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sábado, 28 de julho de 2018

Comentários de Marx a “Estatismo e Anarquia” de Bakunin por LavraPalavra

Por Karl Marx, via marxists.org, traduzido por Gabriel Landi Fazzio
Entre abril de 1874 e janeiro de 1875, Marx copiou em um caderno, em russo, extensos extratos do livro de Bakunin, inserindo seus comentários conforme reproduzido abaixo. Os comentários entre colchetes são do próprio Marx. Aos excertos em inglês reproduzidos na fonte pude fazer alguns breves acréscimos, traduzidos com muita dificuldade, (mesmo com os recursos digitais) da versão alemã. Essas poucas palavras do "velho Marx", contudo, permanecem dignas de estudo, uma vez que situam muito bem sua madura concepção da ditadura do proletariado, em polêmica viva com o anarquismo russo.

“Já declaramos nossa profunda oposição à teoria de Lassalle e Marx, que recomenda aos trabalhadores, se não como ideal final, ao menos como o próximo grande objetivo – a fundação de um Estado popular, que, como eles o expressaram, não será senão o proletariado organizado como classe dominante. Surge a pergunta: se o proletariado se torna a classe dominante, sobre quem ele governará? Isso significa que ainda haverá outro proletariado, que estará sujeito a essa nova dominação, esse novo estado.”
Isso significa que, enquanto as outras classes, especialmente a classe capitalista, ainda existirem, enquanto o proletariado lutar com ela (pois, quando este alcança o poder de governo, seus inimigos e a velha organização da sociedade ainda não desapareceram), ele deve empregar meios coercitivos, portanto, meios governamentais. Ele próprio ainda é uma classe, e as condições econômicas de que derivam a luta de classes e a existência das classes ainda não desapareceram e devem ser coercitivamente removidas do caminho ou transformadas, sendo esse processo de transformação forçadamente apressada.
“Por exemplo: o krestyanskaya chern, o povo camponês comum, a multidão camponesa que, como é bem conhecido, não goza da boa vontade dos marxistas e que, estando como está, no nível mais baixo da cultura, será aparentemente governado pelo proletariado fabril urbano.”
Isto é, onde o camponês existe na massa como proprietário privado, onde ele até forma uma maioria mais ou menos considerável, como em todos os estados do continente europeu ocidental, onde ele não desapareceu e foi substituído pelo trabalhador assalariado agrícola, como na Inglaterra, os seguintes casos se aplicam: ou ele dificulta cada revolução proletária, causa sua ruína, como ele anteriormente fez na França; ou o proletariado (pois o proprietário camponês não pertence ao proletariado, e mesmo onde sua condição é proletária, ele acredita que ele próprio não seja) deve, como governo, tomar medidas através das quais o camponês encontre sua condição imediatamente melhorada, de modo a conquistá-lo para a revolução; medidas que irão, ao menos, oferecer a possibilidade de facilitar a transição da propriedade privada da terra para a propriedade coletiva, de modo que o camponês chegue a isto por sua própria vontade, por razões econômicas. Não deve bater sobre a cabeça do camponês, como seria, por exemplo, proclamando a abolição do direito de herança ou a abolição de sua propriedade. Esta última só é possível quando o agricultor arrendatário capitalista expropriou os camponeses, e onde o verdadeiro cultivador é perfeitamente um proletário, um trabalhador assalariado, como é o trabalhador da cidade, e assim tem imediatamente, não apenas indiretamente, os mesmos interesses que ele. Muito menos deve ser fortalecida a pequena propriedade, pela ampliação dos loteamentos camponesa simplesmente através da anexação camponesa das grandes propriedades, como na campanha revolucionária de Bakunin.
“Ou, se considerarmos esta questão do ponto de vista nacional, assumiríamos pela mesma razão que, no que diz respeito aos alemães, os eslavos permanecerão na mesma dependência servil em relação ao proletariado alemão vitorioso que o atual tem presenete em relação a sua própria burguesia.”
Estupidez de estudante! Uma revolução social radical depende de certas condições históricas definidas do desenvolvimento econômico como suas precondições. Também só é possível onde, com a produção capitalista, o proletariado industrial ocupa pelo menos uma posição importante entre a massa do povo. E para ter alguma chance de vitória, deve ser capaz de fazer o mesmo tanto para os camponeses quanto a burguesia francesa, mutatis mutandis, fez em sua revolução pelos camponeses franceses da época. Uma bela ideia, essa de que o domínio do trabalho envolve a subjugação do trabalho da terra! Mas aqui os pensamentos mais íntimos do Sr. Bakunin emergem. Ele não entende absolutamente nada sobre a revolução social, apenas suas frases políticas. Suas condições econômicas não existem para ele. Como todas as formas econômicas até então existentes, desenvolvidas ou subdesenvolvidas, envolvem a escravização do trabalhador (seja na forma de trabalhador assalariado, camponês etc.), ele acredita que uma revolução radical é possível em todas essas formas do mesmo modo. Ainda mais! Ele quer que a revolução social europeia, cuja premissa é a base econômica da produção capitalista, aconteça no nível dos povos agrícolas e pastorais russos ou eslavos, para não ultrapassar esse nível, ainda que reconheça que a navegação marítima forme diferenças entre irmãos. Porém, apenas a navegação marítima, porque essa é uma diferença conhecida por todos os políticos! [1] A vontade, e não as condições econômicas, é o alicerce de sua revolução social.
“Se existe um estado [gosudarstvo], então há inevitavelmente dominação [gospodstvo] e, consequentemente, escravidão. Dominação sem escravidão, aberta ou velada, é impensável - é por isso que somos inimigos do estado.
O que significa o proletariado organizado como classe dominante?”
Significa que o proletariado, em vez de lutar seccionalmente contra a classe economicamente privilegiada, alcançou força e organização suficientes para empregar meios gerais de coerção nessa luta. No entanto, ele só pode usar tais meios econômicos conquanto abole seu próprio caráter como assalariado, portanto, como classe. Com sua vitória completa seu próprio domínio, portanto, termina, pois seu caráter de classe desapareceu.
“Estará o proletariado inteiro, talvez, à frente do governo?”
Em um sindicato, por exemplo, todos os membros do sindicato formam seu comitê executivo? Toda a divisão do trabalho na fábrica e as várias funções que correspondem a isso cessarão? E na constituição de Bakunin, todos "de baixo para cima" estarão "em cima"? Então certamente não haverá ninguém “no fundo”. Todos os membros da comuna administrarão simultaneamente os interesses de seu território? Então não haverá distinção entre comuna e território.
“Os alemães são cerca de quarenta milhões. Por exemplo, todos os quarenta milhões serão membros do governo?”
Seguramente! Uma vez que a questão começa com o auto-governo da comunidade.
“Todo o povo governará e não haverá governado.”
Se um humano domina a si mesmo, não o faz com base nesse princípio, pois ele é, afinal, ele mesmo e não outro.
“Então não haverá governo nem estado, mas se houver um estado, haverá governadores e escravos.”
Isto é, somente se a dominação de classe desapareceu, e não há estado no atual sentido político.
“Esse dilema é resolvido de modo simples na teoria dos marxistas. Por governo popular eles compreendem [ou seja, Bakunin] o governo do povo por meio de um pequeno número de líderes, escolhidos [eleitos] pelo povo.”
Asneira! Isso é baboseira democrática, imbecilidade política. A eleição é uma forma política presente na menor comuna e artel russo. O caráter da eleição não depende deste nome, mas da base econômica, da situação econômica dos eleitores e, assim que as funções deixaram de ser políticas, existe 1) nenhuma função de governo, 2) a distribuição das funções gerais tornou-se um assunto de negócios, que não dá uma domínio, 3) a eleição não tem nada do seu caráter político atual.
“O sufrágio universal de todo o povo...”
Uma tal coisa como todo o povo no sentido atual é um fantasma, uma quimera.
“Na eleição dos representantes populares e dos ‘governantes do estado,’ – esta é a última palavra dos marxistas, como também da escola democrática – há uma mentira, atrás da qual está oculto o despotismo da minoria governante, e somente mais perigosamente, na medida em que aparece como expressão da chamada vontade do povo”.
Com a propriedade coletiva a assim chamada vontade do povo desaparece para abrir caminho para a vontade real da cooperativa.
“Então o resultado é: orientação da grande maioria do povo por uma minoria privilegiada. Mas essa minoria, dizem os marxistas, [...]”
Onde?
“... consistirá de trabalhadores. Certamente, com a sua permissão, de ex-trabalhadores, que, no entanto, tão logo se tornaram representantes ou governadores do povo, deixam de ser trabalhadores [...]”
Tão pouco quanto um dono de fábrica hoje deixa de ser capitalista se tornar-se conselheiro municipal...
“[...] e passam a menosprezar todo o mundo dos trabalhadores comuns, do alto de sua posição no estado. Eles não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões ao governo do povo. Qualquer um que possa duvidar disso não sabe nada da natureza dos homens”.
Se o Sr. Bakunin soubesse apenas algo sobre a posição de um gerente numa fábrica cooperativa de trabalhadores, todos os seus sonhos de dominação iriam ao diabo. Ele deveria ter se perguntado qual a forma que a função administrativa pode assumir com base nesse estado dos trabalhadores, se ele quiser chamá-lo assim.
“Mas os eleitos serão fervorosamente convencidos e, portanto, educados socialistas. A frase ‘socialismo educado’ [...]”
Nunca foi usada.
“... ‘socialismo científico’ [...]”
Usada apenas em oposição ao socialismo utópico, que quer atar o povo a novas ilusões, em vez de limitar sua ciência ao conhecimento do movimento social feito pelo próprio povo; veja meu texto contra Proudhon.
“[...] que é incessantemente encontrada nas obras e discursos dos lassalistas e marxistas, ela mesmo indica que o assim chamado estado popular será nada mais que a própria orientação despótica da massa do povo por uma aristocracia nova e numericamente muito pequena de estudiosos genuínos ou supostos. As pessoas não são científicas, o que significa que serão totalmente libertadas dos cuidados do governo, elas ficarão inteiramente caladas no estábulo dos governados. Uma boa libertação!
Os marxistas sentem essa [!] contradição e, sabendo que o governo dos educados [que fantasia] será o mais opressivo, detestável, mais desprezado do mundo, uma verdadeira ditadura, apesar de todas as formas democráticas, consola-se com o pensamento de que esta ditadura será apenas transitória e curta”.
Não, meu caro! Que o domínio de classe dos trabalhadores sobre os estratos do velho mundo os quais eles estão combatendo só pode existir enquanto a base econômica da existência de classe não for destruída.
“Eles dizem que sua única preocupação e objetivo é educar e elevar as pessoas [políticos de salão!] economicamente e politicamente, a tal ponto que todo o governo será completamente inútil e o Estado perderá todo o caráter político, isto é, o caráter de dominação, e vai mudar por si só em uma organização livre de interesses econômicos e comunas. Uma contradição óbvia. Se o seu estado for realmente popular, por que não destruí-lo, e se a sua destruição é necessária para a verdadeira libertação do povo, por que se arriscam a chamá-lo de popular?”
A parte da insistência do Estado popular de Liebknecht, que é um absurdo, contrário ao Manifesto Comunista etc., significa apenas que, como o proletariado ainda age, durante o período de luta pela derrubada da velha sociedade, com base naquela velha sociedade e, portanto, também ainda se move dentro de formas políticas que mais ou menos lhe pertencem, ainda não alcançou, durante esse período de luta, sua constituição final e emprega meios para sua libertação que, após essa liberação, deixa de lado. O Sr. Bakunin conclui daí que é melhor não fazer absolutamente nada... apenas esperar pelo dia da liquidação geral – o juízo final.
“Através de nossa polêmica [a qual, obviamente, surgiu antes de meu escrito contra Proudhon e do Manifesto do Partido Comunista e mesmo também antes de Saint-Simon] contra os marxistas, [que bela confusão temporal do precedente com o seguinte!] levamos à sua confissão de que liberdade ou anarquia [o Sr. Bakunin traduziu apenas a anarquia de Proudhon e de Stirner em língua tártara desordenada] isto é, a livre organização das massas trabalhadoras de baixo para cima [que bobagem!] é o objetivo final do desenvolvimento social, sendo todo e qualquer ‘Estado’ – incluindo-se o Estado do Povo – nada senão opressão: por um lado, despotismo, por outro, escravidão.” (p. 280)
“Os marxistas dizem que esse jugo dominante, a ditadura, é um meio necessário de transição ao atingimento da mais plena libertação popular: a anarquia ou a liberdade é o objetivo, a dominação ou a ditadura é o meio. Assim, para a libertação das massas populares é necessário, em primeiro lugar, mantê-las na escravidão. Sobre essa contradição é que se assenta a nossa polêmica. Os marxistas garantem que apenas a ditadura – a ditadura deles, finalmente – pode criar a liberdade do povo. Respondemos dizendo que nenhuma ditadura pode ter um outro objetivo senão o de ‘se eternizar’ e produzindo e reproduzindo a escravidão nas pessoas que a toleram. A liberdade pode ser obtida apenas através da liberdade, [a liberdade do citoyen permanente, isto é, a liberdade do cidadão Bakunin] isto é, através da ‘insurreição de todo o povo’ e da livre organização das massas de baixo para cima”. (p.281)
“Enquanto a teoria político-social dos socialistas anti-estado ou anarquistas conduz ‘firmemente’ e diretamente à mais plena ruptura com todos os governos, com todos os tipos de política burguesa, não deixando nenhuma outra saída, a não ser a revolução social, [...]”
Não deixando nada à revolução social senão a frase.
“[...] a teoria oposta, isto é, a teoria do comunismo de estado e da autoridade científica arrasta e envolve seus adeptos, também ‘firmemente’, nas intermináveis ‘negociatas’ com os governos e com os múltiplos partidos políticos burgueses, com o emprego da tática política, isto é, empurra-os diretamente rumo às posições reacionárias.” (p. 281)

[1] A esse respeito, em um momento anterior do texto, Marx afirma:
“Essa é a questão principal para o Sr. Bakunin: o nivelamento, por exemplo, nivelar toda a Europa na base do comerciante eslovaco de ratoeiras.
‘Por ora, a navegação marítima permanece sendo o principal meio para o bem-estar público dos povos [grande progresso em relação à ‘prosperidade dos povos’!].
Eis aí o único ponto em que o Sr. Bakunin fala sobre condições econômicas e reconhece que estas instituem as bases das diferenças de condições e independência dos povos.”
LavraPalavra | 25 de julho de 2018 às 07:00 | Tags: Anarquismo, Bakunin, Comunismo, Ditadura do Proletariado, Estado, Karl Marx, Marx | Categorias: Crítica | URL: https://wp.me/p6xNJu-2BF

Comentários de Marx a “Estatismo e Anarquia” de Bakunin

por LavraPalavra

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Economía mundial: 50 años de crisis crónica y una década de depresión

Anticapitalistas en red
Los primeros episodios de la “guerra comercial” desatada por Donald Trump han encendido las alarmas sobre el desempeño económico global en el corto o, a lo sumo, en el cercano mediano plazo. Una parte importante de los economistas defensores del capitalismo, ya sean ortodoxos o keynesianos, pronostican como un peligro inminente la instalación de un nuevo escenario de recesión en las principales economías, similar al provocado por la crisis de 2007. Según los primeros cálculos realizados por algunos de ellos [1], de desarrollarse esta ola proteccionista, la economía mundial reduciría su precario crecimiento actual a menos de la mitad de lo proyectado (que de por sí está por debajo de los números previos a 2007), lo que de hecho significa un una nueva recesión tan grave como aquella.
Con este debate sobre la mesa y con la unanimidad que expresan sobre lo nocivo de la política proteccionista, los especialistas explican y definen la economía política de Trump por cuestiones subjetivas, y algunos hasta por rasgos psicológicos del presidente de Estados Unidos y sus asesores: “incapaces”, “ignorantes”, “delirantes” [2], son algunos de los términos que se pueden leer en la prensa y con los que pretenden ocultar su propia sorpresa, el descalabro de su “sentido común”, frente al desarrollo de una política anunciada por Trump desde su campaña electoral.
Como la mayoría de estos economistas suponían o aún suponen superada la crisis de hace diez años y de hecho no reconocen la existencia de la Larga Depresión económica que continúa desde entonces, no registran en sus análisis que el proteccionismo está presente a lo largo del desarrollo de depresiones similares, y que se explica porque las causas que lo provocan hacen parte del metabolismo, de la lógica interna de funcionamiento del sistema del capital.
La crisis de 2007-2008 ha desembocado en una Larga Depresión económica que lleva casi una década, es la tercera en su tipo en 140 años. La primera se prolongó desde mediados de los años 70 del siglo XIX hasta los primeros años del XX y la segunda se desarrolló a partir del crack económico de 1929 y terminó a inicios de la II Guerra Mundial. Esas dos se resolvieron luego de una fenomenal destrucción de Capital y Fuerzas Productivas y, más allá de recuperaciones parciales, señalaron el comienzo de una dilatada fase de declive del sistema capitalista. La depresión que inicio en 2009 aún continúa. Mal que les pese a keynesianos y ortodoxos, sólo desde el marxismo se puede explicar la actual situación y su perspectiva.
“Edad de oro”, crisis crónica, y declinación constante del sistema
El último periodo en el que se registró un crecimiento económico prolongado, cercano a las tres décadas ininterrumpidas, y relativamente estable de la economía mundial, es a partir de la salida de la II Guerra en 1944. La creación de FMI y el Banco Mundial, datan de esa fecha y surgen de lo que se conoció como acuerdos de Breton Woods, por la ciudad donde se realizó la conferencia de las principales economías capitalistas industrializadas. Esos acuerdos mostraban la supremacía indiscutida obtenida por Estados Unidos en la Guerra, al reconocerse al dólar como la moneda mundial de intercambio. Es el periodo que se conoce como la “Edad de oro”. Pero ese periodo de crecimiento termina con la imposibilidad de Estados Unidos de seguir manteniendo el patrón oro para respaldar el dólar. Entre el año 1971 y 1973 el gobierno Nixon produce dos fuertes devaluaciones de espaldas al sistema monetario internacional y se desengancha del patrón oro, sosteniendo al dólar desde entonces sobre su hegemonía, político militar. Una hegemonía debilitada por la derrota sufrida en Vietnam para el momento. Desde allí las crisis del sistema se repitieron como promedio, cada 5 años. Dos crisis provocadas por los precios del petróleo, varias crisis de deudas soberanas, crisis bancarias, de los mercados de valores y las bolsas, etcétera. El mundo se familiarizó con los nombres con los que el periodismo divulgo esas crisis, algunos de estos nombre son: la crisis de los Petrodólares, el Viernes Negro, el Efecto Tequila, la crisis de los Tigres Asiáticos, la de la Deuda Rusa, la de la Convertibilidad en Argentina, más recordada por su derivación de crisis económica a semi insurrección popular, las de las Punto.com, por supuesto la crisis de las hipotecas en 2007, y más recientemente, la crisis de la deuda europea en 2010 y la recesión de 2015 – 2016[3].
Ni la incorporación y apertura de China al mercado mundial capitalista, ni la caída de la Unión Soviética y los países del Este de Europa, con su restauración capitalista incluida, ni la creación de la Unión Europea, tampoco los Tratados de Libre Comercio, un objetivo principal del neoliberalismo, cumplieron el papel que imaginaron y propagandizaron los estrategas del capitalismo: volver a una nueva “Edad de Oro” del sistema, ni rompieron la dinámica de crisis crónica. Por el contrario, la Gran Recesión que provocó la crisis de 2007-2009 derivó en la Larga Depresión que lleva ya una década.
En un ensayo que cita Michael Roberts escrito por Ruchir Sharma, de Morgan Stanley Investment Management, publicado en Foreign Affairs, puede leerse un dato muy importante para entender la depresión: “…ninguna región del mundo está creciendo tan rápido como antes de 2008, y no debe esperarse que ninguna lo haga. En 2007, en el pico del boom anterior a la crisis, las economías de 65 países – incluyendo bastante de las grandes, como Argentina, China, India, Nigeria, Rusia y Vietnam – crecieron a una tasa anual del 7% o más. Hoy en día, sólo seis economías están creciendo a ese ritmo, y la mayoría son países pequeños como Costa de Marfil y Laos”[4]. Y, agregamos, la guerra comercial desatada sólo suma gasolina al fuego de esa situación.
Tendencia decreciente de la tasa de ganancia, caída de la inversión productiva y sobreacumulación de capital
La salud del sistema capitalista se mide en última instancia por la evolución de la tasa de ganancia, de los beneficios que obtiene, promedio, la clase capitalista. Pero no hablamos de cualquier ganancia. La tasa de ganancia que hay que observar es la que surge del proceso de producción de mercancías
. Son las ganancias obtenidas en la producción por la explotación del trabajo, las que impulsan todo el sistema. Entonces si vemos históricamente la evolución de la tasa de ganancia de los últimos 50 años, podremos apreciar que aproximadamente desde finales de los años 60 del siglo pasado se ha producido, según palabras de Michael Roberts, una caída secular (es decir, en todo el periodo histórico estudiado) de la tasa de ganancia en las economías más importantes. En un estudio de extraordinaria importancia y suponemos realizado con gran esfuerzo, donde este marxista inglés, calculó la evolución de los beneficios en los países del G7 durante todo ese periodo pudo demostrar esta afirmación. En el cuadro que sigue elaborado por Roberts, donde la línea roja es la evolución real y la gris punteada el promedio, se puede visualizar esta caída secular.
Desde el punto de vista marxista, en el capitalismo funciona una ley que expresa la existencia a una tendencia a la baja de la tasa de ganancia. Esta ley tiene contrarrestantes fundamentalmente de dos tipos basados, ambos, en el aumento de la explotación del trabajo. El hecho es que, en este medio siglo de crisis crónicas, los elementos contrarrestantes de la caída de la tasa de ganancia no han sido suficientes para una recuperación del sistema que relativamente lo estabilice y logre un periodo prolongado de crecimiento.
Al no existir el estímulo de la ganancia esperada en la producción de mercancías, se da una sobreacumulación de capital que no va a la inversión productiva y por lo tanto el capital no se valoriza. Generando, lo que Marx llamó capital ficticio que se mueve en la especulación financiera buscando una renta.
Esa sobre acumulación de capital, la debilidad de la inversión productiva, la pobre recuperación de los beneficios capitalistas, y la insuficiente destrucción de capital que provocó la crisis del 2007, son la base de la prolongada depresión actual. Dentro de la lógica del sistema, es de esperar una colosal destrucción de capital y fuerzas productivas para que el ciclo de crecimiento se reinicie como ocurrió con las dos depresiones anteriores que se dieron en el capitalismo moderno.
El proteccionismo de Trump expresa de una manera enmascarada por la grosería del personaje y su discurso chauvinista, la necesidad de recuperar la rentabilidad de la producción norteamericana. Lo mismo que otras dos medidas complementarias que se están aplicando bajo su presidencia: una reducción sustantiva de impuestos a las corporaciones y multimillonarios, y el plan de aumentar al doble las tasas de interés de la Reserva Federal que funciona como una aspiradora de capitales de todo el mundo.
La apuesta de Trump, de sus asesores y de los sectores del capital que lo respaldan en estas medidas, es que, de provocarse una nueva gran recesión como la de 2007 por las medidas que está aplicando, los principales perdedores sean los competidores de Estados Unidos. No es la ignorancia, ni el delirio del personaje lo que explica esta dinámica, es la alienación de las clases capitalistas superadas por la historia. Es, al fin, la racionalidad-irracional del capitalismo.
Notas:
 [1] “Los errores políticos de hoy tendrán consecuencias mañana”, valora el economista jefe del Banco Mundial, Shantayanan Devarajan, en referencia a la disputa provocada por Estados Unidos con sus mayores socios. La escalada puede provocar una caída del comercio global del 9%, “equivalente a la que se vio entre 2008 y 2009” . El País https://elpais.com/economia/2018/06/04/actualidad/1528142838_188181.html?rel=mas 
[4] Ruchir Sharma en Foreign Affairs mayo –junio 2017 https://www.foreignaffairs.com/articles/world/2017-04-17/boom-was-blip 
Este artigo encontra-se em: FOICEBOOK http://bit.ly/2OjJppa

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Mais um artigo probatório de sinais muito graves no horizonte


O balão sobe e os salários descem


Les salaires chutent.
Depuis la crise financière, les salaires réels ont diminué de plus de 9% aux Etats-Unis et les baisses d’impôts des entreprises n’ont pas été utilisées pour augmenter les salaires.
L’argent généreusement imprimé par la Fed a-t-il alors été employé à des investissements augmentant la productivité ? Non plus : selon une étude du FMI (1), les gains de productivité ont ralenti depuis la période 2000 – 2007.
[NDLR : Malgré tout, chaque jour qui passe, les Insiders de la Silicon Valley deviennent plus riches
la fausse monnaie a été utilisée : à des rachats d’actions par les entreprises – ce qui explique le niveau actuel des marchés actions ; à prévenir la faillite de zombies, ce qui explique que les défauts se font rares sur le marché obligataire. 
Par conséquent, les taux ne montent pas, les actions sont hors de prix, l’épargne et la prise de risque sont punies au lieu d’être justement rémunérées.
Concernant les achats d’actions à crédit, la “dette sur marge” rapportée à la taille de l’économie comme à la capitalisation des entreprises est à un niveau jamais vu depuis… la bulle de 1929.
Cette dette sur marge représente actuellement 3,27% du PIB et 2,17% de la capitalisation (2).
20 000 milliards de dollars plus tard, la baisse des salaires réels, malgré des statistiques d’emploi et de chômage flatteuses, nous révèle bien que les politiques monétaires sont incapables de créer une vraie prospérité.
Les politiques monétaires créent une croissance factice, une économie Potemkine mais pas plus. La vraie prospérité se mesure en PIB par habitant, en salaire par habitant en pouvoir d’achat. Pas en fausse monnaie. la Chronique A
Este artigo encontra-se em: FOICEBOOK http://bit.ly/2LlJWsV

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Subscrevo este diagnóstico e este prognóstico. Alarmante mas não alarmista. O quadro negro geral aplica-se inteiramente à economia portuguesa, na sua enorme fragilidade e dependência, animada por uma demanda por via de melhorias nos rendimentos, juros baixos e emprego, porém desprovida ou não sustentada em investimentos públicos.

Rumo ao desconhecido: endividamento mundial, crise monetária e colapso capitalista

"No coração do capitalismo mundial está se desenvolvendo não apenas uma crise gigantesca graças ao patamar de endividamento alcançado, mas também um incalculável crash imobiliário e acionário. A crise que se avizinha deve ser uma espécie de síntese monstruosa de todos os grandes colapsos da história."

Por Maurilio Lima Botelho.

Nas últimas semanas, um alarme soou entre os “mercados emergentes”: suas moedas sofreram uma súbita desvalorização frente ao dólar. Os especialistas à disposição rapidamente tentaram explicar o fenômeno por meio de um suposto “aquecimento” da economia norte-americana e de uma crescente divergência entre as taxas de juros. A dimensão mais profunda dessa instabilidade monetária – o endividamento generalizado em todo o mundo – esteve longe de qualquer problematização, e reduziu-se tudo apenas à protocolar administração econômica das catástrofes sociais. Com essa cegueira diante do óbvio, é preciso insistir com uma reflexão sobre a relação entre esses eventos e o horizonte mais amplo de crise do capitalismo.

A paisagem econômica mundial está tomada por montanhas de dívidas. O nível superou recordes históricos porque a própria economia está, há décadas, amparada em um endividamento sistemático. Mas agora o acúmulo de tensões impõe limites à continuidade dessa dinâmica, o que deve levar a uma dramática ruptura.
Até o momento tudo, foi parte da lógica do capitalismo de crise. Quando a superacumulação de capital deixou de ser cíclica e se tornou crônica, as transformações da microeletrônica levaram a uma reorganização dos processos produtivos sem a inovação correspondente dos produtos e a produção se ampliou de modo autônomo diante do emprego de força de trabalho, o crédito farto tornou-se uma necessidade essencial. Desemprego estrutural e excesso de mercadorias em quase todos os setores representaram mercados em contração. Mas a economia capitalista, como se sabe, só funciona num sentido inverso: é preciso vender cada vez mais mercadorias para que o fogo do capital nunca se apague. Essa evidente sinuca-de-bico só pôde ser resolvida por meio do crédito. Para enfrentar o poder de compra em declínio, mercadorias sobrando nas prateleiras ou depósitos e gastos cada vez maiores com a infraestrutura produtiva, foi preciso multiplicar o dinheiro em circulação.
A era do capitalismo de crise é também a era do crédito abundante. O aparente contrassenso é na verdade o corolário lógico de uma sociedade ilógica. Com o capitalismo altamente desenvolvido, quanto mais mercadorias inundam os mercados, menos trabalho é utilizado para produzi-las e menor é a possibilidade, portanto, de serem adquiridas.1 Por isso, quanto mais limitada for a capacidade de consumo mundial, mais é preciso elevar a circulação de dinheiro pelo sistema para simular esse poder de aquisição ausente. Isso só é difícil de compreender para aqueles que insistem em tomar a riqueza capitalista imediatamente como a disponibilidade de recursos monetários. Desse ângulo obtuso, até “até uma acumulação de dívidas pode aparecer como acumulação de capital”.2
Sem dúvida que, de um ponto de vista isolado e completamente individualizado, a riqueza pode ser expressa imediatamente como a disponibilidade de dinheiro. Entretanto, assim como todo ato de compra é mero contraponto de uma venda, todo o mecanismo de circulação de dinheiro está entrelaçado a um processo global de produção e circulação de mercadorias, entre elas a dessa mercadoria especial, o dinheiro. Para ser compreendido em sua forma social, de um ponto de vista mediado, o dinheiro não pode ser dissociado dos processos de produção de mercadorias.
O dinheiro podia representar, de modo individual, uma parte da riqueza socialmente produzida porque guardava em seu corpo uma parte dessa substância formal do “modo de produção” – o valor. A riqueza estava sintetizada na mercadoria-dinheiro disponível. Embora seu uso pudesse ser impulsionado e mediar a circulação de várias mercadorias (aceleração da rotação), sempre existiu alguma proporção entre a riqueza efetivamente produzida e a massa monetária disponível, ainda que não fosse idêntica e direta.
Com a ampliação vertiginosa da produtividade, a gigantesca estrutura produtiva desenvolvida no pós-guerra e a oferta mundial de mercadorias originadas de centenas de países, a própria capacidade monetária de espelhar a riqueza social foi perdida. O antigo vínculo que mantinha o dinheiro preso ao mundo das mercadorias foi rompido e as formas monetárias se desvincularam de seus lastros “metálicos”. O fim do padrão dólar-ouro foi o resultado de uma sociedade que, por assim dizer, tornou-se tão rica que não podia mais exprimir toda essa abundância em uma única mercadoria padrão. O mundo inundado de riquezas não era mais capaz de passar pelo buraco de agulha do dinheiro ainda ancorado no mundo das mercadorias. Nenhum padrão monetário, por mais amplo que fosse, seria capaz de espelhar a riqueza desenvolvida pela interação global das cadeias produtivas.
O rompimento do padrão dólar-ouro, imposto unilateralmente pelos EUA no início da década de 1970, não foi por isso um arbítrio “imperialista” que buscava “enquadrar” o resto do mundo em sua dinâmica financeira, como quer uma certa interpretação conspiratória sobre o sistema financeiro. É verdade que o resultado desse ato foi a manutenção de uma dinâmica monetária que manteve o dólar como moeda hegemônica, portanto, aprofundou a sujeição mundial às variações automáticas ou políticas dessa moeda – nas cínicas palavras de Milton Friedman, os “EUA devem afirmar que um dólar vale um dólar; os outros países, se quiserem, determinarão o valor do dólar na sua própria moeda”.3 A atitude yankee foi uma necessidade estrutural que revelava que no capitalismo, tal como numa figuração hegeliana, o ponto mais elevado de desenvolvimento correspondia ao início de sua decadência.
A elevada produtividade alcançada tornava o processo de produção, como dito, gradativamente autônomo diante dos processos de trabalho e o processo produtivo sintetizava cada vez menos valor nas mercadorias. Com isso era rompida a própria relação entre a substância social da riqueza, o valor, e a representação dessa riqueza na superfície do mercado, o dinheiro. O capitalismo tornou-se vítima de seu próprio sucesso: um mundo abundante em mercadorias tornava-se cada vez menos capaz de se reproduzir em termos ampliados, pois sua substância essencial escasseava.
Entretanto, tal como um acidentado que não consegue mais andar sem muletas, mesmo recuperado, a sociedade amparada no mercado, reificada pela mercadoria, toma como imperativa a continuidade de um sistema que já não se justifica mais. Por isso passou a criar dinheiro independente do fundamento substancial que lhe sustentava. Um mundo com cada vez menos valor tornou-se, paradoxalmente, um mundo com muito mais dinheiro. O capital fictício, uma forma até então utilizada em momentos específicos da dinâmica econômica para obter atalhos em investimentos de longo prazo, servir de amparo às necessidades infraestruturais (deficit spending) ou como mecanismo especulativo no auge de um ciclo econômico, tornou-se agora parte essencial da dinâmica econômica. Já não era mais uma forma derivada, autonomizada e secundária do capital: o capitalismo de crise passou a produzir capital fictício como um marca-passo da reprodução econômica, que deixou de ser pautada na acumulação de capital (com fundamentos na valorização) e passou a se guiar pela acumulação monetária (capitalização).
Com o fim do padrão dólar-ouro, o sistema de crédito se aprimorou em todos os níveis. Desde as formas estatais de endividamento (títulos soberanos), passando pelo mercado de ações e obrigações (com sua rede de derivativos cambiais e mercados secundários), até chegar às várias formas de financiamento ao cidadão comum, o mundo assenta-se, há cerca de meio século, numa complexa teia de crédito sistemático, dívidas, obrigações e alavancagem. O capital fictício ergueu um pouco mais o mundo através da multiplicação desavergonhada de dinheiro sem fundamento e a mobilização de mercadorias por esses recursos simulados criou a impressão – amparada no materialismo vulgar de nossa sociedade – de que tudo ainda funcionava.
Robert Kurz, num texto de 1986, só agora publicado no Brasil, apresentou pela primeira vez uma teoria sistemática da crise estrutural do capitalismo, restabelecendo o nexo essencial entre teoria do valor e teoria monetária para apontar a dessubstancialização da moeda:
“O último cordão umbilical com o padrão-ouro foi cortado no início dos anos 1970 com o abandono do sistema de Bretton Woods, ou seja, também o dólar, como dinheiro-mundial, foi finalmente dissociado do padrão-ouro. Mas isso não significa senão a sucessiva superação do dinheiro como mercadoria, pois a massa de papel dinheiro emitida sem cobertura em ouro não possui mais realmente qualquer substância de valor, com exceção de uma negligenciável quantidade de trabalho em relação ao papel-dinheiro criado. Isso se aplica universalmente ao papel-dinheiro e, portanto, também ao dinheiro que existe apenas de forma puramente contábil, em especial para a criação de dinheiro do nada, de um modo fantástico e puramente jurídico, como os ‘direitos de saque especiais’, que podem circular apenas entre os bancos centrais. Todavia, o desaparecimento da substância do valor do dinheiro reflete apenas a tendência ao completo desaparecimento do valor, isto é, o fato de que a produção material ultrapassou os limites do valor.”4
Exatamente por isso, um mundo de riqueza material abundante, determinado por uma medida de riqueza substancial cada vez mais estreita (valor), teve que passar a pautar a circulação dos bens e serviços por uma representação fictícia da riqueza social. Numa configuração dessa, quando a própria moeda já não tem nada que lhe sustente, toda dívida representa ela mesma uma forma monetária. Um complexo aparato de “mercadorias de segunda ordem” (Ernst Lohoff) se ergueu ao lado da mera multiplicação das moedas correntes, ampliando ainda mais a ilusão da riqueza: hoje se mede um banco não pela quantidade de depósitos que detém, mas pelas obrigações que possui de terceiros na forma de títulos, promessas de pagamento etc.5
Assim ocorreu em 2007. A crise do subprime alastrou-se como incêndio em campo seco porque a riqueza financeira estava baseada em obrigações de pagamentos futuros (CDOs – Collateralized Debt Obligations) adquiridas no mercado secundário de hipotecas. Os ativos eram, em realidade, passivos. As dívidas eram tomadas como capital. Mero crédito simulado era sinônimo de riqueza. E tudo, no estômago da circulação, podia ser convertido em moeda e parecer, temporariamente, como riqueza disponível ao consumo ou ao investimento. Até mesmo a periferia do capitalismo, que segundo alguns sofre com “escassez de capital”, foi inundada por liquidez, o que estimulou o crédito e pôde simular uma integração social via consumo (o lulismo foi parte integrante dessa conjuntura forrada por capital fictício).6 Quando explodiu a crise do subprime, primeiro vieram abaixo as economias centrais, no momento imediato após a bolha imobiliária arrebentar; depois, as economias periféricas, quando a bolha das commodities também esvaziou.
Dez anos depois, a imprensa, os economistas e os políticos, principalmente no centro do capitalismo, acreditam numa recuperação dos EUA, o que explicaria a fuga de investimentos principalmente para o dólar. Mas não é possível confiar nisso. A superação da crise financeira de 2007/2008 foi obtida apenas através de uma ampliação ainda mais violenta de capital fictício em toda economia capitalista. O encolhimento de liquidez em determinados mercados ou a contração de crédito em uma parte do planeta, imediatamente após o colapso dos mercados financeiros, foram compensados largamente pela aceleração do endividamento em todo o resto do mundo e mesmo pela multiplicação das dívidas pré-existentes, apesar do rebaixamento generalizado das taxas de juros na última década – com a inédita temporada de juros reais negativos que serviu para alastrar ainda mais dinheiro barato por vários setores econômicos. Um levantamento recente publicado pela Bloomberg indica um endividamento total correspondente a 317 % do PIB mundial em 2017, algo em torno de 237 trilhões de dólares, um crescimento de 40 % em dez anos.7
O ponto mais débil dessa estrutura mundial de endividamento sistemático está, evidentemente, nos “mercados emergentes”. O México, de 2007 a 2014, ampliou seu endividamento total em cerca de 30%. A África do Sul ampliou sua dívida em 19%, a Turquia em 28%, o Chile em 35%.8 A Argentina, que tinha reduzido seu endividamento público com o casal Kirchner por meio de moratórias e troca de empréstimos de altos juros por juros baixos, ampliou freneticamente os empréstimos com Macri: aumentou em 20% a dívida pública nacional, principalmente em dólar, o que deixa o país vulnerável.9 Há poucas semanas, um acordo com o FMI de mais 50 bilhões de dólares foi anunciado para cobrir as despesas do Estado. No geral, as dívidas públicas e privadas dos países periféricos estão mais elevadas do que em qualquer momento anterior, superando em muito o momento crítico da “década de perdida” na proporção com o PIB.
No cume de todo o processo entre os “países emergentes” está a China, responsável, segundo o FMI, por 40% do endividamento mundial no período 2007/2014. Tentando contornar o colapso do mercado consumidor norte-americano após a crise do subprime, o “colosso” oriental iniciou um pesado investimento em infraestrutura que ampliou em 85% as dívidas totais do país nesse período. Esse gigantesco conjunto de obras, que alcançou um recorde de investimentos de quase 50 % do PIB em 2012,10 pôde, assim como o crédito farto injetado no mercado financeiro mundial, puxar temporariamente outras economias nacionais emergentes.
Aqui se encontra uma das causas da recente corrida ao dólar. Quando as taxas de juros estavam baixíssimas ou até mesmo negativas, as economias periféricas se endividaram de modo inconsequente, muitas vezes baseadas numa teoria desenvolvimentista requentada, esperando que as infraestruturas criadas pudessem compensar as dívidas contraídas (até então baratas). A maior parte desse investimento foi muito mais voltada aos setores exportadores do que propriamente à criação de mercado interno ou à produção industrial substancial – o que, evidentemente, apesar de todas as aspirações keynesianas e da esquerda, já não fazia sentido frente ao “crescimento sem emprego” (jobless growth) da tecnologia avançada ou pela inútil tentativa de concorrer com baratos produtos industrializados exportados por China, Índia, Coreia etc. Assim, mesmo os menos iludidos com o “neodesenvolvimentismo” e suas ideológicas variações confiavam que os empréstimos poderiam ser saldados com os preços crescentes das commodities exportadas, principalmente tendo por destino a China. Muitos investidores e bancos dos países centrais confiaram nessa perspectiva e começaram a investir em economias frágeis que estavam exportando recursos naturais com “termos de troca apreciados” – até o chamado “renascimento africano” foi fruto ilusório dessa maré de liquidez e integração comercial com a China.11
A queda dos preços internacionais com a desaceleração chinesa, nos últimos cinco anos, lançou todo o resto do mundo, que parecia imune à “marola” de 2007/2008, na lona: a crise atingiu em cheio a periferia do capitalismo e os países exportadores de commodities. A possibilidade de saldar as dívidas contraídas ficou cada vez mais comprometida. Com a alta dos juros de longo prazo nos mercados internacionais (e uma iminente elevação também das taxas de curto e médio prazo nos EUA), o que era uma desaceleração ou recessão econômica começou a se transformar também em severa crise monetária em boa parte do “Terceiro Mundo”. Em poucas semanas, uma acelerada desvalorização de moedas locais frente ao dólar levou a um déjà vu generalizado da década de 1980. Chile, Índia, Rússia e, principalmente, Argentina e Turquia sofreram com uma valorização brusca do dólar, perda de poder de compra de suas moedas no mercado internacional e alta de preços nos produtos sensíveis ao câmbio.
O caso do Brasil não é diferente dos demais. Embora por aqui os idiotizados pelo mercado insistam que a situação monetária é “sólida”, graças a um excedente cambial derivado da exportação desenfreada da última década, a realidade está bem distante disso. A dívida pública brasileira, sem dúvida, não é mais denominada em dólar (apenas 3,6 % do total), resultado de uma progressiva conversão, nos últimos 20 anos, da dívida externa em dívida pública interna.12 Mas passou por um crescimento explosivo nos últimos cinco anos, ampliando cerca de 20 pontos percentuais em relação ao PIB.
O fato de termos uma desvinculação da dívida com o dólar não representa imediatamente uma válvula de segurança diante das instabilidades, pois há formas de correção variáveis nos títulos públicos que estão sob pressão. Os títulos que seguem taxas flutuantes estão sob o risco de variação na política monetária diante da escalada de juros internacionais (esses documentos já correspondem a um terço do total) e os títulos com algum tipo de correção indexada pela inflação podem, num descontrole futuro, vir a tomar parte substancial dos gastos do governo (principalmente com os limites impostos pela PEC do Teto de Gastos sobre as demais rubricas).
Entretanto, ainda que se possa ter uma atitude de Pangloss diante da ascendente dívida pública, é o endividamento privado nacional que explica, em grande medida, a tensão do mercado financeiro brasileiro nos últimos meses. Assim como ocorre com os demais países periféricos, é a dívida externa privada o atual calcanhar da economia brasileira já em ruínas. Aproveitando-se dos juros baixos no mercado de capital internacional, as empresas brasileiras elevaram explosivamente seus contratos em dólar e, no período pós crise do subprime, a dívida externa privada aumentou 130%. A dívida externa total está em torno de 500 bilhões de dólares, a maior parte corporativa.13 Somando tudo, o Brasil já possui pelo menos 150% do PIB em débitos e uma estimativa atualizada deverá indicar algo próximo a 10 trilhões de reais em dívida total, um crescimento de 50% em cerca de dez anos.
Essa situação, que afeta de maneira mais violenta a periferia capitalista, não pode ser simplesmente atribuída a uma dominação financeira mundial por parte das grandes potências ou – numa visão antissemita cada vez mais comum – a uma exploração por parte dos grandes bancos. O explosivo endividamento em todo o mundo, após a crise de 2007/2008, afeta também as instituições financeiras, que sofreram forte elevação de seus passivos em países como França, Itália, Suécia e Holanda. Nações que conseguiram uma redução da dívida do setor financeiro, como a Alemanha ou Estados Unidos, no período, o fizeram graças a uma vergonhosa absorção estatal dos ativos tóxicos privados. Embora a China seja o mais importante dínamo desse processo recente – incluída uma elevação de 41% da dívida dos setores financeiros entre 2007 e 2014, principalmente dos chamados shadow bankings –, ainda são os Estados Unidos os responsáveis pela maior fatia de dívida mundial.
De 2007 a 2014, os Estados Unidos ampliaram sua dívida total em 16%, chegando a 233% do PIB. Trata-se de cerca de 40 trilhões de dólares em obrigações a pagar por parte do governo, empresas e famílias, algo como um quinto de toda a dívida mundial. Para garantir que o Estado superendividado pudesse continuar funcionando, o congresso norte-americano teve que se reunir várias vezes nos últimos anos para elevar a permissão legal de emissão de títulos públicos. Entretanto, o caso mais grave aqui não se refere somente ao nível elevado dos débitos empilhados pelos diversos setores econômicos (mesmo com a redução nos últimos anos, a dívida familiar apenas com cartões de crédito, financiamento de automóveis e crédito universitário chega a quase 3,5 trilhões de dólares).14 Um dos indícios de uma acumulação monetária sem precedentes é o nível de alavancagem dos mercados financeiros, particularmente o mercado imobiliário e as bolsas de valores. Aquilo que os jornais chamam hoje de “retomada” nada mais é do que o efeito combinado de um endividamento histórico, uma alavancagem dos mercados de títulos e uma nova bolha no mercado de imóveis.
Os índices econômicos mais significativos mostram hoje um patamar de alavancagem nas bolsas norte-americanas acima até mesmo do auge de 1929 ou de 2007, muito próximo do nível recorde atingido em dezembro de 1999 (durante a bolha da new economy). Também para o caso dos preços dos imóveis, os níveis nacionais superam os patamares de 2007, quando o declínio abrupto levou ao colapso do setor. Se as bolsas atravessam o segundo período mais inflado da história, o mercado imobiliário dos EUA já adentrou o momento mais crítico, o que significa dizer que no coração do capitalismo mundial está se desenvolvendo não apenas uma crise gigantesca graças ao patamar de endividamento alcançado, mas também um incalculável crash imobiliário e acionário. A crise que se avizinha deve ser uma espécie de síntese monstruosa de todos os grandes colapsos da história.
Evidentemente, não é possível prever uma data exata para este evento. Talvez ele já tenha se iniciado com a crise cambial na periferia do capitalismo, assim como o declínio das moedas virtuais pode indicar o limite dessa capacidade de ficcionalização – o bitcoin desvalorizou 64% em seis meses. Mas é quase certo que as negociações comerciais internacionais estejam adicionando gasolina no incêndio que começa a se alastrar. A bravata protecionista de Donald Trump, com a ameaça de erguer barreiras tarifárias sobre uma série de produtos de países periféricos (Brasil, China, México), assim como o seu recente avanço sobre os aliados europeus e japonês (G7), pode lançar ainda mais capacidade excedente num mercado mundial com problemas de excesso de mercadorias.
Aqui pode se repetir, num contexto muito mais grave, o que ocorreu após a aprovação da Lei Smoot-Hawley em 1930, quando um governo americano desorientado elevou as tarifas de mais de 20 mil produtos importados, levando a uma sistemática retaliação e uma corrida protecionista que aprofundou a depressão ao reduzir ainda mais a circulação de mercadorias em todo o mundo. Mas se isso se realizar, corremos o risco de testemunhar não apenas o agravamento da crise estrutural do capitalismo, mas também uma generalização do curto-circuito monetário, que deve atingir mesmo a moeda mundial.
Até agora, exatamente por sua função de última moeda hegemônica mundial, o dólar foi o ponto de fuga dos investimentos globais. Qualquer crise, não importando a sua origem, levava imediatamente a uma corrida ao dólar, que por isso se fortalecia sobre as demais moedas. Até mesmo a crise do subprime, com epicentro no território norte-americano, provocou uma alta do dólar: o efeito em cascata da crise por todo o globo acabava por promover uma externalização dos riscos financeiros para as demais moedas. Apesar de todos os problemas – assim se comporta a resposta behaviorista do mercado –, o aparato estatal e militar dos EUA deve permanecer de pé mesmo com a derrocada mundial por ele provocada. Com políticas comerciais baseadas na redução do déficit que têm alimentado esse sistema multilateral de endividamento, é possível que esse ponto de fuga também seja destruído.
Desde o rompimento do padrão dólar-ouro na década de 1970, os Estados Unidos encontraram no financiamento externo a ferramenta para a manutenção do seu consumo, também progressivamente dependente do mercado internacional. Em 1972, os EUA entraram no primeiro déficit comercial desde 189315 e a partir daí nunca mais deixaram de apresentá-lo – quase sempre acompanhado anualmente dos déficits fiscal e familiar. Com uma política atual focada na quebra desse mecanismo de sustentação dos déficits e no estreitamento de fornecedores, os Estados Unidos correm o risco de implodir sua débil moeda. O desmonte de um circuito global de financiamento dos déficits norte-americanos eliminará a sustentação de sua própria base monetária. Produzida por uma era de fundamentos econômicos frágeis e agora por uma política destrutiva, a inevitável crise do dólar abrirá um horizonte desconhecido de colapso econômico mundial.
Notas:
1 “A falta de procura como falta de poder de compra na forma do dinheiro não é outra coisa senão o reverso de uma falta de substância do valor dos próprios produtos enquanto mercadorias, ou seja, de uma falta geral de produção de valor”. Robert Kurz, Robert. Dinheiro sem valor: linhas gerais para uma transformação da crítica da economia política (Lisboa: Antígona, 2014), p. 234.
2 Karl Marx. O capital: crítica da economia política, Livro III: o processo global da produção capitalista (São Paulo: Boitempo, 2017, 1986), p. 553.
3 Manuel Esteve. O sistema monetário internacional. Rio de Janeiro: Salvat, 1979, p. 106.
4 Robert Kurz. A crise do valor de troca (Rio de Janeiro: Consequência, 2018), p. 60.
5 O conceito de “mercadorias de segunda ordem” foi desenvolvido por Ernst Lohoff e Norbert Trenkle no livro A Grande Desvalorização (La grande dévalorisation. Pourquoi la spéculation et la dette de l’État ne sont pas les causes de la crise. Paris: Póst-éditions, 2014) e em artigos posteriores, principalmente de Lohoff. Esse conceito tornou-se tema de uma acalorada discussão no âmbito da chamada “crítica do valor”, opondo a interpretação de autores do grupo Exit aos colaboradores da Revista Krisis. Sobre isso ver o comentário crítico de Bernd Czorny. Ernst Lohoff e o individualismo metodológico. Disponível em: http://www.obeco-online.org/bernd_czorny.htm. No Brasil, embora o debate seja desconhecido, a obra de Lohoff e Trenkle foi debatida por Eleutério Prado.
6 Marcos Barreira e Maurilio Botelho, “A implosão do ‘pacto social’ brasileiro”, revista Krisis, 21.06.2016.
7 Alexandre Tanzi, “Global Debt at Record Level”, Bloomberg, 10.04.2018.
8 A compilação de todos esses números, cujas fontes são principalmente o FMI e a consultoria McKinsey, estão disponíveis em: https://www.zerohedge.com/news/2015-02-23/biggest-problem-facing-world-today-9-countries-have-debt-gdp-over-300. Acesso em jun. 2018.
9Dívida externa argentina sobe 35% desde a chegada de Macri”, Frederico Rivas Molina, El País, 5 jan. 2018.
10 Mylène Gaulard. La burbuja inmobiliaria em China. In: Revista Problemas del Desarrollo, 178 (45), julio-septiembre 2014, p. 71.
11 Larry Elliott, “Are we heading for another developing world debt crisis?”, The Guardian, 14 jan. 2018.
12Como a dívida pública do Brasil cresceu. E mudou seu perfil”, Nexo, 03 fev. 2018.
13Dívida privada em dólar cresce 130%”, Estadão, 01 ago. 2015.
14Financiamentos afundam os estudantes nos EUA: dívidas superam 5,9 trilhões de reais”, El País, 8 jun. 2018.
15 Manuel Esteve. O sistema monetário internacional, p. 106.
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Maurilio Lima Botelho é Professor de geografia urbana da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e autor do artigo “Crise urbana no Rio de Janeiro: favelização e empreendedorismo dos pobres” que integra o livro Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida social, organizado por Pedro Rocha de Oliveira e Felipe Brito (Boitempo, 2013), e do artigo “Guerra aos ‘vagabundos’: sobre os fundamentos sociais da militarização em curso”, publicado na revista Margem Esquerda #30. Colabora com o Blog da Boitempo esporádicamente. Dele, leia também, “O suicídio da classe média” e “A aprovação do fim do mundo“, no dossiê “Não à PEC 241”.

terça-feira, 24 de julho de 2018

O “homem branco autoflagelado”

Manuel Loff    24.Jul.18    Outros autores
A questão do “museu dos descobrimentos” suscitou discussão sobre a forma como se descreve e musealiza a experiência colonial portuguesa. É um debate importante, em que neste texto é feita a crítica de duas opiniões reaccionárias entretanto publicadas.
O novo museu celebratório dos Descobrimentos, como Fernando Medina quer (ou queria?) abrir em Lisboa, era, para Miguel Sousa Tavares (MST), “uma ideia absolutamente consensual e necessária”, mas suscitou uma discussão sobre a forma como descrevemos e musealizamos a experiência colonial portuguesa. Ora, entre muitos outros, dois Tavares (o Miguel Sousa e o João Miguel) acham que os “activistas anti-Descobertas” querem “fazer uma espécie de museu de autoflagelação (…), um museu contra a nossa História, contra uma História que foi tão grandiosa que, se calhar por isso mesmo, nem a conseguimos entender, na nossa pequenez actual” (MST, Expresso, 28.4.2018). Ao reaccionarismo historicista de MST, João Miguel Tavares (JMT) juntou moralismo e psicologismo barato: na crítica ao discurso hegemónico sobre aquela “história grandiosa” carregada de silêncios e omissões sobre a violência colonial, há, diz ele, “uma estranha mistura de catolicismo com judaísmo” de gente que quer “assumir velhos pecados” (JMT, PÚBLICO, 14.6.2018). A isto chamam os anglo-saxónicos “self-hatred”, o ódio de si próprio, de que fala gente da mesma tribo dos Tavares a propósito dos judeus que criticam a ocupação israelita da Palestina, ou dos homens que denunciam a dominação masculina, ou dos ocidentais que criticam o papel histórico do Ocidente, isto é, de tudo aquilo que o reaccionarismo cultural diz hoje ser uma “moda” estrangeirada adoptada por uma “intelligentsia ociosa” nacional.
“Museu da Culpa do Homem Branco”, chama-lhe JMT, onde “homens brancos” querem, pelos vistos, musealizar a sua culpa. Eles carregam uma “culpa colectiva centenária (…) – como se algum de nós tivesse qualquer razão para se sentir responsável pelos actos de quem viveu há 300 anos”. Que espantosa concepção da história e da relevância social do passado! Não havendo responsáveis vivos, para quê discutir o passado do colonialismo e da violência, da exploração e da desigualdade imposta, todas experiências intrínsecas do colonialismo? Ora se “é difícil argumentar que a geração pós-25 de Abril andou de chicote na mão”, se se volta a discutir tudo isto é porque se quer “permitir a vitimização histórica do português de origem africana no presente.” Como se “o branco de 2018 [fosse] culpado pelos actos do esclavagista de 1718 para que o negro de 2018 possa ser vítima da escravatura de 1718.” Vítima de 1718? Não: vítima em 2018! “Cultivar a ‘magia’ da época colonial alimenta o racismo histórico e estrutural e prolonga as hierarquias de controlo e repressão para com as comunidades negras no país”, como lembraram “os negros e negras deste país” que, “recusando a invisibilidade que nos é imposta”, entraram na polémica em nome próprio (“Não a um museu contra nós!”, PÚBLICO, 22.6.2018).
O que é extraordinário é que JMT julgue que, porque nenhum de nós foi esclavagista em 1718, se possa deduzir que 300 anos sejam suficientes para apagar conceitos como o da continuidade da responsabilidade do Estado, ou da acumulação de riqueza colonial vertida na economia portuguesa, ou do simples dever de, nas políticas públicas de memória (por exemplo, os museus), assumir o passado por inteiro, e sobretudo aquele que se ocultou e manipulou. E se tiverem passado só 65 anos? E se houver ainda algum português de hoje que tenha participado no massacre de são-tomenses em Batepá, em 1953, quando se revoltaram contra o trabalho forçado e o governador achou que eles eram agentes soviéticos – podemos musealizar essa história ou é autoflagelação? E se houver ainda quem, barriga cheia de cerveja, tenha feito tiro ao alvo de cima de carrinhas de caixa aberta, em 1961, nos musseques de Luanda depois da revolta do 4 de Fevereiro? Ou tenha integrado milícias no Norte de Angola, em 1961, enquanto a tropa não chegava de Portugal, e organizou batidas contra suspeitos de apoiar o “terrorismo”, matou milhares, enterrou gente viva com a cabeça de fora, passou com um tractor por cima, espetou cabeças em paus ao longo da picada por onde depois chegaria a tropa – podemos musealizar isso ou o turista não gosta? E não haverá ainda quem tenha feito a guerra em tropas especiais e massacrado deliberadamente aldeias inteiras em Moçambique, em nome e por ordem de quem governava Portugal? “A geração do pós-25 de Abril”, nada tem a dizer sobre isto? Ou este é, como acha MST, “um problema deles”, de quem anda a exigir falar da violência colonial, “mas não pode ser problema dos outros”, isto é, “deste pequeníssimo povo, entalado entre o fim da Europa e o mar, [que] escolheu o mar como destino”?
Fonte: “Publico” 21.07.2018

in O Diário info

segunda-feira, 23 de julho de 2018

OPINIÃO

    O país estaciona para férias. Uma minoria goza-as milionárias. Extorquiu a mais-valia e pagou salários mínimos. O desemprego baixou realmente, mas em grandíssima parte com empregos precaríssimos e salários mínimos. O investimento público pouco acima do zero não estimulou a economia privada. A dívida pública e privada (sobretudo esta) continua na estratosfera. As expectativas e a confiança no consumidor vão baixando depois de um pico. Apesar disto, ou por via disto, a tendência da taxa de lucro médio não parece descair para níveis que perturbem demasiado o médio e grande capital. Pelo menos é o que indicia a ausência de ofensivas políticas da direita contra este governo. Tanto mais que este governo parece haver descolado dos compromissos com a esquerda (violou-os com o BE acerca da redução da precariedade e esteve a marimbar-se para o PCP acerca das leis contra os trabalhadores). A distribuição da riqueza produzida continua completamente desfavorável para as classes e camadas trabalhadoras ou assalariadas. 
No entanto, o PS necessita do apoio parlamentar do PCP e do BE para aprovação final do OE. Vamos a ver se sim, se senão. Santos Silva (o tacticista), Centeno e o Primeiro disfarçam muito mal a simpatia que Rui Rio lhe suscita, ou seja, aquela atracção pelo PSD que sempre motivou o PS. O PS em rigor, ou em verdade, nunca foi social-democrata (tirando alguns militantes que o foram e são). O PS português foi sempre à semelhança do PS italiano, com excepção da descarada corrupção mafiosa que atirou este para o charco (e para a choldra); semelhante ao PASOC grego e, no essencial, ao PSOE espanhol. Ou seja, a social-democracia reformista tem sido um mito que ela mesma alimentou e que alguns marxistas (bastantes) cultivaram.
Foram importantes os benefícios que esta solução governativa trouxe para muitas famílias de trabalhadores portugueses, por mérito do PCP e do BE. Vamos a ver se tal se reflecte para bem destes dois partidos nas próximas eleições. As sondagens, todas elas, embora indiquem apenas o instante em que são feitas, perspectivam resultados muito pouco animadores. Provavelmente já esta solução governativa, com amplas vantagens para o PS, mostrou sinas inquietantes nas últimas eleições autárquicas. 
Desde a primeira hora que sou a favor desta solução. A verdade, porém, é que se há ou houver dilema não está a ser nem será para o PS...

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Centenário do nascimento de Armando de Castro (1918-2018)

Armando de Castro é uma figura de cidadão, intelectual e ser humano exemplar, e de homens e mulheres exemplares se faz não apenas a memória do passado, mas também a sementeira do futuro.
https://www.abrilabril.pt/sites/default/files/styles/jumbo1200x630/public/assets/img/7764.jpg?itok=GUjXTKAo
Sessão de homenagem a Armando de Castro. Intervenção do homenageado.
Sessão de homenagem a Armando de Castro. Intervenção do homenageado.CréditosFonte: Avante!
A geração de intelectuais que fizeram vinte anos nos anos trinta do século XX, influenciada pela revolução soviética e entusiasmada pelo marxismo, formou uma plêiade de quadros revolucionários que aliaram a distinção nas ciências e nas artes à acção cívica consequente, com a qual contribuíram para o fim da ditadura fascista e, após o derrube da mesma, para a construção do regime democrático do Portugal de Abril.
De um desses intelectuais, que não apenas se distinguiu perante os seus contemporâneos como deixou uma profunda marca, tanto nas novas gerações que ainda puderam conhecê-lo como nas novíssimas que o vieram a estudar mais tarde, celebra-se neste mês de Julho de 2018 o centenário do seu nascimento: Armando Fernandes de Morais e Castro.

Uma vida

Nascido a 18 de Julho de 1918 e falecido em 1999, a 16 de Junho, Armando de Castro (como ficou conhecido na vida política e académica), advogado, economista, historiador, investigador, e professor universitário, foi um intelectual prestigiado, humanista de vasta cultura e um destacado oposicionista portuense.
Licenciou-se em Ciências Jurídicas (1941) e em Ciências Político-Económicas (1942) pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Após terminar a primeira licenciatura já integrava, como bolseiro do Instituto para a Alta Cultura, o centro de investigação económica da Universidade de Coimbra. Porém, terminada a bolsa, «viu-se compelido a regressar ao Porto para durante décadas exercer a advocacia e o publicismo como modo de sobrevivência e como suporte da actividade que constituiu a sua verdadeira vocação e paixão: a investigação científica»1.
Em 1965, a Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu à sua obra o Grande Prémio Nacional de Ensaio.
Por razões exclusivamente políticas viu-se impedido de prosseguir a carreira académica, pelo que se viu obrigado a exercer a advocacia até à queda da ditadura ocorrida na Revolução dos Cravos.
«Advogar nas condições trágicas que era ter sempre o mínimo de trabalho possível para poder continuar as minhas investigações. Às vezes descia abaixo desse mínimo e tinha problemas de subsistência económica. Isto foi assim durante mais de trinta anos. Às vezes não tinha dinheiro para pagar a renda da casa. Quando tinha mais um bocado que fazer vivia amargurado, porque não tinha tempo para os meus trabalhos»
Armando de Castro
A partir de 1974 foi professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, presidindo ao Conselho Directivo dessa instituição até ao limite de idade, em 1988.
Os seus estudos históricos e económicos dedicaram-se à compreensão da realidade portuguesa e ao contexto internacional da mesma, apesar de durante muitos anos lhe ter sido vedado o acesso às bibliotecas das faculdades.
Armando de Castro dedicou-se à Economia Política (teórica e aplicada), à História do Pensamento Económico, à Epistemologia e Gnoseologia. No que diz respeito à Economia Política dedicou-se aos seus fundamentos teóricos, tratando de assuntos como a teoria do valor e a inflação.

De uma casa na resistência à resistência na praça pública

Armando de Castro cresceu numa família de resistentes, qualquer deles a merecer lembrança e biografia. O pai, Amílcar de Castro (n. 1896), foi um denodado oposicionista ao regime fascista, preso onze vezes durante a ditadura. A mãe, Irene de Castro (1895 – 1975)2, foi uma das dirigentes da Associação Feminina Portuguesa para a Paz e sua última presidente. Seu irmão Raul de Castro (1921 – 2004), advogado, foi defensor de presos políticos e também ele uma figura grada da oposição democrática no Porto.
Irene de Castro, mãe de Armando de Castro. CréditosFonte: Antifascistas na Resistência /
A adolescência de Armando de Castro faz-se no período violento de implantação do fascismo em Portugal, o qual tem impacto no seu núcleo familiar. Em conferência proferida na Universidade Popular do Porto, em 1983, num ciclo comemorativo do centenário da morte de Karl Marx3 o autor recorda «um movimento popular contra a ditadura» no Porto, no dia 1.º de Maio de 1931, em que se empenhou seu pai, «antifascista tenaz». Armando de Castro tinha apenas 13 anos mas, poucos anos decorridos, «em meados dos anos 30», então aluno do Liceu Rodrigues de Freitas, já conhece a «feroz repressão» do regime, ao integrar os «estudantes democratas e antifascistas» que lutam «contra a proibição das associações académicas com direcções livremente eleitas», luta que continuou a «acompanhar activamente no primeiro ano universitário de Coimbra, em 1936-1937».
É «por volta de 1937», reconhece, que adere ao Partido Comunista Português, «pela mão do indefectível combatente que foi José Augusto da Silva Martins». Estava perto de fazer vinte anos e bem poderiam aplicar-se-lhe as radicais palavras de revolta, escritas nos anos 30 pelo jovem escritor Paul Nizan e que viriam a ser retomadas pela geração de 1968: «Tinha vinte anos. Não deixaria ninguém dizer que eram os melhores anos da vida»4.

Anos de universidade, anos de formação política

Armando de Castro participa nos «esforços no sentido de expressão legal do pensamento marxista», sobretudo através do jornal O Diabo e das revistas Sol Nascente, Pensamento (até 1940) e Vértice (a partir de 1942), tribunas dessa e de «outras formações doutrinais e ideológicas», tendo como adversário comum «o obscurantismo fascista». É um dos obreiros desse «salto qualitativo no que respeita à presença do pensamento marxista em Portugal» que, «desde cerca de 1939-1940», ainda que «muitíssimo limitado, por condições diversas, de que sobressai naturalmente a repressão fascista» irá dar lugar às «primeiras manifestações de criação estética a que não é alheia a visão marxista do mundo» e favorecer «uma produção intelectual original guiada pelo pensamento marxista»5.
Note-se que isto se passa no contexto difícil da aparentemente vitoriosa caminhada nazi para o seu ambicionado domínio do mundo. Na União Soviética, apesar de os exércitos alemães defrontarem uma resistência como não tinham encontrado antes, a mancha da «peste castanha» alastra no mapa, sitia completamente Leninegrado, para às portas de Moscovo mas prossegue a partir da Ucrânia para o norte do Cáucaso e em direcção a Estalinegrado, nas margens do Volga. Por toda a Europa os regimes fascistas e os gauleiters nos países ocupados redobram a opressão para dobrar a cerviz dos povos. Portugal não é diferente e aqueles que nesses tempos sombrios lançam as mãos à obra da resistência sabem os riscos que correm.
Armando de Castro, s/data. CréditosFonte: arquivo jornal Avante! /
Para ultrapassar a repressão contra a cultura, cujo primeiro patamar é o gabinete do censor e o seguinte os cárceres do regime e a tortura, os autores têm de utilizar pseudónimos. Entre 1940 e 1946 Armando de Castro utilizou «pelo menos uns cinco» – mas foram mais, estes são aqueles que conseguiu recordar, em tempos de repressão não se anotam pseudónimos em papéis para memória futura: foi Bruno de Morais nas revistas Pensamento e Regeneração e em O Comércio da Póvoa de Varzim; Pedro Araújo n’O Diabo e na Tribuna Literária; Evaristo Nunes no suplemento Margem; Vasco Sampaio na revista Síntese e Afonso Neves de Jesus na Via Latina. A derrota do fascismo em 1945 e a explosão do movimento democrático colocam o fascismo português à defesa. O recurso a pseudónimos foi abandonado – ou quase: o autor teve pelo menos que recorrer a «esta ocultação intelectual num texto acerca das relações entre salários e preços publicado na revista Vértice em Janeiro de 1947 (Álvaro da Costa Júnior)».6. Parafraseando o título de um autor estimado pela geração revolucionária dos anos 30, Nikolai Ostrovsky, «assim foi temperado o aço».

Uma vocação de investigador contrariada pelo fascismo luso

A bolsa, que já referimos, atribuída a Armando de Castro para integrar – mesmo antes de concluir a licenciatura em Ciências Político-Económicas – o centro de investigação económica dirigido pelo Professor Teixeira Ribeiro (seu antigo professor de Economia), indicia o apreço em que o jovem investigador era tido e o futuro brilhante que lhe estava reservado como académico.
Tal não veio a acontecer. Em 1943 «viu-se compelido a regressar ao Porto para durante décadas exercer a advocacia e o publicismo como modo de sobrevivência e como suporte da actividade que constituiu a sua verdadeira vocação e paixão: a investigação científica»7.
Apenas no fim do regime teve, episodicamente, a possibilidade de leccionar no ensino universitário oficial. Foi entre 1970 e 1973, quando regeu a disciplina de Introdução às Ciências Humanas no Instituto Superior de Psicologia Aplicada mas acabou por ser vetado pela PIDE, através de um «parecer desfavorável» face ao currículo e programa das cadeiras.
O seu esforço de investigação foi conduzido «em condições inenarráveis»8. Em carta de 1987 dirigida ao Reitor da Universidade do Porto dá conta, em termos pungentes, do seu sofrimento e dilema: «só tinha uma solução profissional, que era advogar. Advogar nas condições trágicas que era ter sempre o mínimo de trabalho possível para poder continuar as minhas investigações. Às vezes descia abaixo desse mínimo e tinha problemas de subsistência económica. Isto foi assim durante mais de trinta anos. Às vezes não tinha dinheiro para pagar a renda da casa. Quando tinha mais um bocado que fazer vivia amargurado, porque não tinha tempo para os meus trabalhos»9.
Trabalhou longo tempo «em rigoroso auto-didactismo, sem suporte universitário e com limitado acesso aos arquivos nacionais e às fontes bibliográficas estrangeiras». Ainda assim, «produziu uma extensa e variada obra no âmbito da economia, da história económica, da história do pensamento económico e da epistemologia, com apreciável originalidade no plano da construção teórica como no da investigação aplicada». Carlos Bastien, que à obra de Armando de Castro dedicou a sua atenção, refere ainda: «embora recebendo um importante estímulo da literatura marxista a que foi tendo acesso irregular a partir do início dos anos 40 — terá sido um dos raros economistas portugueses a ler O Capital nesses anos —, revelou-se mais um pensador preocupado com a indagação do concreto português que um exegeta ou divulgador de Marx10.
Em 1965 a Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu à sua obra o Grande Prémio Nacional de Ensaio.

Na oposição democrática, uma intervenção firme e constante

A participação destacada na actividade da oposição democrática ao regime fascista é uma constante da actividade cívica de Armando de Castro. Desde os anos 40 participa no Movimento de Unidade Democrática e, nas comemorações do 31 de Janeiro no Porto, em 1947, é violentamente agredido pela polícia, juntamente com seu irmão, Raul de Castro11.
Subscreveu os pedidos de admissão das candidaturas à Presidência da República de Ruy Luís Gomes (1951) e de Arlindo Vicente (1958). Entre outros documentos, subscreveu nos anos 60 diversos manifestos da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Em Maio de 1971 integrou em Maio de 1971 a Comissão Nacional Contra a Censura e a Comissão Nacional de Defesa da Liberdade de Expressão.
Participou e apresentou comunicações nos três congressos da oposição democrática realizados em 1957, 1969 e 1973 na cidade de Aveiro, em todos tendo apresentado teses.
Em 1969 foi candidato pela Comissão Democrática Eleitoral (CDE) do Porto.
Como advogado, defendeu nos Tribunais Plenários numerosos réus acusados de crimes políticos, entre os quais Ruy Luís Gomes, Óscar Lopes e Agostinho Neto, futuro presidente de Angola. Fez parte do grupo de destacados advogados que enfrentou os tribunais fascistas na defesa de 52 jovens do MUD Juvenil (1955/1957). Em Março de 1957, foi um dos 72 advogados de Lisboa e do Porto que assinaram uma representação ao ministro da Presidência pedindo um «inquérito à PIDE». Emitiu pareceres sobre a Proposta de Revisão do Contrato Colectivo de Trabalho dos Metalúrgicos em 1971 e sobre a Revisão do Contrato Colectivo dos Empregados Bancários em 197312.

Uma vasta obra: brevíssimo apontamento

A vasta obra de Armando de Castro compreende largas dezenas de livros e centenas de artigos publicados sob o seu nome13, não cabendo aqui a sua referência na íntegra.
Cumpre apenas assinalar, entre tantas, aquelas que são as suas obras mais significativas, que permanecem marcos da produção científica e intelectual em Portugal: A Evolução Económica em Portugal nos Séculos XII a XV, 1964-1970, nove volumes, seguido do 10.º Limiar, 1975, e do 11.º, Caminho, 1980; A Teoria do Conhecimento Científico, obra projectada para 16 volumes, dos quais oito foram escritos e apenas cinco publicados pela Limiar, Afrontamento e Instituto Piaget; Histórica Económica de Portugal (em 4 volumes), Editorial Caminho; Estudos de Economia Teórica e Aplicada, Seara Nova; A Revolução Industrial em Portugal no Século XIX, Edições 70.

Finalmente a liberdade: o professor e o cidadão

Armando de Castro teve a felicidade de ver o derrube do fascismo e a chegada da democracia. Com o 25 de Abril viu o seu trabalho reconhecido. Pode então ingressar na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, tendo sido convidado para professor e director da instituição «na sequência de uma “Assembleia Magna com 2000 alunos e muitos professores e que, com apenas 8 votos contra”, aprovou a decisão, a que se seguiu o processo da sua nomeação para professor catedrático»14.
«Dedicou-se intensamente ao ensino e à vida académica, empenhando-se na dinamização do Grupo de Ciências Sociais da Faculdade, tendo proferido 14 anos depois, em Outubro de 1988, a «oração de sapiência» sobre a A Universidade, a explosão cientifico-tecnológica contemporânea e as necessidades sociais, tema que hoje nos é apresentado como a última modernidade do avanço da técnica e da ciência».
Armando de Castro intervém na conferência «Não ao Mercado Comum», 1980
Não abrandou, porém, a sua intervenção cívica. Armando de Castro foi candidato «em sucessivas eleições autárquicas, legislativas e ao Parlamento Europeu», tendo participado em diversas iniciativas de solidariedade Internacionalista, com o Povo do Chile (Setembro de 1974) ou com os Povos de El Salvador, Nicarágua e Cuba (Outubro de 1982). Foi eleito para a direcção do Sector Intelectual do Porto do PCP logo na primeira Assembleia de Organização deste.
Em 1989 foi homenageado pelo Sindicato de Professores do Norte, iniciativa a que se juntaram alguns dos maiores intelectuais e individualidades portuguesas. Mesmo quem não perfilhava das ideias e visão da sociedade e do projecto transformador que defendia, não lhe deixavam de reconhecer os méritos de investigador, professor e homem que cativava pela simplicidade e sabedoria.15.
Nas palavras do seu amigo Óscar Lopes, Armando de Castro «deixa, na lembrança de quantos o conheceram, a imagem de um incomparável amigo, sempre atento, sempre disponível, e tão incapaz da mera verrina de endereço pessoalista, como discretamente irónico, e desprendido do valor das suas próprias intervenções16

Uma justa homenagem, na sua cidade

O Porto assinala a passagem do centenário do nascimento de Armando de Castro com uma exposição, Armando de Castro - um legado que perdura, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, que aí permanecerá até 14 de Agosto de 2018. No passado sábado, 14 de Julho, uma sessão evocativa, contando com um momento cultural pelo trio Música com Paredes de Vidro (Fausto Neves, Hugo Brito e Manuel Pires da Rocha)17, marcou a abertura da exposição. Nada mais natural, no ano em que se celebra o bicentenário de Marx, que celebrar um dos destacados investigadores marxistas do século XX português – «profundo conhecedor do marxismo», diz dele Carlos Pimenta18.
Mas, sobretudo, nada mais natural porque Armando de Castro é uma figura de cidadão, intelectual e ser humano exemplar, e porque de homens e mulheres exemplares se faz não apenas a memória do passado, mas também a sementeira do futuro.
  • 1. Carlos Bastien, «A obra económica de Armando de Castro», em Boletim de Ciências Económicas, XLV (2002), Universidade de Coimbra.
  • 2. Ver «Irene Castro (1895 – 1975)», em Antifascistas da Resistência.
  • 3. Armando de Castro. «Para a história do pensamento marxista em Portugal». O texto viria a ser publicado em O marxismo no limiar do ano 2000, Editorial Caminho, 1985. Encontra-se em linha no sítio da revista electrónica Comuneiro.
  • 4. «J'avais vingt ans. Je ne laisserai personne dire que c'est le plus bel âge de la vie». Paul Nizan, Aden-Arabie, Éditions Rieder, 1931. A primeira publicação da obra foi na revista Europe, 93-94-95, respectivamente de 15 de Setembro, 15 de Outubro e 15 de Novembro de 1930. O texto original pode ser acedido aqui.
  • 5. Armando de Castro, ibidem.
  • 6. Idem. Ibidem.
  • 7. Carlos Bastien, ibidem.
  • 8. José Madureira Pinto, «Armando de Castro – Uma obra inesgotável», Diagonal, Sector Intelectual do Porto do PCP, Julho de 1997, nº2. Apud Daniel Vieira, «Armando de Castro (1918-2018)», em Avante!, 12 de Julho de 2018
  • 9. Armando Fernandes de Morais e Castro. Carta ao Reitor da Universidade do Porto. Porto, 1987. Arquivo da DORP do PCP. Apud Daniel Vieira, ibidem.
  • 10. Carlos Bastien, ibidem.
  • 11. Daniel Vieira, ibidem.
  • 12. Ver «Armando de Castro 1918-1999», em Antifascistas da Resistência, e Daniel Vieira, ibidem.
  • 13. Já vimos como, ao longo do fascismo, publicou sob pseudónimo sempre que tal se tornou necessário.
  • 14. Daniel Vieira, ibidem.
  • 15. Daniel Vieira, ibidem.
  • 16. Óscar Lopes, em Avante!, 24 de Junho de 1999.
  • 17. Uma actuação do trio pode ser vista e ouvida aqui.
  • 18. Carlos Pimenta, «A obra de Armando Castro»

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