicos, prejudicando ainda mais a oferta nesse cenário.

Considerando a quantidade de petróleo disponível no Golfo Persa e demais regiões do levante ao norte da África, pode-se presumir que a nova demanda por petróleo oriunda da guerra será majoritariamente suprida por fontes internas, minimizando, a princípio, o aumento da demanda global. Assim, uma vez confirmada a escala do conflito, os preços do petróleo no mundo todo tendem a subir, com largos acréscimos de valor nos futuros como forma de proteção dos produtores à incerteza futura, já demonstrados no gráfico diário dos futuros Brent a seguir.

FIGURA 3.[xvii]

Conflito hegemônico EUA x China e os rumos da geopolítica

Como já exaustivamente discutido, há, inserido na guerra entre Israel e Irã, uma clara questão de interesse da hegemonia estadunidense no conflito, tendo seu presidente tratando o ataque do regime sionista de Israel como “bem-sucedido” e declarando que havia alertado o Irã que os EUA possuem o “melhor e mais letal equipamento militar do mundo”.[xviii]

O debate que ainda não foi trazido se refere ao duplo caráter da ofensiva do imperialismo fóssil estadunidense sobre um dos últimos aparatos de resistência nativa na região, visto o amplo domínio militar estadunidense como a distribuição de suas bases no Oriente Médio na Figura 1 e sua representação diplomática na região, o regime sionista de Israel.

Para além do fenômeno descrito, é fundamental, também, ter em mente o papel da China no conflito com o estreitamento das suas relações com o Irã, expresso em acordos comerciais e financeiros com o país nos últimos anos, principalmente sob o contexto das sanções ocidentais, gerando divisas para financiamento, sobretudo, do seu programa nuclear.

Desde o início do século, a República do Irã vem sofrendo com sanções diretas à comercialização dos seus recursos energéticos. Até o início de 2018, o país havia alcançado um alto nível de produção de petróleo, produzindo quase cinco milhões de barris por dia e exportando para os países ocidentais ou alinhados ao seu programa político, mesmo com a imposição anterior de sanções partindo tanto dos Estados Unidos, em 2011, quando proibiu relações de qualquer país com o Banco Central iraniano, visando minar a geração de divisas ao atingir, também, sua comercialização de petróleo[xix]; quanto da União Europeia, quando baniu a importação e o transporte de petróleo bruto iraniano no início de 2012[xx]. Ambas as medidas já se referiam ao programa nuclear do país e a coerção para que o Irã o abandonasse.

No entanto, em 2018, após o presidente Donald Trump impor, outra vez, sanções ao Irã ao deixar o Plano de Ação Conjunto Global (PACG)[xxi], a dinâmica comercial iraniana se alterou completamente. Além de ter deixado de exportar petróleo bruto para países da União Europeia e Ásia, passou a escoar a totalidade da sua produção somente para China, Síria, EAU e Venezuela, em 2023[xxii]. Além disso, a participação chinesa nas exportações de petróleo bruto iraniano saltou de 25%, em 2017, para 90%, em 2023[xxiii].

FIGURA 4.[xxiv]

Desse modo, o Irã pode recuperar o nível de geração de divisas anterior ao fim do PACG e, inclusive, expandir sua capacidade produtiva não só de petróleo, mas também de eletricidade e gás natural. Segundo relatório da EIA (Energy Information Administration), entre 2019 e 2022, o Irã adquiriu uma série de contratos para aumentar a produção de petróleo bruto em mais de meio milhão de barris por dia, e adquiriu mais contratos em 2024, para construir seis campos de petróleo bruto ao longo da fronteira com o Iraque.

A grande questão é que a relação entre Irã e o antagonista hegemônico dos Estados Unidos não terminou na exportação de petróleo bruto. Em 2021, os dois países (China e Irã) firmaram um acordo estimado em US$ 400 bi envolvendo comercialização de petróleo para a China e, inclusive, um suposto acordo de segurança entre os dois países[xxv]. Ao longo da década, a China (e a Rússia) declararam apoio ao programa nuclear iraniano[xxvi], mais recentemente, em março desse ano.

Um dos eventos, porém, que acendeu o sinal de alerta ao capital fóssil dos EUA foi a realização de exercícios militares[xxvii] entre Irã, Rússia e China ao longo do Golfo de Omã, região sem presença efetiva de bases militares estadunidenses, porém muito próxima a sua zona de influência no Golfo Pérsico, desafiando sua hegemonia na região. O então chefe do Estado-Maior Conjunto, Mark Milley, disse que a China, a Rússia e o Irã representariam um desafio para Washington “durante muitos anos”[xxviii].

Novamente pode-se observar, partindo da superfície (guerra Israel x Irã), o inevitável conflito hegemônico pelo controle do capital fóssil sem o qual nenhum hegemon pode se constituir enquanto tal no projeto de acumulação mundial. Os ataques desferidos contra o Irã, outra vez, devem ser analisados com atenção. Não se trata de anular e prescindir da análise das contradições regionais entre as duas forças que protagonizam o conflito, mas de o apreendê-lo de forma histórica e material, em sua totalidade, considerando as diferentes nuances que envolvem, ao mesmo tempo e em diferentes níveis, o mesmo fenômeno concreto estabelecido.

Neste momento histórico delicado, com a hegemonia da acumulação estadunidense sendo desafiada depois de mais de um século, o acirramento da (re)partilha do mundo salta aos olhos, e a noção do que fazer se dissipa no ar cada vez mais rápido. Não parecem existir mais alternativas para o futuro que não a barbárie.

*Eduardo Brito é graduando em economia na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

*Kaio Aroldo é graduando em economia na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

*Lucas Valladares é doutorando em economia na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

*Oscar Luis Rosa Moraes Santos é graduando em economia na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

*Lucas Trentin Rech é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Referências


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Notas


[i] EUA esvaziam embaixadas no Oriente Médio diante de risco de Israel atacar Irã, diz jornal | Mundo | G1

[ii] Por que Israel atacou o Irã: o que se sabe até o momento sobre o conflito entre os dois países | Mundo | G1

[iii] (5) Live updates: Israel strikes Iran’s nuclear sites | AP News

[iv] Trump se opõe a planos de Israel de atacar instalações nucleares do Irã, diz jornal | Mundo | G1

[v] Trump diz que Israel vai liderar ataque contra o Irã caso acordo nuclear não seja fechado: ‘Fazemos o que queremos fazer’ | Mundo | G1

[vi] (REZEG, Ali Abo. Understanding Iran-Hamas Relations from a Defensive Neo-Realist Approach. The Journal of Iranian Studies. v. 4, n. 2, p. 390-393, jan. 2021, Disponível em: (PDF) Understanding Iran-Hamas Relations from a Defensive Neo-Realist Approach.

[vii] Mapping US troops and military bases in the Middle East | Military News | Al Jazeera

[viii] Crise de Petróleo de 1973 | BBC NEWS

[ix] Making Use of the “Oil Weapon”: Western Industrialized Countries and Arab Petropolitics

[x] Impacts of US Trade and Financial Sanctions on Iran

[xi] Military spending and Economic Growth: The Case of Iran

[xii] Do Sanctions Constrain Military Spending of Iran?

[xiii] Illegal Trade in The Iranian Economy

[xiv] China-Iran Relations Through the Prism of Sanctions

[xv] Países da OPEP decidem aumentar a produção em junho

[xvi] Cheap Oil Will Come At a Cost for US

[xvii] Cotação dos Futuros de Petróleo Brent

[xviii] Trump diz que foi avisado previamente sobre ataques contra o Irã e alerta que próximos serão ‘ainda mais brutais’

[xix] Senado dos EUA aprova por unanimidade sanções contra banco central iraniano – Notícias – UOL Notícias

[xx] Embargo europeu – DW – 23/01/2012

[xxi] President Donald J. Trump is Ending United States Participation in an Unacceptable Iran Deal – The White House

[xxii] (Country Analysis Brief: Iran. 2024; p. 14. Disponível em: Country Analysis Brief: Iran.

[xxiii] IBID, p. 12

[xxiv] IBID, p. 8

[xxv] China assina acordo amplo e vai investir US$ 400 bilhões no Irã em troca de petróleo – Jornal O Globo

[xxvi] China e Rússia apoiam programa nuclear iraniano após Trump pressionar por acordo; Irã ‘nunca pode ter arma nuclear’, diz G7 | Mundo | G1

[xxvii] Rússia, China e Irã realizam exercícios militares conjuntos no Golfo de Omã – Brasil de Fato

[xxviii] IBID.


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