Translate
sábado, 28 de abril de 2012
Tratado estúpido
por Octávio Teixeira [*]
O bloco parlamentar de centro-direita aprovará amanhã (12) (#) o "Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária". Um Tratado que deveria ser repudiado por valores e princípios democráticos e pelo seu significado e consequências económicas e sociais.
Imposto pela Alemanha e reverencialmente acolhido pelos restantes subscritores, feito à margem dos Tratados Europeus, assume a natureza de acordo intergovernamental para fugir à eventualidade de referendos (o que não foi conseguido na Irlanda) e para entrar em vigor basta ser ratificado por doze Estados.
É mais uma peça do ultraliberalismo unionista que visa retirar aos países europeus a liberdade soberana de decidirem as suas políticas económicas e sociais.
Significa o agravamento de um modelo único para economias diferenciadas e persiste numa via falhada que não permite ultrapassar a crise europeia. É um Tratado estúpido que consagra a nível jurídico mais elevado o estúpido Pacto de Estabilidade e Crescimento. Ao impor um défice estrutural máximo de 0,5% com a obrigatoriedade de "reformas estruturais" se ultrapassado, bem como a redução anual de 5% da dívida e a submissão da emissão de dívida a parecer prévio da Comissão, consagra a inevitabilidade de redução de despesas públicas necessárias ao crescimento de longo prazo, a impossibilidade de financiar investimento com recurso ao crédito e a diminuição das despesas de natureza social.
A adenda do PS para que o Governo proponha a negociação de um protocolo que promova o crescimento económico e o emprego é uma dupla hipocrisia política: reconhece que aprova um Tratado contrário a esses objectivos e sabe que ela é ineficaz.
Ao menos tenham a hombridade de o submeter ao veredito popular.
10/Abril/2012
[*] Economista
(#) Já aprovou.
O original encontra-se em http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=550171&pn=1
quinta-feira, 26 de abril de 2012
A mistificação em torno do problema da Síria
Todos se lembram como a invasão do Afeganistão, do Iraque e da Líbia foi precedida por uma campanha despudorada de mentiras por parte da comunicação social ao serviço do grande capital para justificar aqueles actos de agressão.
Mas a campanha de mentiras em torno da Síria ultrapassa tudo o que já vimos e ouvimos em casos semelhantes podendo até tornar-se um “case study” de mistificação completa de uma situação a favor de desígnios inconfessáveis.
Manifestações a favor do regime mostradas na TV como manifestações a favor da oposição, crimes hediondos praticados por certos sectores da oposição ao regime apresentados como atrocidades do governo contra o povo.
Notícias de massacres de populações indefesas pelo regime que não passam de enfrentamentos de forças armadas da Síria com grupos terroristas infiltrados.
Vejamos alguns exemplos:
Um dos jornalistas da Al Jazeera que se demitiu daquela cadeia televisiva por ela praticar distorção dos factos, omissão da verdade e desinformação aberta, Ali Khashem, em entrevista ao canal russo “Rossia-24” conta que quando a delegação daquela televisão árabe de que ele fazia parte assistiu a uma manifestação de apoio a Bashar Assad em Hemah, no dia seguinte viu um jornal ocidental com uma fotografia dos manifestantes com a legenda:”Manifestação contra o regime de Assad”quando ele tinha lido cartazes empunhados por manifestantes dizendo “Apoiamos o presidente Assad”
(“Al Jazeera: guerra de informações”- jornal electrónico Jasweek- 19 de Março de 2012).
Quando da reconquista de Homs pelo regime de Assad, todos se lembram da imagem repetida vezes sem conta pela TV de uma espessa nuvem de fumo sobre a cidade, alegadamente provocada pela artilharia do Exército sírio, mas ela não passava de um ataque de grupos terroristas contra a refinaria de Homs (Avante, 15-3-2012).
Casos como estes podiam citar-se às centenas ao longo dos meses desde que começaram os enfrentamentos entra forças do regime e os grupos terroristas.
Muita gente acredita na falácia de que os grupos armados de resistência ao regime são formados por elementos da população revoltados e desertores do Exército sírio.
No entanto, o jornal electrónico Pravda.ru de 30.3.2012 cita um ex-reporter da Al Jazeera que afirmou que militantes especialmente vindos do Líbano tinham entrado na Síria nos primeiros dias da agitação em Daraa, em Março de 2011(…) Na sua entrevista com a Euronews o jornalista disse” que tinha pessoalmente visto dezenas de militantes atravessando ilegalmente as fronteiras entre a Síria e o Libano, em março de 2011”.
O mesmo jornal Pravda.ru de 8-3-2010 trazia um artigo extraído do site www.almanar.com.ib que citava o especialista sírio em assuntos estratégicos, Salim Harba, dizendo que na tomada do bairro de Baba Amro se verificou que os homens armados que ocuparam o bairro eram árabes, inclusive do Golfo, do Iraque e do Líbano e que entre eles havia agentes secretos do Catar e combatentes não-árabes do Afeganistão, Turquia e alguns países europeus, como a França.
Numa entrevista à rádio Kommersant, o ministro dos negócios estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, afirmou que as armas e os combatentes entram na Síria através dos territórios do Líbano, Jordânia, Iraque e Líbia. Ele expressou a sua convicção que a Al Qaeda podia estar por detrás dos actos terroristas ocorridos a 17 e 18 de Março em Damasco e Aleppo(SANA-20-3-2012) . A Frente Al Nusra, um grupo jihadista que já havia reivindicado atentados na Síria, anunciou ter executado os ataques de Sábado em Damasco que mataram 27 pessoas e deixaram centenas de feridos -21 de Março de 2012 (www.noticias.terra.com.br).
Noutra ocasião Lavrov afirmou que foram infiltrados na Síria 15 mil combatentes estrangeiros. Como se pode acreditar que os actos terroristas que provocaram a morte de 3211 civis, 478 policias e 2088 membros do Exército e das forças de segurança ,realizaram 1560 sequestros, raptaram 931 desaparecidos e roubaram 2256 veículos do governo (Prensa Latina- 2.4.2012)foram praticados por inocentes cidadãos opostos ao regime de Assad?
Muita gente deve ter ficado chocada com a noticia dada pela Human Right Watch de que forças da oposição praticam atrocidade. A edição electrónica do jornal Público de 20.3.2012 dizia : A H.R.W diz ter recolhidos provas de sequestros, torturas e execuções cometidos por grupos armados ligados à oposição. A H.R.W. cita dezenas de vídeos colocados no youtube pelos próprios opositores(…) Em 18 dessas filmagens os detidos(das forças de segurança ou apoiantes do regime sírio) apresentam sinais físicos de tortura, com nódoas negras ou ferimentos com sangue.
No dia 14 de Abril de 2012 as edições electrónicas dos “jornais de referência” Público e El País titulavam: “ Síria: pelos menos oito pessoas morreram em incidentes violentos”( dando a entender que os culpados eram as forças armadas sírias);(Publico) “Dezenas de milhares de sírios desafiam nas ruas os disparos da policia” e mais adiante”as três mortes ocorreram nas cidades de Hama, Idleb e Deraa”.(El Pais).Qualquer destas noticias baseiam-se em informações dessa farsa intitulada “Observatório sírio de direitos humanos”(1)
(1)-O jornal electrónico “Pravda.ru” de 30.2.2012 referia-se a este observatório assim:”Um mítico centro de direitos humanos baseado em Londres, que não tem funcionários nem local de trabalho”. Mas é neste observatório que se baseia a informação” bem pensante” da propaganda ocidental.
Vejamos agora resumidamente o que dizia a agencia de informações síria SANA nesses mesmo dia 14 de Abril:
-Grupos de homens armados entraram na mesquita de al-Rashid(Alepo), ocuparam as zonas próximas e abriram fogo contra os civis e as forças de manutenção da ordem que não tinham nenhum tipo de armas.
-Dois agentes das forças da ordem foram mortos em Deraa. -Bandos terroristas raptaram um coronel e dois cidadãos em Hama e Idleb.
-Um grupo de terroristas armados assassinou um general em Adra(perto de Damasco).
-Na cidade de Mohassan, provincia de Deir Ezzor, um grupo de terroristas atacou um velório e disparou contra os presentes matando um jovem.
-Ataques armados contra dois autocarros com civis em Saraqueb(provincia de Idleb).
-Um grupo de terroristas queimou o centro médico de Guenins em Lattakia.
Note-se que em todas estas e outras noticias referidas pela SANA se dão os lugares exactos em que se passaram os acontecimentos e os nomes das vítimas.
Não é difícil de ver quem fala verdade e quem mente.
Uma última nota para mostrar a credibilidade que se pode dar às notícias veiculadas pela comunicação social ao serviço do imperialismo: o embaixador francês em Damasco, Erik Chevallier, acusou o ministro dos negócios estrangeiros da França, Alain Juppé, de ignorar as informações e distorcer os factos e as provas que ele enviava ao Ministério dos Estrangeiros, as quais contradizem o que é difundido pelos canais Ajjazeera, Alarabiya e a France -24.(Sana- 2 de Abril de 2012).
Concluímos com um trecho do artigo de James Petras no Diario.info de 25.3.2012:
“O assalto à Siria é apoiado por fundos, armas e treino estrangeiro. Devido às falta de apoio interno, contudo, para ter êxito, será necessária uma intervenção militar directa estrangeira. Por esta razão foi montada uma enorme campanha de propaganda e diplomática para demonizar o legítimo governo sírio. O objectivo é impor um regime fantoche e fortalecer o controlo imperial do Ocidente no Médio Oriente. No curto prazo, isto destina-se a isolar o Irão como preparativo para um ataque militar de Israel e dos EUA e, no longo prazo, eliminar outro regime laico independente amigo da China e da Rússia”.
O que dizer do patriotismo de parte da oposição síria que deseja que o seu país seja invadido e ocupado para servir interesses estrangeiros?
Por tudo isto, independentemente da avaliação que se faça do comportamento do governo sírio no seu conjunto, a nossa solidariedade está com um povo que defende o seu direito a viver em paz e sem dominação estrangeira.
Do site "Ciências Sociais"
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Autobiografia breve para comemorar o Dia da Liberdade
Em 1966 a PIDE retirou-me a bolsa de estudos que me sustentava enquanto estudante universitário e residente numa república de estudantes no Porto, apenas por ter aderido à Associação de Estudantes da Faculdade de Letras do Porto (ilegal). A bolsa fora conquistada pelo meu mérito próprio na avaliação dos exames finais do liceu de Lourenço Marques. Fiquei na miséria até que um amigo me arranjou um modesto emprego de algumas horas num jornal.
Em 1967dirigia-me com companheiros para Lisboa, no dia 24 de Março, uma sexta feira, levando na bagageira do mini uma mala com panfletos que iriamos entregar a outros anti-fascistas para as lutas académicas que então se encetavam, quando fomos atingidos por tiros disparados por pides perto de Vila da Feira. Com um pneu furado despistámo-nos, o carro capotou várias vezes, incendiou-se e dentro dele ficou presa uma companheira que acabou morrendo queimada pela bola de fogo que ninguém conseguiu penetrar. Fui retirado moribundo. Estive 8 meses hospitalizado e sob prisão, sujeito a interrogatórios no próprio hospital. A PIDE impediu os professores de me fazerem os exames académicos que me permitiriam passar o ano.
Após receber alta do hospital uma brigada da PIDE foi buscar-me a casa às 7 h da manhã, revistou todos os livros e papéis e levou-me para a sede na célebre Rua do Heroísmo (Porto), onde estive preso várias semanas, sujeito a torturas para me arrancarem nomes de camaradas. Não conseguiram. A minha boca nem sequer confirmou o meu nome e nada asssinei. Recebi a solidariedade de estudantes e operários, panfletos circularam clandestinamente exigindo a minha libertação e jornais estrangeiros noticiaram.
Até ao 25 de Abril fui detido pela PIDE numerosas vezes, muitas delas antes do 1º de Maio para que eu, e outros, não liderassemos manifestações.
Fui candidato pela Oposição Democrática às eleições de 1973.
terça-feira, 24 de abril de 2012
domingo, 22 de abril de 2012
Documentos históricos
Fragmento de uma obra de um investigador russo
(Vol. II, parte II, C. 5, págs. 269-278)
O programa de reformas do estado soviético entrou numa fase decisiva no ano de 1987. Serguei Kara-Murza afirma que foi então que Gorbatchov definiu a perestróika como «uma revolução», ou seja, «os mais altos dirigentes do PCUS viam agora a tarefa não num processo gradual de reformas, mas na transformação da sociedade através da quebra e ruptura com a continuidade».
Neste sentido, Kara-Murza considera que «a perestróika se inclui na categoria das «revoluções feitas a partir de cima» (…), «nas quais as camadas dirigentes, utilizando o aparelho do Estado, têm um papel decisivo».
Entre outros aspectos, que serão aprofundados mais adiante neste trabalho, o autor nota que a «perestróika fez parte integrante do conflito mundial – a guerra-fria», e que «no seu desenvolvimento e aproveitamento dos resultados, as forças políticas estrangeiras desempenharam um importante e activo papel».
Como força motriz desta «revolução», surgiu «uma invulgar aliança» dos seguintes grupos sócioculturais: «parte da nomenclatura do Estado e do Partido, ansiosa por superar o amadurecimento de uma crise de legitimidade e conservar a sua situação (mesmo que para isso tivessem de trocar de máscara ideológica); parte da inteligentsia, seduzida pela utopia liberal do Ocidente (moviam-na vagos ideais de liberdade e de democracia e a visão de prateleiras repletas de produtos); e camadas criminosas ligadas à economia paralela».
Em geral, conclui Kara-Murza, «todos estes sujeitos activos da perestróika obtiveram no final aquilo que pretendiam. Os grupos da economia paralela e a nomenclatura acederam à propriedade e dividiram entre eles o poder, a inteligentsia – prateleiras repletas e a liberdade de atravessar a fronteira».
Com ironia amarga, o autor recorda que uma das principais exigências levantadas pela inteligentsia no decorrer da perestróika foi «o fim dos limites à subscrição» de jornais e revistas: «Os limites foram retirados (em 1988), mas a tiragem do [jornal] Literaturnaia Gazeta caiu de cinco milhões para 30 mil exemplares (em 1997). A falta de dinheiro restringe mais fortemente a liberdade de subscrição do que os limites que antes existiam. Mas sobre isto não pensaram.»
A etapa da glasnost
A glasnost (transparência, publicitação) designou a primeira etapa da perestróika, que se prolongou «até à autêntica desmontagem do Estado soviético. Constituiu uma “revolução nas consciências”, conduzida de acordo com a teoria da revolução de Antonio Gramsci 2».
Este fundador do Partido Comunista Italiano, nos seus Cadernos da Prisão, publicados pela primeira vez em 1948, desenvolve uma nova teoria sobre o Estado e a revolução adaptada à população urbana, que se contrapõe à teoria leninista alegadamente concebida para o contexto de uma Rússia rural.
Partindo do postulado de Maquiavel de que o Estado depende da força e da concórdia, Gramsci, como explica o autor (V. II pág.539), vê na destruição da «hegemonia cultural» a via revolucionária para a destruição do Estado.
A situação de hegemonia atinge-se quando o nível de concórdia e aceitação entre os cidadãos é suficiente para os fazer desejar aquilo que a classe dominante exige. Trata-se, porém, de um processo dinâmico, em que, mesmo depois de atingida a hegemonia, são necessários esforços constantes para a manter e renovar.
2 Antonio Gramsci, (1891-1937), político, jornalista e teórico marxista foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano, constituído em 21 de Janeiro de 1921, a partir de uma facção do Partido Socialista Italiano. 4
A estabilidade ou o derrubamento dos regimes políticos dependeria assim da capacidade de alcançar ou de destruir a «hegemonia», no pressuposto de que em qualquer dos casos se trata não de um resultado da luta de classes, mas de um processo «molecular», de graduais e imperceptíveis alterações na opinião e atitude de cada cidadão.
Uma vez que a «hegemonia» se alicerça sobre o «núcleo cultural» das sociedades (o conjunto de concepções sobre o mundo e a humanidade, o bem e o mal, o belo e o horrível, bem como numa diversidade de símbolos e imagens, tradições e preconceitos, experiências e conhecimentos adquiridos ao longo de muitos séculos), torna-se necessário, para quebrá-la, agir permanentemente através da repetição ininterrupta das mesmas afirmações, dirigidas ao senso comum e não contra o adversário ou inimigo de classe. Depois de muito habituado, o cidadão médio acreditaria no que lhe é transmitido sem precisar de raciocinar.
Quando amadurece a «crise hegemónica» e surge uma situação de «guerra», as acções «moleculares» devem ser reforçadas rapidamente com operações planeadas que provoquem um profundo impacto nas consciências (Kara-Murza refere como exemplos, os acontecimentos da Roménia de 1989 ou o «golpe» de Moscovo de Agosto de 1991).
Esta teoria, afirma o autor, inspirou a etapa da glasnost e todo o programa de desintegração da «hegemonia» do regime soviético. O «sucesso» de tal operação estava à partida garantido porque, ao contrário da Itália de Gramsci onde os comunistas nunca dominaram os instrumentos de poder, na URSS todo o aparelho ideológico e de propaganda encontrava-se naquele momento nas mãos dos conspiradores.
Assim, a glasnost constituiu «um grande programa de destruição de imagens, símbolos e ideias, que consolidavam o “núcleo cultural” da sociedade e reforçavam a hegemonia do estado soviético. Este programa foi executado através da intensa utilização dos meios estatais de informação de massas, envolvendo activamente prestigiados cientistas, poetas e artistas. Nesta operação, a parte da inteligentsia que apelava ao bom senso foi completamente silenciada, impedindo-se qualquer tentativa de debate sério na sociedade: «a «maioria “reaccionária” não logrou expressar-se».
E mesmo alguns artigos de sinal contrário que geraram forte polémica, como a famosa «Carta de Nina Andreeva»3, foram intencionalmente e «minuciosamente seleccionadas, entre as intervenções mais grosseiras», afirma o autor.
A descredibilização dos símbolos e imagens alcançou uma notável profundidade histórica alvejando, desde figuras recentes como o general Jukov, até personagens do passado como o general Kutuzov ou mesmo o mítico Aleksandr Nevski.
Foram utilizados de forma intensiva os grandes acidentes (Tchernóbil ou o naufrágio do navio «Admiral Nakhimov», em Abril e Agosto de 1986, respectivamente), os incidentes (aterragem na Praça Vermelha da avioneta do cidadão alemão, Mathias Rust, em Maio de 1987), os derramamentos de sangue (Tbilissi, 1989), ou ainda situações chocantes como a infecção com SIDA de 20 crianças num hospital da cidade de Elist, em Kalmekia, que produziram um grande efeito psicológico.
A propósito deste último caso, o autor lembra que na mesma altura, em França, foram infectadas quatro mil pessoas com sangue contaminado, notícia que foi completamente omitida pela imprensa e televisão soviéticas.
Também o movimento ecologista foi chamado a desempenhar um papel puramente ideológico, levantando todo o tipo de suspeitas, designadamente sobre a segurança dos alimentos, que deixaram a opinião pública num estado próximo da psicose. As centrais de energia nuclear tornaram-se alvos de protestos, chegando mesmo a ser encerrada uma unidade na Arménia, que alguns anos depois foi reactivada.
3 Carta publicada no jornal Sovietskaia Rossia, em 13 de Março de 1988, com o título Não Posso Renunciar aos Meus Princípios. Nina Andreeva, que era na altura professora de Química na Universidade de Leninegrado, insurgiu-se contra a campanha difamatória lançada nos media contra I.V. Stáline. Após a dissolução do PCUS, funda, em Novembro de 1991, o Partido Comunista dos Bolcheviques de toda a União do qual permanece secretária-geral.
5
De resto, observa Kara-Murza, depois de «concluída a perestróika, o movimento ecologista dissolveu-se».
Particular pressão ideológica exerceram as sondagens de opinião promovidas pelos meios de comunicação. Como exemplo eloquente, o autor refere um inquérito sobre a qualidade da alimentação, realizado em toda a União Soviética em 1989, no qual 44 por cento da população se queixavam de uma alegada falta de leite e lacticínios.
O facto é que, recorda, o consumo médio per capita deste tipo de produtos na URSS era de 358 quilogramas por ano. Nos Estados Unidos, este valor era de 263 e na Espanha de 140 quilogramas.
Mais extraordinário foi o resultado do estudo na Arménia, onde o consumo médio de leite e lacticínios atingia os 480 quilogramas anuais por pessoa. Apesar disso, uma esmagadora maioria de 62 por cento dos inquiridos terá opinado haver carência destes alimentos.
Outro vector central da ideologia da perestróika, referido por Kara-Murza, partiu da ideia de eurocentrismo, baseada no pressuposto da existência de uma civilização mundial única, personificada pelo Ocidente, que seguia o seu curso natural e correcto, do qual a Rússia, na sua etapa soviética, se teria afastado. Daqui resultou a concepção do «regresso à civilização» e a orientação para os «valores da humanidade». «O Estado foi declarado como o principal obstáculo neste caminho e a desestatização a principal tarefa».
Em resumo, «na consciência social foi denegrida a imagem de praticamente todas as instituições do Estado, desde a Academia das Ciências aos jardins-de-infância, mas sobretudo do sistema económico e do exército. Depois de criados os estereótipos negativos, iniciou-se a reforma dos órgãos de poder e da administração».
A «reforma» das instituições
Até Janeiro de 1987, a principal palavra de ordem da perestróika era «Mais Socialismo». Seguiu-se-lhe o slogan «Mais Democracia». «Este foi o período de preparação cultural. A partir de 1988, começaram as transformações profundas em todos os subsistemas do Estado».
Serguei Kara-Murza
Da reforma à «revolução»
(Vol. II, parte II, C. 5, págs. 269-278)
O programa de reformas do estado soviético entrou numa fase decisiva no ano de 1987. Serguei Kara-Murza afirma que foi então que Gorbatchov definiu a perestróika como «uma revolução», ou seja, «os mais altos dirigentes do PCUS viam agora a tarefa não num processo gradual de reformas, mas na transformação da sociedade através da quebra e ruptura com a continuidade».
Neste sentido, Kara-Murza considera que «a perestróika se inclui na categoria das «revoluções feitas a partir de cima» (…), «nas quais as camadas dirigentes, utilizando o aparelho do Estado, têm um papel decisivo».
Entre outros aspectos, que serão aprofundados mais adiante neste trabalho, o autor nota que a «perestróika fez parte integrante do conflito mundial – a guerra-fria», e que «no seu desenvolvimento e aproveitamento dos resultados, as forças políticas estrangeiras desempenharam um importante e activo papel».
Como força motriz desta «revolução», surgiu «uma invulgar aliança» dos seguintes grupos sócioculturais: «parte da nomenclatura do Estado e do Partido, ansiosa por superar o amadurecimento de uma crise de legitimidade e conservar a sua situação (mesmo que para isso tivessem de trocar de máscara ideológica); parte da inteligentsia, seduzida pela utopia liberal do Ocidente (moviam-na vagos ideais de liberdade e de democracia e a visão de prateleiras repletas de produtos); e camadas criminosas ligadas à economia paralela».
Em geral, conclui Kara-Murza, «todos estes sujeitos activos da perestróika obtiveram no final aquilo que pretendiam. Os grupos da economia paralela e a nomenclatura acederam à propriedade e dividiram entre eles o poder, a inteligentsia – prateleiras repletas e a liberdade de atravessar a fronteira».
Com ironia amarga, o autor recorda que uma das principais exigências levantadas pela inteligentsia no decorrer da perestróika foi «o fim dos limites à subscrição» de jornais e revistas: «Os limites foram retirados (em 1988), mas a tiragem do [jornal] Literaturnaia Gazeta caiu de cinco milhões para 30 mil exemplares (em 1997). A falta de dinheiro restringe mais fortemente a liberdade de subscrição do que os limites que antes existiam. Mas sobre isto não pensaram.»
A etapa da glasnost
A glasnost (transparência, publicitação) designou a primeira etapa da perestróika, que se prolongou «até à autêntica desmontagem do Estado soviético. Constituiu uma “revolução nas consciências”, conduzida de acordo com a teoria da revolução de Antonio Gramsci 2».
Este fundador do Partido Comunista Italiano, nos seus Cadernos da Prisão, publicados pela primeira vez em 1948, desenvolve uma nova teoria sobre o Estado e a revolução adaptada à população urbana, que se contrapõe à teoria leninista alegadamente concebida para o contexto de uma Rússia rural.
Partindo do postulado de Maquiavel de que o Estado depende da força e da concórdia, Gramsci, como explica o autor (V. II pág.539), vê na destruição da «hegemonia cultural» a via revolucionária para a destruição do Estado.
A situação de hegemonia atinge-se quando o nível de concórdia e aceitação entre os cidadãos é suficiente para os fazer desejar aquilo que a classe dominante exige. Trata-se, porém, de um processo dinâmico, em que, mesmo depois de atingida a hegemonia, são necessários esforços constantes para a manter e renovar.
2 Antonio Gramsci, (1891-1937), político, jornalista e teórico marxista foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano, constituído em 21 de Janeiro de 1921, a partir de uma facção do Partido Socialista Italiano. 4
A estabilidade ou o derrubamento dos regimes políticos dependeria assim da capacidade de alcançar ou de destruir a «hegemonia», no pressuposto de que em qualquer dos casos se trata não de um resultado da luta de classes, mas de um processo «molecular», de graduais e imperceptíveis alterações na opinião e atitude de cada cidadão.
Uma vez que a «hegemonia» se alicerça sobre o «núcleo cultural» das sociedades (o conjunto de concepções sobre o mundo e a humanidade, o bem e o mal, o belo e o horrível, bem como numa diversidade de símbolos e imagens, tradições e preconceitos, experiências e conhecimentos adquiridos ao longo de muitos séculos), torna-se necessário, para quebrá-la, agir permanentemente através da repetição ininterrupta das mesmas afirmações, dirigidas ao senso comum e não contra o adversário ou inimigo de classe. Depois de muito habituado, o cidadão médio acreditaria no que lhe é transmitido sem precisar de raciocinar.
Quando amadurece a «crise hegemónica» e surge uma situação de «guerra», as acções «moleculares» devem ser reforçadas rapidamente com operações planeadas que provoquem um profundo impacto nas consciências (Kara-Murza refere como exemplos, os acontecimentos da Roménia de 1989 ou o «golpe» de Moscovo de Agosto de 1991).
Esta teoria, afirma o autor, inspirou a etapa da glasnost e todo o programa de desintegração da «hegemonia» do regime soviético. O «sucesso» de tal operação estava à partida garantido porque, ao contrário da Itália de Gramsci onde os comunistas nunca dominaram os instrumentos de poder, na URSS todo o aparelho ideológico e de propaganda encontrava-se naquele momento nas mãos dos conspiradores.
Assim, a glasnost constituiu «um grande programa de destruição de imagens, símbolos e ideias, que consolidavam o “núcleo cultural” da sociedade e reforçavam a hegemonia do estado soviético. Este programa foi executado através da intensa utilização dos meios estatais de informação de massas, envolvendo activamente prestigiados cientistas, poetas e artistas. Nesta operação, a parte da inteligentsia que apelava ao bom senso foi completamente silenciada, impedindo-se qualquer tentativa de debate sério na sociedade: «a «maioria “reaccionária” não logrou expressar-se».
E mesmo alguns artigos de sinal contrário que geraram forte polémica, como a famosa «Carta de Nina Andreeva»3, foram intencionalmente e «minuciosamente seleccionadas, entre as intervenções mais grosseiras», afirma o autor.
A descredibilização dos símbolos e imagens alcançou uma notável profundidade histórica alvejando, desde figuras recentes como o general Jukov, até personagens do passado como o general Kutuzov ou mesmo o mítico Aleksandr Nevski.
Foram utilizados de forma intensiva os grandes acidentes (Tchernóbil ou o naufrágio do navio «Admiral Nakhimov», em Abril e Agosto de 1986, respectivamente), os incidentes (aterragem na Praça Vermelha da avioneta do cidadão alemão, Mathias Rust, em Maio de 1987), os derramamentos de sangue (Tbilissi, 1989), ou ainda situações chocantes como a infecção com SIDA de 20 crianças num hospital da cidade de Elist, em Kalmekia, que produziram um grande efeito psicológico.
A propósito deste último caso, o autor lembra que na mesma altura, em França, foram infectadas quatro mil pessoas com sangue contaminado, notícia que foi completamente omitida pela imprensa e televisão soviéticas.
Também o movimento ecologista foi chamado a desempenhar um papel puramente ideológico, levantando todo o tipo de suspeitas, designadamente sobre a segurança dos alimentos, que deixaram a opinião pública num estado próximo da psicose. As centrais de energia nuclear tornaram-se alvos de protestos, chegando mesmo a ser encerrada uma unidade na Arménia, que alguns anos depois foi reactivada.
3 Carta publicada no jornal Sovietskaia Rossia, em 13 de Março de 1988, com o título Não Posso Renunciar aos Meus Princípios. Nina Andreeva, que era na altura professora de Química na Universidade de Leninegrado, insurgiu-se contra a campanha difamatória lançada nos media contra I.V. Stáline. Após a dissolução do PCUS, funda, em Novembro de 1991, o Partido Comunista dos Bolcheviques de toda a União do qual permanece secretária-geral.
5
De resto, observa Kara-Murza, depois de «concluída a perestróika, o movimento ecologista dissolveu-se».
Particular pressão ideológica exerceram as sondagens de opinião promovidas pelos meios de comunicação. Como exemplo eloquente, o autor refere um inquérito sobre a qualidade da alimentação, realizado em toda a União Soviética em 1989, no qual 44 por cento da população se queixavam de uma alegada falta de leite e lacticínios.
O facto é que, recorda, o consumo médio per capita deste tipo de produtos na URSS era de 358 quilogramas por ano. Nos Estados Unidos, este valor era de 263 e na Espanha de 140 quilogramas.
Mais extraordinário foi o resultado do estudo na Arménia, onde o consumo médio de leite e lacticínios atingia os 480 quilogramas anuais por pessoa. Apesar disso, uma esmagadora maioria de 62 por cento dos inquiridos terá opinado haver carência destes alimentos.
Outro vector central da ideologia da perestróika, referido por Kara-Murza, partiu da ideia de eurocentrismo, baseada no pressuposto da existência de uma civilização mundial única, personificada pelo Ocidente, que seguia o seu curso natural e correcto, do qual a Rússia, na sua etapa soviética, se teria afastado. Daqui resultou a concepção do «regresso à civilização» e a orientação para os «valores da humanidade». «O Estado foi declarado como o principal obstáculo neste caminho e a desestatização a principal tarefa».
Em resumo, «na consciência social foi denegrida a imagem de praticamente todas as instituições do Estado, desde a Academia das Ciências aos jardins-de-infância, mas sobretudo do sistema económico e do exército. Depois de criados os estereótipos negativos, iniciou-se a reforma dos órgãos de poder e da administração».
A «reforma» das instituições
Até Janeiro de 1987, a principal palavra de ordem da perestróika era «Mais Socialismo». Seguiu-se-lhe o slogan «Mais Democracia». «Este foi o período de preparação cultural. A partir de 1988, começaram as transformações profundas em todos os subsistemas do Estado».
Serguei Kara-Murza
sexta-feira, 20 de abril de 2012
MORRER DE PÉ, NA PRAÇA SYNTAGMA
MORRER DE PÉ, NA PRAÇA SYNTAGMA
Quando se ouviu um tiro na Praça Syntagma,
logo houve quem dissesse: “É a polícia que ataca !”.
Mas não, Dimitris Christoulas trazia consigo a arma,
a carta de despedida, a dor sem nome, a bravura,
e vinha só, sem medo, ele que já vivera os tempos
de silêncio e chumbo do terror dos coronéis.
Mas nessa altura era jovem e tinha esperança.
Agora tudo isso findara, mas não a dignidade,
que essa, por não ter preço, não se rende nem desiste.
Dimitris Christoulas podia ser apenas um pai cansado,
um avô sem alento para sorrir, um irmão mais velho,
um vizinho tão cansado de sofrer. Mas era muito mais
do que isso. Era a personagem que faltava
a esta tragédia grega que nem Sófocles ou Édipo
se lembraram de escrever, por ser muito mais próxima
da vida do que da imaginação de quem efabula.
Ouviu-se o tiro, seco e certeiro, e tudo terminou ali
para começar logo no instante seguinte sob a forma
de revolta que não encontra nas bocas
as palavras certas para conquistar a rua.
Quando assim acontece, o silêncio derruba muralhas.
Aos jovens, que podiam ser seus filhos e netos,
o mártir da Praça Syntagma pediu apenas
para não se renderem, para não se limitarem
a ser unidades estatísticas na humilhação de uma pátria.
Não lhes pediu para imitarem o seu gesto,
mas sim que evitassem a sua trágica repetição.
E eles ouviram-no e choraram por ele, e com ele,
sabendo-o já a salvo da humilhação
de deambular pelas lixeiras para não morrer de fome.
Até os deuses, na sua olímpica distância,
se perfilaram de assombro ante a coragem deste gesto.
Até os deuses sentiram desprezo, maior do que é costume,
pela ignomínia de quem se vende
para tornar ainda maior a riqueza de quem manda.
A Dimitris bastou um só disparo, limpo e breve,
para resumir a fogo toda a razão que lhe ia na alma.
Estava livre. Tornara-se herói de tragédia
enquanto a Primavera namorava a bela Atenas,
deusa tantas vezes idolatrada e venerada.
Assim se despedia um homem de bem,
com a coragem moral de quem o destino não vence.
Quando o tiro ecoou na praça de todas as revoltas,
Dimitris Christoulas deixou voar uma pomba,
uma borboleta, uma gaivota triste do Pireu
e disse, com um aceno: “Eu continuo aqui,
de pé firme, porque nada tem a força de um homem
quando chega a hora de mostrar que tem razão”.
Depois vieram nuvens, flores e lágrimas,
súplicas, gritos e preces, e o mártir da Syntagma,
tão terreno e finito como qualquer homem com fome,
ergueu-se nos ares e abraçou a multidão com ternura.
José Jorge Letria
6 de Abril de 2012
Quando se ouviu um tiro na Praça Syntagma,
logo houve quem dissesse: “É a polícia que ataca !”.
Mas não, Dimitris Christoulas trazia consigo a arma,
a carta de despedida, a dor sem nome, a bravura,
e vinha só, sem medo, ele que já vivera os tempos
de silêncio e chumbo do terror dos coronéis.
Mas nessa altura era jovem e tinha esperança.
Agora tudo isso findara, mas não a dignidade,
que essa, por não ter preço, não se rende nem desiste.
Dimitris Christoulas podia ser apenas um pai cansado,
um avô sem alento para sorrir, um irmão mais velho,
um vizinho tão cansado de sofrer. Mas era muito mais
do que isso. Era a personagem que faltava
a esta tragédia grega que nem Sófocles ou Édipo
se lembraram de escrever, por ser muito mais próxima
da vida do que da imaginação de quem efabula.
Ouviu-se o tiro, seco e certeiro, e tudo terminou ali
para começar logo no instante seguinte sob a forma
de revolta que não encontra nas bocas
as palavras certas para conquistar a rua.
Quando assim acontece, o silêncio derruba muralhas.
Aos jovens, que podiam ser seus filhos e netos,
o mártir da Praça Syntagma pediu apenas
para não se renderem, para não se limitarem
a ser unidades estatísticas na humilhação de uma pátria.
Não lhes pediu para imitarem o seu gesto,
mas sim que evitassem a sua trágica repetição.
E eles ouviram-no e choraram por ele, e com ele,
sabendo-o já a salvo da humilhação
de deambular pelas lixeiras para não morrer de fome.
Até os deuses, na sua olímpica distância,
se perfilaram de assombro ante a coragem deste gesto.
Até os deuses sentiram desprezo, maior do que é costume,
pela ignomínia de quem se vende
para tornar ainda maior a riqueza de quem manda.
A Dimitris bastou um só disparo, limpo e breve,
para resumir a fogo toda a razão que lhe ia na alma.
Estava livre. Tornara-se herói de tragédia
enquanto a Primavera namorava a bela Atenas,
deusa tantas vezes idolatrada e venerada.
Assim se despedia um homem de bem,
com a coragem moral de quem o destino não vence.
Quando o tiro ecoou na praça de todas as revoltas,
Dimitris Christoulas deixou voar uma pomba,
uma borboleta, uma gaivota triste do Pireu
e disse, com um aceno: “Eu continuo aqui,
de pé firme, porque nada tem a força de um homem
quando chega a hora de mostrar que tem razão”.
Depois vieram nuvens, flores e lágrimas,
súplicas, gritos e preces, e o mártir da Syntagma,
tão terreno e finito como qualquer homem com fome,
ergueu-se nos ares e abraçou a multidão com ternura.
José Jorge Letria
6 de Abril de 2012
quarta-feira, 18 de abril de 2012
Os movimentos sociais e os processos revolucionários na América Latina:
Uma crítica aos pós-modernistas
por Edmilson Costa [*]
Os anos 90 do século passado e os primeiros dez anos deste século foram marcados por intenso debate entre as forças de esquerda sobre o papel dos movimentos sociais, das minorias, das lutas de gênero e das vanguardas políticas nos processos de transformação econômica, social e política da sociedade. Colocou-se na ordem do dia a discussão sobre novas palavras de ordem, novos agentes políticos e sociais, novas formas de luta, novas concepções sobre a ação prática política.
Esses temas e concepções ocuparam o vazio político nesse período em funções de uma série de fenômenos que ocorreram na década de 80 e 90, como a queda do Muro de Berlim, o colapso da União Soviética e dos países do Leste Europeu, o refluxo do movimento sindical, a redução das lutas operárias nos principais centros capitalistas, a perda de protagonismo dos partidos revolucionários, especialmente dos comunistas, além da ofensiva da ideologia neoliberal em todas as partes do mundo, sob o comando das forças mais reacionárias do capital.
A conjuntura de derrota das forças progressistas favoreceu todo tipo modismo teórico e fetiche ideológico. Sob diversos pretextos, certas forças políticas, inclusive alguns companheiros de esquerda, começaram a questionar a centralidade do trabalho na vida social, o papel dos partidos políticos como vanguarda dos processos de transformações sociais e políticas, a atualidade da luta de classes como instrumento de mudança da história e o próprio socialismo-comunismo como processo que leva à emancipação humana.
Esse movimento teórico e político envolveu forças difusas, mas influentes junto à juventude e vários movimentos sociais. O objetivo era desconstruir o discurso dos partidos políticos revolucionários, do movimento sindical e do próprio marxismo, como síntese teórica da revolução. Para estas forças, os discursos de temas abrangentes, como a igualdade, o socialismo, a emancipação humana, os valores históricos do proletariado, as soluções coletivas contra a opressão humana, eram coisa do passado e produto de um mundo que já existia mais.
No lugar desses velhos temas, tornava-se necessário colocar um novo discurso, como forma de forma reconhecer a fragmentação da realidade e do conhecimento, a constatação da diferença, a emergências de novos sujeitos sociais, com características, valores e reivindicações específicas, como os movimentos sociais, de gênero, raça, etnia, etc, e novas formas de formas de luta, inclusive com renúncia à tomada do poder.
O condensamento desse ecletismo conservador, dessa matriz teórica diluidora, pode ser expresso no que se convencionou chamar de pós-modernismo. Essa é a fonte teórica inspiradora de todos os modismos teóricos e fetiches que se tornou moda as duas últimas décadas. Quais são os principais supostos teóricos dos pós-modernistas, que tanta influência tiveram nesses anos de vazio político? Vamos nos ater a três vertentes fundamentais que norteiam os fundamentos dessa corrente teórica.
1) O fim da centralidade do trabalho. Um dos temas mais destacados pelos pós-modernistas é o fato de que as tecnologias da informação, a reestruturação produtiva e a inserção acelerada de ciência no processo produtivo tornaram obsoleto o conceito de classe operária e proletariado, até mesmo porque esses atores estão se tornando residuais num mundo globalizado onde impera a robótica, a internet e a informática avançada. Alguns desses teóricos chegaram a dar adeus ao proletariado, que seria um conceito típico da segunda revolução industrial. Prova disso, seria a constatação de que a classe operária está diminuindo em todo o mundo e, por isso mesmo, perdeu o protagonismo para outros movimentos emergentes no capitalismo globalizado.
Os teóricos pós-modernistas se comportam como o caçador que vê apenas as árvores mas não consegue enxergar a floresta. Olham o mundo a partir de uma perspectiva da Europa ou Estados Unidos. Por isso, não conseguem compreender que o capital possui uma extraordinária mobilidade, em função da busca permanente por valorização. Por isso, são incapazes de perceber que o proletariado está crescendo de maneira expressiva em termos mundiais, com o deslocamento de milhares de indústrias dos EUA e da Europa para a Ásia, processo que está incorporando ao mundo do trabalho centenas de milhões de trabalhadores na China, na Índia e em toda a Ásia, num movimento que está mudando a conjuntura mundial.
Não conseguem entender que o próprio capitalismo é uma contradição em processo, pois quanto mais se moderniza, quanto mais insere ciência na produção, mais amplia sua composição orgânica e, consequentemente, mais pressiona as taxas de lucro para baixo. Por isso, o capitalismo não pode existir sem seu contraponto, o proletariado. Se o capitalismo automatizasse todas suas fábricas o sistema entraria em colapso, pois os robôs são até mais disciplinados que os seres humanos, são capazes de trabalhar sem descanso, não reivindicam salário, nem fazem greve, mas também tem seu calcanhar de Aquiles: não consomem. Se não têm consumidores, os capitalistas não têm para quem vender suas mercadorias. Ou seja, antes de uma automatização total, o sistema entraria em colapso em função de suas próprias contradições.
2) O fim da centralidade da luta de classes. Outro dos argumentos dos teóricos pós-modernos é a alegação de que a luta de classes é coisa do passado. Afinal, dizem, se o proletariado está se reduzindo aceleradamente, não existe mais identidade de classe e, portanto, não teria sentido se falar em luta de classes. Nessa perspectiva, dizem, a reestruturação produtiva pode ser considerada uma espécie de dobre de finados que veio sepultar os velhos agentes do passado, como o movimento sindical. Prova disso, é que os sindicatos perderam o protagonismo e agora agonizam em todo o mundo. E o principal representante teórico do mundo do trabalho, o marxismo, também estaria ultrapassado, em função de sua visão monolítica do mundo.
Novamente, os teóricos pós-modernistas também não compreendem a história e confundem sua submissão ideológica à ordem capitalista com a realidade dos trabalhadores. A luta de classes sempre existiu desde que as classes se constituíram na humanidade e continuará sua trajetória enquanto existir a exploração de um ser humano por outro. Não porque os marxistas querem, mas porque a realidade a impõe. Nos tempos de refluxo as lutas sociais diminuem, parece que os trabalhadores estão passivos e os capitalistas imaginam que conseguiram disciplinar para sempre os trabalhadores.
Nessa conjuntura, o discurso do fim da luta de classe, da passividade dos trabalhadores, chega a influenciar muita gente, afinal, quem não tem uma perspectiva histórica do mundo se atém apenas à superfície dos fenômenos, à aparência das coisas. Mas nos momentos de crise do capitalismo, esse discurso se torna inteiramente inadequado, entra em choque com a realidade, uma vez que a crise coloca a luta de classes naordem do dia com uma atualidade extraordinária, para desespero daqueles que imaginavam o seu fim.
Se observarmos a realidade atual, onde o sistema capitalismo enfrenta sua maior crise desde a Grande Depressão, poderemos facilmente constatar e emergência da luta de classes em praticamente todas as partes do mundo. É só observar as insurreições no Oriente Médio, na África, as lutas na América Latina, as greves e mobilizações na Europa. Além disso, a crise também tornou o marxismo mais atual do que nunca. Mesmo os capitalistas estão lendo O Capital para tentar entender o que está ocorrendo no mundo.
3) As vanguardas políticas não têm mais nenhum papel a desempenhar no mundo globalizado. O terceiro dos argumentos-chave dos teóricos pós-modernistas é o fato de os partidos revolucionários, especialmente os comunistas, não terem mais nenhum papel a desempenhar no mundo atual. A ação política agora deve ser comandada pelos movimentos sociais, pelos movimentos de gênero, minorias étnicas, de raças, sexuais, etc, que são vítimas de “opressões específicas”. Isso porque os partidos seriam organizações autoproclamatórias, autoritárias, portadoras de um fetiche autorealizável, que é a revolução socialista.Essas instituições, portadoras de um discurso utópico de emancipação humana, estão também definhando em todo o mundo porque não estariam entendendo a realidade do mundo globalizado.
Mais uma vez os teóricos pós-modernistas não conseguem compreender a totalidade da vida social. Por isso, vêem o mundo sem unidade, fragmentado e disperso. Não entendem que, por trás da “opressãoespecífica” que atinge os movimentos sociais e de gênero, etnia, raça, sexual, está o grande capital apropriando a mais-valia de todos, independentemente de raça, sexo ou orientação religiosa . Não compreendem que os movimentos, por sua própria natureza, têm limites institucionais e de representatividade.
Um sindicato, por mais combativo que seja, deve representar os interesses dos trabalhadores que representa. Da mesma forma que uma entidade estudantil, uma organização de moradores, de mulheres ou de homosexuais tem como objetivo defender os interesses específicos de seus representados, atuam nos limites institucionais da ordem burguesa. Somente o partido político revolucionário, que se propõe a derrotar a ordem capitalista e que junta em suas fileiras todos esses segmentos sociais, possui condições para entender a totalidade da luta política e lançar propostas globais para a transformação da sociedade.
A prática das lutas sociais
Se observarmos as lutas sociais que foram realizadas nos últimos anos, poderemos constatar facilmente que grande parte delas foram derrotadas exatamente porque não existiam vanguardas com capacidade de conduzir e orientar essas lutas para a radicalidade da luta de classes e a emancipação do proletariado. Não se trata aqui de negar a importância das lutas específicas ou dos movimentos sociais. Pelo contrário, são fundamentais para qualquer processo de mudança, servem também como aprendizado da luta dos trabalhadores, mas deixadas por si mesmas, apenas com seu conteúdo espontaneísta, não tem condições de realizaras transformações da sociedade e terminam se esvaziando e sendo derrotadas pelo capital.
O teatro de operações é mais ou menos o seguinte: após um momento de euforia e mobilização os movimentos sociais são capazes de realizar proezas impressionantes, como desacreditar a velha ordem, desafiar as classes dominantes, mas num segundo momento a euforia se esgota em si mesma sem atingir os objetivos por falta de perspectivas. A América Latina é um importante posto de observação para constatarmos essa hipótese, mas também em várias partes do mundo os exemplos são férteis para verificarmos a necessidades de vanguardas políticas.
A Bolívia, por exemplo, foi palco de várias insurreições populares contra governos neoliberais. As massas se sublevaram, foram às ruas aos milhões, derrubaram os governos conservadores, mas o máximo que conseguiram foi eleger um presidente progressista que é fustigado a todo momento pelo capital e não consegue realizar plenamente nem o próprio programa a que se propôs no período das eleições.
No Equador, ocorreram também várias insurreições populares. Em uma delas, os movimentos conquistaram o poder e o entregaram a um militar que depois os traiu e agora é um personagem conservador na política do País. Posteriormente, no bojo de outra insurreição, conseguiram eleger um presidente progressista, mas este não consegue implementar um programa transformador porque o capital não lhe dá trégua. Recentemente quase foi deposto por um setor militar sublevado.
Na Argentina, em função da crise econômica herdada do governo neoliberal de Menem, as massas também se sublevaram aos milhões em várias regiões do País. Em um período curto o País mudou três vezes de presidente. O resultado da sublevação popular foi a eleição de Nestor Kirchner e, posteriormente, de sua companheira, Cristina Kirchner. Nesses anos de poder, os Kirchner também não realizaram nenhuma mudança de fundo. O capitalismo seguiu seu curso como se nada tivesse acontecido.
Mais recentemente, duas grandes insurreições populares derrubaram os governos conservadores da Tunísia, do Egito e do Iêmen. Milhares de pessoas se sublevaram durante vários dias, centenas de pessoas morreram, os ditadores deixaram o poder, mas os movimentos sociais, sem vanguarda política, não conseguiram seus objetivos. Setores da burguesia local encabeçaram a formação de novos governos e os trabalhadores mais uma vez deixaram escapar de suas mãos a revolução.
No Brasil, um grande movimento social, o Movimento dos Sem Terra (MST) enfrentou com bravura os governos neoliberais, tendo como norte a bandeira da reforma agrária. Organizou um movimento original e de massas, com base social em todo o País, especialmente entre a população mais pobre da cidade e do campo. O MST ocupou fazendas dos latifundiários, realizou formação de grande parte dos seus quadros e até mesmo conseguiu construir uma universidade popular para formação permanente dos seus militantes.
No entanto, o desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro e a emergência do agronegócio criaram uma nova conjuntura no campo brasileiro, onde as relações de produção passaram a se dar predominantemente entre capital e trabalho. Essa conjuntura, aliada ao programa de compensação social do governo Lula, o “Bolsas Família”, uma programa de transferência de rendimento para a população mais pobre, levou o MST a uma encruzilhada.
Ou seja, a realidade mudou radialmente no campo brasileiro, mas a razão de ser do MST era a reforma agrária. Por isso, o movimento, que se tornara um dos símbolos de luta contra o neoliberalismo e, por isso mesmo obteve simpatia mundial, agora está perdendo protagonismo. Os acampamentos do MST foram reduzidos para menos da metade e o movimento vive grandes dificuldades estratégicas. Afinal, se a maioria dos trabalhadores está nas cidades, se o capitalismo hegemonizou as relações de produção no campo e subordinou a pequena agricultura à lógica do capital, torna-se difícil a sobrevivência no longo prazo de um movimento que tem apenas a bandeira da reforma agrária como luta estratégica.
A condensação mais expressiva da teoria movimentista foi o Fórum Social Mundial (FSM). Por ocasião do primeiro FSM, em Porto Alegre, parecia que todos tinham encontrado a fórmula ideal, a varinha mágica, para as novas lutas sociais. Milhares de lutadores de todo o mundo convergiram para o Rio Grande do Sul para se fazer presentes no lançamento da nova grife da luta mundial autônoma. Foi um sucesso extraordinário e um contraponto ao Foro de Davos, onde os capitalistas tramavam novas estratégias para dominação do mundo.
O sucesso de público e de mídia do FSM parecia ter enterrado de vez a noção de vanguarda política. Agora seriam os movimentos sociais, os movimentos de gênero, etnia, das mulheres, os movimentos sociais que doravante comandariam as lutas no mundo. Adeus partidos políticos, adeus movimento sindical, adeus velhos atores sociais da segunda revolução industrial. Agora eram os movimentos difusos, sem centralidade política, inteiramente autônomos, livres de dogmas e ideologias ultrapassadas que iriam provar ao mundo a nova realidade da luta social e política.
Muita gente sinceramente acreditou que o FSM poderia ser a fórmula mágica, o contraponto contemporâneo ao capital, o substituto das velhas vanguardas políticas e seu discurso autoproclamatório. Mas a realidade aos poucos foi colocando no devido lugar o modismo movimentista. Com o tempo, o FSM foi perdendo fôlego, foi se esvaziando, até o ponto em que hoje ninguém mais acredita que possa ser alternativa a coisa nenhuma. Mas uma vez a vida provou que os movimentos por si só não têm condições de mudar a sociedade, é necessário a vanguarda política para conduzir os processos de transformação.
O significado do pós-modernismo e as lutas sociais
Em outras palavras, a ideologia pós-modernista é responsável por grande parte das derrotas dos movimentos sociais nestas duas décadas, não só porque esse modismo teórico influenciou parte da juventude e lideranças dos movimentos sociais, como também porque levou à frustração milhares de lutadores sociais. Isso porque as lutas fragmentadas geralmente se desenvolvem de maneira espontânea. No início tem uma trajetória de ascenso, empolga milhares de pessoas, mas logo depois o movimento vai enfraquecendo até ser absorvido pelo sistema.
Em outras palavras, o pós-modernismo é o fetiche ideológico típico dos tempos de neoliberalismo e representa a ideologia pequeno-burguesa da submissão sofisticada à ordem do capital. Mas essa ideologia carrega consigo uma contradição insolúvel: no momento em que o capital mais se globaliza, com a internacionalização da produção e das finanças, é justamente neste momento que os pós-modernos pregam a fragmentação da realidade, a setorização das lutas sociais, a especificidade dos combates de gênero, etnia, raça, sexo, etc. Só mesmo quem não quer mudar a ordem capitalista pensa desse jeito.
Na verdade, todos que seguem esse ritual teórico, de maneira direta ou indireta, estão abrindo mão de um projeto emancipatório e escondem sua impotência mediante um discurso cheio de abstrações sociológicas, mas muito conveniente para o capital. Por isso, combatem as lutas gerais, para fragmentá-las em lutas específicas, que não afrontam abertamente o sistema dominante.Trata-se do varejo da política fantasiado de moderno.
Esses setores cumpriram, nos últimos 20 anos e ainda cumprem até hoje, um papel muito especial na luta ideológica atual: eles são a mão esquerda do social-liberalismo capitalista. Influenciam as gerações mais jovens, desenvolvem um discurso com aparência de modernidade, influem na organização das lutas sociais. Com seu discurso eclético e fatalista, cheio de senso comum, desorientam setores importantes da sociedade no que se refere à ação política e, na prática, ajudam a organizar, mesmo que indiretamente, a submissão de vários setores sociais à ordem capitalista e aos valores do mercado.
Essas duas décadas de experiências fragmentadas nos levam à conclusão de que, mais do que nunca, as vanguardas revolucionárias têm um papel fundamental no processo de transformações sociais. São elas exatamente que podem conduzir e orientar os vários movimentos sociais com uma plataforma estratégica de emancipação da humanidade, o que significa derrotar o imperialismo e o capitalismo e transitar para a construção da sociedade socialista.
[*] Doutorado em Economia pela Unicamp, com pós-doutoramento na mesma instituição. É autor, entre outros, de A globalização e o capitalismo contemporâneo e A política salarial no Brasil. Professor universitário, é membro da Comissão Política do Comitê Central do PCB.
segunda-feira, 16 de abril de 2012
A campanha contra a Síria
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=180750&id_secao=9
Governo espera que mercenários também sigam a paz, diz cônsul
Contrariando mais uma vez a campanha difamatória contra a Síria liderada pelos Estados Unidos e Israel, o governo do presidente Bashar Assad colocou em vigor na quinta-feira (12) o acordo de cessar fogo proposto pelo enviado especial da ONU, Kofi Annan.
Por Mariana Viel, da redação do Vermelho
Ao mesmo tempo em que o governo sírio mostra disposição em encontrar uma saída pacífica para os conflitos — interrompendo suas atividades militares e retirando as tropas do Exército das ruas —, mercenários armados continuam fazendo uso da violência para instalar o pânico no país. Através da fronteira do país com a Turquia, os rebeldes sírios recebem diariamente armas americanas e israelenses.
Em entrevista ao Portal Vermelho, o cônsul-geral da Síria em São Paulo, Ghassan Obeid, afirmou que o governo espera que a oposição — que não é unificada — também obedeça ao acordo de paz.
“Infelizmente eles não aceitaram o cessar-fogo. A oposição é financiada por alguns grupos de outros países que incentivam que eles continuem a luta armada. Esses grupos dizem ‘Vocês estão bem armados e podem estar em melhores condições se não baixarem suas armas e não chegarem a um ponto de diálogo’.”, explica o representante sírio no Brasil.
Segundo Obeid o problema na Síria não é a democracia e nem os direitos humanos, mas sim a corrupção de grupos armados e financiados pela Turquia, Arábia Saudita, Qatar e EUA. “A situação na Síria não pode ser associada a outras situações no mundo árabe. O que acontece lá não é a primavera árabe, como alguns dizem”.
“Se a Síria parar de usar a força do Exército, os grupos armados devem também parar de usar a violência contra o governo e o povo. Aqueles que apoiam os grupos armados devem fechar a torneira de dinheiro e de armas para deixar a paz torna-se realidade”, enfatiza.
Ele denuncia que a estratégia desses grupos é causar pânico e colocar a população em confronto. Parte da tática dos mercenários é incitar o conflito entre diferentes grupos no país. O cônsul cita como exemplo o assassinato de mulçumanos para colocá-los em atrito direto com cristãos e vice-versa. “Eles matam mulheres e crianças e filmam essas barbaridades para colocar na televisão e jogar a culpa no governo. Quando não chegam a realizar o crime, o falsificam com photoshop e divulgam as imagens afirmando que aquilo aconteceu em Homs ou Damasco”.
A situação é ainda agravada pelo bloqueio comercial imposto pela Europa, essencialmente França e Inglaterra. “Cortaram todas as formas de financiamento e de transferência bancária para não deixar o país importar e exportar produtos e mercadorias, deixando o povo em uma miséria sem precedente”.
Eleições
Obeid reforça que outra demonstração do governo de Bashar Assad em traçar um caminho de paz para o país é a convocação das eleições parlamentares para o dia 7 de maio.
As eleições sírias se dão no marco da nova Constituição referendada recentemente e elegerão 250 deputados — dos quais mais da metade devem ser trabalhadores.
“Eles rejeitam o diálogo e não querem participar das eleições. Será a primeira eleição baseada sobre a nova lei de multipartidarismo e sobre a nova lei de eleições livres na Síria. São leis muito avançadas — cópias de leis modernas utilizadas em países europeus e da América Latina”.
A antiga Constituição síria dizia que o partido que governava o país tinha supremacia sobre todos os demais. Segundo a nova Constituição todos os partidos políticos são iguais e não existe supremacia.
“Antigamente a Síria tinha nove partidos políticos — o partido Baath, no poder, e oito integrantes da Frente Nacional. Atualmente temos 15 partidos políticos”. O cônsul explica que outros cinco aguardam aprovação de seus estatutos para serem legalizados. “No total teremos 20 partidos políticos que vão disputar as eleições de maio”.
Campanha midiática
Em defesa dos interesses imperialistas na Síria, uma grande parcela da mídia colabora com a campanha de desestabilização do governo. A maioria das falsas notícias é difundida pelas redes Al Jazeera e Al Arabya — do Qatar e da Arábia Saudita. “Para ser franco não fico feliz, mas não quero prejulgar toda a mídia. Nosso problema na Síria de verdade é a difamação e as falsas informações divulgadas”.
Ele cita que os EUA pagaram mais de US$ 6 milhões para criar um canal de televisão, baseado em Londres, e que divulga informações falsas sobre a realidade na Síria. “Quando um jornalista perguntou para a secretária de Estado Hillary Clinton por que eles fizeram isso, ela respondeu que era uma ajuda para o povo sírio. Mas não é uma ajuda para o povo sírio financiar um canal de televisão para divulgar falsas informações e fazer o povo se matar”.
No Brasil, Obeid conta que em diversas situações chamou a atenção de veículos de comunicação de alcance nacional como a Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo sobre o conteúdo de suas publicações. “Na terça-feira (10) dei o visto para um jornalista do Estado de S. Paulo que queria ir para a Síria fazer entrevistas. Chamei também o canal Bandeirantes para enviar uma equipe para percorrer o país com toda liberdade fazer entrevistas e encontros, e mostrar ao povo amigo e fraterno brasileiro o que acontece realmente na Síria.
“Aceitamos o acordo e a chegada de 300 observadores internacionais. A Síria abriu a porta para 30 canais de televisão internacionais e mais de 180 jornalistas”.
Brasil
Ainda durante a entrevista, o cônsul reafirmou os laços fraternos entre o governo brasileiro, a Síria e todo o povo árabe. Ele ressalta que o país precisa ocupar uma cadeira permanente no Conselho e Segurança da ONU.
“Quando o Brasil intervém em algum assunto ajuda a encontrar consenso. O Brasil disse que apoia as reformas planejadas pelo presidente Bashar Assad e defende os direitos humanos sem aceitar qualquer violência e massacre. Ele sabe diferenciar que há grupos armados fora da lei que atuam na Síria”.
Segundo ele, o governo brasileiro ajuda a manter a lei internacional e a preservar a soberania no país para não deixar que a Otan — liderada pelos EUA e outras potências imperialistas — façam com a Síria o mesmo que aconteceu na Líbia. Obeid cita ainda como aliados Rússia, China, Índia, África do Sul e Líbano.
“Querem trocar o governo para que a Síria seja governada por um grupo dominado pelos Estados Unidos e pela Europa. Se os Estados Unidos e a Europa tivessem muita preocupação com os direitos humanos do povo sírio chorariam pelo povo que está há mais de 60 anos sobre o domínio de Israel nas Colinas Golan. Por que não deixam liberar o território palestino que vive sob a matança de Israel? Se estão assim preocupados com os direitos humanos devem primeiro começar aplicando as resoluções das Nações Unidas”.
sábado, 14 de abril de 2012
Documentos sobre a contra-revolução na União Soviética. Iremos publicar regularmente documentos (mais ou menos recentes) sobre a Revolução Russa, Lenine, a verdade histórica de Stáline, os propósitos revisionistas de Trótsky, Kamenev, Bukhárin e, mais tarde, de Kruchev (as mentiras sobre o socialismo já vêm do tempo deste Secretário-Geral). Trata-se de denunciar com documentos as mentiras da propaganda.
Para a História do socialismo
www.hist-socialismo.net
Recensão de CN, Abril 2004
_____________________________
Serguei Kara-Murza
A Civilização Soviética
Algoritm, Moscovo, 2002
Índice
Introdução...........................................................................................................pág. 4
Da reforma à «revolução». A etapa da glasnost............................ ...............pág. 5
A «reforma» das instituições................................................................................pág. 7
Alterações no sistema político..............................................................................pág. 9
Forças armadas e de segurança interna...............................................................pág. 10
O desmantelamento da administração do Estado...............................................pág. 10
A desestabilização da economia...................................................................pág. 11
A campanha anti-álcool........................................................................................pág. 13
A liquidação do sistema de planificação...............................................................pág.14
A origem dos nacionalismos.................................................................................pág. 16
O «golpe» de Agosto de 1991................................................................................pág. 18
O revisionismo e a perestróika..........….........................................................pág. 20
A manipulação das consciências.................................................................pág. 21
A campanha anti-kolkhozes..................................................................................pág. 24
Meias-verdades e mentiras descaradas................................................................pág. 26
O desempenho do sistema agrícola......................................................................pág. 27
A descapitalização da agricultura.........................................................................pág. 29
Dificuldades do sistema soviético................................................................pág. 31
O mundo dos símbolos.........................................................................................pág. 32
A economia e a sociedade.....................................................................................pág. 33
A eficácia da planificação......................................................................................pág. 35
O papel social das empresas..........................................................................pág.38
O direito à alimentação.........................................................................................pág.40
Habitação garantida..............................................................................................pág. 41
Os cuidados de saúde....................................….....................................................pág. 43
O apoio à infância........................................….......................................................pág. 44
A extinção da pobreza...........................................................................................pág. 45
O pleno emprego...................................................................................................pág. 47
2
Nota de introdução
A «perestróika» (reconstrução, reestruturação, reorganização) começou por designar um conjunto de reformas económicas, sociais e políticas dentro da sociedade soviética, visando o desenvolvimento e aperfeiçoamento do socialismo.
Este ímpeto reformador e mobilizador da sociedade, presente em vários outros períodos da história da União Soviética, designadamente na época de Khruchov ou no breve período de Andropov, teve início com a eleição de Mikhail Gorbatchov para secretário-geral do PCUS, no Plenário do Comité Central de Abril de 1985.
Numa primeira fase, no plano interno, foram declarados objectivos prioritariamente de carácter económico, como o aumento da produtividade, da eficácia, da qualidade da produção, a auto-sustentabilidade das empresas, o melhoramento da rede de abastecimento, entre outros.
No plano político e social declarou-se, de forma geral, o regresso aos princípios leninistas, a dinamização dos sovietes, o aprofundamento da democracia socialista, o combate à burocracia, ao departamentalismo, à corrupção, etc.
Estes objectivos foram confirmados pelo XXVII Congresso do PCUS, realizado entre 25 de Fevereiro e 6 Março de 1986, cujas decisões, apontando a necessidade de reformas concretas em vários planos da sociedade, proclamaram o contínuo desenvolvimento das enormes potencialidades do sistema socialista soviético, colocando designadamente a meta de duplicar o Produto Interno Bruto no período subsequente de 15 anos.
Porém, a orientação dada a estas reformas cedo começou a pôr em causa não só os princípios do socialismo mas também os próprios fundamentos em que assentava todo o sistema político, social e económico da URSS.
Na sua extensa obra, Civilização Soviética, (dois volumes e mais de 1600 páginas em corpo pequeno), publicada em 2002 e da qual não conhecemos traduções do russo, Serguei Kara-Murza expõe-nos uma interessante visão sobre a nova sociedade nascida em 1917 na Rússia czarista, analisando os distintos períodos que marcaram a sua implantação, desenvolvimento e desagregação.
Neste brevíssimo e lacunar resumo, abordamos apenas os capítulos que se referem à fase da perestróika, procurando apresentar, na perspectiva do autor, os principais momentos deste processo que se revelou decisivo para a destruição da URSS e para a derrota do socialismo como sistema mundial.
CN, Abril 20041
1 O presente trabalho foi revisto em Julho de 2008.
3
Da reforma à «revolução»
(Vol. II, parte II, C. 5, págs. 269-278)
O programa de reformas do estado soviético entrou numa fase decisiva no ano de 1987. Serguei Kara-Murza afirma que foi então que Gorbatchov definiu a perestróika como «uma revolução», ou seja, «os mais altos dirigentes do PCUS viam agora a tarefa não num processo gradual de reformas, mas na transformação da sociedade através da quebra e ruptura com a continuidade».
Neste sentido, Kara-Murza considera que «a perestróika se inclui na categoria das «revoluções feitas a partir de cima» (…), «nas quais as camadas dirigentes, utilizando o aparelho do Estado, têm um papel decisivo».
Entre outros aspectos, que serão aprofundados mais adiante neste trabalho, o autor nota que a «perestróika fez parte integrante do conflito mundial – a guerra-fria», e que «no seu desenvolvimento e aproveitamento dos resultados, as forças políticas estrangeiras desempenharam um importante e activo papel».
Como força motriz desta «revolução», surgiu «uma invulgar aliança» dos seguintes grupos sócioculturais: «parte da nomenclatura do Estado e do Partido, ansiosa por superar o amadurecimento de uma crise de legitimidade e conservar a sua situação (mesmo que para isso tivessem de trocar de máscara ideológica); parte da inteligentsia, seduzida pela utopia liberal do Ocidente (moviam-na vagos ideais de liberdade e de democracia e a visão de prateleiras repletas de produtos); e camadas criminosas ligadas à economia paralela».
Em geral, conclui Kara-Murza, «todos estes sujeitos activos da perestróika obtiveram no final aquilo que pretendiam. Os grupos da economia paralela e a nomenclatura acederam à propriedade e dividiram entre eles o poder, a inteligentsia – prateleiras repletas e a liberdade de atravessar a fronteira».
Com ironia amarga, o autor recorda que uma das principais exigências levantadas pela inteligentsia no decorrer da perestróika foi «o fim dos limites à subscrição» de jornais e revistas: «Os limites foram retirados (em 1988), mas a tiragem do [jornal] Literaturnaia Gazeta caiu de cinco milhões para 30 mil exemplares (em 1997). A falta de dinheiro restringe mais fortemente a liberdade de subscrição do que os limites que antes existiam. Mas sobre isto não pensaram.»
A etapa da glasnost
A glasnost (transparência, publicitação) designou a primeira etapa da perestróika, que se prolongou «até à autêntica desmontagem do Estado soviético. Constituiu uma “revolução nas consciências”, conduzida de acordo com a teoria da revolução de Antonio Gramsci 2».
Este fundador do Partido Comunista Italiano, nos seus Cadernos da Prisão, publicados pela primeira vez em 1948, desenvolve uma nova teoria sobre o Estado e a revolução adaptada à população urbana, que se contrapõe à teoria leninista alegadamente concebida para o contexto de uma Rússia rural.
Partindo do postulado de Maquiavel de que o Estado depende da força e da concórdia, Gramsci, como explica o autor (V. II pág.539), vê na destruição da «hegemonia cultural» a via revolucionária para a destruição do Estado.
A situação de hegemonia atinge-se quando o nível de concórdia e aceitação entre os cidadãos é suficiente para os fazer desejar aquilo que a classe dominante exige. Trata-se, porém, de um processo dinâmico, em que, mesmo depois de atingida a hegemonia, são necessários esforços constantes para a manter e renovar.
2 Antonio Gramsci, (1891-1937), político, jornalista e teórico marxista foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano, constituído em 21 de Janeiro de 1921, a partir de uma facção do Partido Socialista Italiano. 4
A estabilidade ou o derrubamento dos regimes políticos dependeria assim da capacidade de alcançar ou de destruir a «hegemonia», no pressuposto de que em qualquer dos casos se trata não de um resultado da luta de classes, mas de um processo «molecular», de graduais e imperceptíveis alterações na opinião e atitude de cada cidadão.
Uma vez que a «hegemonia» se alicerça sobre o «núcleo cultural» das sociedades (o conjunto de concepções sobre o mundo e a humanidade, o bem e o mal, o belo e o horrível, bem como numa diversidade de símbolos e imagens, tradições e preconceitos, experiências e conhecimentos adquiridos ao longo de muitos séculos), torna-se necessário, para quebrá-la, agir permanentemente através da repetição ininterrupta das mesmas afirmações, dirigidas ao senso comum e não contra o adversário ou inimigo de classe. Depois de muito habituado, o cidadão médio acreditaria no que lhe é transmitido sem precisar de raciocinar.
Quando amadurece a «crise hegemónica» e surge uma situação de «guerra», as acções «moleculares» devem ser reforçadas rapidamente com operações planeadas que provoquem um profundo impacto nas consciências (Kara-Murza refere como exemplos, os acontecimentos da Roménia de 1989 ou o «golpe» de Moscovo de Agosto de 1991).
Esta teoria, afirma o autor, inspirou a etapa da glasnost e todo o programa de desintegração da «hegemonia» do regime soviético. O «sucesso» de tal operação estava à partida garantido porque, ao contrário da Itália de Gramsci onde os comunistas nunca dominaram os instrumentos de poder, na URSS todo o aparelho ideológico e de propaganda encontrava-se naquele momento nas mãos dos conspiradores.
Assim, a glasnost constituiu «um grande programa de destruição de imagens, símbolos e ideias, que consolidavam o “núcleo cultural” da sociedade e reforçavam a hegemonia do estado soviético. Este programa foi executado através da intensa utilização dos meios estatais de informação de massas, envolvendo activamente prestigiados cientistas, poetas e artistas. Nesta operação, a parte da inteligentsia que apelava ao bom senso foi completamente silenciada, impedindo-se qualquer tentativa de debate sério na sociedade: «a «maioria “reaccionária” não logrou expressar-se».
E mesmo alguns artigos de sinal contrário que geraram forte polémica, como a famosa «Carta de Nina Andreeva»3, foram intencionalmente e «minuciosamente seleccionadas, entre as intervenções mais grosseiras», afirma o autor.
A descredibilização dos símbolos e imagens alcançou uma notável profundidade histórica alvejando, desde figuras recentes como o general Jukov, até personagens do passado como o general Kutuzov ou mesmo o mítico Aleksandr Nevski.
Foram utilizados de forma intensiva os grandes acidentes (Tchernóbil ou o naufrágio do navio «Admiral Nakhimov», em Abril e Agosto de 1986, respectivamente), os incidentes (aterragem na Praça Vermelha da avioneta do cidadão alemão, Mathias Rust, em Maio de 1987), os derramamentos de sangue (Tbilissi, 1989), ou ainda situações chocantes como a infecção com SIDA de 20 crianças num hospital da cidade de Elist, em Kalmekia, que produziram um grande efeito psicológico.
A propósito deste último caso, o autor lembra que na mesma altura, em França, foram infectadas quatro mil pessoas com sangue contaminado, notícia que foi completamente omitida pela imprensa e televisão soviéticas.
Também o movimento ecologista foi chamado a desempenhar um papel puramente ideológico, levantando todo o tipo de suspeitas, designadamente sobre a segurança dos alimentos, que deixaram a opinião pública num estado próximo da psicose. As centrais de energia nuclear tornaram-se alvos de protestos, chegando mesmo a ser encerrada uma unidade na Arménia, que alguns anos depois foi reactivada.
3 Carta publicada no jornal Sovietskaia Rossia, em 13 de Março de 1988, com o título Não Posso Renunciar aos Meus Princípios. Nina Andreeva, que era na altura professora de Química na Universidade de Leninegrado, insurgiu-se contra a campanha difamatória lançada nos media contra I.V. Stáline. Após a dissolução do PCUS, funda, em Novembro de 1991, o Partido Comunista dos Bolcheviques de toda a União do qual permanece secretária-geral.
5
De resto, observa Kara-Murza, depois de «concluída a perestróika, o movimento ecologista dissolveu-se».
Particular pressão ideológica exerceram as sondagens de opinião promovidas pelos meios de comunicação. Como exemplo eloquente, o autor refere um inquérito sobre a qualidade da alimentação, realizado em toda a União Soviética em 1989, no qual 44 por cento da população se queixavam de uma alegada falta de leite e lacticínios.
O facto é que, recorda, o consumo médio per capita deste tipo de produtos na URSS era de 358 quilogramas por ano. Nos Estados Unidos, este valor era de 263 e na Espanha de 140 quilogramas.
Mais extraordinário foi o resultado do estudo na Arménia, onde o consumo médio de leite e lacticínios atingia os 480 quilogramas anuais por pessoa. Apesar disso, uma esmagadora maioria de 62 por cento dos inquiridos terá opinado haver carência destes alimentos.
Outro vector central da ideologia da perestróika, referido por Kara-Murza, partiu da ideia de eurocentrismo, baseada no pressuposto da existência de uma civilização mundial única, personificada pelo Ocidente, que seguia o seu curso natural e correcto, do qual a Rússia, na sua etapa soviética, se teria afastado. Daqui resultou a concepção do «regresso à civilização» e a orientação para os «valores da humanidade». «O Estado foi declarado como o principal obstáculo neste caminho e a desestatização a principal tarefa».
Em resumo, «na consciência social foi denegrida a imagem de praticamente todas as instituições do Estado, desde a Academia das Ciências aos jardins-de-infância, mas sobretudo do sistema económico e do exército. Depois de criados os estereótipos negativos, iniciou-se a reforma dos órgãos de poder e da administração».
www.hist-socialismo.net
Recensão de CN, Abril 2004
_____________________________
Serguei Kara-Murza
A Civilização Soviética
Algoritm, Moscovo, 2002
Índice
Introdução...........................................................................................................pág. 4
Da reforma à «revolução». A etapa da glasnost............................ ...............pág. 5
A «reforma» das instituições................................................................................pág. 7
Alterações no sistema político..............................................................................pág. 9
Forças armadas e de segurança interna...............................................................pág. 10
O desmantelamento da administração do Estado...............................................pág. 10
A desestabilização da economia...................................................................pág. 11
A campanha anti-álcool........................................................................................pág. 13
A liquidação do sistema de planificação...............................................................pág.14
A origem dos nacionalismos.................................................................................pág. 16
O «golpe» de Agosto de 1991................................................................................pág. 18
O revisionismo e a perestróika..........….........................................................pág. 20
A manipulação das consciências.................................................................pág. 21
A campanha anti-kolkhozes..................................................................................pág. 24
Meias-verdades e mentiras descaradas................................................................pág. 26
O desempenho do sistema agrícola......................................................................pág. 27
A descapitalização da agricultura.........................................................................pág. 29
Dificuldades do sistema soviético................................................................pág. 31
O mundo dos símbolos.........................................................................................pág. 32
A economia e a sociedade.....................................................................................pág. 33
A eficácia da planificação......................................................................................pág. 35
O papel social das empresas..........................................................................pág.38
O direito à alimentação.........................................................................................pág.40
Habitação garantida..............................................................................................pág. 41
Os cuidados de saúde....................................….....................................................pág. 43
O apoio à infância........................................….......................................................pág. 44
A extinção da pobreza...........................................................................................pág. 45
O pleno emprego...................................................................................................pág. 47
2
Nota de introdução
A «perestróika» (reconstrução, reestruturação, reorganização) começou por designar um conjunto de reformas económicas, sociais e políticas dentro da sociedade soviética, visando o desenvolvimento e aperfeiçoamento do socialismo.
Este ímpeto reformador e mobilizador da sociedade, presente em vários outros períodos da história da União Soviética, designadamente na época de Khruchov ou no breve período de Andropov, teve início com a eleição de Mikhail Gorbatchov para secretário-geral do PCUS, no Plenário do Comité Central de Abril de 1985.
Numa primeira fase, no plano interno, foram declarados objectivos prioritariamente de carácter económico, como o aumento da produtividade, da eficácia, da qualidade da produção, a auto-sustentabilidade das empresas, o melhoramento da rede de abastecimento, entre outros.
No plano político e social declarou-se, de forma geral, o regresso aos princípios leninistas, a dinamização dos sovietes, o aprofundamento da democracia socialista, o combate à burocracia, ao departamentalismo, à corrupção, etc.
Estes objectivos foram confirmados pelo XXVII Congresso do PCUS, realizado entre 25 de Fevereiro e 6 Março de 1986, cujas decisões, apontando a necessidade de reformas concretas em vários planos da sociedade, proclamaram o contínuo desenvolvimento das enormes potencialidades do sistema socialista soviético, colocando designadamente a meta de duplicar o Produto Interno Bruto no período subsequente de 15 anos.
Porém, a orientação dada a estas reformas cedo começou a pôr em causa não só os princípios do socialismo mas também os próprios fundamentos em que assentava todo o sistema político, social e económico da URSS.
Na sua extensa obra, Civilização Soviética, (dois volumes e mais de 1600 páginas em corpo pequeno), publicada em 2002 e da qual não conhecemos traduções do russo, Serguei Kara-Murza expõe-nos uma interessante visão sobre a nova sociedade nascida em 1917 na Rússia czarista, analisando os distintos períodos que marcaram a sua implantação, desenvolvimento e desagregação.
Neste brevíssimo e lacunar resumo, abordamos apenas os capítulos que se referem à fase da perestróika, procurando apresentar, na perspectiva do autor, os principais momentos deste processo que se revelou decisivo para a destruição da URSS e para a derrota do socialismo como sistema mundial.
CN, Abril 20041
1 O presente trabalho foi revisto em Julho de 2008.
3
Da reforma à «revolução»
(Vol. II, parte II, C. 5, págs. 269-278)
O programa de reformas do estado soviético entrou numa fase decisiva no ano de 1987. Serguei Kara-Murza afirma que foi então que Gorbatchov definiu a perestróika como «uma revolução», ou seja, «os mais altos dirigentes do PCUS viam agora a tarefa não num processo gradual de reformas, mas na transformação da sociedade através da quebra e ruptura com a continuidade».
Neste sentido, Kara-Murza considera que «a perestróika se inclui na categoria das «revoluções feitas a partir de cima» (…), «nas quais as camadas dirigentes, utilizando o aparelho do Estado, têm um papel decisivo».
Entre outros aspectos, que serão aprofundados mais adiante neste trabalho, o autor nota que a «perestróika fez parte integrante do conflito mundial – a guerra-fria», e que «no seu desenvolvimento e aproveitamento dos resultados, as forças políticas estrangeiras desempenharam um importante e activo papel».
Como força motriz desta «revolução», surgiu «uma invulgar aliança» dos seguintes grupos sócioculturais: «parte da nomenclatura do Estado e do Partido, ansiosa por superar o amadurecimento de uma crise de legitimidade e conservar a sua situação (mesmo que para isso tivessem de trocar de máscara ideológica); parte da inteligentsia, seduzida pela utopia liberal do Ocidente (moviam-na vagos ideais de liberdade e de democracia e a visão de prateleiras repletas de produtos); e camadas criminosas ligadas à economia paralela».
Em geral, conclui Kara-Murza, «todos estes sujeitos activos da perestróika obtiveram no final aquilo que pretendiam. Os grupos da economia paralela e a nomenclatura acederam à propriedade e dividiram entre eles o poder, a inteligentsia – prateleiras repletas e a liberdade de atravessar a fronteira».
Com ironia amarga, o autor recorda que uma das principais exigências levantadas pela inteligentsia no decorrer da perestróika foi «o fim dos limites à subscrição» de jornais e revistas: «Os limites foram retirados (em 1988), mas a tiragem do [jornal] Literaturnaia Gazeta caiu de cinco milhões para 30 mil exemplares (em 1997). A falta de dinheiro restringe mais fortemente a liberdade de subscrição do que os limites que antes existiam. Mas sobre isto não pensaram.»
A etapa da glasnost
A glasnost (transparência, publicitação) designou a primeira etapa da perestróika, que se prolongou «até à autêntica desmontagem do Estado soviético. Constituiu uma “revolução nas consciências”, conduzida de acordo com a teoria da revolução de Antonio Gramsci 2».
Este fundador do Partido Comunista Italiano, nos seus Cadernos da Prisão, publicados pela primeira vez em 1948, desenvolve uma nova teoria sobre o Estado e a revolução adaptada à população urbana, que se contrapõe à teoria leninista alegadamente concebida para o contexto de uma Rússia rural.
Partindo do postulado de Maquiavel de que o Estado depende da força e da concórdia, Gramsci, como explica o autor (V. II pág.539), vê na destruição da «hegemonia cultural» a via revolucionária para a destruição do Estado.
A situação de hegemonia atinge-se quando o nível de concórdia e aceitação entre os cidadãos é suficiente para os fazer desejar aquilo que a classe dominante exige. Trata-se, porém, de um processo dinâmico, em que, mesmo depois de atingida a hegemonia, são necessários esforços constantes para a manter e renovar.
2 Antonio Gramsci, (1891-1937), político, jornalista e teórico marxista foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano, constituído em 21 de Janeiro de 1921, a partir de uma facção do Partido Socialista Italiano. 4
A estabilidade ou o derrubamento dos regimes políticos dependeria assim da capacidade de alcançar ou de destruir a «hegemonia», no pressuposto de que em qualquer dos casos se trata não de um resultado da luta de classes, mas de um processo «molecular», de graduais e imperceptíveis alterações na opinião e atitude de cada cidadão.
Uma vez que a «hegemonia» se alicerça sobre o «núcleo cultural» das sociedades (o conjunto de concepções sobre o mundo e a humanidade, o bem e o mal, o belo e o horrível, bem como numa diversidade de símbolos e imagens, tradições e preconceitos, experiências e conhecimentos adquiridos ao longo de muitos séculos), torna-se necessário, para quebrá-la, agir permanentemente através da repetição ininterrupta das mesmas afirmações, dirigidas ao senso comum e não contra o adversário ou inimigo de classe. Depois de muito habituado, o cidadão médio acreditaria no que lhe é transmitido sem precisar de raciocinar.
Quando amadurece a «crise hegemónica» e surge uma situação de «guerra», as acções «moleculares» devem ser reforçadas rapidamente com operações planeadas que provoquem um profundo impacto nas consciências (Kara-Murza refere como exemplos, os acontecimentos da Roménia de 1989 ou o «golpe» de Moscovo de Agosto de 1991).
Esta teoria, afirma o autor, inspirou a etapa da glasnost e todo o programa de desintegração da «hegemonia» do regime soviético. O «sucesso» de tal operação estava à partida garantido porque, ao contrário da Itália de Gramsci onde os comunistas nunca dominaram os instrumentos de poder, na URSS todo o aparelho ideológico e de propaganda encontrava-se naquele momento nas mãos dos conspiradores.
Assim, a glasnost constituiu «um grande programa de destruição de imagens, símbolos e ideias, que consolidavam o “núcleo cultural” da sociedade e reforçavam a hegemonia do estado soviético. Este programa foi executado através da intensa utilização dos meios estatais de informação de massas, envolvendo activamente prestigiados cientistas, poetas e artistas. Nesta operação, a parte da inteligentsia que apelava ao bom senso foi completamente silenciada, impedindo-se qualquer tentativa de debate sério na sociedade: «a «maioria “reaccionária” não logrou expressar-se».
E mesmo alguns artigos de sinal contrário que geraram forte polémica, como a famosa «Carta de Nina Andreeva»3, foram intencionalmente e «minuciosamente seleccionadas, entre as intervenções mais grosseiras», afirma o autor.
A descredibilização dos símbolos e imagens alcançou uma notável profundidade histórica alvejando, desde figuras recentes como o general Jukov, até personagens do passado como o general Kutuzov ou mesmo o mítico Aleksandr Nevski.
Foram utilizados de forma intensiva os grandes acidentes (Tchernóbil ou o naufrágio do navio «Admiral Nakhimov», em Abril e Agosto de 1986, respectivamente), os incidentes (aterragem na Praça Vermelha da avioneta do cidadão alemão, Mathias Rust, em Maio de 1987), os derramamentos de sangue (Tbilissi, 1989), ou ainda situações chocantes como a infecção com SIDA de 20 crianças num hospital da cidade de Elist, em Kalmekia, que produziram um grande efeito psicológico.
A propósito deste último caso, o autor lembra que na mesma altura, em França, foram infectadas quatro mil pessoas com sangue contaminado, notícia que foi completamente omitida pela imprensa e televisão soviéticas.
Também o movimento ecologista foi chamado a desempenhar um papel puramente ideológico, levantando todo o tipo de suspeitas, designadamente sobre a segurança dos alimentos, que deixaram a opinião pública num estado próximo da psicose. As centrais de energia nuclear tornaram-se alvos de protestos, chegando mesmo a ser encerrada uma unidade na Arménia, que alguns anos depois foi reactivada.
3 Carta publicada no jornal Sovietskaia Rossia, em 13 de Março de 1988, com o título Não Posso Renunciar aos Meus Princípios. Nina Andreeva, que era na altura professora de Química na Universidade de Leninegrado, insurgiu-se contra a campanha difamatória lançada nos media contra I.V. Stáline. Após a dissolução do PCUS, funda, em Novembro de 1991, o Partido Comunista dos Bolcheviques de toda a União do qual permanece secretária-geral.
5
De resto, observa Kara-Murza, depois de «concluída a perestróika, o movimento ecologista dissolveu-se».
Particular pressão ideológica exerceram as sondagens de opinião promovidas pelos meios de comunicação. Como exemplo eloquente, o autor refere um inquérito sobre a qualidade da alimentação, realizado em toda a União Soviética em 1989, no qual 44 por cento da população se queixavam de uma alegada falta de leite e lacticínios.
O facto é que, recorda, o consumo médio per capita deste tipo de produtos na URSS era de 358 quilogramas por ano. Nos Estados Unidos, este valor era de 263 e na Espanha de 140 quilogramas.
Mais extraordinário foi o resultado do estudo na Arménia, onde o consumo médio de leite e lacticínios atingia os 480 quilogramas anuais por pessoa. Apesar disso, uma esmagadora maioria de 62 por cento dos inquiridos terá opinado haver carência destes alimentos.
Outro vector central da ideologia da perestróika, referido por Kara-Murza, partiu da ideia de eurocentrismo, baseada no pressuposto da existência de uma civilização mundial única, personificada pelo Ocidente, que seguia o seu curso natural e correcto, do qual a Rússia, na sua etapa soviética, se teria afastado. Daqui resultou a concepção do «regresso à civilização» e a orientação para os «valores da humanidade». «O Estado foi declarado como o principal obstáculo neste caminho e a desestatização a principal tarefa».
Em resumo, «na consciência social foi denegrida a imagem de praticamente todas as instituições do Estado, desde a Academia das Ciências aos jardins-de-infância, mas sobretudo do sistema económico e do exército. Depois de criados os estereótipos negativos, iniciou-se a reforma dos órgãos de poder e da administração».
quarta-feira, 11 de abril de 2012
Artigo de Pedro Afonso - Médico psiquiatraPedro Afonso, médico psiquiatra no Hospital Júlio de Matos Transcrição do artigo do médico psiquiatra Pedro Afonso, publicado no
Público
Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas
esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.
Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo
epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da
Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No
último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença
psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas
perturbações durante a vida.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com
impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência,
urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das
crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens
infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos
dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos
os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na
escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos
terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade
de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural
que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos,
criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze
anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100
casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo
das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres
humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas
sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém
maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa,
deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos
ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de
alimentos.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez
mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família.
Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença
prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e
produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de
três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a
casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma
mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão
cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três
anos.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de
desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho
presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela
falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição
da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual,
tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar
que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês,
enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à
actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e
complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de
escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando
já há muito foram dizimados pela praga da miséria.
Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com
responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos
números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de
pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um
mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de
um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência
neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.
E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o
estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se
há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma
inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.
Pedro Afonso
Médico psiquiatra
"Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga.[...]"
Mia Couto
Público
Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas
esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.
Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo
epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da
Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No
último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença
psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas
perturbações durante a vida.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com
impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência,
urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das
crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens
infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos
dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos
os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na
escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos
terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade
de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural
que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos,
criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze
anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100
casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo
das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres
humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas
sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém
maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa,
deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos
ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de
alimentos.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez
mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família.
Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença
prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e
produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de
três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a
casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma
mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão
cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três
anos.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de
desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho
presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela
falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição
da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual,
tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar
que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês,
enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à
actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e
complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de
escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando
já há muito foram dizimados pela praga da miséria.
Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com
responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos
números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de
pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um
mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de
um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência
neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.
E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o
estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se
há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma
inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.
Pedro Afonso
Médico psiquiatra
"Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga.[...]"
Mia Couto
Opinião de Manuel António Pina
A crer em Le Yucheng, ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros da China, é "bem conhecida (...) a vontade" dos trabalhadores chineses de "trabalharem além do horário" e mesmo "de dia e de noite". Le Yucheng gabou-se ainda, falando para diplomatas estrangeiros, de que "os trabalhadores chineses têm apenas 5 a 15 dias de férias pagas por ano, menos de metade do que nos países europeus".
Podia ter-se também gabado pelo facto de, na China comunista (?), o horário de trabalho ser superior a 10 horas diárias e o salário mínimo andar pelos 180 euros ou menos.
Justamente no mesmo dia - o acaso objectivo tem destas coisas - o Governo Passos/Portas anunciava medidas para aplicar à Função Pública o Código dos Despedimentos em debate na AR (e de aprovação já assegurada pelos votos da "troika" PSD, CDS e PS), para já aos contratados a termo: despedimento sem aviso e sem indemnização (no caso dos trabalhadores do quadro, corte da indemnização para quase metade); mais duas horas de trabalho por dia para um "banco de horas" que pode ir até às 150 por ano; corte para metade do pagamento por trabalho extraordinário; trabalho extraordinário sem direito a descanso; redução das prestações de sobrevivência e por morte; transferência para qualquer lugar do país sem acordo do trabalhador; menos férias...
Dir-se-iam, face às promessas eleitorais de Passos Coelho, medidas cínicas. Não: são ('les beaux esprits...') sínicas."
in Jornal de Notícias, hoje.
segunda-feira, 9 de abril de 2012
As mentiras sobre a Guerra dos Balcãs, ou como Os EU, a Alemenha e a França provocaram a guerra e desmantelaram a Jugoslávia, ou como os EU "criaram" a Al-Kaheda
A aliança EUA/al-Qaeda na Bósnia
(exerto de um ensaio editado na GlobalResearch.ca, Outubro 17, 20011: Bosnia, Kosovo e agora Líbia: Os custos humanos do corrente conluio com terroristas)
by Peter Dale Scott
De modo análogo, as intervenções de Clinton na Bósnia e no Kosovo foram apresentadas como humanitárias. Porém, ambos os lados tinham cometido atrocidades nesses conflitos. Do mesmo modo que os media ocidentais, Washington desvalorizou as atrocidades cometidas por muçulmanos por interesse.
A maior parte dos americanos julga que Clinton enviou forças americanas para a Bósnia para fazer aplicar os acordos de paz de Dayton no seguimento de uma bem propagandeada atrocidade sérvia: o massacre de milhares de muçulmanos em Srebrenica. Graças a uma vigorosa campanha pela firma de relações públicas Ruder Finn, os americanos fartaram-se de ouvir coisas sobre o massacre de Srebrenica, mas bastante menos sobre as decapitações e outras atrocidades praticadas por muçulmanos que antecederam e ajudam a compreender esse massacre.
Um razão importante para o ataque sérvio a Srebrenica foi acabar com os ataques armados preparados a partir dessa base sobre as aldeias vizinhas: “fontes de informação indicaram que foi esse o tormento que precipitou o ataque sérvio aos 1500 sitiados muçulmanos no interior do enclave.”27 O general Philippe Morillon, comandante das tropas da ONU na Bósnia de 1992 a 1993, testemunhou ao TICJ (Tribunal Internacional Criminal para a antiga Jugoslávia) que as forças muçulmanas baseadas em Srebrenica tinham “desencadeado ataques durante as festas ortodoxas e destruído aldeias, massacrando todos os habitantes. Isto criou um nível de ódio na região absolutamente extraordinário.”28
De acordo com o Prof. John Schindler, entre Maio e Dezembro de 1992, as forças muçulmanas atacaram repetidamente aldeias sérvias à volta de Srebrenica, matando e torturando civis, sendo alguns mutilados e queimados vivos. Até relatos pró-Sarajevo concedem que as forças muçulmanas em Srebrenica assassinaram mais de 1.300 sérvios e tinham “limpo etnicamente uma vasta área.”29
O antigo embaixador americano na Croácia Peter Galbraith admitiu mais tarde numa entrevista que o governo americano estava ciente de que “pequeno número de atrocidades” tinham sido cometidas por mujahedin estrangeiros na Bósnia, mas desvalorizou as atrocidades como “estando na ordem natural das coisas e sem grande importância.”30
Outras fontes revelam que Washington deu luz verde tácita ao armamento da Croácia e ao aumento da presença muçulmana em Srebrenica.31 Em breve, aviões Hercules C-130, alguns mas não todos iranianos, lançavam armas para os muçulmanos, violando o embargo internacional de armas que os EUA oficialmente respeitavam. Do mesmo modo, chegaram mais mujahedin árabe-afegãos. Muitas das descargas aéreas e parte dos mujahedin estavam em Tuzla, a 70 km de Srebrenica.32
De acordo com The Spectator (Londres), o Pentágono usava outros países, como a Turquia e o Irão neste movimento de armas e combatentes:
De 1992 a 1995, o Pentágono apoiou a movimentação de milhares de mujahidin e outros elementos islâmicos da Ásia Central para a Europa, para combaterem ao lado dos muçulmanos bósnios contra os sérvios. Como parte do inquérito do governo holandês ao massacre de Srebrenica de Julho de 1995, o Professor Cees Wiebes da Universidade de Amesterdão compilou um relatório intitulado “A Espionagem e a Guerra na Bósnia”, publicado em Abril de 2002. Nesse relatório, é detalhada a aliança secreta entre o Pentágono e grupos islâmicos radicais do Médio Oriente e o esforço de apoio aos muçulmanos da Bósnia. Em 1993, houve grande quantidade de contrabando de armas através da Croácia para os muçulmanos, organizado por “agências clandestinas” dos EUA, da Turquia e do Irão, em associação com uma série de grupos islâmicos que incluía os mujahidin afegãos e o Hezbollah pró-iraniano. As armas compradas pelo Irão e pela Turquia com apoio financeiro da Arábia saudita eram aerotransportadas do Médio Oriente para a Bósnia – transportes aéreos com os quais, segundo Wiebes, os EUA estavam “muito intimamente envolvidos”.33
O detalhado relatório de Cees Wiebes, baseado em anos de pesquisa, documenta tanto o caso da responsabilidade americana, como o seu vigoroso desmentido:
Às 17.45 de 10 de Fevereiro de1995, o capitão norueguês Ivan Moldestad, piloto de um destacamento de helicópteros norueguês (NorAir), estava à porta do seu alojamento temporário nas imediações de Tuzla. Estava escuro e de repente ouviu o ruído de hélices de um aparelho de transporte aéreo aproximando-se, indiscutivelmente um quadrimotor Hercules C-130. Molestad notou que o Hercules era escoltado por dois caças a jacto, embora não conseguisse ver exactamente de que tipo no meio da escuridão. Houve outros avistamentos deste voo secreto nocturno para a base aérea de Tuzla. Uma sentinela de guarda fora da unidade médica norueguesa da ONU em Tuzla também ouviu e viu as luzes do Hercules e os caças a jacto da escolta. Outros observadores da ONU utilizando equipamento de observação nocturna também viram o avião de carga e os respectivos caças. Foram imediatamente enviados relatórios ao Centro de Operações Aéreas Combinadas (COAC) da NATO em Vincenza e à UNPF em Nápoles. Quando Moldestad telefonou para Vincenza, disseram-lhe que não tinha havido nada no ar nessa noite e que devia estar enganado. Ao insistir, a ligação foi interrompida.
Os voos secretos dos aviões de carga C-130 e os lançamentos nocturnos de armas sobre Tuzla provocaram grande agitação dentro da UNPROFOR e na comunidade internacional em Fevereiro e Março de1995. Quando interpelado, um general britânico respondeu com grande segurança sobre a origem dos fornecimentos secretos através da base aérea de Tuzla: “Foram fornecimentos de armas americanos. Não há dúvida a esse respeito. E estiveram envolvidas nesses fornecimentos companhias privadas americanas.” Não foi nenhuma resposta surpreendente, porque este general tinha acesso a informações recolhidas por uma unidade dos Serviços Aéreos Especiais (SAE) britânicos em Tuzla. Os aparelhos tinham ficado dentro do alcance do equipamento especial de visão nocturna desta unidade e os britânicos viram-nos aterrar. Era uma confirmação de que tinha tido lugar uma operação clandestina americana, na qual armas, munições e equipamento de comunicações militares foram fornecidos ao exército da Bósnia- Herzegóvina. Estas operações nocturnas provocaram bastante consternação na ONU e na NATO e foram objecto de inúmeras especulações.34
Wiebes indica a possibilidade dos C-130, alguns dos quais se disse terem descolado de uma base aérea americana na Alemanha, serem controlados por autoridades turcas.35 Mas o envolvimento americano foi detectado no meio do elaborado escamoteamento pelo facto dos aparelhos americanos AWACS, que deviam ter fornecido registo dos voos secretos, ou terem sido retirados de serviço na altura conveniente ou sido conduzidos por tripulações americanas.36
O Guardian publicou um resumo do exaustivo relatório de Wiebes:
O relatório holandês mostra como o Pentágono criou uma aliança secreta com grupos islâmicos numa operação do estilo Irão-contra.
Os grupos de espionagem americano, turco e iraniano trabalharam com os islâmicos naquilo que o relatório holandês designa a “via croata”. As armas compradas pelo Irão e pela Turquia e financiadas pela Arábia Saudita eram enviadas através da Croácia inicialmente pela linha aérea oficial iraniana Iran Air e mais tarde numa frota de aviões Hercules C-130 negros.
O relatório refere que os combatentes mujahedin eram igualmente enviados e que os EUA estavam “muito intimamente envolvidos” na operação que se desenrolava em flagrante violação do embargo. Refere também que os serviços secretos britânicos obtiveram documentos provando que o Irão preparou igualmente fornecimentos de armas directamente para a Bósnia.
A operação foi promovida pelo Pentágono, em vez da CIA, que era cautelosa quanto à utilização de grupos islâmicos para canalizar armas e quanto à violação do embargo. Quando a CIA tentou colocar o seu pessoal no terreno na Bósnia, os agentes foram ameaçados pelos combatentes mujahedin e pelos iranianos que os treinavam.
A ONU confiava na espionagem americana para o controle do embargo, dependência esta que permitiu a Washington manipulá-la à vontade.37
Entretanto, o Centro al-Kifah em Brooklyn, que nos anos 80 tinha apoiado os “árabes-afegãos” combatendo no Afeganistão, virou a sua atenção para a Bósnia.
A folha de imprensa em língua inglesa do al-Kifah de nome Al-Hussam (A Espada) começou também a publicar actualizações regulares sobre a acção jihadista na Bósnia. Sob controlo dos apaniguados do xeque Omar Abdel Rahman, a folha incitava agressivamente os simpatizantes muçulmanos a aderirem eles próprios à jihad na Bósnia e no Afeganistão…. As instalações do ramo al-Kifah bósnio em Zagreb na Croácia, instalado num moderno edifício de dois andares estavam evidentemente em comunicação próxima com a sede da organização em New York. O director da delegação de Zagreb, Hassan Hakim, admitiu receber todas as ordens e fundos directamente dos escritórios centrais da al-Kifah nos EUA na Atlantic Avenue, controlada pelo xeque Omar Abdel Rahman.38
Um dos monitores na al-Kifah, Rodney Hampton-El, dava assistência a este programa de apoio, recrutando combatentes das bases do exército dos EUA como Fort Belvoir, treinando-os também em New Jersey para a guerra.39 Em 1995, Hampton-El foi julgado e condenado pelo seu papel (juntamente com o chefe da al-Kifah, o xeque Omar Abdel Rahman) na conspiração para fazer explodir símbolos nova-iorquinos. No tribunal, Hampton-El testemunhou ter pessoalmente recebido milhares de dólares para este projecto do príncipe da coroa saudita Faisal na embaixada saudita em Washington.40
Por esta altura, o actual chefe da al-Qaeda Ayman al-Zawahiri veio aos EUA para recolher fundos em Silicon Valley, onde foi recebido por Ali Mohamed, agente duplo americano e veterano das forças especiais do exército americano que tinha sido o instrutor principal na mesquita de al-Kifah.41 Quase de certeza, a recolha de fundos era para apoio aos mujahedin na Bósnia, segundo constava principal preocupação do seu chefe na altura (“A edição asiática do Wall Street Journal noticiava que em 1993 o sr. Bin Laden tinha nomeado o xeque Ayman Al-Zawahiri segundo comandante da al-Qaeda para dirigir as operações nos Balcãs.”) 42
O pormenorizado relatório de Wiebes e as histórias veiculadas nas notícias nele baseadas corroboraram anteriores acusações feitas em 1997 por Sir Alfred Sherman, conselheiro de topo de Margaret Thatcher e co-fundador do influente Centro de Estudos Políticos nacionalista de direita, de que “os EUA encorajaram e facilitaram o envio de armas para os muçulmanos via Irão e Europa de leste – facto que foi negado na altura em Washington, face a uma esmagadora evidência.”43
Era parte deste caso que a guerra na Bósnia era uma guerra americana em todos os sentidos da palavra. O governo dos EUA ajudou a iniciá-la, manteve-a e evitou o seu fim prematuro. De facto, todos os indícios são de que pretende prosseguir a guerra no futuro próximo, tão breve quanto os seus protegidos muçulmanos estiverem armados e treinados.
Especificamente, Sherman acusou o secretário de estado Lawrence Eagleburger de ter instruído em 1992 o embaixador americano em Belgrado, Warren Zimmerman, para persuadir o presidente bósnio Izetbegovic a renegar o acordo de preservação da unidade bósnia-croata-sérvia, aceitando em vez disso a ajuda americana para um estado bósnio independente.(...)
(exerto de um ensaio editado na GlobalResearch.ca, Outubro 17, 20011: Bosnia, Kosovo e agora Líbia: Os custos humanos do corrente conluio com terroristas)
by Peter Dale Scott
De modo análogo, as intervenções de Clinton na Bósnia e no Kosovo foram apresentadas como humanitárias. Porém, ambos os lados tinham cometido atrocidades nesses conflitos. Do mesmo modo que os media ocidentais, Washington desvalorizou as atrocidades cometidas por muçulmanos por interesse.
A maior parte dos americanos julga que Clinton enviou forças americanas para a Bósnia para fazer aplicar os acordos de paz de Dayton no seguimento de uma bem propagandeada atrocidade sérvia: o massacre de milhares de muçulmanos em Srebrenica. Graças a uma vigorosa campanha pela firma de relações públicas Ruder Finn, os americanos fartaram-se de ouvir coisas sobre o massacre de Srebrenica, mas bastante menos sobre as decapitações e outras atrocidades praticadas por muçulmanos que antecederam e ajudam a compreender esse massacre.
Um razão importante para o ataque sérvio a Srebrenica foi acabar com os ataques armados preparados a partir dessa base sobre as aldeias vizinhas: “fontes de informação indicaram que foi esse o tormento que precipitou o ataque sérvio aos 1500 sitiados muçulmanos no interior do enclave.”27 O general Philippe Morillon, comandante das tropas da ONU na Bósnia de 1992 a 1993, testemunhou ao TICJ (Tribunal Internacional Criminal para a antiga Jugoslávia) que as forças muçulmanas baseadas em Srebrenica tinham “desencadeado ataques durante as festas ortodoxas e destruído aldeias, massacrando todos os habitantes. Isto criou um nível de ódio na região absolutamente extraordinário.”28
De acordo com o Prof. John Schindler, entre Maio e Dezembro de 1992, as forças muçulmanas atacaram repetidamente aldeias sérvias à volta de Srebrenica, matando e torturando civis, sendo alguns mutilados e queimados vivos. Até relatos pró-Sarajevo concedem que as forças muçulmanas em Srebrenica assassinaram mais de 1.300 sérvios e tinham “limpo etnicamente uma vasta área.”29
O antigo embaixador americano na Croácia Peter Galbraith admitiu mais tarde numa entrevista que o governo americano estava ciente de que “pequeno número de atrocidades” tinham sido cometidas por mujahedin estrangeiros na Bósnia, mas desvalorizou as atrocidades como “estando na ordem natural das coisas e sem grande importância.”30
Outras fontes revelam que Washington deu luz verde tácita ao armamento da Croácia e ao aumento da presença muçulmana em Srebrenica.31 Em breve, aviões Hercules C-130, alguns mas não todos iranianos, lançavam armas para os muçulmanos, violando o embargo internacional de armas que os EUA oficialmente respeitavam. Do mesmo modo, chegaram mais mujahedin árabe-afegãos. Muitas das descargas aéreas e parte dos mujahedin estavam em Tuzla, a 70 km de Srebrenica.32
De acordo com The Spectator (Londres), o Pentágono usava outros países, como a Turquia e o Irão neste movimento de armas e combatentes:
De 1992 a 1995, o Pentágono apoiou a movimentação de milhares de mujahidin e outros elementos islâmicos da Ásia Central para a Europa, para combaterem ao lado dos muçulmanos bósnios contra os sérvios. Como parte do inquérito do governo holandês ao massacre de Srebrenica de Julho de 1995, o Professor Cees Wiebes da Universidade de Amesterdão compilou um relatório intitulado “A Espionagem e a Guerra na Bósnia”, publicado em Abril de 2002. Nesse relatório, é detalhada a aliança secreta entre o Pentágono e grupos islâmicos radicais do Médio Oriente e o esforço de apoio aos muçulmanos da Bósnia. Em 1993, houve grande quantidade de contrabando de armas através da Croácia para os muçulmanos, organizado por “agências clandestinas” dos EUA, da Turquia e do Irão, em associação com uma série de grupos islâmicos que incluía os mujahidin afegãos e o Hezbollah pró-iraniano. As armas compradas pelo Irão e pela Turquia com apoio financeiro da Arábia saudita eram aerotransportadas do Médio Oriente para a Bósnia – transportes aéreos com os quais, segundo Wiebes, os EUA estavam “muito intimamente envolvidos”.33
O detalhado relatório de Cees Wiebes, baseado em anos de pesquisa, documenta tanto o caso da responsabilidade americana, como o seu vigoroso desmentido:
Às 17.45 de 10 de Fevereiro de1995, o capitão norueguês Ivan Moldestad, piloto de um destacamento de helicópteros norueguês (NorAir), estava à porta do seu alojamento temporário nas imediações de Tuzla. Estava escuro e de repente ouviu o ruído de hélices de um aparelho de transporte aéreo aproximando-se, indiscutivelmente um quadrimotor Hercules C-130. Molestad notou que o Hercules era escoltado por dois caças a jacto, embora não conseguisse ver exactamente de que tipo no meio da escuridão. Houve outros avistamentos deste voo secreto nocturno para a base aérea de Tuzla. Uma sentinela de guarda fora da unidade médica norueguesa da ONU em Tuzla também ouviu e viu as luzes do Hercules e os caças a jacto da escolta. Outros observadores da ONU utilizando equipamento de observação nocturna também viram o avião de carga e os respectivos caças. Foram imediatamente enviados relatórios ao Centro de Operações Aéreas Combinadas (COAC) da NATO em Vincenza e à UNPF em Nápoles. Quando Moldestad telefonou para Vincenza, disseram-lhe que não tinha havido nada no ar nessa noite e que devia estar enganado. Ao insistir, a ligação foi interrompida.
Os voos secretos dos aviões de carga C-130 e os lançamentos nocturnos de armas sobre Tuzla provocaram grande agitação dentro da UNPROFOR e na comunidade internacional em Fevereiro e Março de1995. Quando interpelado, um general britânico respondeu com grande segurança sobre a origem dos fornecimentos secretos através da base aérea de Tuzla: “Foram fornecimentos de armas americanos. Não há dúvida a esse respeito. E estiveram envolvidas nesses fornecimentos companhias privadas americanas.” Não foi nenhuma resposta surpreendente, porque este general tinha acesso a informações recolhidas por uma unidade dos Serviços Aéreos Especiais (SAE) britânicos em Tuzla. Os aparelhos tinham ficado dentro do alcance do equipamento especial de visão nocturna desta unidade e os britânicos viram-nos aterrar. Era uma confirmação de que tinha tido lugar uma operação clandestina americana, na qual armas, munições e equipamento de comunicações militares foram fornecidos ao exército da Bósnia- Herzegóvina. Estas operações nocturnas provocaram bastante consternação na ONU e na NATO e foram objecto de inúmeras especulações.34
Wiebes indica a possibilidade dos C-130, alguns dos quais se disse terem descolado de uma base aérea americana na Alemanha, serem controlados por autoridades turcas.35 Mas o envolvimento americano foi detectado no meio do elaborado escamoteamento pelo facto dos aparelhos americanos AWACS, que deviam ter fornecido registo dos voos secretos, ou terem sido retirados de serviço na altura conveniente ou sido conduzidos por tripulações americanas.36
O Guardian publicou um resumo do exaustivo relatório de Wiebes:
O relatório holandês mostra como o Pentágono criou uma aliança secreta com grupos islâmicos numa operação do estilo Irão-contra.
Os grupos de espionagem americano, turco e iraniano trabalharam com os islâmicos naquilo que o relatório holandês designa a “via croata”. As armas compradas pelo Irão e pela Turquia e financiadas pela Arábia Saudita eram enviadas através da Croácia inicialmente pela linha aérea oficial iraniana Iran Air e mais tarde numa frota de aviões Hercules C-130 negros.
O relatório refere que os combatentes mujahedin eram igualmente enviados e que os EUA estavam “muito intimamente envolvidos” na operação que se desenrolava em flagrante violação do embargo. Refere também que os serviços secretos britânicos obtiveram documentos provando que o Irão preparou igualmente fornecimentos de armas directamente para a Bósnia.
A operação foi promovida pelo Pentágono, em vez da CIA, que era cautelosa quanto à utilização de grupos islâmicos para canalizar armas e quanto à violação do embargo. Quando a CIA tentou colocar o seu pessoal no terreno na Bósnia, os agentes foram ameaçados pelos combatentes mujahedin e pelos iranianos que os treinavam.
A ONU confiava na espionagem americana para o controle do embargo, dependência esta que permitiu a Washington manipulá-la à vontade.37
Entretanto, o Centro al-Kifah em Brooklyn, que nos anos 80 tinha apoiado os “árabes-afegãos” combatendo no Afeganistão, virou a sua atenção para a Bósnia.
A folha de imprensa em língua inglesa do al-Kifah de nome Al-Hussam (A Espada) começou também a publicar actualizações regulares sobre a acção jihadista na Bósnia. Sob controlo dos apaniguados do xeque Omar Abdel Rahman, a folha incitava agressivamente os simpatizantes muçulmanos a aderirem eles próprios à jihad na Bósnia e no Afeganistão…. As instalações do ramo al-Kifah bósnio em Zagreb na Croácia, instalado num moderno edifício de dois andares estavam evidentemente em comunicação próxima com a sede da organização em New York. O director da delegação de Zagreb, Hassan Hakim, admitiu receber todas as ordens e fundos directamente dos escritórios centrais da al-Kifah nos EUA na Atlantic Avenue, controlada pelo xeque Omar Abdel Rahman.38
Um dos monitores na al-Kifah, Rodney Hampton-El, dava assistência a este programa de apoio, recrutando combatentes das bases do exército dos EUA como Fort Belvoir, treinando-os também em New Jersey para a guerra.39 Em 1995, Hampton-El foi julgado e condenado pelo seu papel (juntamente com o chefe da al-Kifah, o xeque Omar Abdel Rahman) na conspiração para fazer explodir símbolos nova-iorquinos. No tribunal, Hampton-El testemunhou ter pessoalmente recebido milhares de dólares para este projecto do príncipe da coroa saudita Faisal na embaixada saudita em Washington.40
Por esta altura, o actual chefe da al-Qaeda Ayman al-Zawahiri veio aos EUA para recolher fundos em Silicon Valley, onde foi recebido por Ali Mohamed, agente duplo americano e veterano das forças especiais do exército americano que tinha sido o instrutor principal na mesquita de al-Kifah.41 Quase de certeza, a recolha de fundos era para apoio aos mujahedin na Bósnia, segundo constava principal preocupação do seu chefe na altura (“A edição asiática do Wall Street Journal noticiava que em 1993 o sr. Bin Laden tinha nomeado o xeque Ayman Al-Zawahiri segundo comandante da al-Qaeda para dirigir as operações nos Balcãs.”) 42
O pormenorizado relatório de Wiebes e as histórias veiculadas nas notícias nele baseadas corroboraram anteriores acusações feitas em 1997 por Sir Alfred Sherman, conselheiro de topo de Margaret Thatcher e co-fundador do influente Centro de Estudos Políticos nacionalista de direita, de que “os EUA encorajaram e facilitaram o envio de armas para os muçulmanos via Irão e Europa de leste – facto que foi negado na altura em Washington, face a uma esmagadora evidência.”43
Era parte deste caso que a guerra na Bósnia era uma guerra americana em todos os sentidos da palavra. O governo dos EUA ajudou a iniciá-la, manteve-a e evitou o seu fim prematuro. De facto, todos os indícios são de que pretende prosseguir a guerra no futuro próximo, tão breve quanto os seus protegidos muçulmanos estiverem armados e treinados.
Especificamente, Sherman acusou o secretário de estado Lawrence Eagleburger de ter instruído em 1992 o embaixador americano em Belgrado, Warren Zimmerman, para persuadir o presidente bósnio Izetbegovic a renegar o acordo de preservação da unidade bósnia-croata-sérvia, aceitando em vez disso a ajuda americana para um estado bósnio independente.(...)
domingo, 8 de abril de 2012
1
Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
http://www.pelosocialismo.net
_____________________________________
Publicado em: http://www.collectif-communiste-polex.org/bulletin/bulletin_88_art1.htm
Tradução do francês de MT
Colocado em linha em: 2012/04/02
UM COMUNICADO DO COLETIVO COMUNISTA POLEX: NÃO AO CONSENSO PRÓ-IMPERIALISTA
Já há muitos meses que o imperialismo ocidental, encabeçado pelos Estados Unidos e secundado brilhantemente por Sarkozy-Juppé e o emir do Qatar, procura derrubar o governo da Síria em proveito dos seus protegidos, seguindo o processo que foi levado à prática na Líbia (insurreição armada, intervenção estrangeira com pretexto humanitário e conquista).
Aqueles de entre nós que há muito combatem o imperialismo e que se mantêm fiéis aos ideais da paz e da igualdade entre os povos repetem que toda a intervenção externa na guerra civil da Síria é inaceitável e irresponsável.
Por isso ficámos chocados ao ver um apelo a uma manifestação em Paris a favor dos opositores sírios e contra o único governo sírio, qualificado de criminoso e intimado a dar o lugar aos seus adversários. Mas o nosso espanto deu lugar à indignação ao vermos o incrível painel unânime dos signatários: ao lado dos opositores sírios, o Partido Socialista, com toda a lógica, dado que tinha aprovado a guerra da NATO na Líbia, mas também o NPA, o Movimento da Paz, a CGT, a FSU e o PCF! Quando Obama e Juppé-Sarkozy têm em vista uma intervenção “humanitária”, não falta a este consenso pró-imperialista senão a assinatura do UMP, que os precedentes não quiseram.
Camaradas e amigos que se consideram progressistas, interroguem-se! Quando não se faz outra coisa senão repetir o que dizem os nossos adversários políticos, não será tempo de nos colocarmos várias questões?
O regime do Baath na Síria é de natureza autoritária e os seus opositores, de direita e de esquerda, suportaram-lhe o peso desde há muito.
Mas porque não dizer que é também no Médio-Oriente um sistema mais ou menos laico, protetor das diversas comunidades do país, por exemplo, das minorias cristãs, perseguidas no vizinho Iraque “libertado” pelo Ocidente, e que também se opõe ao imperialismo israelita?
Porque não dizem que as únicas “informações” repetidas à saciedade pelas televisões francesas sobre o que se passa na Síria emanam dos insurretos antigovernamentais, enquanto nunca acreditam nas impressionantes manifestações de massas que se manifestam a favor do governo de Assad?
2
Porque escondem que se trata de uma insurreição armada contra o regime, e que se o exército sírio oficial bombardeia sem rebuços certos bairros urbanos, é porque eles abrigam os milicianos do “Exército Sírio Livre (ESL)”, largamente financiados e armados pelos dirigentes “petrolíferos” e integristas do Qatar e da Arábia Saudita, e protegidos pela vizinha Turquia ?
Porque não dizer que os insurretos do ESL, que se vangloriam de ter 40.000 homens armados sob as suas ordens, multiplicam contra as forças fiéis ao governo os tiroteios de rockets, de armas pesadas e os atentados mortais com explosivos?
Porque esconder que o governo de Assad não pode senão responder pelas armas aos insurretos armados? Ou então ceder o lugar, enquanto uma boa parte da população o apoia ?
Porque não dizer que o governo sírio aceitaria negociar os contornos de uma evolução do regime se os seus opositores aceitassem cessar as suas ações armadas?
Porque esconder que esta insurreição armada é sobretudo a questão dos salafistas, cuja única palavra de ordem quando os filmam é “Allah Akbar”?
Porquê, enfim, não dizer que o autoritarismo de Bachar al-Assad nunca impediu, desde há muitos anos, que as potências ocidentais o cortejassem, tal como o fizeram com Kadhafi, antes de o matarem? Porquê esconder que o único objetivo dos Estados Unidos da América e dos seus aliados da Europa e da Arábia é instalar em Damasco um governo pró-ocidental, aliado de Israel contra os Palestinianos e o Irão, e que seria dirigido pelos integristas como aqueles que foram instalados com a bênção do Ocidente na Tunísia, no Egito, em Marrocos, na Líbia e mesmo no Iraque? Porquê esconder que o imperialismo ocidental, nesta questão, se preocupa muito pouco com os direitos do homem e da mulher, e ir a correr ingenuamente em seu apoio?
Paris, 10 de fevereiro 2012
Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
http://www.pelosocialismo.net
_____________________________________
Publicado em: http://www.collectif-communiste-polex.org/bulletin/bulletin_88_art1.htm
Tradução do francês de MT
Colocado em linha em: 2012/04/02
UM COMUNICADO DO COLETIVO COMUNISTA POLEX: NÃO AO CONSENSO PRÓ-IMPERIALISTA
Já há muitos meses que o imperialismo ocidental, encabeçado pelos Estados Unidos e secundado brilhantemente por Sarkozy-Juppé e o emir do Qatar, procura derrubar o governo da Síria em proveito dos seus protegidos, seguindo o processo que foi levado à prática na Líbia (insurreição armada, intervenção estrangeira com pretexto humanitário e conquista).
Aqueles de entre nós que há muito combatem o imperialismo e que se mantêm fiéis aos ideais da paz e da igualdade entre os povos repetem que toda a intervenção externa na guerra civil da Síria é inaceitável e irresponsável.
Por isso ficámos chocados ao ver um apelo a uma manifestação em Paris a favor dos opositores sírios e contra o único governo sírio, qualificado de criminoso e intimado a dar o lugar aos seus adversários. Mas o nosso espanto deu lugar à indignação ao vermos o incrível painel unânime dos signatários: ao lado dos opositores sírios, o Partido Socialista, com toda a lógica, dado que tinha aprovado a guerra da NATO na Líbia, mas também o NPA, o Movimento da Paz, a CGT, a FSU e o PCF! Quando Obama e Juppé-Sarkozy têm em vista uma intervenção “humanitária”, não falta a este consenso pró-imperialista senão a assinatura do UMP, que os precedentes não quiseram.
Camaradas e amigos que se consideram progressistas, interroguem-se! Quando não se faz outra coisa senão repetir o que dizem os nossos adversários políticos, não será tempo de nos colocarmos várias questões?
O regime do Baath na Síria é de natureza autoritária e os seus opositores, de direita e de esquerda, suportaram-lhe o peso desde há muito.
Mas porque não dizer que é também no Médio-Oriente um sistema mais ou menos laico, protetor das diversas comunidades do país, por exemplo, das minorias cristãs, perseguidas no vizinho Iraque “libertado” pelo Ocidente, e que também se opõe ao imperialismo israelita?
Porque não dizem que as únicas “informações” repetidas à saciedade pelas televisões francesas sobre o que se passa na Síria emanam dos insurretos antigovernamentais, enquanto nunca acreditam nas impressionantes manifestações de massas que se manifestam a favor do governo de Assad?
2
Porque escondem que se trata de uma insurreição armada contra o regime, e que se o exército sírio oficial bombardeia sem rebuços certos bairros urbanos, é porque eles abrigam os milicianos do “Exército Sírio Livre (ESL)”, largamente financiados e armados pelos dirigentes “petrolíferos” e integristas do Qatar e da Arábia Saudita, e protegidos pela vizinha Turquia ?
Porque não dizer que os insurretos do ESL, que se vangloriam de ter 40.000 homens armados sob as suas ordens, multiplicam contra as forças fiéis ao governo os tiroteios de rockets, de armas pesadas e os atentados mortais com explosivos?
Porque esconder que o governo de Assad não pode senão responder pelas armas aos insurretos armados? Ou então ceder o lugar, enquanto uma boa parte da população o apoia ?
Porque não dizer que o governo sírio aceitaria negociar os contornos de uma evolução do regime se os seus opositores aceitassem cessar as suas ações armadas?
Porque esconder que esta insurreição armada é sobretudo a questão dos salafistas, cuja única palavra de ordem quando os filmam é “Allah Akbar”?
Porquê, enfim, não dizer que o autoritarismo de Bachar al-Assad nunca impediu, desde há muitos anos, que as potências ocidentais o cortejassem, tal como o fizeram com Kadhafi, antes de o matarem? Porquê esconder que o único objetivo dos Estados Unidos da América e dos seus aliados da Europa e da Arábia é instalar em Damasco um governo pró-ocidental, aliado de Israel contra os Palestinianos e o Irão, e que seria dirigido pelos integristas como aqueles que foram instalados com a bênção do Ocidente na Tunísia, no Egito, em Marrocos, na Líbia e mesmo no Iraque? Porquê esconder que o imperialismo ocidental, nesta questão, se preocupa muito pouco com os direitos do homem e da mulher, e ir a correr ingenuamente em seu apoio?
Paris, 10 de fevereiro 2012
quarta-feira, 4 de abril de 2012
SARTRE
Existencialismo Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.Ir para: navegação, pesquisa A Wikipédia possui o:
Portal de Filosofia
Existencialismo é um termo aplicado a uma escola de filósofos dos séculos XIX e XX que, apesar de possuir profundas diferenças em termos de doutrinas,[1][2][3] partilhavam a crença que o pensamento filosófico começa com o sujeito humano, não meramente o sujeito pensante, mas as suas ações, sentimentos e a vivência de um ser humano individual.[4] No existencialismo, o ponto de partida do indivíduo é caracterizado pelo que se tem designado por "atitude existencial", ou uma sensação de desorientação e confusão face a um mundo aparentemente sem sentido e absurdo.[5] Muitos existencialistas também viam as filosofias académicas e sistematizadas, no estilo e conteúdo, como sendo muito abstractas e longínquas das experiências humanas concretas.[6][7]
O filósofo do início do século XIX, Søren Kierkegaard, é geralmente considerado como o pai do existencialismo.[8][9] Ele suportava a ideia que o indivíduo é o único responsável em dar significado à sua vida e em vivê-la de maneira sincera e apaixonada,[10][11], apesar da existência de muitos obstáculos e distracções como o desespero, ansiedade, o absurdo, a alienação e o tédio[12]
Filósofos existencialistas posteriores retêm este ênfase no aspecto do indivíduo, mas diferem, em diversos graus, em como cada um atinge uma vida gratificante e no que ela constitui, que obstáculos devem ser ultrapassados, que factores internos e externos estão envolvidos, incluindo as potenciais consequências da existência[13][14] ou não existência de Deus.[15][16] O existencialismo tornou-se popular nos anos após as guerras mundiais, como maneira de reafirmar a importância da liberdade e individualidade humana .[17]
Índice [esconder]
1 Origens
2 Temáticas
2.1 Relação com a religião
2.1.1 Fé cristã e existencialismo
3 A existência precede e governa a essência
3.1 Liberdade
3.2 O Indivíduo versus a Sociedade
3.3 O Absurdo
3.4 Importantes Filósofos para o Existencialismo
4 Ateus existencialistas
5 Ver também
6 Referências
7 Ligações externas
[editar] OrigensO existencialismo é um movimento filosófico e literário distinto pertencente aos séculos XIX e XX, mas os seus elementos podem ser encontrados no pensamento (e vida) de Sócrates, Aurélio Agostinho e no trabalho de muitos filósofos e escritores pré-modernos. Culturalmente, podemos identificar pelo menos duas linhas de pensamento existencialista: Alemã-Dinamarquesa e Anglo-Francesa. As culturas judaica e russa também contribuíram para esta filosofia. O movimento filosófico é agora conhecido como existencialismo de Beauvoir. Após ter experienciado vários distúrbios civis, guerras locais e duas guerras mundiais, algumas pessoas na Europa foram forçadas a concluir que a vida é inerentemente miserável e irracional.
O existencialismo foi inspirado nas obras de Arthur Schopenhauer, Søren Kierkegaard, Fiódor Dostoiévski e nos filósofos alemães Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl e Martin Heidegger, e foi particularmente popularizado em meados do século XX pelas obras do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre e de sua companheira, a escritora e filósofa Simone de Beauvoir. Os mais importantes princípios do movimento são expostos no livro de Sartre "L'Existentialisme est un humanisme" ("O existencialismo é um humanismo"). O termo existencialismo foi adotado apesar de existência filosófica ter sido usado inicialmente por Karl Jaspers, da mesma tradição.
O termo "existencialismo" parece ter sido cunhado pelo filósofo francês Gabriel Marcel em meados da década de 1940[18][19][20] e adoptado por Jean-Paul Sartre que, em 29 de Outubro de 1945, discutiu a sua própria posição existencialista numa palestra dada no Club Maintenant em Paris e publicada como O Existencialismo é um Humanismo, um pequeno livro que teve um papel importante na divulgação do pensamento existencialista.[21]
O rótulo foi aplicado retrospectivamente a outros filósofos para os quais a existência e, em particular, a existência humana eram tópicos filosóficos fundamentais. Martin Heidegger tornou a existência humana (Dasein) o foco do seu trabalho desde a década de 1920 e Karl Jaspers denominou a sua filosofia com o termo "Existenzphilosophie" na década de 1930[19][22] Quer Heidegger quer Jaspers tinham sido influenciados pelo filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard. Para Kierkegaard, a crise da existência humana foi um tema maior na sua obra.[9][23][24] Ele tornou visto como o primeiro existencialista,[20] e mesmo chamado como o "pai do existencialismo".[9] De facto, foi o primeiro de maneira explícita a colocar questões existencialistas como foco principal da obra.[25] Em retrospectiva, outros escritores também discutiram temas existencialistas ao longo da história da literatura e filosofia. Devido à exposição dos temas existencialistas ao longo das décadas, quando a sociedade foi oficialmente introduzida ao tema, o termo tornou-se relativamente popular quase de imediato.
Na literatura, após a Segunda Guerra Mundial, houve uma corrente existencialista que contou com Albert Camus e Boris Vian, além do próprio Sartre. É importante notar que Albert Camus, filósofo além de literato, ia contra o existencialismo, sendo este somente característica de sua obra literária. Já Boris Vian definia-se patafísico.
[editar] TemáticasOs temas existencialistas são férteis no terreno da criação literária, nomeadamente na literatura francesa, e continuam a exibir vitalidade no mundo filosófico e literário contemporâneo.
As principais temáticas abordadas sugerem o contexto da sua aparição (final da Segunda Guerra Mundial), reflectindo o absurdo do mundo e da barbárie injustificada, das situações e das relações quotidianas ("L'enfer, c'est les autres", ["O inferno são os outros"], Jean-Paul Sartre). Paralelamente, surgem temáticas como o silêncio e a solidão, corolários óbvios de vidas largadas ao abandono, depois da "morte de Deus" (Friedrich Nietzsche). A existência humana, em toda a sua natureza, é questionada: quem somos? O que fazemos? Para onde vamos? Quem nos move?
É esta consciência aguda de abandono e de solidão (voluntária ou não), de impotência e de injustificabilidade das acções, que se manifesta nas principais obras desta corrente em que o filosófico e o literário se conjugam.
[editar] Relação com a religiãoApesar de muitos, senão a maioria, dos existencialistas terem sido ateístas, os autores Søren Kierkegaard, Karl Jaspers e Gabriel Marcel propuseram uma versão mais teológica do existencialismo. O ex-marxista Nikolai Berdyaev desenvolveu uma filosofia do Cristianismo existencialista na sua terra natal, Rússia, e mais tarde na França, na véspera da Segunda Guerra Mundial.
[editar] Fé cristã e existencialismoO existencialismo não é uma simples escola de pensamento, livre de qualquer e toda forma de fé. Ajuda a entender que muitos dos existencialistas eram, de fato, religiosos. Pascal e Kierkegaard eram cristãos dedicados. Pascal era católico, Kierkegaard, um protestante radical marcado pelo ríspido antagonismo com a igreja luterana. Dostoiévski era greco-ortodoxo, a ponto de ser fanático. Kafka era judeu.[26] Sartre realmente não acreditava em força divina. Sartre não foi criado sem religião, mas a Segunda Guerra Mundial e o constante sofrimento no mundo levou-o para longe da fé, de acordo com várias biografias, incluindo a de sua companheira, Simone de Beauvoir.
Para os existencialistas cristãos, a fé defende o indivíduo e guia as decisões com um conjunto rigoroso de regras em algumas vertentes cristãs e em outras como o espiritismo, as decisões são guiadas pelo pensamento, pela alma. Para os ateus, a "ironia" é a de que não importa o quanto você faça para melhorar a si ou aos outros, você sempre vai se deteriorar e morrer. Muitos existencialistas acreditam que a grande vitória do indivíduo é perceber o absurdo da vida e aceitá-la. Resumindo, você vive uma vida miserável, pela qual você pode ou não ser recompensado por uma força maior. Se essa força existe, por que os homens sofrem? Se não existe e a vida é absurda em si mesma, por que não cometer suicídio e encurtar seu sofrimento? Essas questões apenas insinuam a complexidade do pensamento existencialista.
[editar] A existência precede e governa a essênciaO existencialismo afirma a prioridade da existência sobre a essência, segundo a célebre definição do filósofo francês Jean-Paul Sartre: "A existência precede e governa a essência." Essa definição funda a liberdade e a responsabilidade do homem, visto que esse existe sem que seu ser seja pré-definido. Durante a existência, à medida que se experimentam novas vivências redefine-se o próprio pensamento (a sede intelectual, tida como a alma para os clássicos), adquirindo-se novos conhecimentos a respeito da própria essência, caracterizando-a sucessivamente. Esta característica do ser é fruto da liberdade de eleição. Sartre, após ter feito estudos sobre fenomenologia na Alemanha, criou o termo utilizando a palavra francesa "existence" como tradução da expressão alemã "Da sein", termo empregado por Heidegger em Ser e tempo.
É um conceito da corrente filosófica existencialista. A frase foi primeiramente formulada por Jean-Paul Sartre, e é um dos princípios fundamentais do existencialismo.
O indivíduo, no princípio, somente tem a existência comprovada. Com o passar do tempo ele incorpora a essência em seu ser. Não existe uma essência pré-determinada.
Com esta frase, os existencialistas rejeitam a idéia de que há no ser humano uma alma imutável, desde os primórdios da existência até a morte. Esta essência será adquirida através da sua existência. O indivíduo por si só define a sua realidade.
Em 1946, no "Club Maintenant" em Paris, Jean Paul Sartre pronuncia uma conferência, que se tornou um opúsculo com o nome de "O Existencialismo é um Humanismo". Nele, ele explica a frase, desta forma:
"... se Deus não existe, há pelo menos um ser, no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significa então que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente é nada. Só depois será, e será tal como a si próprio se fizer."
[editar] LiberdadeCom essa afirmação vemos o peso da responsabilidade por sermos totalmente livres. E, frente a essa liberdade de eleição, o ser humano se angustia, pois a liberdade implica fazer escolhas, as quais só o próprio indivíduo pode fazer. Muitos de nós ficamos paralisados e, dessa forma, nos abstemos de fazer as escolhas necessárias. Porém, a "não ação", o "nada fazer", por si só, já é uma escolha; a escolha de não agir. A escolha de adiar a existência, evitando os riscos, a fim de não errar e gerar culpa, é uma tônica na sociedade contemporânea. Arriscar-se, procurar a autenticidade, é uma tarefa árdua, uma jornada pessoal que o ser deve empreender em busca de si mesmo.
Os existencialistas perguntaram-se se havia um Criador. Se sim, qual é a relação entre a espécie humana e esse criador? As leis da natureza já foram pré-definidas e os homens têm que se adaptar a elas?
Kierkegaard, Nietzsche e Heidegger são alguns dos filósofos que mais influenciaram o existencialismo. Os dois primeiros se preocupavam com a mesma questão: o que limita a ação de um indivíduo? Kierkegaard chegou à possibilidade de que o cristianismo e a fé em geral são irracionais, argumentando que provar a existência de uma única e suprema entidade é uma atividade inútil. [27] [28] [29] Nietzsche foi sobretudo um crítico da religião organizada e das doutrinas de seu tempo. Ele acreditou que a religião organizada, especialmente a Igreja Católica, era contra qualquer poder de ganho ou autoconfiança sem consentimento. Nietzsche usou o termo rebanho para descrever a população que segue a Igreja de boa vontade. Ele argumentou que provar a existência de um criador não era possível nem importante.
Nietzsche se referia à vida como única entidade que carecia de louvor. Prova disso é o eterno retorno em que ele afirmava que o homem deveria viver a vida como se tivesse que vivê-la novamente e eternamente. E quanto à Igreja, Nietzsche a condenava; para ele, dentre os inteligentes o pior era o padre, pois conseguia incutir nos pensamentos do rebanho, fundamentos que só contribuíam para o afastamento da vida. Encontramos essas críticas em O Anticristo.
[editar] O Indivíduo versus a SociedadeO existencialismo representa a vida como uma série de lutas. O indivíduo é forçado a tomar decisões; freqüentemente as escolhas são ruins. Nas obras de alguns pensadores, parece que a liberdade e a escolha pessoal são as sementes da miséria. A maldição do livre arbítrio foi de particular interesse dos existencialistas teológicos e cristãos.
As regras sociais são o resultado da tentativa dos homens de planejar um projeto funcional. Ou seja, quanto mais estruturada a sociedade, mais funcional ela deveria ser.
Os existencialistas explicam por que algumas pessoas se sentem atraídas à passividade moral baseando-se no desafio de tomar decisões. Seguir ordens é fácil; requer pouco esforço emocional e intelectual fazer o que lhe mandam. Se a ordem não é lógica, não é o soldado que deve questionar. Deste modo, as guerras podem ser explicadas, genocídios em massa podem ser entendidos. As pessoas estavam apenas fazendo o que lhe foi dito.
[editar] O AbsurdoA noção do absurdoAbsurdismo contém a idéia de que não há sentido a ser encontrado no mundo além do significado que damos a ele.
Esta falta de significado também engloba a amoralidade ou "injustiça" do mundo. Isto contrasta com as formas "cármicas" de pensar em que "as coisas ruins não acontecem para pessoas boas"; para o mundo,falando-se metaforicamente, não há tais coisas como: "pessoa boa" e/ou "uma coisa má", o que acontece, acontece, e pode muito bem acontecer a uma pessoa "boa" como a uma pessoa "ruim".
Por conta do absurdo do mundo, em qualquer ponto do tempo, qualquer coisa pode acontecer a qualquer um, e um acontecimento trágico poderia cair sobre alguém em confronto direto com o Absurdo.
A noção do absurdo tem se destacado na literatura ao longo da história. Søren Kierkegaard, Franz Kafka, Fyodor Dostoyevsky e muitas das obras literárias de Jean-Paul Sartre e Albert Camus contêm descrições de pessoas que encontro o absurdo do mundo. Albert Camus estudou a questão do "absurdo" em seu ensaio O Mito de Sísifo.
[editar] Importantes Filósofos para o ExistencialismoJean-Paul Sartre
Martin Heidegger
Karl Jaspers
Søren Kierkegaard
Edmund Husserl
Arthur Schopenhauer
Martin Buber
Friedrich Nietzsche
Há duas linhas existencialistas famosas, quer de impulsionadores, quer de existencialistas propriamente ditos.
A primeira, de Kierkegaard, Schopenhauer, Nietzsche e Heidegger é agrupada intelectualmente. Esses homens são os pais do existencialismo e dedicaram-se a estudar a condição humana. A segunda, de Sartre, Camus e Beauvoir, era uma linha marcada pelo compromisso político. Enquanto outras pessoas entraram e saíram, esses sete indivíduos definiram o existencialismo.
O filosofar Heideggeriano é uma constante interrogação, na procura de revelar e levar à luz da compreensão o próprio objeto que decide sobre a estrutura dessa interrogação, e que orienta as cadências do seu movimento: a questão sobre o Ser.
A meta de Heidegger é penetrar na filosofia, demorar nela, submeter seu comportamento às suas leis. O caminho seguido por ele deve ser, portanto, de tal modo e de tal direção, que aquilo de que a Filosofia trata atinja nossa responsabilidade, vise a nós homens, nos toque e, justamente, em todo o ente que é no Ser.
O pensamento de Heidegger é um retorno ao fundamento da metafísica num movimento problematizador, uma meditação sobre a Filosofia no sentido daquilo que permanece fundamentalmente velado.
A Filosofia sobre a qual ele nos convida a meditar é a grande característica da inquietação humana em geral, a questão sobre o Ser.
Heidegger entende que a Filosofia é nas origens, na sua essência, de tal natureza que ela primeiro se apoderou do mundo grego e só dele, usando-o para se desenvolver.
O caminho que Heidegger segue é orientado pela procura de renovar a temática do Ser na Filosofia ocidental. Todavia, ele constata que nunca o pensamento ocidental conseguiu resolver a questão sobre o Ser.
[editar] Ateus existencialistasFriedrich Nietzsche
Jean-Paul Sartre
Albert Camus
André Comte-Sponville
[editar] Ver tambémO Wikiquote possui citações de ou sobre: ExistencialismoJean-Paul Sartre
Simone de Beauvoir
Vergílio Ferreira
Albert Camus
Samuel Beckett
Maria Judite de Carvalho
Contracultura
Referências1.↑ http://plato.stanford.edu/entries/existentialism/
2.↑ John Macquarrie, Existentialism, New York (1972), pages 18–21.
3.↑ Oxford Companion to Philosophy, ed. Ted Honderich, New York (1995), page 259.
4.↑ John Macquarrie, Existentialism, New York (1972), pages 14–15.
5.↑ Robert C. Solomon, Existentialism (McGraw-Hill, 1974, pages 1–2)
6.↑ Ernst Breisach, Introduction to Modern Existentialism, New York (1962), page 5
7.↑ Walter Kaufmann, Existentialism: From Dostoyevesky to Sartre, New York (1956) page 12
8.↑ Marino, Gordon. Basic Writings of Existentialism (Modern Library, 2004, p. ix, 3).
9.↑ a b c Stanford Encyclopedia of Philosophy
10.↑ Watts, Michael. Kierkegaard (Oneworld, 2003, pp, 4-6).
11.↑ Lowrie, Walter. Kierkegaard's attack upon "Christendom" (Princeton, 1968, pp. 37-40)
12.↑ Corrigan, John. The Oxford handbook of religion and emotion (Oxford, 2008, pp. 387-388)
13.↑ Livingston, James et al. Modern Christian Thought: The Twentieth Century (Fortress Press, 2006, Chapter 5: Christian Existentialism).
14.↑ Martin, Clancy. Religious Existentialism in Companion to Phenomenology and Existentialism (Blackwell, 2006, pages 188-205)
15.↑ Robert C. Solomon, Existentialism (McGraw-Hill, 1974, pages 1–2)
16.↑ D.E. Cooper Existentialism: A Reconstruction (Basil Blackwell, 1999, page 8).
17.↑ Guignon, Charles B. and Derk Pereboom. Existentialism: basic writings (Hackett Publishing, 2001, page xiii)
18.↑ D.E. Cooper Existentialism: A Reconstruction (Basil Blackwell, 1990, page 1)
19.↑ a b Thomas R. Flynn, Existentialism: A Very Short Introduction (Oxford University Press, 2006, page 89
20.↑ a b Christine Daigle, Existentialist Thinkers and Ethics (McGill-Queen's press, 2006, page 5)
21.↑ L'Existentialisme est un Humanisme (Editions Nagel, 1946); English Jean-Paul Sartre, Existentialism and Humanism (Eyre Methuen, 1948)
22.↑ John Protevi, A Dictionary of Continental Philosophy (Yale University press, 2006, page 325)
23.↑ S. Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, tradução para inglês: "A First and Last Declaration": "...to read solo the original text of the individual, human-existence relationship, the old text, well known, handed down from the fathers, to read it through yet once more, if possible in a more heartfelt way."
24.↑ Michael Weston, Kierkegaard and Modern Continental Philosophy (Routledge, 2003, page 35)
25.↑ Ferreira, M. Jamie, Kierkegaard, Wiley & Sons, 2008.
26.↑ KAFKA, Franz. A Metamorfose, Um Artista da Fome e Carta a Meu Pai. Coleção a Obra-Prima de Cada Autor. Introdução, página 12. Editora Martin Claret.
27.↑ Philosophy and Phenomenological Research - Vol. 51, No. 2, Junho de 1991 - capítulo: Kierkegaard's Pragmatist Faith (pp. 279-302) por Steven M. Emmanuel
28.↑ Kierkegaard: On Faith and the Self Baylor University Press - por C. Stevens Evans (2006)
29.↑ Kierkegaard fala da "irracionalidade" na história de Abraão que foi usado como uma ilustração de fé, em primeiro lugar. A idéia de sacrificar o próprio filho por conta das instruções da voz de Deus atingiria a maioria das pessoas normais, mesmo aqueles nos tempos bíblicos, como bastante irracional.
Subscrever:
Mensagens (Atom)