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sexta-feira, 20 de abril de 2012

MORRER DE PÉ, NA PRAÇA SYNTAGMA

MORRER DE PÉ, NA PRAÇA SYNTAGMA










Quando se ouviu um tiro na Praça Syntagma,



logo houve quem dissesse: “É a polícia que ataca !”.



Mas não, Dimitris Christoulas trazia consigo a arma,



a carta de despedida, a dor sem nome, a bravura,



e vinha só, sem medo, ele que já vivera os tempos



de silêncio e chumbo do terror dos coronéis.



Mas nessa altura era jovem e tinha esperança.



Agora tudo isso findara, mas não a dignidade,



que essa, por não ter preço, não se rende nem desiste.







Dimitris Christoulas podia ser apenas um pai cansado,



um avô sem alento para sorrir, um irmão mais velho,



um vizinho tão cansado de sofrer. Mas era muito mais



do que isso. Era a personagem que faltava



a esta tragédia grega que nem Sófocles ou Édipo



se lembraram de escrever, por ser muito mais próxima



da vida do que da imaginação de quem efabula.



Ouviu-se o tiro, seco e certeiro, e tudo terminou ali



para começar logo no instante seguinte sob a forma



de revolta que não encontra nas bocas



as palavras certas para conquistar a rua.



Quando assim acontece, o silêncio derruba muralhas.



Aos jovens, que podiam ser seus filhos e netos,



o mártir da Praça Syntagma pediu apenas



para não se renderem, para não se limitarem



a ser unidades estatísticas na humilhação de uma pátria.



Não lhes pediu para imitarem o seu gesto,



mas sim que evitassem a sua trágica repetição.



E eles ouviram-no e choraram por ele, e com ele,



sabendo-o já a salvo da humilhação



de deambular pelas lixeiras para não morrer de fome.







Até os deuses, na sua olímpica distância,



se perfilaram de assombro ante a coragem deste gesto.



Até os deuses sentiram desprezo, maior do que é costume,



pela ignomínia de quem se vende



para tornar ainda maior a riqueza de quem manda.



A Dimitris bastou um só disparo, limpo e breve,



para resumir a fogo toda a razão que lhe ia na alma.



Estava livre. Tornara-se herói de tragédia



enquanto a Primavera namorava a bela Atenas,



deusa tantas vezes idolatrada e venerada.



Assim se despedia um homem de bem,



com a coragem moral de quem o destino não vence.







Quando o tiro ecoou na praça de todas as revoltas,



Dimitris Christoulas deixou voar uma pomba,



uma borboleta, uma gaivota triste do Pireu



e disse, com um aceno: “Eu continuo aqui,



de pé firme, porque nada tem a força de um homem



quando chega a hora de mostrar que tem razão”.



Depois vieram nuvens, flores e lágrimas,



súplicas, gritos e preces, e o mártir da Syntagma,



tão terreno e finito como qualquer homem com fome,



ergueu-se nos ares e abraçou a multidão com ternura.







José Jorge Letria







6 de Abril de 2012





































































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