A seita terrorista e sanguinária
conhecida por “Estado Islâmico”, que também poderá designar-se Al-Qaida,
Al-Nusra e Exército Livre da Síria – tiradas a limpo as consequências
da existência deste – deixou de estar impune. Praticamente incólume
desde que há um ano o todo-poderoso Pentágono anunciou que ia fazer-lhe
guerra, bastaram-lhe agora uns dias sob fogo cerrado russo para entrar
em pânico. Ou a aviação e a marinha da Rússia têm mais pontaria que as
suas congéneres dos Estados Unidos da América e da NATO, o que é
bastante improvável tendo em conta que não existem discrepâncias de
fundo entre as tecnologias de ponta ao serviço destas potências, ou a
diferença está simplesmente entre o que uns anunciam e os outros fazem.
Diferença simples, mas de fundo, entre ser contra o terrorismo ou ser
seu cúmplice.
De acordo com dados divulgados por
fontes moscovitas, a Aviação e os mísseis de cruzeiro disparados de
navios da Armada da Rússia destruíram já 112 alvos do Estado Islâmico
instalados em território sírio ocupado, danos que incluem centros de
comando, centrais de comunicação, bases de operações antiaéreas, além de
estarem a provocar deserções em massa e um ambiente de pânico entre os
terroristas. Propaganda de Moscovo, dirão muitos, mas sem razão. A
desorientação entre os mercenários recrutados através do mundo e
infiltrados na Síria a partir do Iraque, da Jordânia e, sobretudo, da
Turquia está à vista de quem tem olhos para ver, principalmente os
espiões atlantistas, bastando-lhe acompanhar a guerra em directo
transmitida pelos satélites.
Esta realidade parece ser tão crua que,
para surpresa de tantos que ainda acreditam em histórias da carochinha,
induz os dirigentes norte-americanos, incluindo Obama himself, a
esquecer-se das aparências e a deixarem escapar uma sentida indignação
com tanta eficácia russa, capaz de numa simples semana ter mais êxito
que os seus exércitos num ano inteiro.
Será mesmo isto que os preocupa? Talvez
não. O que os responsáveis políticos e militares dos Estados Unidos
alegam é que os russos, ao fazerem uma guerra tão certeira contra o
terrorismo, estão a “ajudar o regime de Assad”. De onde pode deduzir-se
que eles tratam o terrorismo com meiguice para não ajudar Assad, se
possível para conseguir até que os bandos de assassinos a soldo derrubem
Assad. Não é novidade, aliás, porque Julien Assange e Edward Snowden o
revelaram através do WikiLeaks, que os Estados Unidos e os seus
parceiros da NATO decretaram em 2006 o derrube do presidente sírio. Pelo
que, imagine-se o atrevimento, os russos não estão a combater
criminosos sanguinários mas sim a desobedecer a um decreto emanado há
nove anos pelos que se olham como senhores do mundo – e dos mercados,
claro está.
Quando seria de supor, levando a sério o
discurso antiterrorista que se ouve de Washington a Paris, de Londres a
Bruxelas, que a NATO iria conjugar esforços com Moscovo para liquidar
de vez o Estado Islâmico tanto na Síria como no Iraque, o que acontece? A
aviação norte-americana provoca um banho de sangue num hospital dos
Médicos Sem Fronteiras no Afeganistão, certamente um albergue dos mais
fanáticos islamitas; as forças especiais de operações do Pentágono para a
Síria (CJSOTF-S), que têm estado no Qatar, receberam ordem de
transferência para a base da NATO de Incirlik, na Turquia, de modo a
acompanhar de perto o treino de terroristas a infiltrar na Síria,
terroristas “moderados”, claro, assim definidos depois de uma exaustiva
avaliação pelos profilers de serviço; análise essa tão exaustiva e
competente que todo o grupo de assassinos cujo treino acabou em 12 de
Julho se transferiu logo depois, com bagagens e armas, para a Al-Qaida,
percebendo-se agora a irritação de Washington com a eficácia russa: lá
se foi o investimento em tão acarinhados terroristas, sem dúvida uns
“moderados” acima de qualquer suspeita. Como se não bastasse, a NATO
prepara-se para reforçar o contingente de agressão na Turquia a pretexto
de supostas violações do espaço aéreo turco por aviões russos, apesar
de não se lhe ouvir um pio quando caças turcos fazem operações quase
diárias na Síria há vários anos. Fica assim claro que a mobilização da
NATO em território turco é em defesa do terrorismo islâmico, e não para o
combater.
Ao mesmo tempo, a Arábia Saudita e o
Qatar, aliados preferenciais da NATO, praticamente ao mesmo nível que
Israel, perdem o amor a mais uns milhões de petrodólares para tentar
rearmar o Estado Islâmico e outros do mesmo jaez, agora tornados
vulneráveis pela ofensiva russa. Têm boas razões para isso, além de
muitas cumplicidades: os grupos de mercenários activos na Síria e no
Iraque gerem um mercado negro de petróleo através do qual se financiam e
de que tiram chorudos lucros, como exportadores, não apenas as
ditaduras do Golfo mas também Israel e a Turquia.
A ofensiva russa não acabou apenas com a
impunidade do Estado Islâmico e outros bandos de mercenários; põe em
causa a hipocrisia da guerra oficial “contra o terrorismo” proclamada
pelos Estados Unidos e a NATO – que tem como exemplos mais trágicos as
situações no Iraque, na Líbia e na Síria.
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