Acordo imposto à Grécia em Bruxelas
O infoGrécia traduziu a entrevista de Jürgen Habermas ao Guardian sobre o acordo imposto à Grécia em Bruxelas. O filósofo alemão diz que ele constitui “um ato de punição de um governo de esquerda” e que as medidas exigidas são uma “mistura tóxica de reformas” que irão “matar qualquer ímpeto de crescimento” na Grécia.
O infoGrécia traduziu a entrevista de Jürgen Habermas ao Guardian sobre o acordo imposto à Grécia em Bruxelas. O filósofo alemão diz que ele constitui “um ato de... infogrecia.net
O infoGrécia traduziu a entrevista de Jürgen Habermas ao Guardian sobre o acordo imposto à Grécia em Bruxelas. O filósofo alemão diz que ele constitui “um ato de punição de um governo de esquerda” e que as medidas exigidas são uma “mistura tóxica de reformas” que irão “matar qualquer ímpeto de crescimento” na Grécia.
Qual o seu veredito sobre o acordo alcançado segunda-feira?
O acordo sobre a dívida grega alcançado segunda-feira é prejudicial, tanto no seu resultado como na forma como foi alcançado. Em primeiro lugar, o resultado das conversações é insensato. Mesmo que se considerem os termos estranguladores do acordo como o curso normal, ninguém espera que estas reformas possam ser postas em prática por um governo que, ele próprio, admite que não acredita nos termos desse acordo.
Em segundo lugar, o resultado não faz sentido em termos económicos, devido à mistura tóxica de reformas estruturais do Estado e da economia necessárias com novas imposições neoliberais que vão desencorajar completamente uma população grega exaurida e matar qualquer ímpeto de crescimento.
Em terceiro lugar, o resultado significa a assunção de um Conselho Europeu politicamente falido: relegar um Estado-membro para o estatuto de protetorado contradiz abertamente os princípios democráticos da União Europeia. Finalmente, o resultado é vergonhoso porque força o governo grego a concordar com um fundo de privatização economicamente questionável e predominantemente simbólico, que só pode ser entendido como um ato de punição de um governo de esquerda. É difícil ver como se poderia ter causado mais danos.
E, no entanto, o governo alemão fez exatamente isto quando o ministro das finanças Schäuble ameaçou a Grécia com a expulsão do euro, assumindo-se, desavergonhadamente, como o chefe disciplinador da Europa. O governo alemão fez, desta forma, pela primeira vez, a reivindicação manifesta da hegemonia alemã na Europa – esta é, de qualquer forma, a maneira como as coisas são percebidas no resto da Europa, e esta perceção define a realidade que conta. Temo que o governo alemão, incluindo os seus aliados social-democratas [do SPD], tenha deitado fora numa noite todo o capital político que uma Alemanha melhor tinha acumulado em meio século – e por «melhor» quero dizer uma Alemanha caracterizada por uma maior sensibilidade política e uma mentalidade pós-nacional.
Quando o primeiro-ministro Alexis Tsipras convocou o referendo no mês passado, muitos políticos europeus acusaram-no de traição. A chanceler alemã Angela Merkel, por sua vez, foi acusada de chantagear a Grécia. De que lado crê haver mais culpa pela deterioração da situação?
Não tenho a certeza sobre as verdadeiras intenções de Alexis Tsipras, mas temos de reconhecer um facto simples: de modo a permitir que a Grécia se mantivesse de pé, a dívida que o FMI considera «altamente insustentável» precisa de ser reestruturada. Apesar disso, tanto Bruxelas como Berlim recusaram continuadamente ao primeiro-ministro grego a oportunidade de negociar a reestruturação da dívida grega desde o início. Para superar este muro de resistência entre os credores, o primeiro-ministro Tsipras tentou fortalecer a sua posição por meio de um referendo – e obteve mais apoio interno do que esperava. Essa legitimação renovada forçou o outro lado a procurar um compromisso ou a explorar a situação de emergência da Grécia e a agir, ainda mais do que antes, como disciplinador. Conhecemos o resultado.
A atual crise da Europa é um problema financeiro, um problema político ou um problema moral?
A crise atual pode ser explicada tanto por meio de causas económicas como por um fracasso político. A crise da dívida soberana que emergiu da crise bancária tem as suas raízes nas más condições da união monetária heterogeneamente composta. Sem uma política económica e financeira comum, as economias nacionais dos pseudo-soberanos Estados-membro continuarão a afastar-se em termos de produtividade. Nenhuma comunidade política aguenta esta tensão a longo prazo. Ao mesmo tempo, concentrado-se em evitar um conflito aberto, as instituições da União Europeia estão a impedir as iniciativas políticas necessárias para transformar a união monetária numa união política. Só os líderes dos governos europeus reunidos no Conselho da Europa estão em posição de agir, mas são precisamente eles que são incapazes de agir no interesse de uma comunidade europeia conjunta, porque pensam principalmente no seu eleitorado nacional. Estamos encurralados numa armadilha política.
Wolfgang Streeck alertou, no passado, que o ideal habermasiano de Europa é a raiz da crise atual e não o seu remédio: a Europa, avisou ele, não salvará a democracia, antes a abolirá. Uma parte da esquerda europeia sente que os desenvolvimentos atuais confirmam as críticas de Streeck ao projeto europeu. Qual a sua resposta para estas preocupações?
Tirando a sua previsão do fim do capitalismo, concordo, em larga medida, com a análise de Wolfgang Streeck. Ao longo da crise, o executivo europeu acumulou mais e mais autoridade. As decisões-chave são tomadas pelo Conselho, a Comissão e o Banco Central Europeu – por outras palavras, pelas instituições que têm não só pouca legitimidade para as tomarem como também falta de sustentação democrática. Streeck e eu partilhamos também a ideia de que este esvaziamento tecnocrata da democracia é o resultado de um padrão neoliberal de políticas de desregulamentação do mercado. O equilíbrio entre as políticas e os mercados deixou de estar em sintonia, às custas do Estado-providência. Onde nós divergimos é em termos das consequências a retirar desta situação. Eu não vejo como o retorno aos Estados-nação, que têm de ser encarados como grandes corporações num mercado global, pode contrariar a tendência de des-democratização e crescimento da desigualdade social – uma coisa que, a propósito, também vemos na Grã-Bretanha. Estas tendências só podem ser contrariadas se, no fim de contas, houver uma mudança de direção política, provocada pelas maiorias democráticas mais fortemente integradas no núcleo da Europa. A união monetária tem de ter capacidade de agir a um nível supranacional. Tendo em conta o processo político caótico desencadeado pela crise na Grécia, não podemos mais ignorar os limites do presente método de compromisso intergovernamental.
Jürgen Habermas é professor emérito de filosofia na universidade Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt.
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