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quinta-feira, 19 de agosto de 2010
As utopias fracas
Parece mal falar de coisas sérias ou desagradáveis (as coisas sérias são quase sempre desagradáveis) em tempo de verão e férias. É assim que pensam bastantes. Pensam mal pois que o sério não colide necessariamente com a distracção; de resto, quando o sério é mal discutido é ele próprio mera distracção do que é realmente sério. No entanto, os assuntos sérios não exigem, ao contrário do que se diz, um semblante melancólico e misantropo. Podemos tratá-los com uma dose adequada de ironia, ou seja, de distanciamnto; a ironia converte uma aparência que se quer como verdade, em fantochada, máscara, embuste, distracção. A sociedade é um espectáculo permanente; visto de longe, é coisa estranha quando a realidade é impiedosa e cruel. Maais de 600 mil desempregados não se passeiam seguramente no Algarve que se mostra a abarrotar; 2 milhões de pobres não percorrem com certeza com os seus carros novos de alta cilindrada as autoestradas de norte a sul para assistir aos concertos musicais que transformam o país num alegre circo; bem mais de um milhão de assalariados precários não se instalam em hotéis e aldeamentos turísticos, evidentemente. Milhares de funcionários públicos com os seus salários congelados auferindo mil euros mensais com dois filhos para lhes custear as elevadas despesas do início do ano lectivo, mais os juros que sobem da hipoteca da casa, não estarão muito confortáveis nas praias do algarve, se é que lá estão. Certamente que o país sofre de uma apatia que não é somente sazonal, de uma despolitização que não é apenas solar e que não exclusivamente nas férias alegres que vota sempre nos dois partidos únicos. Essa cegueira é antiga e resistente. As classes médias ainda não desistiram, nem desistem facilmente, de exibir um estatuto que já perderam (há camadas intermédias que são ostensivamente arrogantes e ridiculamente egoístas). Os jovens, é claro, querem é curtir, com pouco ou muito dinheiro, depende da complacência laxista dos papás (ou da carteira deles), a estimulação exercida pelos media é fatal (se o medo faz acorrer multidões a Fátima, logo acorrerão em seguida às praias e espectáculos, neste vai-vém que faz um país parecer que anda mas não anda, parecer que sofre mas não sofre, parecer que lembra ma snão lembra, parecer que sabe mas não sabe coisa alguma. Os chefes políticos aproveitam. O Capital acumula tranquilamente. Nós pagamos a crise alegremente. Pelo menos parece, não é?
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