O fascismo de colarinho branco
Nos tempos áureos da Gladio,
o fascismo clandestino da NATO, o terrorismo de sangue era a receita
mais óbvia para impedir o acesso de Partidos Comunistas às áreas do
governo na Europa Ocidental. O cobarde assassínio de Aldo Moro, em 1978,
e o massacre de Bolonha, em 1980, são exemplos da conspiração
permanente centrada em Itália que ficou conhecida como «estratégia de
tensão» e pretendia assegurar a governação pelos do costume, do Bloco
Central à extrema-direita e seus avatares de ocasião. Noutros países
aplicavam-se variantes, sob a batuta dos mestres da CIA, recorrendo-se
até ao encarceramento à força na CEE, à tortura austeritária ditada pela
moeda única para que os mecanismos associados cumprissem o dever de
distinguir, sem apelo, entre os «verdadeiros democratas» e os outros.
Como muito bem sabemos. Hoje o século é outro e tornou-se tudo muito
mais fino e requintado. O dom de policiar a democracia passou de
generais brutamontes para cavalheiros ungidos com o toque de Midas da
tecnocracia, cabendo-lhes «fazer o papel de Deus na Terra», como gosta
de dizer o boss
de todos eles e padrinho da Goldman Sachs, Lloyd Blankfein. O
terrorismo sangrento passou dos grupos avençados de «extrema-esquerda»,
que aliás forneceram hábeis quadros da mistificação política, para os
mercenários fundamentalistas islâmicos, deslocalizados lá onde é preciso
garantir o acesso a matérias-primas, rotas estratégicas e outras
necessidades do novíssimo colonialismo. O objectivo
fundamental, porém, continua imutável: reduzir a democracia a um
conjunto vazio e marginalizar, de preferência eliminar – ponham os olhos
na Ucrânia –, os Partidos Comunistas, aliados e afins. A tarefa de
governar só pode ser exercida por um arco que vai do bloco central à
extrema-direita e as exceções, quando surgem por inadmissível bug do sistema, devem arrepender-se de ter nascido. O fascismo mais ou menos clandestino da Gladio institucionalizou-se
em forma humanoide de tecnocratas, trocou a farda militar pelo
colarinho branco, assume-se com mentalidade e comportamentos de partido
único e é sustentado às escâncaras pela NATO, mais pujante do que nunca.
Tudo muito civilizado, polido, em poses para câmeras atentas,
veneradoras e obrigadas, com sorrisos hipócritas, o dedo em riste e
cenhos crispados para pontuar a gravidade das circunstâncias e as
tropelias das ovelhas tresmalhadas. O neoliberalismo atingiu o patamar
de ganância, anarquia – e crise – em que depende absolutamente do
fascismo político para sobreviver na plenitude dos fascismos económico e
financeiro. Se Portugal aplica as 35 horas semanais, é porque tem
funcionários públicos a mais, sentencia o FMI. Portugal precisa de um
novo resgate, adverte o fascista Schäuble, irritado com os atrevimentos
de uns míseros preguiçosos do Sul. Portugal não pode recuar nas leis
laborais, ataca de novo o FMI. Portugal está a «reverter reformas» –
essa «é a minha única preocupação», ameaça o fascista alemão Klaus
Regling, a quem os senhores da União Europeia entregaram a gestão do
«Mecanismo de Estabilidade Europeia». Portugal: sanções sim, sanções
não, sanções talvez, recita o presidente da Comissão. Sanções? Castigos
como quem põe orelhas de burro a um garoto mal comportado, aplicados a
um país e um povo soberanos, com uma longa História? Vivemos numa União
de Estados independentes ou submetidos a uma corte de esbirros servindo
os templos mundiais da especulação financeira? Dia após dia, minuto a
minuto, segundo a segundo, uma décima de défice, uma centésima no índice
de desemprego, uma milésima nas previsões de crescimento em Portugal
são, para que conste, as únicas inquietações dos tecnocratas servindo o
casino financeiro mundial, expostos como fascistas de colarinho branco.
Não há Brexit,
não os preocupam o fascismo eslovaco, a xenofobia instalada contra
comunidades de cidadãos na Letónia e na Estónia, o neonazismo manobrando
na Áustria, Hollande e Valls gerindo um estado de exceção como se
fossem a senhora Le Pen. Porém, não são décimas disto, centésimas
daquilo, milésimas de aqueloutro que tiram o sono aos fascistas
engravatados. O que não podem tolerar é uma fórmula de governo que viola
as normas do sistema ditatorial instalado. Daí que a sua estratégia
tenha adquirido a forma de humilhação e asfixia de todo um povo.
Terrorismo engravatado não deixa de ser terrorismo. Por todas as razões –
e mais esta – é preciso resistir. Passa por aqui a última fronteira
entre a democracia e o fascismo na Europa. http://www.abrilabril.pt/ sites/default/files/styles/ jumbo1200x630/public/assets/ img/showimg2.jpg?itok=i1mqczhC
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