Edward Snowden: “O programa de drones cria mais terroristas do que os que mata”
Lena Sundström 04.Dic.16 Outros autores
Reflexões
de um homem que conhece por dentro o sistema de espionagem e de devassa
da vida privada não apenas dos cidadãos dos EUA mas dos de qualquer
parte do mundo que utilize um sistema de comunicação digital ou
analógico. E que teve acesso a documentação não apenas de um infindável
rol de crimes de terrorismo de Estado, e da hipócrita linguagem com que
tais crimes são descritos.
No
quarto de um hotel em Moscovo, sob medidas de segurança, Snowden, de 32
anos, passa os seus dias e as suas noites ligado à Internet, proferindo
conferencias para estudantes universitários dos EUA ou, na realidade,
de qualquer parte do mundo.
Ao contrário da ideia de que o exiliado político costuma ser um individuo privado de algumas liberdades, sem ligações possíveis com o seu país de origem, Snowden está a demonstrar que essa estratégia contra os dissidentes políticos começa a falhar.
O seu novo propósito é “ajudar os activistas e dissidentes que têm algo que dizer, algo que contribuir para as suas sociedades”, por isso assegura que não importa onde se encontre porque de todas as formas a sua voz será ouvida.
Desde que em 29 de Setembro de 2015 enviou o seu primeiro tweet com a mensagem “Can you hear me now?” (“¿Podes ouvir-me agora?”) Edward Snowden alcançou em pouco tempo 1,5 milhões de seguidores. Entretanto ele apenas segue uma conta, a que corresponde à NSA.
Este homem, que decidiu abandonar o seu cómodo - embora ilegítimo - trabalho como analista para Booz Allen Hamilton (subcontratado da NSA) para pôr em xeque o regime de Obama com a revelação de informação sobre a espionagem aos cidadãos, está convencido de que os dissidentes como ele são uma força extraordinariamente poderosa que começa a ameaçar os governos.
Nem sequer a NSA sabe quantos documentos levou consigo. As estimativas afirmam que Edward Snowden teve acesso total a 1,7 milhões de documentos e que entregou entre 50.000 e 200.000 documentos aos jornalistas Glenn Greenwald e Laura Poitras, a realizadora do documentário ‘Citizenfour’, sobre a prática de intervenções electrónicas ilegais da Agencia de Segurança Nacional, a perseguição do regime dos EUA a Snowden e a fuga deste.
Durante a entrevista à repórter Lena Sundström Snowden não parou de falar sobre a (falta de) ética e a (falta de) moral do jornalismo dos EUA, a política externa contra o terrorismo, a Internet e as redes sociais, e em especial sobre a linguagem dos militares, a continuidade das prisões secretas e os assassínios em massa de civis inocentes em zonas de conflito.
Se alguém crê ser capaz de avaliar as tendências totalitárias ou o estado de direito num país baseando-se no nível dos automóveis, restaurantes ou a última colecção de primavera de Stella McCartney engana-se a si mesmo. A pobreza é visível. A falta de democracia não.
Centros de tortura
“O facto de estarmos a pedir a países como a Suécia que permitam voos nos quais se trasladam ilegalmente supostos terroristas, ou que outros países como Roménia e Polonia possam alojar prisões secretas, tal como na Tailândia, onde tinham centros de tortura, faz com que estes países comecem a pensar que estarão de acordo com isso (…) porque se os EUA o fazem, deve estar certo.
A guerra contra o terrorismo
O regime “legitima-se pela ameaça do terrorismo, dizendo que salvará vidas e que qualquer pessoa que se lhe oponha corre o risco de manchar as mãos de sangue”, supostamente porque se não matas os terroristas eles te matam a ti ou a soldados da tua pátria.
“O programa de aviões não tripulados cria mais terroristas do que os que mata. Não existia o Estado Islâmico até começarmos a bombardeá-los. A maior ameaça que enfrentamos na região nasce das nossas próprias políticas”.
“Durante o governo de Bush, as pessoas foram sequestradas em todo o mundo e arrojadas nas prisões secretas, onde foram torturadas. Durante o governo de Obama os sequestros, as prisões secretas e as torturas foram substituídas por listas de morte e execuções extrajudiciais de pessoas, levadas a cabo por aviões não tripulados conhecidos como drones”.
“Os documentos mostram que nove em cada 10 pessoas assassinadas por drones não eram os objectivos previstos, mas civis que são depois classificados como inimigos mortos em acção, o que tem melhor aspecto estatisticamente”.
Também mostram quem decide sobre um objectivo. Como Secretária de Estado, Hillary Clinton foi uma dessas pessoas. Os documentos demonstram igualmente algo de que Edward Snowden falou anteriormente.
“A maioria dos ataques com drones não é dirigida contra indivíduos mas contra telefones móveis. E quem dirige el ataque não tem qualquer ideia se a pessoa que transporta o telefone móvel é o objecto da perseguição ou é a sua mãe que ocasionalmente pegou nele. É por isso que há tantos erros nos ataques com drones, e tantas festas de casamento atacadas. A informação que utilizam é perigosa e pouco fiável.
Quando vi estes documentos, não tive qualquer dúvida de que esta é história geopolítica mais importante do ano”, diz.
“A maior ameaça que enfrentamos na região nasce das nossas próprias políticas”.
Serviço de inteligência
“A informação que usam é perigosa e pouco fiável”.
“Não há confirmação mais forte de que o Governo participa em actos ilícitos que os documentos governamentais que detalham as suas próprias malfeitorias”.
“Depois do 11 de Setembro de 2001 mais de 1.200 organizações governamentais e quase 2.000 empresas privadas se viram subitamente a trabalhar no controlo do terrorismo. Quase cinco milhões de estado-unidenses tinham algum tipo de autorização de segurança, e cerca de 1,4 milhões tinham acesso a material altamente secreto. Como alguém o descreveu: ‘As autorizações de segurança foram entregues como Kleenex’”.
Todas competem entre si, todas querem descobrir e matar mais “terroristas”, e assim mantêm ou aumentam o seu orçamento para o ano seguinte.
Linguagem de guerra
“Em linguagem militar tudo é um acrónimo, tudo é um eufemismo. Não se diz assassínios, diz-se neutralizações. Não se diz ‘matar’, mas ‘operação de captura’, embora ninguém vá ser capturado. Eles têm sua própria cultura”.
“Quando utilizam a palavra ’segurança’ não estão a falar disso mas de estabilidade. Tal como quando eles dizem que estão salvando vidas quando bombardeiam pessoas”.
“Os estudos sobre a tortura da CIA demostraram que nunca houve informação de inteligência significativa sobre o tema, apesar de terem torturado muita gente durante muitos anos. O costo disso não inclui apenas a logística das prisões secretas mas também o dinheiro - estamos a falar de milhares de milhões de dinheiro dos contribuintes - que foi gasto para torturar as pessoas.”
Sobre o jornalismo
“É decepcionante que a grande imprensa nacional, jornais como o ‘Washington Post’, ‘The New York Times’, evitem informar sobre histórias como esta, por razões de concorrência, inclusivamente quando há interesse público em fazê-lo”.
“Não é suficiente que se possa escrever qualquer coisa. Os jornalistas devem sentir ao menos a obrigação que corresponde à realização de um serviço público. Ajudar as pessoas a entender aquilo que necessitam saber, tanto como o que querem saber”.
Mas dado que as revelações de Snowden mostraram que nem sequer os jornalistas mais próximos do regime se salvavam da espionagem da sua vida privada, as coisas mudaram.
“Hoje em dia muitos jornalistas de investigação nas democracias ocidentais trabalham com notas escritas à mão, passeios ao ar livre, correspondência com código encriptado e telefones celulares colocados em microondas quando se trata de material sensível”.
Política
Obama disse que a publicação das revelações de Snowden “prejudicou os EUA e as nossas capacidades de inteligência, havia uma forma de acompanhar estas conversas sem causar tal dano.” A candidata presidencial Hillary Clinton opinou o mesmo, agregando que os EUA têm uma tradição de protecção aos que alertam (whistleblowers).
“A tradição estado-unidense com respeito aos que alertam é enterrá-los”, diz Edward Snowden. A imprensa tão-pouco esteve nisso de acordo com Hillary Clinton. Escreveram que estava completamente equivocada tanto legal como histórica e retoricamente, uma vez que é óbvio que não é assim que tem sucedido.
Gente que alertou, como Edward Snowden, Daniel Ellsberg e Chelsea Manning - que proporcionou documentos secretos a WikiLeaks - podem dar testemunho disso. Mas há muitos mais. Desde 2007 o FBI vem provocando a queda em desgraça, o suicídio ou a fuga de altos responsáveis da NSA.
Terminologia militar
“Na linguajem militar tudo se converte em siglas, tudo se reescreve para que soe melhor. Não se diz execuções, diz-se homicídios selectivos. Diz-se que alguém deve ser “dado como baixa / capturado” mesmo que se saiba que um drone não vai capturar ninguém. É uma cultura.
Há uma grande quantidade de abstracção nisso. Não querem pensar no facto de que na realidade estão a matar pessoas, que essas pessoas podem ter família. Querem pensar neles como coisas, objectivos, como peças de um quebra-cabeças. Da mesma forma, não querem pensar que estão a entrar no coração da infra-estrutura mais importante para a comunicação no mundo - Google. Que, literalmente, te permite entrar na vida privada de cada um.
Querem pensar nisso como parte de uma infra-estrutura que pode ser uma valiosa fonte de informação de inteligência.”
http://www.dn.se/nyheter/fem-timmar-med-edward-snowden /
in ODiário info
Ao contrário da ideia de que o exiliado político costuma ser um individuo privado de algumas liberdades, sem ligações possíveis com o seu país de origem, Snowden está a demonstrar que essa estratégia contra os dissidentes políticos começa a falhar.
O seu novo propósito é “ajudar os activistas e dissidentes que têm algo que dizer, algo que contribuir para as suas sociedades”, por isso assegura que não importa onde se encontre porque de todas as formas a sua voz será ouvida.
Desde que em 29 de Setembro de 2015 enviou o seu primeiro tweet com a mensagem “Can you hear me now?” (“¿Podes ouvir-me agora?”) Edward Snowden alcançou em pouco tempo 1,5 milhões de seguidores. Entretanto ele apenas segue uma conta, a que corresponde à NSA.
Este homem, que decidiu abandonar o seu cómodo - embora ilegítimo - trabalho como analista para Booz Allen Hamilton (subcontratado da NSA) para pôr em xeque o regime de Obama com a revelação de informação sobre a espionagem aos cidadãos, está convencido de que os dissidentes como ele são uma força extraordinariamente poderosa que começa a ameaçar os governos.
Nem sequer a NSA sabe quantos documentos levou consigo. As estimativas afirmam que Edward Snowden teve acesso total a 1,7 milhões de documentos e que entregou entre 50.000 e 200.000 documentos aos jornalistas Glenn Greenwald e Laura Poitras, a realizadora do documentário ‘Citizenfour’, sobre a prática de intervenções electrónicas ilegais da Agencia de Segurança Nacional, a perseguição do regime dos EUA a Snowden e a fuga deste.
Durante a entrevista à repórter Lena Sundström Snowden não parou de falar sobre a (falta de) ética e a (falta de) moral do jornalismo dos EUA, a política externa contra o terrorismo, a Internet e as redes sociais, e em especial sobre a linguagem dos militares, a continuidade das prisões secretas e os assassínios em massa de civis inocentes em zonas de conflito.
Se alguém crê ser capaz de avaliar as tendências totalitárias ou o estado de direito num país baseando-se no nível dos automóveis, restaurantes ou a última colecção de primavera de Stella McCartney engana-se a si mesmo. A pobreza é visível. A falta de democracia não.
Centros de tortura
“O facto de estarmos a pedir a países como a Suécia que permitam voos nos quais se trasladam ilegalmente supostos terroristas, ou que outros países como Roménia e Polonia possam alojar prisões secretas, tal como na Tailândia, onde tinham centros de tortura, faz com que estes países comecem a pensar que estarão de acordo com isso (…) porque se os EUA o fazem, deve estar certo.
A guerra contra o terrorismo
O regime “legitima-se pela ameaça do terrorismo, dizendo que salvará vidas e que qualquer pessoa que se lhe oponha corre o risco de manchar as mãos de sangue”, supostamente porque se não matas os terroristas eles te matam a ti ou a soldados da tua pátria.
“O programa de aviões não tripulados cria mais terroristas do que os que mata. Não existia o Estado Islâmico até começarmos a bombardeá-los. A maior ameaça que enfrentamos na região nasce das nossas próprias políticas”.
“Durante o governo de Bush, as pessoas foram sequestradas em todo o mundo e arrojadas nas prisões secretas, onde foram torturadas. Durante o governo de Obama os sequestros, as prisões secretas e as torturas foram substituídas por listas de morte e execuções extrajudiciais de pessoas, levadas a cabo por aviões não tripulados conhecidos como drones”.
“Os documentos mostram que nove em cada 10 pessoas assassinadas por drones não eram os objectivos previstos, mas civis que são depois classificados como inimigos mortos em acção, o que tem melhor aspecto estatisticamente”.
Também mostram quem decide sobre um objectivo. Como Secretária de Estado, Hillary Clinton foi uma dessas pessoas. Os documentos demonstram igualmente algo de que Edward Snowden falou anteriormente.
“A maioria dos ataques com drones não é dirigida contra indivíduos mas contra telefones móveis. E quem dirige el ataque não tem qualquer ideia se a pessoa que transporta o telefone móvel é o objecto da perseguição ou é a sua mãe que ocasionalmente pegou nele. É por isso que há tantos erros nos ataques com drones, e tantas festas de casamento atacadas. A informação que utilizam é perigosa e pouco fiável.
Quando vi estes documentos, não tive qualquer dúvida de que esta é história geopolítica mais importante do ano”, diz.
“A maior ameaça que enfrentamos na região nasce das nossas próprias políticas”.
Serviço de inteligência
“A informação que usam é perigosa e pouco fiável”.
“Não há confirmação mais forte de que o Governo participa em actos ilícitos que os documentos governamentais que detalham as suas próprias malfeitorias”.
“Depois do 11 de Setembro de 2001 mais de 1.200 organizações governamentais e quase 2.000 empresas privadas se viram subitamente a trabalhar no controlo do terrorismo. Quase cinco milhões de estado-unidenses tinham algum tipo de autorização de segurança, e cerca de 1,4 milhões tinham acesso a material altamente secreto. Como alguém o descreveu: ‘As autorizações de segurança foram entregues como Kleenex’”.
Todas competem entre si, todas querem descobrir e matar mais “terroristas”, e assim mantêm ou aumentam o seu orçamento para o ano seguinte.
Linguagem de guerra
“Em linguagem militar tudo é um acrónimo, tudo é um eufemismo. Não se diz assassínios, diz-se neutralizações. Não se diz ‘matar’, mas ‘operação de captura’, embora ninguém vá ser capturado. Eles têm sua própria cultura”.
“Quando utilizam a palavra ’segurança’ não estão a falar disso mas de estabilidade. Tal como quando eles dizem que estão salvando vidas quando bombardeiam pessoas”.
“Os estudos sobre a tortura da CIA demostraram que nunca houve informação de inteligência significativa sobre o tema, apesar de terem torturado muita gente durante muitos anos. O costo disso não inclui apenas a logística das prisões secretas mas também o dinheiro - estamos a falar de milhares de milhões de dinheiro dos contribuintes - que foi gasto para torturar as pessoas.”
Sobre o jornalismo
“É decepcionante que a grande imprensa nacional, jornais como o ‘Washington Post’, ‘The New York Times’, evitem informar sobre histórias como esta, por razões de concorrência, inclusivamente quando há interesse público em fazê-lo”.
“Não é suficiente que se possa escrever qualquer coisa. Os jornalistas devem sentir ao menos a obrigação que corresponde à realização de um serviço público. Ajudar as pessoas a entender aquilo que necessitam saber, tanto como o que querem saber”.
Mas dado que as revelações de Snowden mostraram que nem sequer os jornalistas mais próximos do regime se salvavam da espionagem da sua vida privada, as coisas mudaram.
“Hoje em dia muitos jornalistas de investigação nas democracias ocidentais trabalham com notas escritas à mão, passeios ao ar livre, correspondência com código encriptado e telefones celulares colocados em microondas quando se trata de material sensível”.
Política
Obama disse que a publicação das revelações de Snowden “prejudicou os EUA e as nossas capacidades de inteligência, havia uma forma de acompanhar estas conversas sem causar tal dano.” A candidata presidencial Hillary Clinton opinou o mesmo, agregando que os EUA têm uma tradição de protecção aos que alertam (whistleblowers).
“A tradição estado-unidense com respeito aos que alertam é enterrá-los”, diz Edward Snowden. A imprensa tão-pouco esteve nisso de acordo com Hillary Clinton. Escreveram que estava completamente equivocada tanto legal como histórica e retoricamente, uma vez que é óbvio que não é assim que tem sucedido.
Gente que alertou, como Edward Snowden, Daniel Ellsberg e Chelsea Manning - que proporcionou documentos secretos a WikiLeaks - podem dar testemunho disso. Mas há muitos mais. Desde 2007 o FBI vem provocando a queda em desgraça, o suicídio ou a fuga de altos responsáveis da NSA.
Terminologia militar
“Na linguajem militar tudo se converte em siglas, tudo se reescreve para que soe melhor. Não se diz execuções, diz-se homicídios selectivos. Diz-se que alguém deve ser “dado como baixa / capturado” mesmo que se saiba que um drone não vai capturar ninguém. É uma cultura.
Há uma grande quantidade de abstracção nisso. Não querem pensar no facto de que na realidade estão a matar pessoas, que essas pessoas podem ter família. Querem pensar neles como coisas, objectivos, como peças de um quebra-cabeças. Da mesma forma, não querem pensar que estão a entrar no coração da infra-estrutura mais importante para a comunicação no mundo - Google. Que, literalmente, te permite entrar na vida privada de cada um.
Querem pensar nisso como parte de uma infra-estrutura que pode ser uma valiosa fonte de informação de inteligência.”
http://www.dn.se/nyheter/fem-timmar-med-edward-snowden /
in ODiário info
Sem comentários:
Enviar um comentário