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terça-feira, 24 de junho de 2014

STALIN a uma nova luz

Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
http://www.pelosocialismo.net
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Publicado em: http://clogic.eserver.org/2005/furr.html
Tradução do inglês de PAT
Colocado em linha em: 2012/03/25

STALIN E A LUTA PELA REFORMA DEMOCRÁTICA
Grover Furr

[Grover Furr (nasceu em 3 de Abril de 1944) é um professor americano e autor de livros e artigos, em russo e inglês, sobre a história soviética no período de Joseph Stalin, designadamente sobre as chamadas Grandes Purgas e o “Relatório Secreto”. Em Fevereiro de 1970 foi para a Universidade Estatal de Montclair, em Montclair, Nova Jersey, onde se especializou em literatura inglesa medieval.
Esta obra é composta de 2 partes: a primeira, com 120 pontos e a segunda, com 63. Procedemos à sua publicação em 6 fascículos – 4 da primeira parte e 2 da segunda; no final do último fascículo de cada parte será publicada a bibliografia respetiva – NT]

Parte I
(pontos 1 a 36)
Introdução
1. Este artigo sublinha as tentativas de Joseph Stalin, desde 1930 até a sua morte, para democratizar o governo da União Soviética.
2. Esta afirmação e o artigo surpreenderão muitos e escandalizarão alguns. De facto, até eu fiquei surpreendido com os resultados desta investigação, o que me induziu a escrever este artigo. Suspeitei durante muito tempo que a versão da história soviética da Guerra-fria tinha importantes lacunas. Apesar disso, não estava preparado para a magnitude das falsificações de que fui vítima.
3. Esta história é bem conhecida na Rússia, onde o respeito e mesmo a admiração por Stalin são comuns. Yuri Zhukov, o principal historiador russo que demonstrou o padrão de "Stalin democrata", e cujos trabalhos são a principal fonte individual, mas não a única, deste artigo, é uma figura reconhecida, relacionada com a Academia de Ciências. Os seus trabalhos são
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amplamente conhecidos.
4. Porém, esta história e os factos que a sustentam são virtualmente desconhecidos fora de Rússia, onde o padrão da Guerra-fria do "Stalin malvado" domina de tal forma o que é publicado, que os trabalhos aqui citados raramente são mencionados. Por isso, muitas das fontes complementares utilizadas neste artigo, assim como todas as fontes principais, só são acessíveis em russo1.
5. Este artigo não informa apenas os leitores de novos factos e das suas interpretações sobre a história da URSS. Constitui antes uma tentativa de fazer chegar aos leitores não russos os resultados de novas investigações, baseadas nos arquivos soviéticos, sobre o período de Stalin e sobre o próprio Stalin. Os factos discutidos neste artigo são compatíveis com um conjunto de padrões da história soviética, na medida em que ajudam a desmistificar um determinado número de outras interpretações. Serão completamente inaceitáveis – até insultuosos – para aqueles cujas perspetivas políticas e históricas se baseiam em noções erradas e ideologicamente motivadas pela Guerra-fria, sobre o "totalitarismo" soviético e o "terror" stalinista2.
6. A interpretação khrutcheviana de Stalin, como um ditador sedento de poder, traidor do legado de Lenin, foi uma criação necessária para os interesses da nomenclatura do Partido Comunista nos anos 50. Mas apresenta grandes semelhanças e compartilha muitas premissas do discurso canónico sobre Stalin, herdado da Guerra-fria, que esteve ao serviço do desejo das elites capitalistas de apresentar as lutas pelo comunismo, ou qualquer luta da classe operária pelo poder, como conduzindo, inevitavelmente, a algum tipo de horror.
7. Ajusta-se também à necessidade do trotskismo de argumentar que a derrota de Trotsky, o "revolucionário autêntico", só poderia ter ocorrido às mãos de um ditador, que é dado como certo ter violado cada um dos princípios em nome dos quais se fez a revolução. Khrutchevistas, anticomunistas da Guerra-fria e padrões trotskistas da história soviética são iguais na sua dependência de uma virtual demonização de Stalin, da sua liderança e da URSS, durante esse período.
8. A visão sobre Stalin apresentada neste ensaio é compatível com outros padrões
1 A versão da história soviética de Leon Trotsky precedeu a de Khrutchev e foi nela encaixada como uma espécie de versão de "esquerda" mais recente, embora pouco credível fora dos círculos trotskistas. Ambos os relatos, de Khrutchev e de Trotsky, retratam Stalin a uma luz extremamente negativa; a palavra "demonizar" não será um exagero. Sobre Trotsky, ver McNeal.
2 O uso difundido do termo "terror" para caracterizar o período da história soviética, de meados de 1937 a 1939-40, pode ser atribuído a uma aceitação acrítica de um trabalho altamente tendencioso e desqualificado de Robert Conquest, de 1973, “O Grande Terror”. O termo é impreciso e polémico. Ver Robert W. Thurston, “Medo e crença no ‘Grande Terror’ na URSS: Resposta à Prisão, 1935-1939”, Slavic Review 45 (1986), 213-234. Thurston respondeu e criticou a tentativa de Conquest para defender o termo em “Sobre o Paroquialismo de púlpito, Perspetivas de Senso Comum e de Torpes Evidências: Uma Resposta a Robert Conquest”, Slavic Review 45 (1986), 238-244. Ver também Thurston, “Dimensões Sociais das Regras stalinistas: Humor e Terror na URSS, 1935-1941”, Journal of Social History 24, No. 3 (1991) 541-562; “Vida e Terror”, Cap. 5, 137-163.
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históricos contraditórios. As interpretações comunistas, antirrevisionistas e pós-maoístas da história soviética veem Stalin como um herdeiro lógico e criativo, se bem que com defeitos em alguns aspetos, do legado de Lenin. Entretanto, muitos nacionalistas russos, que dificilmente aprovariam as realizações de Stalin enquanto comunista, respeitam-no como a figura mais responsável por ter feito da Rússia uma potência industrial e militar mundial. Stalin é para todos eles uma figura essencial, se bem que a partir de óticas muito diferentes.
9. Este trabalho não tenta "reabilitar" Stalin. Estou de acordo com Yuri Zhukov quando escreve:
“Tenho de dizer, sinceramente, que me oponho à reabilitação de Stalin, porque me oponho às reabilitações em geral. Nada nem ninguém na história devia ser reabilitado – mas devemos descobrir a verdade, e dá-la a conhecer. Porém, desde os tempos de Khrutchev, as únicas vítimas das repressões de Stalin de que se ouve falar são aquelas em que os que delas falam tomaram parte, ou que as facilitaram, ou que não se opuseram a elas" (Zhukov, KP Nov. 21 02).
Tampouco quero afirmar que, se Stalin tivesse conseguido os seus objetivos, estariam resolvidos os muitos e variados problemas da construção do socialismo e do comunismo na URSS.
10. Durante o período analisado neste ensaio, a liderança de Stalin preocupou-se não só em potenciar a democracia no governo do estado, mas também em favorecer a democracia interna no Partido. Este ponto, importante e relacionado com o primeiro, precisa de um estudo em separado, e não é o ponto central deste trabalho. Apesar de ser conhecido o conceito de "democracia", este tem um significado distinto no contexto de um partido guiado pelo centralismo democrático, formado por membros voluntários, em que, no contexto de um imenso estado de cidadãos, não há bases de consenso político que possam ser pressupostas3.
11. Este artigo baseia-se em fontes originais, sempre que foi possível. Mas baseia-se sobretudo nos trabalhos académicos de historiadores russos que têm acesso a documentos não publicados, ou publicados recentemente, dos arquivos soviéticos. Muitos documentos soviéticos de grande importância só estão à disposição de académicos com acesso privilegiado. Muitos outros permanecem completamente sequestrados e "classificados", incluindo muitos do arquivo pessoal de Stalin, os materiais cautelares e de investigação dos processos de Moscovo, de 1936-1938, os materiais de investigação sobre as purgas militares ou “Caso Tukhachevski”, de 1937, e muitos outros.
3 O pensamento político marxista-leninista rejeita a "democracia representativa" capitalista, que considera, no essencial, como uma cortina de fumo para um controle elitista. Muitos pensadores políticos não marxistas concordam. Para dar um exemplo, ver Lewis H. Lapham (editor da Harper’s Magazine), "Luzes, Câmara, Democracia! Sobre as convenções de uma república de faz de conta", Harper’s Magazine, agosto de 1996, 33-38.
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12. Yuri Zhukov descreve a situação dos arquivos da seguinte forma:
"Com o começo da Perestroika, em que um dos seus lemas era a ‘glasnost’..., o arquivo do Kremlin, antes fechado aos investigadores, foi liquidado. Os seus conteúdos começaram a trasladar-se [para vários arquivos públicos – GF]. Este processo começou, mas não chegou a ser finalizado. Sem qualquer espécie de publicidade ou explicação, em 1996, os materiais mais importantes e essenciais foram reclassificados de novo e escondidos no arquivo do Presidente da Federação Russa. As razões desta operação secreta rapidamente se tornaram claras: permitir o ressurgimento de um dos dois velhos e muito esfarrapados mitos." (6)
Zhukov está a falar dos mitos "Stalin, o malvado" e "Stalin, o grande líder". Só o primeiro destes mitos é familiar aos leitores da historiografia ocidental e anticomunista. Mas ambas as escolas estão bem representadas, tanto na Rússia como na Comunidade de Estados Independentes.
13. Uma das obras de Zhukov e fonte de muito do conteúdo deste artigo, intitula-se Inoy Stalin – “um Stalin diferente”, "diferente" de qualquer dos mitos, mais perto da verdade, baseado nos documentos de arquivo recentemente desclassificados. A capa do livro de Zhukov apresenta uma fotografia de Stalin e, frente a ela, a mesma fotografia em negativo: o seu oposto. Em poucas ocasiões Zhukov utiliza fontes de segunda mão. Na maior parte das vezes, cita documentos de arquivo não publicados, ou recentemente desclassificados e publicados. A descrição que faz da política do Politburo, de 1934 a 1938, é muito “diferente” de algo que pudesse compatibilizar-se com qualquer daqueles “mitos”, que ele rejeita.
14. Zhukov termina a sua introdução com estas palavras:
"Não reclamo ter terminado a tarefa ou a controvérsia. Procuro apenas o seguinte: evitar, tanto pontos de vista pré-concebidos, como mitos; e tentar reconstruir o passado, que era bem conhecido, mas é agora intencionalmente esquecido, deliberadamente não nomeado, ignorado por todos".
Seguindo Zhukov, este artigo também tenta manter-se à margem de ambos os mitos.
15. Sob estas condições, qualquer conclusão tem de ter o caráter de tentativa. Esforcei-me por utilizar judiciosamente todos os materiais, quer de primeira ou segunda mão. Para não interromper o texto, coloquei as referências às fontes [Bibliografia – NT] no final de cada parágrafo. Empreguei as tradicionais notas de rodapé numeradas, apenas quando são necessárias mais longas explicações.
16. A investigação que este artigo resume tem importantes consequências para aqueles de nós que querem desenvolver uma análise de classe da história, incluindo da história da União Soviética.
17. Um dos melhores investigadores americanos do período de Stalin na URSS, J.
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Arch Getty, denominou a investigação histórica realizada durante o período da Guerra-fria como "produto propagandístico" – "investigação" que não merece nem crítica, nem tentativas parcelares de correção, mas que deve ser feita de novo, desde o começo4. A minha opinião coincide com a de Getty, mas acrescentaria que esta tendenciosa, orientada politicamente e desonesta “investigação” continua a ser produzida hoje em dia.
18. O padrão khrutchevista da Guerra-fria foi o ponto de vista dominante da história dos "anos de Stalin". A presente investigação pode contribuir para se “fazer luz sobre a matéria”, um “começar tudo de novo desde o princípio". A verdade que finalmente vier ao de cima terá também um grande significado para o projeto marxista de compreender o mundo para o transformar e de construir uma sociedade sem classes, com justiça económica e social.
19. Na secção final do ensaio sublinhei algumas áreas para uma posterior investigação, que são sugeridas pelos resultados deste artigo.
Uma nova Constituição
20. Em dezembro de 1936, o VIII Congresso Extraordinário dos Sovietes aprovou o esboço da nova constituição soviética. Mencionava o voto secreto e eleições com diversas opções (Zhukov, Inoy 307-9).
21. Admitiam-se candidatos não só do Partido Bolchevique – chamado então Partido Comunista da União (bolchevique)5 – mas também de outros grupos de cidadãos, baseados na residência, filiação (tal como grupos religiosos), ou organizações nos locais de trabalho. Esta última medida nunca foi levada à prática. Nunca houve eleições com a apresentação de diversas opções.
22. Os aspectos democráticos da Constituição foram incluídos por expressa insistência de Joseph Stalin. Em conjunto com os seus mais chegados colaboradores no Politburo do Partido Bolchevique, Stalin lutou tenazmente para salvaguardar estas medidas (Getty, "State"). Ele e eles cederam somente quando enfrentaram a total rejeição do Comité Central do Partido e perante o pânico que criou a descoberta de sérias conspirações para derrubar o governo soviético, com a colaboração do fascismo alemão e japonês.
23. Em janeiro de 1935, o Politburo atribuíra a tarefa de elaborar o conteúdo de uma nova constituição a Avel Ynukidze6, que, meses mais tarde, regressou com a ideia de eleições não secretas, sem diferentes opções. Quase imediatamente, a 25 de janeiro de 1935, Stalin expressou o seu desacordo com a proposta de
4 Citado por Yuri Zhukov, "Zhupel Stalina", Komsomolskaia Pravda, 5 de novembro de 2002. O Prof. Getty confirmou-me isso num email.
5 O nome do Partido mudou para Partido Comunista da União Soviética em 1952.
6 Yenukidze, um velho revolucionário, camarada georgiano e amigo e de Stalin, ocupava há muito tempo um alto cargo no governo soviético e nunca foi associado a qualquer dos grupos de oposição dos anos 20. Também foi responsável pela Guarda do Kremlin. Passados alguns meses, foi um dos primeiros a ser apresentado como participante no plano de um "golpe palaciano" contra a liderança de Stalin. Zhukov (KP 14 nov 02) observa que isto deve ter sido especialmente perturbador para Stalin.
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Yenukidze, insistindo em eleições por voto secreto (Zhukov, Inoy 116-21).
24. Stálin tornou público este desacordo de forma dramática em março de 1936, numa entrevista com o magnata da imprensa americana Roy Howard. Stalin declarou que a Constituição soviética garantiria que todas as votações seriam por voto secreto. O voto seria efetuado numa base de igualdade, tendo o mesmo valor o voto de um camponês e o voto de um operário7; numa base territorial, mais como no Ocidente do que conforme o status (como na época czarista) ou o local de trabalho; e seria direto – todos os Sovietes seriam eleitos pelos próprios cidadãos e não indiretamente, pelos seus representantes (Stalin-Howard Interview; Zhukov, "Repressii" 5-6).
Stalin: "Adotaremos a nossa nova constituição provavelmente no final deste ano. A comissão encarregada de redigi-la está a trabalhar e finalizará em breve o seu trabalho. Como já se anunciou, de acordo com a nova constituição, o sufrágio será universal, igual, direto e secreto" (Entrevista Stalin-Howard 13).
25. E, o mais importante, Stalin declarou que todas as eleições teriam opções diversas:
"Você está confundido com o facto de que só um partido se apresentará às eleições. E não consegue ver como pode haver eleições com opções diferentes nestas condições. Evidentemente, os candidatos serão apresentados não só pelo Partido Comunista, mas também por todo o tipo de organizações públicas, alheias ao Partido. E temos centenas delas. Não temos disputa de partidos, porque temos uma classe capitalista em luta com a classe operária, que é explorada pelos capitalistas. A nossa sociedade é composta exclusivamente de trabalhadores livres do campo e da cidade – trabalhadores, camponeses e intelectuais. Cada um destes estratos tem os seus interesses específicos e expressa-os através das numerosas organizações públicas que existem” (13-14).
Diferentes organizações de cidadãos seriam capazes de apresentar candidatos para competirem com os candidatos do Partido Comunista. Stalin declarou a Howard que os cidadãos riscariam os nomes de todos os candidatos, exceto daqueles em quem desejassem votar.
26. Também salientou a importância de eleições com opções diversas, na luta contra a burocracia:
"Você pensa que não haverá diversas opções eleitorais. Mas haverá, e prevejo campanhas eleitorais muito animadas. Não são poucas as instituições no nosso país que funcionam mal. Há casos em que este ou aquele governo local deixa de satisfazer algumas das variadas e crescentes necessidades dos
7 A Parte II, capítulo 3, artigo 9.º, da Constituição soviética de 1924, então em vigor, dava aos habitantes urbanos uma muito maior influência na sociedade – um delegado soviético para 25.000 eleitores das cidades e vilas, e um delegado para 125.000 mil eleitores do campo. Isto estava em conformidade com o muito maior apoio ao socialismo entre os trabalhadores e com o conceito marxista do Estado como a ditadura do proletariado.
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trabalhadores da cidade e do campo. Edificaram uma boa escola ou não? Melhoraram as condições de habitação? É ou não um burocrata? Ajudaram a tornar mais eficaz o nosso trabalho e as nossas vidas mais civilizadas? Tais serão os critérios com que milhões de eleitores irão medir a aptidão dos candidatos, rejeitar os inaptos, riscando os seus nomes das listas de candidatos, e promover e eleger os melhores. Sim, as campanhas eleitorais serão animadas, e serão centradas em numerosos e muito agudos problemas, sobretudo de natureza prática, de primeira importância para o povo. O nosso novo sistema eleitoral mexerá com todas as instituições e organizações e compeli-las-á a melhorar o seu trabalho. O sufrágio universal, igualitário, direto e secreto na URSS será um chicote nas mãos da população contra os órgãos governamentais que funcionam mal. Na minha opinião, a nossa nova Constituição soviética será a constituição mais democrática do mundo" (15).
27. A partir deste ponto de vista, Stalin e os membros do Politburo mais próximos dele, Vyacheslav Molotov e Andrei Zhdanov, intervêm a favor de eleições secretas e com diversas opções em todas as discussões na direção do Partido (Zhukov, Inoy, 207-10; Entrevista Stalin-Howard).
28. Stalin também insiste no facto de que muitos cidadãos soviéticos, que foram privados dos seus direitos, agora os recuperariam. Isto incluía membros das antigas classes exploradoras, como os grandes proprietários, e aqueles que lutaram contra os bolcheviques durante a Guerra civil de 1918-1921, conhecidos como "guardas brancos", assim como aqueles que foram condenados por certos crimes (como nos EUA, hoje). Os grupos mais importantes e, provavelmente, mais numerosos entre os lishentsy (“expropriados”) foram dois: os “kulaks”, os principais visados durante o movimento da coletivização, alguns anos antes; e os que violaram a “lei dos três ouvidos"8, de 1932 – os que roubaram propriedades estatais, geralmente cereais, às vezes simplesmente para combater a fome. (Zhukov, Inoy 187).
29. Estas reformas eleitorais seriam desnecessárias, se a liderança de Stalin não quisesse mudar a forma de governo da União Soviética. Eles queriam retirar o Partido Comunista da execução, de forma direta, da governação da União Soviética.
30. Durante a Revolução Russa e os críticos anos que se lhe seguiram, a URSS foi legalmente governada por uma hierarquia eleita de sovietes (= “conselhos”), desde o nível local ao nacional, com o Soviete Supremo como o órgão legislativo nacional, o Conselho (= soviet) de Comissários do Povo como o órgão executivo, e o Secretário deste Conselho como a cabeça do Estado. Mas
8 Verdadeiramente, não é uma lei, mas uma "decisão do Comité Central Executivo e do Conselho de Comissários do Povo" – ou seja, dos poderes legislativo e executivo do governo. O facto de ser comummente chamado de "lei", mesmo nos meios eruditos, mostra simplesmente que a maioria daqueles que se lhe referem não a leram realmente na totalidade. Está impressa em Tragediia Sovetskoy Derevni. Kollektivizatsiia I Raskulachivanie. Documenty I Materialy. 1927-1939. Tom 3. Konets 1930-1933 (Moscou: ROSSPEN, 2001), No. 160, pp. 453-4, e em Sobranie zakonov i rasporiazhenii Raboche-Krest'ianskogo Pravitel'stva SSSR, chast 'I, 1932, pp. 583-584. Os meus agradecimentos ao Dr. G · bor T. Rittersporn por esta última citação.
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na prática, em todos os níveis, a escolha destes dirigentes esteve sempre nas mãos do Partido Bolchevique. Houve eleições, mas a indicação direta por parte dos líderes do Partido, chamada "cooptação", foi também habitual. Mesmo as eleições eram controladas pelo Partido, já que ninguém podia candidatar-se sem a aprovação dos seus dirigentes.
31. Para os bolcheviques isto era lógico. Era a forma que tomava a ditadura do proletariado nas condições históricas específicas da União Soviética revolucionária e pós-revolucionária. Sob a Nova Política Económica, ou NEP9, o trabalho e as capacidades dos antigos e atuais exploradores foram necessários. Mas eles eram utilizados apenas ao serviço da ditadura do proletariado, do socialismo. Não foi permitida a reconstrução de relações capitalistas além de certos limites, nem a recuperação do poder político.
32. Durante os anos 20 e princípios dos anos 30, o Partido Bolchevique recrutou membros entre a classe trabalhadora, de forma intensa. No final dos anos 20, a maioria dos membros do Partido eram trabalhadores e uma alta percentagem dos trabalhadores estava no Partido. Este recrutamento massivo e os imensos esforços de educação política coincidiram com as enormes tensões do primeiro Plano Quinquenal, com o impacto da industrialização e com a colectivização, em grande medida forçada, das explorações agrícolas individuais em coletivas (kolkhoz) ou em explorações soviéticas (sovkhoz). A direção bolchevique foi tão sincera na sua tentativa de “proletarizar” o Partido como bem sucedida no resultado (Rigby, 167-8; 184; 199).
33. Stalin e os seus apoiantes no Politburo apresentaram muitas razões para quererem democratizar a União Soviética. Essas razões refletiam a convicção da liderança de Stalin de que se alcançara um novo estágio do socialismo.
34. A maior parte dos camponeses estava em explorações agrícolas coletivas. Com a diminuição de explorações camponesas individuais, a cada mês que passava, a direção de Stalin acreditou que, objetivamente, os camponeses já não constituíam uma classe socioeconómica independente. As semelhanças entre camponeses e operários eram maiores do que as diferenças.
35. Stalin argumentava que, com o rápido crescimento da indústria soviética e, sobretudo, com a classe operária a controlar o poder político, através do Partido Bolchevique, o termo "proletariado" já não era apropriado. "Proletariado", asseverou Stalin, refere-se à classe operária sob a exploração capitalista, ou a trabalhar sob relações de produção de tipo capitalista, como as que existiram durante a primeira dúzia de anos da União Soviética, especialmente durante a NEP. Mas, agora, com a abolição da clara exploração dos trabalhadores pelos capitalistas, para a obtenção do lucro, a classe operária não deveria mais ser chamada "proletariado".
9 Para desenvolver a economia o mais depressa possível, após a devastação da guerra civil e a fome subsequente, os bolcheviques permitiram que o capitalismo medrasse e incentivaram os empresários a procurarem o lucro, embora sob controlo governamental. Isto foi a chamada Nova Política Económica.
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36. Segundo este ponto de vista, os exploradores do trabalho já não existiam. Os trabalhadores, que agora dirigiam o país no seu próprio interesse, através do Partido Bolchevique, não eram mais como o clássico “proletariado”. Então, a "ditadura do proletariado" já não era um conceito adequado. Estas novas condições reclamavam um novo tipo de Estado. (Zhukov, Inoy, 231; 292; Stalin, "Draft" 800-1).
(a continuar)

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