Os discípulos de Goebbels contra a Síria
Domenico Losurdo
Não há quaisquer dúvidas de que Goebbels, o pérfido e brilhante
ministro do III Reich, deixou escola. Há que reconhecer, aliás, que os
seus discípulos de Washington e Bruxelas conseguiram superar o nunca
olvidado mestre.
Qual a natureza do conflito que desde há meses assola a Síria? Com este artigo é meu
intuito suscitar em todos os que defendem a causa da paz e da democracia nas
relações internacionais algumas perguntas elementares. Pela minha parte, tratarei de
responder dando a palavra a órgãos de imprensa e jornalistas insuspeitos de qualquer
cumplicidade com os dirigentes de Damasco.
1) Ocorre antes de mais nada perguntar qual a situação deste país do Médio Oriente
antes da chegada ao poder, em 1970, dos Assad (pai e filho) e do regime actual. Pois
bem, antes daquela data, «a república síria era um estado débil e instável, um palco
para as rivalidades regionais e internacionais»; os acontecimentos dos últimos meses
significam de fato o regresso à «situação anterior a 1970». Quem se expressa nesses
termos é Itamar Rabinovich, ex-embaixador de Israel em Washington, no
International Herald Tribune de 19-20 de Novembro. Podemos extrair uma primeira
conclusão: a rebelião apoiada em primeiro lugar pelos EUA e pela União Europeia
pode fazer a Síria retroceder a uma situação semicolonial.
2) As condenações e sanções do Ocidente e a sua aspiração a uma mudança de regime
na Síria estão inspiradas na indignação pela «repressão brutal» de manifestações
pacíficas, uma repressão exercida pelo poder? Na realidade, já em 2005 «George
Bush pretendia derrubar Bashar al-Assad». Continuam a ser palavras do exembaixador
israelita em Washington, o qual acrescenta que agora o governo de
Telavive se juntou a esta política de regime change na Síria: há que acabar de uma
vez por todas com o grupo dirigente que a partir de Damasco apoia «o Hezbollah no
Líbano e o Hamas em Gaza» e estreita relações com Teheran. Sim, «profundamente
preocupado pela ameaça iraniana, Israel é de opinião de que, se retirar o tijolo sírio
do muro iraniano, a política regional poderia entrar numa nova fase. É evidente que o
Hezbollah, tal como o Hamas, se movem agora com mais cautela». De modo que o
alvo da rebelião e das manobras com ela relacionadas não é apenas a Síria, são
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também a Palestina, o Líbano e o Irão: trata-se de desferir um golpe decisivo na causa
do povo palestino e de consolidar o domínio neocolonial de Israel e do Ocidente
numa região de crucial importância geopolítica e geoeconómica.
3) Como atingir este objectivo? Guido Olimpio, no Corriere della Sera de 29 de
Outubro, explica-o claramente: em Antakya, uma região da Turquia confinante com a
Síria, opera já o «Exército Livre Sírio, uma organização que pratica a luta armada
contra o regime de Assad». É um exército que recebe armas e instrução militar da
Turquia. Além disso (continua Guido Olimpio no Corriere della Sera de 13 de
Novembro), Ancara «ameaçou criar uma faixa tampão de 30 quilómetros em
território sírio». Vemos pois que o governo sírio tem de fazer frente não apenas a uma
rebelião armada, mas a uma rebelião armada apoiada por um país que dispõe dum
dispositivo militar de primeira ordem, que é membro da NATO e que ameaça invadir
a Síria. Quaisquer que sejam os erros ou as culpas dos seus dirigentes, este pequeno
país está a sofrer, de facto, uma agressão militar. A Turquia, que tem tido um período
de forte crescimento económico, desde há algum tempo dá mostras de impaciência
relativamente ao domínio de Israel e dos EUA no Oriente Médio. Obama responde a
essa impaciência empurrando os dirigentes de Ancara para um sub-imperialismo
neo-otomano, controlado evidentemente por Washington.
4) Da análise e dos testemunhos trazidos depreende-se que a Síria se vê obrigada a
lutar em condições muito difíceis para a manutenção da sua independência, fazendo
face a um formidável bloqueio económico, político e militar. Além disso, a OTAN
ameaça directa ou indirectamente os dirigentes de Damasco com a possibilidade de
lhes reservar o mesmo fim que teve Khadafi, o assassínio e o linchamento. A infâmia
da agressão devia pois ser evidente para todos os que estão dispostos a fazer ao
menos um pequeno esforço intelectual. E, todavia, o Ocidente, valendo-se da sua
terrível potência de fogo mediático e das novas técnicas de manipulação
proporcionadas pelo desenvolvimento da Internet, apresenta a crise síria como um
exercício de uma violência brutal e gratuita contra manifestantes pacíficos e nãoviolentos.
Não há quaisquer dúvidas de que Goebbels, o pérfido e brilhante ministro
do III Reich, deixou escola. Há que reconhecer, aliás, que os seus discípulos de
Washington e Bruxelas conseguiram superar o nunca olvidado mestre.
24.11.2011
Tradução de João Carlos Graça
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