“Não
vale a pena o PS enfeitar-se com alguns dos avanços que foram
alcançados nestes três anos”, afirmou o secretário geral do PCP.
O
secretário geral do PCP, Jerónimo de Sousa, afirmou este sábado que o
país precisa de “uma outra política e de um outro Governo”, acusando o
PS de estar “amarrado às opções da política de direita”.
“Não vale
a pena o PS enfeitar-se com alguns dos avanços que foram alcançados
nestes três anos. Avançou-se, porque o PS não tinha os votos para
sozinho impor a política que sempre, ao longo de quatro décadas, fez
sozinho ou com o PSD e o CDS”, afirmou o líder comunista.
Jerónimo
de Sousa, que falava esta tarde durante um comício no concelho de
Loures, defendeu a ideia de que “é preciso e possível ir mais longe” nas
políticas que ponham o país a crescer, mas acusou o Governo PS de estar
“submetido às imposições da União Europeia”.
“Do
PSD e do CDS só há a esperar retrocesso social e económico, liquidação
de direitos, saque de salários e rendimentos e, da parte do PS, o que se
sabe poder contar é com as mesmas opções que, no fundamental, têm
amarrado o país às imposições externas, impedindo a resposta plena aos
problemas nacionais”, apontou.
Nesse sentido, o líder comunista
pediu que “não se diga que não há governo de esquerda sem o PS”, uma vez
que “sempre que o PS foi Governo o que houve foi política de direita”.
Durante
o seu discurso, Jerónimo de Sousa afirmou ainda que entre os “objetivos
mais imediatos” da ação política do partido está a “revogação das
normas da legislação laboral e o aumento geral dos salários”.
Outra
das questões abordadas pelo líder comunista foi a necessidade de o
Governo investir na melhoria da oferta dos transportes públicos, que,
segundo Jerónimo de Sousa, se “degradou nos últimos anos”.
Neste comício participou também o presidente da Câmara Municipal de Loures, Bernardino Soares.
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segunda-feira, 24 de setembro de 2018
Naomi Klein: “O futuro é radical, no aspecto ambiental e no político”
Em seu novo livro, jornalista canadense chama população à luta: da jurídica à das ruas e fábricas
Como numa apocalíptica versão da Cinderela, o relógio do colapso
ambiental se aproxima de meia-noite. E, como as elites não se podem dar
ao luxo de levar a sério a mudança climática, pois isso “equivale a
reconhecer o fim do projeto neoliberal”, o resto da sociedade precisa
agir imediatamente. Isso para não falar da chegada de Trump à presidência dos EUA. Não Basta Dizer Não (Bertrand Brasil) foi a maneira como a jornalista e ativista Naomi Klein
(Montreal, 1970) formulou a situação em formato de livro: trocando os
prestigiosos tomos ultra-analíticos e com profusão de notas (como nas obras Sem Logo; A Doutrina do Choque…) por um manifesto urgente que chama à mobilização e à luta: da jurídica à das ruas e fábricas. Pergunta.
Desde 2008 vivemos uma brutal desconstrução da esfera pública, a perda
de segurança trabalhista e ambiental, desemprego (especialmente o
juvenil) muito alto. Mas parece que a trajetória contestadora que havia
em 2011 se truncou. As pessoas se convenceram de que o sistema está tão
corrompido que já não há mais nada a fazer, e de que o desastre
climático é inevitável? Resposta. Sem dúvida, uma das grandes batalhas hoje é lutar contra esse sentimento de que o colapso é irreversível; não ajuda nada esse boom da ficção distópica,
com colapso econômico e oligarquias de ricos que têm segurança,
espiões, leis e países quase próprios. Trump é a distopia feita
realidade, por isso nos EUA pode haver certo sentimento de complacência dessas elites e de resignação entre o resto; mas muita gente luta contra isso. P. Uma ideia transversal de seu novo livro é que
está ocorrendo um separatismo psicológico das pessoas: uma parte da
sociedade mais rica ignora a outra, a ponto de criar zonas verdes, com
gente que pode pagar até segurança ou bombeiros privados, e zonas
vermelhas, com gente que tem cada vez menos proteção pública. A
sociedade hoje está menos democrática e solidária? R. Sim, temo que seja menos democrática, mas é fruto da desigualdade que as pessoas veem ao seu redor. Os ricos acreditam que poderão se proteger sozinhos do impacto ambiental gerado pelo neocapitalismo
selvagem. Há uma guerra contra a democracia porque o sistema, cada vez
mais, está construído para servir às elites, e isso se choca com a
democracia real, porque há muito mais gente com menos proteção... Tudo
isto desestimula as pessoas de votarem: foram 90 milhões de
norte-americanos que não foram às urnas nas últimas eleições.
Uma das grandes batalhas hoje é lutar contra esse sentimento de
que o colapso é irreversível; não ajuda nada esse boom da ficção
distópica. Trump é a distopia feita realidade
P. E essa abstenção? R. Boa parte foram simpatizantes democratas,
que não viram em seu partido uma alternativa real, tinham pouco a
propor aos que sofrem; foram os democratas que perderam essas eleições
com suas falsas soluções. P. Deduz-se pelo livro também a debilidade da
liderança da esquerda: Hillary Clinton não aceitou o salário mínimo de
15 dólares por hora; diz que Obama perdeu em 2008 uma grande
oportunidade com a crise bancária… Você está pedindo mais radicalismo
aos dirigentes de esquerda? R.Hillary não é de esquerda, ela é o paradigma do colapso do centro político; Bill foi o paladino da desregulação financeira e apoiou o NAFTA: os Clinton são o símbolo do crescente descolamento dos democratas de suas bases… Alexis Tsipras,
na Grécia, demonstrou que suas propostas eram insuficientes, não era o
que as pessoas esperavam… Necessitamos soluções à altura da crise atual,
não se pode continuar com a lógica dos anos 90; já há líderes que
começam a perceber. P. Por exemplo… R.Jeremy Corbyn:
o próprio Partido Trabalhista [britânico] vazou seu manifesto eleitoral
porque, por ser radical, achavam que o destruiria, que seria o bilhete
de suicídio mais longo da História, e acabou que quase o levou à
vitória... É mais um exemplo da desconexão entre os partidos e o
sentimento popular: as pessoas adoraram porque viram ali um sim, além de
um não. P. Seria melhor propor a inclusão desses conteúdos
no programa dos partidos ou criar novos, como o Podemos, a CUP ou o Em
Comum da Catalunha?
O neoliberalismo, como construção intelectual, está superado desde
2008: vendia-se como uma utopia mundial, a famosa aldeia global, lembra?
Todos aqueles ideólogos hoje já se foram para os paraísos fiscais.
R. A gênese do Podemos
era atraente porque parecia uma estrutura política mais porosa para que
a liderança fosse assumindo iniciativas provenientes das bases… O
problema é que hoje não há partidos políticos em sintonia com o que está
acontecendo e não podemos mais esperar para mapear a situação e tomar
medidas; ou os partidos se democratizam ou a democracia passará e isso
se dará fora do processo político. Insisto: Corbin está democratizando
um dos partidos mais antigos do mundo… Por outro lado, em sistemas sem
representação proporcional, com dois ou três partidos predominantes, é
difícil surgirem novas legendas porque tampouco se trata de dividir mais
o voto progressista e perpetuar à direita: trata-se de criar
insurgências internas que façam os partidos seguirem mais as bases e
serem mais democráticos. P. Em pelo menos dois trechos, o livro incentiva
greves, manifestações e batalhas judiciais. Não teme uma radicalização
da sociedade com essas estratégias? R. É verdade que pode haver essa radicalização, e nos Estados Unidos ainda é mais polêmico porque se trata de uma sociedade muito armada, normalmente mais à direita, mas destaco a importância das manifestações
porque quanto maior e mais ampla for a resistência, menos vulnerável
ela será à força extrema do Estado. E quanto mais diversas e plurais
forem essas manifestações, melhor: se só os mais marginalizados se
manifestarem se exercerá uma força concentrada sobre eles; se for uma
amostra muito transversal da sociedade – incluindo a classe média, os
brancos – haverá menos repressão… Não se trata de radicalizar a
sociedade, mas também não tenho medo disso: as pessoas têm que sentir o
poder de que existe cada vez mais gente do seu lado. Mas nunca se pode
considerar nem confundir manifestação com estratégia política P. Você diz no livro que “qualquer crise tumultuosa
pode servir para impor uma situação de choque à população”. O processo
separatista da Catalunha pode ser lido em um contexto assim? R. Sou do Quebec e defendo a autodeterminação; vejo a atuação do presidente Rajoy como o paradigma da doutrina do choque:
a resposta do Governo espanhol me parece incendiária, um ataque à
democracia; não é aceitável sua resposta, nem a da União Europeia; a aplicação do artigo
155 deveria ser retirada; não se pode rebater um movimento não violento
com a violência que houve em 1º de outubro ou prendendo um Governo,
acho que isso seria inimaginável no Quebec… a estratégia de Rajoy é de
choque deliberado, como a de Trump: proíbe-se tudo para agravar o
ambiente de crise e, assim, desviar o foco de seus cortes na saúde ou
nas reformas tributárias; facilitar as transferências das sedes de
empresas catalãs é parte da guerra econômica, é uma armadilha antiga… P. Você pede para combater o militarismo e as
corporações empresariais, mas também os “nacionalismos crescentes”. Por
outro lado, elogia as nações indígenas que sempre defenderam a natureza e
é a favor da autodeterminação dos povos… R. Sou contra o nacionalismo chovinista, cujas forças costumam se sustentar nas já criadas pelas oligarquias… O crescimento dos movimentos pró-independência
mundo afora não deixa de ser uma resposta à perda de controle sobre
temas fundamentais da vida; dependendo de como se aplica, pode até ser
uma resposta do poder local à profunda crise da democracia atual.
Necessitamos soluções à altura da crise atual, não se pode continuar
com a lógica dos anos 90; já há líderes que começam a perceber, como o
trabalhista Jeremy Corbyn: as pessoas adoraram porque viram ali um sim,
além de um não.
P. Uma declaração de guerra contra a Coreia do Norte
por parte de Trump poderia ser a desculpa perfeita para implementar um
estado de choque de emergência nos EUA? R. Aí Trump sabe que pode fazer um dano gravíssimo
porque detém, sozinho, o poder de uma decisão como essa: não precisa de
aprovação nem do Congresso nem de seu próprio Governo… Não acredito que
acabe tomando essa decisão, mas a mera existência dessa possibilidade já
é inaceitável. Preocupa-me o fato de que, em cada viagem ao exterior,
ele se comporta como um viajante de armas e não como diplomata; veja
bem: foi assim na Arábia Saudita, na própria OTAN, no Japão… P. Você escreve que o “encanto do neoliberalismo acabou”. Está certa disso? R. Como projeto ideológico, como construção intelectual, está superado desde 2008: vendia-se como uma utopia mundial, a famosa aldeia global,
lembra? Todos aqueles ideólogos hoje já se foram para os paraísos
fiscais. E neste vazio, o perigo é a criação de forças perigosas, quase
fascistas, na direita, enquanto, na parte progressista, as forças não
crescem com rapidez suficiente. P. Mais uma vez, a potencial polarização da sociedade… R. Sim, existe esse perigo de polarização, por isso chamei meu último livro Isso Muda Tudo.
O futuro é radical, de uma forma ou de outra: radical no aspecto
físico, no ambiental, e deverá ser também no político porque a
continuidade não será capaz de nos tirar desta situação. Surgiram muitas
crises de forma simultânea.
Donald
Trump ha lanzado esta semana aranceles por valor de 200.000 millones de
dólares contra productos chinos que se suman a anteriores medidas. No
tiene que ver con aluminio, ni coches, ni acero, como ocurre con Europa,
sino que hay que leerlo como una exigencia de que China renuncie a su
ascenso al estatus de gran potencia. Y esa exigencia está respaldada
militarmente. Es decir, la guerra comercial que Washington ha declarado
tiene grandes posibilidades de ser un prolegómeno de una guerra
propiamente dicha, una guerra militar. Veamos por qué.
La
política china está ganando peso y prestigio en el mundo desde
cualquier punto de vista con su llamada “Nueva ruta de la seda” (Belt and Road Initiative). Los desórdenes delpresidente broncascolocan
a Xi Jinping en el papel de serio y previsible estadista de proyección
mundial. Su prudencia y previsibilidad contrastan aún más al lado de la
oferta que Estados Unidos viene lanzando al mundo: una oferta basada en
la fuerza, mayormente militar, y regida por la fórmula, “o estás
conmigo, o estás contra mí”. Al lado de eso, la “Nueva ruta de la seda”
es el único proyecto abierto, integrador, universalista y no basado en
la lógica de la imposición del más fuerte que existe en el mundo de hoy.
¿Qué significa?
Para China la “Nueva ruta de la seda” es la tercera gran fase desde el establecimiento de la República Popular.
La primera fase fue la revolución maoísta que
levantó al país del suelo. La segunda, sobre los cimientos de la
revolución, fue la modernización económica de Deng Xiaoping y sus
sucesores. Esa modernización se hizo en el bien entendido de que China
debía ser prudente y humilde en la esfera internacional: no meterse en
conflictos ni presentar ambiciones que comprometieran su prioridad de
desarrollo interno en una etapa tan delicada. Con Xi Jinping se llega a
la tercera gran fase: definir y afirmar el papel de China en el mundo.
Tras el impulso económico y modernizador de las últimas décadas, la
intervención directa de China en los asuntos mundiales se ha convertido
en una condición de la continuidad del ascenso chino. Y eso no solo por
la necesidad de estabilizar y garantizar los suministros que alimentan
su fábrica global: por una simple cuestión de la escala adquirida por su
poderío, la prudente no intervención y discreción internacional
pregonada por Deng Xiaoping ha comenzado a quedarse desfasada. Desde el
punto de vista de las relaciones entre grandes potencias, China ha
iniciado con esta tercera fase el primer movimiento del relevo hacia el
papel de superpotencia. Los imperativos del mismo “ascenso chino” que
hasta hace poco exigían discreción, exigen ahora una mayor intervención
en el mundo.
Lanzada
en septiembre de 2013, la nueva ruta de la seda es un gran proyecto de
integración económica de Asia, África y Europa mediante colosales
inversiones en infraestructuras. Una red de corredores energéticos, vías
de comunicación y transporte terrestres y marítimas, e integraciones
financieras, destinada a afianzar y expandir la economía global. Con su
lanzamiento previsto para el 2021 y una perspectiva hasta el año 2049,
ya implica, como proyecto, a una sesentena de países –muchos de ellos
sin más cálculo que recibir inversiones chinas– que representan el 70%
de la población mundial, el 55% del PIB y el 75% de los recursos
energéticos globales conocidos. La iniciativa se basa en tres
principios; apertura hacia todos los países, carácter integrador basado
en el respeto a la idiosincrasia y opciones de desarrollo de cada uno de
ellos, y normas de mercado. El resultado implícito de esta iniciativa
es crear un nuevo paradigma geopolítico. En Washington lo ven como un
verdadero desafío al dominio de Eurasia y de la economía mundial
ejercido por Estados Unidos. Y no están dispuestos a permitirlo. Si todo
eso funciona, el ascenso de China solo puede ser detenido por la
guerra.
De
momento ha comenzado como guerra comercial –ignorando el hecho de que
el 40% de la exportación china al resto del mundo procede de
multinacionales americanas y europeas instaladas en China–, sin embargo
elpivot to Asia(el
traslado al entorno de China del grueso de la fuerza aeronaval de
Estados Unidos) y los incidentes y tensiones en el Mar de la China
meridional avisan de una dinámica militar bien concreta. Eso, y no las
simplezas del “segundo Mao” publicadas con tanta frecuencia en nuestros
medios de comunicación, es lo que explica los poderes ampliados de los
que Xi Jinping ha sido dotado: esperando una fase turbulenta que incluye
tensión militar en el mejor de los casos y conflicto abierto en el
peor, los dirigentes chinos se han puesto un cinturón de seguridad, algo
que no tiene nada que ver con Mao, de la misma forma en que la sociedad
china actual no es la de entonces.
Con
esas previsiones, el objetivo militar chino a medio plazo no es
desafiar el dominio militar global de Estados Unidos, un objetivo que
sería irreal, agotador y extremadamente peligroso, sino sembrar dudas
entre los generales americanos sobre las posibilidades de una victoria
de Estados Unidos en un pulso militar regional en el Mar de China
meridional, donde se acumulan las tensiones delpivot to Asia.
La
estrategia marina de China se dirige a disolver las alianzas de Estados
Unidos en Asia Oriental y el Pacífico occidental. Pekín considera esas
alianzas reliquias de la guerra fría y confía en que su peso comercial
con los países de la región implicados –que ya es superior al de Estados
Unidos– sea determinante en ese proceso de disolución. Al mismo tiempo,
China fortalece su potencial aeronaval.
Con
Xi Jinping se ha realizado un cambio radical en la estructura de las
fuerzas armadas chinas y en la doctrina militar de China, constata el ex
primer ministro australiano Kevin Rudd, uno de los raros gobernantes
occidentales que habla y lee chino. El objetivo es, “sembrar la duda
sobre la capacidad de Estados Unidos de vencer en un conflicto militar
con China en la región alrededor de las islas en disputa y en el
propósito de defender Taiwan”, dice Rudd. Muy pronto, China podrá
desafiar el dominio militar regional (que no global) de Estados Unidos
allí. Las primeras salvas de esta guerra están siendo disparadas con
munición comercial, pero no hay que engañarse: no tiene que ver con
comercio, tiene que ver con dos ofertas para diseñar el futuro.
A destruição do aparelho produtivo
nacional, que tinha atingido níveis impensáveis durante o governo
PSD/CDS, continuou, embora a um ritmo menor, durante o governo PS, pondo
em causa o crescimento futuro e sendo uma das causas da queda da
produtividade. Tudo isto tem sido ocultado no discurso económico oficial
de êxitos e no da oposição, que se carateriza também por uma falta de
qualquer estratégia a médio e a longo prazo para o país.
O caminho para a estagnação em Portugal:
o emprego aumenta mas a produtividade por empregado diminui; o
investimento (FBCF) é inferior ao consumo de capital fixo; acionistas
predadores; e a desigualdade na repartição do rendimento agrava-se.
Um dos aspetos para o qual temos chamado
repetidamente a atenção e que tem sido sistematicamente esquecido pelos
comentadores oficiais, incluindo economistas, que têm acesso
privilegiado aos órgãos de comunicação social, é que o aumento do
emprego em Portugal tem estado associado a uma redução da produtividade
por empregado, o que é grave para o desenvolvimento do país, pondo mesmo
em causa o futuro, já que um crescimento económico assente
fundamentalmente no aumento do emprego, como tem acontecido, tem limites
muito estreitos que rapidamente se esgotam.
O emprego cresce mas produtividade por empregado continua a diminuir
Entre 2015 e 2018, o emprego em Portugal
cresceu em 313,2 mil trabalhadores, constituindo uma das principais
bandeiras do atual governo e das forças políticas que o apoiam. Segundo o
INE, o emprego total aumentou, entre 2015 e 2017, de 4,578 milhões para
4,802 milhões de empregados, ou seja, o número de empregados cresceu em
226,2 mil. No fim do 2.º Trimestre de 2018, o emprego tinha aumentado
para 4,889 milhões, ou seja, mais 87.000 empregos, quando comparado com o
valor de dezembro de 2017. E isto é positivo.
No entanto, a produtividade de cada empregado, medida dividindo o VAB do país (ao
PIB retiramos os impostos líquidos de subsídios para o não influenciar
já que estes dependem de decisões políticas e não do valor do produzido)
pelo número de empregados, e a conclusão que se tira é a que consta do
gráfico 1, construído com os dados do INE, ou seja, uma diminuição que
tem sido sistematicamente ignorada, quer pela comunicação socia,l quer
pelo governo e as forças políticas que o apoiam.
Entre 2008 e 2013 a produtividade por empregado aumentou (passou de 30.943€/empregado para 33.285€/empregado) devido fundamentalmente à redução brutal do emprego (nesse período o emprego diminuiu em 630.000, segundo o INE);
mas, a partir de 2013, verificou-se uma recuperação do emprego,
nomeadamente com o atual governo, embora a produtividade por empregado,
calculada com base no VAB, para não ser influenciada nem por impostos
nem subsídios, tem diminuído (passou de 33.285€ para 32.555€ por empregado, entre 2013 e 2017) como os dados do INE mostram, o que é grave, mas que parece não incomodar ninguém, nem é referido pelos média.
O investimento continua insuficiente para compensar o consumo do capital fixo
Esta queda continuada na produtividade
tem como uma das causas o reduzido investimento. Durante o governo
PSD/CDS e a “troika” verificou-se em Portugal uma quebra brutal, quer do investimento privado quer público, não tendo sido suficiente o realizado para compensar o chamado “Consumo de Capital Fixo”, segundo
o INE, ou seja, aquele capital que, devido ao uso, se degrada ou fica
sem utilização. Como consequência, registou-se no país a degradação do
aparelho produtivo nacional, incluindo infraestruturas básicas (caminhos
de ferro, escolas, universidades, hospitais, centros de saúde, etc.)
indispensáveis ao crescimento económico e ao desenvolvimento. No
entanto, essa realidade profundamente negativa para o país e para os
portugueses ainda não foi ultrapassada como os últimos dados do INE, que
constam do quadro 1.
Quadro 1 – FBCF e Consumo de Capital Fixo no período 2011/2017, segundo o INE
Anos
Formação Bruta de Capital Fixo (Investimento) Milhões €
Consumo de capital fixo (desgaste e inutilização) Milhões €
SALDO Milhões €
2011
32 451,8
31 428,9
1 022,9
2012
26 672,0
30 551,5
-3 879,5
2013
25 122,0
29 884,2
-4 762,2
2014
25 993,1
30 323,6
-4 330,6
2015
27 843,9
31 012,6
-3 168,7
2016
28 292,7
31 339,8
-3 047,1
2017
31 186,1
32 073,2
-887,1
FONTE: Contas Nacionais Provisórias 2017 - INE
Entre 2011 e 2015, portanto com o
governo PSD/CDS e a “troika”, a Formação Bruta de Capital Fixo
(Investimento) foi inferior ao Consumo de Capital Fixo (desgaste e
inutilização) em 16.141 milhões €; nos anos de 2016 e 2017, já com o
atual governo PS, continuou-se a verificar um saldo negativo, embora de
menor dimensão, pois a Formação Bruta de Capital Fixo foi inferior ao
Consumo de Capital Fixo em 3.934,1 milhões €. A destruição do aparelho
produtivo nacional, que tinha atingido níveis impensáveis durante o
governo PSD/CDS, continuou, embora a um ritmo menor, durante o governo
PS, pondo em causa o crescimento futuro e sendo uma das causas da queda
da produtividade. Tudo isto tem sido ocultado no discurso económico
oficial de êxitos e no da oposição, que se carateriza também por uma
falta de qualquer estratégia a médio e a longo prazo para o país.
Portugal, um país atrasado em
relação à média da União Europeia, continua a investir muito menos que a
média dos países europeus, e o pouco investimento público previsto não é
depois realizado, para cumprir as metas do défice.
O país continua “alegremente” a
atrasar-se e a divergir em relação à média dos países da União Europeia.
Isso é claro em relação à percentagem do PIB (riqueza nacional criada)
que é destinada ao investimento, ou seja, a criar emprego e capacidade
produtiva para o país poder crescer e desenvolver-se a ritmos mais
elevados. Segundo o Eurostat, em 2017, a Formação Bruta de Capital Fixo,
ou seja, o investimento total em Portugal, correspondeu apenas a 16,2%
do PIB, sendo apenas 1,8% do PIB o investimento público total.
Na União Europeia, em 2017, a média de
investimento total (público e privado) nos 28 países correspondeu a
20,5% do PIB, sendo o investimento público 2,7% do PIB (+ 50% do que em Portugal) e o investimento privado 17,8% do PIB (+ 23,6% do que em Portugal).
Em Portugal, em 2018, até ao mês de julho, as Administração Públicas só
tinham executado 39,1% do investimento previsto para este ano. É
previsível que se chegue ao fim do ano sem que se tenha investido o
total do pouco investimento previsto para 2018, mas é também desta forma
que se reduz o défice para além do previsto e que o governo e, em
particular, Mário Centeno, brilha perante os “senhores de Bruxelas”, à
custa do atraso do país. O investimento pouco e insuficiente que é
realizado, pondo em causa o futuro de Portugal, não tem constituído
preocupação nos debates na comunicação social nem fora dela.
Acionistas predadores que sacam
os lucros e os transferem para o estrangeiro sem pagar impostos sobre
dividendos são tratados da mesma forma que acionistas que investem os
lucros em Portugal, criando emprego e riqueza.
Uma coisa que sempre causa espanto é,
chegada a altura da preparação do Orçamento do Estado, a azáfama dos
partidos políticos para apresentarem novas propostas isoladas de
alteração dos impostos, muitas delas sem um estudo fundamentado e sem
conhecimento claro das suas consequências e do seu impacto, e sem
qualquer enquadramento, nomeadamente numa estratégia a médio e longo
prazo de crescimento económico e desenvolvimento do país (melhoramento das condições de vida dos portugueses). Talvez para que fiquem na pequena história, dando o seu nome ao novo imposto criado.
Tenho chamado repetidamente a atenção,
em vão, para o facto de que não deve ser tratado fiscalmente da mesma
forma um acionista que não recebe os lucros da empresa através de
dividendos, sendo esses lucros investidos em Portugal, criando emprego e
riqueza, de outros acionistas, a que designo por acionistas predadores,
que sacam os lucros das empresas, os transferem para o estrangeiro,
como acontece na maioria das grandes empresas a operar em Portugal que
são já controladas por estrangeiros, não pagando nem imposto sobre os
dividendos (se for português e resida em Portugal tem de pagar uma
taxa de 28% sobre o dividendo recebido, o que não acontece com os
estrangeiros ou com portugueses que criam empresas no estrangeiro como o
Jerónimo Martins e muitos outros), deixando as empresas totalmente
descapitalizadas que, para poderem funcionar, têm de se endividar
enormemente. A estes acionistas predadores devia ser aumentado o IRC,
para desmotivar a descapitalização das empresas, e diminuído o IRC
apenas àqueles que investem os lucros.
O Jornal de Negócios, um jornal
insuspeito, divulgou, no seu numero de 4 de setembro de 2018, uma lista
de grandes empresas, cujos acionistas se comportavam como autênticos
predadores, pois como escrevia o próprio jornal “a divida das
empresas do PSI-20 aumentou em 1.180 milhões € na primeira metade do
ano, devido à distribuição de dividendos relativos a 2017. As empresas
do PSI terminaram a 1ª metade do ano de 2018 com um nível de
endividamento líquido de 28.653,7 milhões €, distribuindo aos acionistas
2.430 milhões € de lucros”, a esmagadora deles transferidos para o
estrangeiro, sem pagar impostos sobre dividendos. Entre estas estas
empresas estão a EDP, a Jerónimo Martins, a NOS, a SONAE, a NAVIGATOR,
os CTT, a REN, a IBERSOL, a PHAROL, a GALP, a ALTRI, a SEMAPA, etc.. Era
necessário que a classe política [1] olhasse para esta situação e que
conseguisse distinguir as empresas cujos comportamentos dos acionistas
lesam o país, das empresas cujos acionistas promovem o crescimento e o
desenvolvimento do país, o que ainda não aconteceu, até esta data.
Muitas vezes mete-se tudo no mesmo “saco”.
Agrava-se ainda mais a grave distribuição do rendimento em Portugal
Associada a toda esta situação, a
distribuição do rendimento em Portugal tem-se agravado em benefício do
Capital e em prejuízos dos Trabalhadores, como revela o gráfico 2,
construído com dados divulgados pelo INE (os salários de 2017 são uma estimativa nossa).
Em 2008, a parcela do PIB que revertia
para os Trabalhadores, sob a forma de Ordenados e Salários, era de 36,6%
e, em 2017, já era apenas de 34,6%. Em relação ao Capital, a parcela do
PIB de que se apropriava sob a forma de “Excedente Bruto de Exploração”
era, em 2008, 40,6% do PIB e, em 2018, 41,8% do PIB. A parcela do
Trabalho diminuiu, mas a do Capital cresceu. Os comentários são
desnecessários mas revela o que está a acontecer no país sendo mais um
grave obstáculo ao desenvolvimento [2].
Eugénio Rosa – edr2@netcabo.pt
Notas dos Editores
[1] Os editores consideram que não há
“classe política”. Cada partido e os seus dirigentes representam os
interesses de determinada classe.
[2] Um total rigor teórico imporia que se acrescentasse: “mesmo no quadro do sistema capitalista vigente”.
A publicação de qualquer documento neste sítio não implica a nossa total
concordância com o seu conteúdo. Poderão mesmo ser publicados
documentos com cujo conteúdo não concordamos, mas que julgamos conterem
informação importante para a compreensão de determinados problemas.
Saibamos
tomar o lado do capitalismo bom, austeritário, tendencialmente
esclavagista e globalista contra o capitalismo mau, austeritário,
tendencialmente esclavagista, mas nacionalista.
« – Tu és inimigo do povo! – Não, inimigo do povo és tu!»
É a este nível de ideias profundas que se trava publicamente o debate sobre quem mente mais e melhor através da comunicação mainstream,
incluindo as famosas redes sociais, agora que Donald Trump resolveu
partir a loiça e convulsionar a harmonia – podre, mas harmonia – em que
tudo decorria.
Tratando-se de um ajuste de contas entre o presidente norte-americano e uma parte de relevo – e bipartidária – do establishment
que se lhe opõe, discordando sobre as estratégias para combater a crise
do capitalismo, poderia supor-se, ainda assim, que a questiúncula se
mantivesse em círculos domésticos.
Mas não, trata-se dos Estados
Unidos da América e, por inerência da globalização de teor
anglo-saxónico, todos estamos obrigados a nela participar. Talvez ainda
mais importante: é o capitalismo, aquilo sem o qual não podemos viver,
que está numa encruzilhada – nacionalista ou globalista? Produtivo ou
especulativo? Trauliteiro ou «civilizado»? Amigo ou inimigo do povo?
Não
terçarmos armas neste campo de batalha obrigatoriamente maniqueísta é
uma traição do mesmo calibre daquela que mancha agora a dignidade do
cargo de presidente dos Estados Unidos da América, posto que nos remete
tradicionalmente para tantos e tão virginais exemplos comportamentais.
Por maioria de razão, a parte do establishment
ofendida pelo truculento e narcísico presidente é a que mexe as rédeas
da comunicação global dominante. Logo, todos somos impelidos a tomar
partido, a bater-nos por nossa dama ultrajada.
Saibamos, então,
devolver o insulto: se o trumpismo nos acusa de sermos inimigos do povo,
então apedrejemo-lo com as mesmas palavras e do mesmo lado da barricada
que os bosses das 14 ou 15 corporações mediáticas e globais que
envenenam as nossas vidas com a propaganda disfarçada de informação.
Saibamos
tomar o lado do capitalismo bom, austeritário, tendencialmente
esclavagista e globalista contra o capitalismo mau, austeritário,
tendencialmente esclavagista, mas nacionalista.
É verdade que,
travado a este nível de acusações, o duelo não passa de uma briga de
escola, de uma zanga de comadres mutuamente ofendidas. Porém, sinal dos
tempos, o comadrio é global e estendeu até cá, até ao nosso mainstreamzinho, o recrutamento de guerreiros do lado bom, corporativamente irmanados com os ofendidos colegas da CBS, da CNN, da NBC, dos Washington Times ou Post e New York Times ou Post contra os malandros da Fox e da constelação dos pregadores evangélicos.
Os
indirectamente ofendidos nesta margem Atlântica não se deixaram ficar e
também eles distribuíram os seus sopapos verbais contra os fabricantes
de fakenews, eles que nunca divulgaram nem voltarão a divulgar qualquer notícia falsa.
Pobre povo!
Trazer o problema da censura e manipulação da comunicação social dominante e global para o terreiro das fakenews
e abordá-lo com as armas do insulto é uma maneira de ilibar e isentar
de responsabilidades o tenebroso sistema de controlo de opiniões e
consciências em que se transformou a informação que atinge a esmagadora
maioria dos habitantes do planeta.
«Através
da escolha dos conteúdos que inserem nos canais e dos factos que
omitem, das opiniões que veiculam ou silenciam é construída a realidade
desejada pelos interesses que tutelam esses gigantes sem pátrias que
pretendem transformar os seres humanos em pessoas amorfas, condenadas a
proporcionar-lhes lucros fabulosos e sem fim. »
Dezena
e meia de grandes impérios mediáticos controlam os canais de
comunicação global, desde os convencionais aos digitais e internet,
levando-nos a viver numa espécie de realidade virtual em termos de
informação.
Através da escolha dos conteúdos que inserem nos
canais e dos factos que omitem, das opiniões que veiculam ou silenciam é
construída a realidade desejada pelos interesses que tutelam esses
gigantes sem pátrias que pretendem transformar os seres humanos em
pessoas amorfas, condenadas a proporcionar-lhes lucros fabulosos e sem
fim.
Regra geral, existe convergência quase absoluta de
interesses entre essas entidades tentaculares e o establishment de raiz
norte-americana e alcance global que controla ideológica e
economicamente grande parte do planeta.
Ao abalar a estrutura do establishment
ou «Estado profundo» que reina enquanto as administrações passam,
Donald Trump mexeu com essa ordem enquistada e bipartidária; e a guerra
civil intercapitalista assim gerada transferiu-se, naturalmente, para a
esfera mediática, onde passou a valer tudo porque os interesses
envolvidos têm envergaduras inimagináveis. Fakenews não
são um fenómeno novo, a não ser como termo e conceito para usar como
arma de arremesso na guerra da propaganda. Há muito que vivemos num
ambiente de fakenews produzidas onde não sabemos, transportadas
por uma teia de canais inextricável e consumidas, regra geral, como
coisa certa e acima de qualquer suspeita. A realidade virtual que domina
o nosso quotidiano informativo é uma gigantesca fakenews.
Em
termos prosaicos, Trump mente e mentem também os seus adversários de
momento, que podem ser os amigos de amanhã e vice-versa. É um debate de
mentiras porque se trava num terreno de minado com falsidades de consumo
comum, por ora cindido em sectores transitoriamente desavindos mas que
nunca deixarão de salvaguardar o que os une: o capitalismo. E não há
manipulações decentes e manipulações indecentes, mentiras boas ou más.
Quando
há jornalistas que, num corporativismo pavloviano, entram nestas
guerras que não lhes dizem respeito, das duas uma: ou são ingénuos ou há
muito que perderam o respeito pela profissão.
O confronto
trava-se no seio das estruturas dominantes, para quem os jornalistas
valem tanto como os entes amorfos e estupidificados por correntes
imparáveis de fakenews.
É importante lembrar, a propósito, que o uso do termo fakenews
começou por ser aplicado contra jornalistas e outros profissionais de
comunicação que mantiveram a dignidade profissional e têm a coragem de
trazer ao conhecimento comum os aspectos da realidade que raramente
chegam aos meios convencionais e dominantes de informação.
Antes de o termo ser banalizado e ter perdido referências originais, os profissionais acusados de divulgar fakenews
eram os que, ao invés, tornavam pública a realidade escondida, as
versões não-oficiais dos acontecimentos que moldam os nossos
quotidianos.
A internet, incluindo as redes sociais, foi e ainda é
o refúgio possível e providencial desses profissionais dignos, quantos
deles ostracizados pelos estruturas dominantes da comunicação global
tendendo para a propaganda pura e simples. Por isso, estes territórios alternativos estão agora debaixo de fogo censório.
«Antes de o termo ser banalizado e ter perdido referências originais, os profissionais acusados de divulgar fakenews
eram os que, ao invés, tornavam pública a realidade escondida, as
versões não-oficiais dos acontecimentos que moldam os nossos
quotidianos.»
Multiplicam-se
as iniciativas com o objectivo de silenciar as fontes de comunicação
que veiculam versões não-oficiais de acontecimentos, opiniões
não-alinhadas pelos poderes globais, no fundo divulgando conteúdos que
aproximam os cidadãos das realidades autênticas que os envolvem.
O objectivo das novas censuras que estão em preparação e mesmo já em aplicação na internet não é o de combater as fakenews, a informação falsa, mas sim calar os factos e as opiniões que não são toleráveis pelos interesses dominantes.
Neste
quadro, é importante que se saiba que o Facebook, por exemplo, montou
incentivos de apoio à delacção, isto é, passa a recompensar internautas
que detectem supostas fakenews, no limite que contribuam para silenciar o tipo de informação com a qual não concordam ou não lhes convenha.
Também
é importante saber que os mentores destas práticas tanto estão do lado
de Donald Trump como dos seus adversários democratas e republicanos, que
aliás pontificam na tutela das 14 ou 15 corporações gigantescas que
fabricam a comunicação global.
Quem são os inimigos do povo? Todos eles
«O panorama é mau: o emprego aumenta mas a
produtividade por empregado diminui; o investimento (FBCF) é inferior ao
consumo de capital fixo e parte do pouco investimento público previsto
não é executado para melhor “cumprir as metas do défice” com que Centeno
brilha em Bruxelas à custa do atraso do país; accionistas predadores
sacam os lucros e transferem-nos para o estrangeiro sem pagar impostos
sobre dividendos; e a desigualdade na repartição do rendimento
agrava-se.» Eugénio Rosa, artigo completo in O Diário info
Si
vis pacem, para bellum (Se queres a paz, prepara-te para a guerra)
O
livro agora publicado por Andrei Martyanov, Losing Military Supremacy, é um epitáfio devastador para o
imperialismo estado-unidense. Ele desmonta minuciosamente as razões
porque os EUA já não têm a supremacia no plano militar – destrói esse
mito. O facto de o establishment dos EUA, dominado
pelos neocons, ainda acreditar no seu próprio mito não o torna menos mítico. E o facto de os media de referência (os
presstitutos, como diz Paul Craig Roberts) estarem constantemente
a martelá-lo nas mentes do seu público não o torna mais sustentável –
mentiras muitas vezes repetidas não se transformam em verdades.
A verdade verdadeira é que já estamos num mundo multipolar, mas os
neocons que dominam o Estado Profundo não sabem disso. Recusam-se a
reconhecê-lo e apegam-se teimosamente à ilusão de que os EUA continuam a
ser a potência hegemónica do mundo. Isto já é absolutamente
falso – mas os neocons não podem entender isso porque são ignorantes em
assuntos militares. É um paradoxo que os mais belicosos deles sejam
civis que nunca sequer fizeram o serviço militar, nem tem cultura
tecnológica e histórica para entender as questões
da paz e da guerra, as suas implicações e ramificações. A maioria da
corja, que permeia tanto o Partido Democrata como o Republicano, só tem
conhecimento de questões militares através de alguns Power Points
assistidos em workshops. O autor refere-se mesmo
ao "muito perigoso declínio das faculdades cognitivas americanas"
(sic).
Martyanov, oficial russo graduado pela Academia Naval Kirov, é um
profundo conhecedor da tecnologia militar. As suas análises são baseadas
em conhecimento sólido e em experiência concreta. Elas são devastadoras
para a classe dominante estado-unidense, para
as suas elites militares e civis (estas últimas intelectualmente piores que as militares) e para o modo americano de fazer as guerras, ou seja, a guerra como um
business para os monopólios ganharem dinheiro. Só com o disparo
de 80 Tomahawks sobre a Síria, este ano, o seu fabricante facturou uns
140 milhões de dólares...
O livro está organizado em doze capítulos. Os seus títulos são significativos:
Introdução: O perigoso narcisismo da América
1- A verdadeira medida do poder militar
2- O nascimento da moderna mitologia militar americana
3- As muitas interpretações equivocadas da II Guerra Mundial
4- A incapacidade das elites americanas de apreenderem as realidades da guerra
5- Défices educacionais e caricaturas culturais
6- Ameaça inflada, captura ideológica e questões de política doutrinária
7- O fracasso para enfrentar o moderno realinhamento geopolítico
8- O espectro da "Força esvaziada"
Conclusão: A ameaça de um maciço cálculo errado dos militares americanos
Epílogo: A alteração decisiva de Putin: Paz através da força
O
perigo da situação presente é que "aqueles que manipulam a informação
começam sinceramente a acreditar
nas suas próprias falsificações, quando compram as suas próprias
narrativas. Eles deixam então de serem manipuladores e tornam-se crentes
numa narrativa. Eles próprios se tornam manipulados", considera
Martyanov na introdução. Mas como saber a verdade? O autor
responde citando Clausewitz: "é legítimo julgar um evento pelo seu
resultado pois é o critério mais saudável". E, neste aspecto, o registo
histórico dos EUA é desastroso devido à incompetência "geopolítica,
diplomática, militar e de inteligência". Martynov
dá muitos exemplos. Na verdade, desde 1950 os EUA nunca venceram uma
guerra.
"Os Estados Unidos durante a guerra soviética no Afeganistão fizeram um
enorme esforço para desencadear forças da jihad que se tornaram uma
metástese global. Mas, apesar deste esforço, o resultado final – tal
como o dos Estados Unidos na Coreia, no Vietname
ou nos dias presentes no Iraque – foi o mesmo: nenhuma vitória à
vista", lembra Martynov. E acrescenta: "há um enigma para a actual
classe política americana, também conhecida como classe dominante: se os
Estados Unidos são tão poderosos como alegado por muitos
(...) então onde estão os resultados tangíveis do que ao longo de toda a
história humana serviram como o mais importante teste de poder:
vitórias em guerras?" Ele cita a pergunta de Patrick Armstrong, um
observador americano: "Quando foi a última vez que os
EUA venceram uma guerra? Quando foi a última vez que tropas treinadas
dos EUA combateram eficazmente?". Talvez tenha sido a "vitória" da
invasão de Granada, em 1983, ilha com 100 mil habitantes no Caribe e uma
"tropa" de 500 homens...
O livro de Martyanov levanta problemas de fundo, que vão desde o sistema
de ensino nos Estados Unidos até à deficiência congénita de muitos
sistemas de armas concebidos pelo país (exemplos: o novo caça F-35 e os
destroyers da classe Zumwalt, cada um dos quais
custa US$4,4 mil milhões). Mas as realidades relativas à situação
militar dos EUA são negadas pela sua elite civil. Quanto à opinião
pública, grande parte da sua errada percepção de omnipotência deve-se a
Hollywood. Figuras como o general Patton – que encarava
a guerra como uma competição desportiva – foram glorificadas no cinema.
E batalhas da II Guerra como a de Kursk, que envolveu três milhões de
homens, 8000 tanques e 5000 aviões, ganhavam menos destaque que o
desembarque na Sicília.
Mas para a situação presente há razões ainda mais fundas que "a
degeneração intelectual geral das elites do poder estado-unidense" (sic)
e a sua falta de cultura estratégica. Essas razões são de ordem
sistémica. Os Estados Unidos não precisam conceber e produzir
bons sistemas de armas porque a sua existência não está nem nunca
esteve ameaçada. Por isso a questão do armamento transformou-se num
gigantesco negócio para os oligopólios que o dominam. O próprio sistema
de aquisição de armas
(procurement), prestando-se a toda classe de corrupção, reflecte isso.
Excepto em 1814, no episódio em que a tropa britânica pôs Washington a
ferro e fogo e incendiou a Casa Branca (retirando-se a seguir), os EUA
nunca foram atacados no seu território. Por isso as suas costas podem
permanecer indefesas, nunca houve ameaças de
desembarques anfíbios. Esse facto histórico explica em parte a
(in)cultura estratégica da sua elite, inclusive a financeira. Também por
isso as armas não precisam serem muito boas e nem muito baratas. Elas
são feitas para o lucro comercial, é preferível até
que sejam caras pois assim ganham mais. E a sua qualidade é boa só para
combater os fracos, adversários subdesenvolvidos como o Iraque.
A ausência de cultura estratégica da elite do poder nos EUA remonta a
décadas. Exemplo disso foi a opção monstruosamente dispendiosa pelos
porta-aviões, que são mamarrachos imprestáveis para qualquer guerra
moderna – servem só para intimidar ou agredir países
fracos. Esta opção estratégica foi tomada em detrimento da opção mais
moderna e menos custosa dos mísseis, desenvolvida pela URSS e agora pela
Rússia. É divertido saber que houve mesmo uma espécie "sindicato" de
pilotos da US Navy que se opunha aos mísseis,
considerando-os "concorrentes" que poderiam vir a substituir a sua
perícia profissional. Chegaram a propor que o alcance dos mísseis não
ultrapassasse as 50 milhas...
O DIVISOR DE ÁGUAS
O discurso de Putin em 1º de Março deste ano foi um divisor de águas.
Foi como o menino da fábula que perante a corte declarou em alto e bom
som: "O rei vai nu". Os novos sistemas de armas apresentados
publicamente por Putin mostram a absoluta superioridade
militar da Rússia. Já não há paridade. Há, sim, inferioridade dos EUA.
As notícias que Putin revelou mostram a US Navy como uma força
esvaziada: a frota tornou-se obsoleta e vulnerável diante das novas
armas russas. Trata-se de novos mísseis, de armas submarinas
autónomas que podem atravessar oceanos e de armas eletróncias. Destas
últimas já havia sido dado um indício com a "apresentação" feita ao USS
Donald Cook no Mar Negro, que teve as suas capacidades de combate
anuladas (écrans negros) por um caça russo. Quanto
à célebre tecnologia furtiva (stealth) de aviões americanos,
também elas foram anuladas por novos radares russos e novas tecnologias
com base na radiofotónica. "Elas tornam a furtividade completamente
obsoleta", afirma Martyanov. O autor mostra abundantes
pormenores técnicos para corroborar a sua análise.
Na guerra da Geórgia (2008), em que forças armadas treinadas pelos EUA
atacaram a Ossécia, as forças russas responderam com a estratégia
adequadamente chamada de "coerção à paz". Venceram os agressores e
restabeleceram a paz. Tudo indica que esta é a estratégia
actual da Rússia: coagir à paz. O imperialismo ainda se comporta
agressivamente, como se vê nestes dias na Síria. Mas a força inexorável
da realidade dos factos – a perda de paridade estratégica – acabará por
se impor. A actual histeria anti russa nos EUA
e entre os seus vassalos tem muito a ver com o desespero. As ilusões de
grandeza e o mito triunfalista dos EUA começam a definhar. Gradualmente
a sua classe dominante terá de se conformar ao mundo multilateral e a
ideologia neocon terá de ser enterrada.
A pobreza da cultura na época da sua descentralização
Rui Matoso – Agosto 2018 https://estc.academia.edu/RuiMatoso Com a aprovação da Lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais (Lei n.º 50/2018 de 16 de agosto), que visa concretizar os princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia do poder local, a dimensão cultural fica reduzida a umas míseras quatro alíneas do Artº 15, e praticamente despida de qualquer sentido democrático e da sua importância vital para os territórios. Sem pretender aqui desenvolver o assunto tabu dos municípios portugueses - a democracia cultural -, vale a pena, pelo menos, observar a decadência legislativa no âmbito da descentralização/municipalização da cultura. Para tal comparemos somente as últimas iniciativas parlamentares neste contexto. O histórico de legislação relativa à transferência de competências para as autarquias locais remonta pelo menos a 1999 (Lei nº 159/99), cujo diploma foi revogado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, o qual por sua vez sofreu alterações posteriores. A lei de 2013 mereceu na altura uma acesa discussão pública, designada então como a «lei do ministro Relvas», tendo inclusive sido chumbada pelo Tribunal Constitucional. Tabela comparativa Lei nº 159/99 Artigo 20.º Património, cultura e ciência Lei n.º 75/2013 Artigo 33.º - Competências materiais 1 — Compete à câmara municipal: Lei n.º 50/2018 Artigo 15.º Cultura 1 — É da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão e a realização de investimentos públicos nos seguintes domínios: a) Centros de cultura, centros de ciência, bibliotecas, teatros e museus municipais; b) Património cultural, paisagístico e urbanístico do município. 2 — É igualmente da competência dos t) Assegurar, incluindo a possibilidade de constituição de parcerias, o levantamento,classificação, administração,manutenção, recuperação e divulgação do património natural, cultural, paisagístico e urbanístico do município, incluindo a construção de monumentos de interesse municipal; É da competência dos órgãos municipais: a) Gerir, valorizar e conservar património cultural que, sendo classificado, se considere de âmbito local; b) Gerir, valorizar e conservar os museus que não sejam museus nacionais; Rui Matoso – Agosto 2018 | rui.matoso@gmail.com | https://estc.academia.edu/RuiMatoso órgãos municipais: a) Propor a classificação de imóveis, conjuntos ou sítios nos termos legais; b) Proceder à classificação de imóveis conjuntos ou sítios considerados de interesse municipal, assegurar a sua manutenção e recuperação; c) Participar, mediante a celebração de protocolos com entidades públicas, particulares ou cooperativas, na conservação e recuperação do património e das áreas classificadas; d) Organizar e manter actualizado um inventário do património cultural, urbanístico e paisagístico existente na área do município; e) Gerir museus, edifícios e sítios classificados, nos termos a definir por lei; f) Apoiar projectos e agentes culturais não profissionais; g) Apoiar actividades culturais de interesse municipal; h) Apoiar a construção e conservação de equipamentos culturais de âmbito local. u) Apoiar atividades de natureza social, cultural, educativa, desportiva, recreativa ou outra de interesse para o município, incluindo aquelas que contribuam para a promoção da saúde e prevenção das doenças; c) Executar o controlo prévio de espetáculos, bem como a sua fiscalização, autorizando a sua realização quando tal esteja previsto; d) Recrutar, selecionar e gerir os trabalhadores afetos ao património cultural que, sendo classificado, se considere de âmbito local e aos museus que não sejam museus nacionais. A lei de 1999, e bem, convoca desde logo a ciência para integrar as competências das autarquias, porém, ainda hoje podemos facilmente verificar que a ciência, a técnica e as tecnologias estão ausentes das linhas programáticas (grandes opções do plano) e das respectivas políticas e estratégias dos municípios. Comparando os artigos da Lei de 1999 com os da Lei de 2018 (vide tabela), observa-se desde logo a pobreza semântica do legislador, e mais grave, o tom “Salazarista” das expressões utilizadas: «c) Executar o controlo prévio de espetáculos, bem como a sua fiscalização, autorizando a sua realização quando tal esteja previsto» (Lei n.º 50/2018, Artigo 15.º). Aquelas palavras de ordem nem sequer têm lógica ou adesão à realidade, no actual contexto operacional. O Decreto-Lei n.º 23/2014 (de 14 de fevereiro), que aprova o regime de funcionamento dos espectáculos de natureza artística e de instalação e fiscalização dos recintos, através da Inspeção-Geral das Atividades Rui Matoso – Agosto 2018 | rui.matoso@gmail.com | https://estc.academia.edu/RuiMatoso Culturais (IGAC), contradiz a linguagem autoritária herdada do antigo regime: «O promotor deixa de estar sujeito a autorização administrativa para o exercício da respetiva atividade e o seu registo, efetuado no seguimento de mera comunicação prévia (…) No funcionamento dos espetáculos de natureza artística, elimina -se o procedimento associado à atual licença de representação...». No que se refere à salvaguarda do património, nota-se igualmente a perda de um discurso colaborativo entre Estado e sociedade civil. Enquanto que as Leis de 1999 e 2013 referem a possibilidade de constituição de parcerias, a lei de 2018 é taxativa: «É da competência dos órgãos municipais: a) Gerir, valorizar e conservar património cultural que, sendo classificado, se considere de âmbito local». O que aqui se despreza é a própria Lei de Bases do Património Cultural, designadamente Artigo 11º -Dever de preservação, defesa e valorização do património cultural: « 3 — Todos têm o dever de valorizar o património cultural, sem prejuízo dos seus direitos, agindo, na medida das respectivas capacidades, com o fito da divulgação, acesso à fruição e enriquecimento dos valores culturais que nele se manifestam». É preciso ter em atenção que, apesar de revogada a Lei n.º 159/99, não são prejudicadas as transferências e delegações de competências efetuadas previamente à entrada em vigor da lei de 2013 (Artigo 3.º - Norma revogatória). Porém, a actual Lei n.º 50/2018 apenas refere que para além das novas competências identificadas, são competências das autarquias locais as atribuídas por outros diplomas, nomeadamente as conferidas pela Lei n.º 75/2013, sem mencionar a lei de 1999. Assim, de revogação em revogação, e de lei em lei, vai-se perdendo o entendimento de quais são afinal as competências das autarquias em matéria de cultura, património e ciência. E, a única coisa que vai crescendo a olhos vistos é a pobreza da mentalidade política cultural ao nível local – salvo excepções. Propositadamente ou por ignorância intrínseca, o certo é que para além da Rui Matoso – Agosto 2018 | rui.matoso@gmail.com | https://estc.academia.edu/RuiMatoso visão tecnocrática e neoliberal aplicada actualmente à administração da cultura local, é o próprio Partido Socialista que parece ignorar o legado dos Estados Gerais (1995) no que concerne à descentralização cultural. Na apresentação das linhas programáticas para a cultura, pode ler-se: « Descentralizar é hoje muito mais do que permitir às regiões periféricas um contacto meramente pontual e casuístico com actividades culturais exteriores. Torna-se também indispensável dotar cada vez mais as regiões do País dos meios necessários à concretização de uma vida cultural que, salvaguardando a especificidade de cada sector de actividade artística, incorpore uma componente cada vez mais significativa de iniciativa própria, capaz de conduzir, tanto quanto possível, a perfis culturais diversificados e autónomos». Nesta que foi – consensualmente - a época de ouro das políticas culturais em Portugal, com Manuel Maria Carrilho como Ministro da Cultura, é possível encontrar dois dos vectores fundamentais da descentralização e correlativa municipalização da cultura. Por um lado, salienta-se que o fundamental num processo de descentralização cultural está para alem de promover o contacto das populações, meramente pontual e casuístico, com actividades culturais exteriores – leia-se, a descentralização deve ultrapassar as políticas do “acesso” e a mera democratização da cultura cujo paradigma reside na acessibilidade da cultura legitimada. Por outro, afirma-se que, antes pelo contrário, a descentralização reside na necessidade de dotar o país dos meios necessários à concretização de uma vida cultural que incorpore uma componente cada vez mais significativa de iniciativa própria, capaz de conduzir, tanto quanto possível, a perfis culturais diversificados e autónomos. Ou seja, a defesa e a promoção de medidas em favor : i) Da mudança de paradigma, da democratização (descentralização da oferta) à democracia cultural (produção própria) ii) Da vitalidade cultural endógena dos territórios; iii) Da existência de meios e condições dirigidas à produção cultural local Rui Matoso – Agosto 2018 | rui.matoso@gmail.com | https://estc.academia.edu/RuiMatoso por iniciativa própria dos cidadãos e com autonomia; iv)Da diversidade cultural. De um modo geral, estamos confrontados com um cenário de governação cultural municipal que ignora ou despreza a noção de Cultura 3.0 (Pier Luigi Sacco, 2011), a qual significa o potencial de desenvolvimento cultural e criativo dos territórios e a capacidade de estimular novas dinâmicas de produção de conteúdos culturais e novos modos de acesso à cultura. E, ignora ou despreza também a visão proposta pela Agenda 21 da Cultura (A21C), que encoraja as cidades a elaborar estratégias culturais a longo prazo e convida o sistema cultural a influenciar os principais instrumentos de planeamento urbano. A característica fundamental da Cultura 3.0 é, portanto, a transformação do público, que ainda é a referência da fase "clássica" da indústria cultural, em praticante, definindo assim um novo, difuso e cada vez mais múltiplo conceito de autoria e de propriedade intelectual. Em suma, no contexto de uma estratégia mais coerente e abrangente de coordenação sistemática de todos os efeitos indirectos da produção e da participação cultural, seria muito importante orientar projectos de revitalização cultural com uma abordagem proactiva e participada que promova e desenvolva as competências locais, os meios criativos e os recursos endógenos, ao invés de se concentrar em formas de entretenimento instrumentais e inautênticas para benefício da suposta competitividade territorial e das “classes criativas”. Rui Matoso – Agosto 2018 | rui.matoso@gmail.com | https://estc.academia.edu/RuiMatoso
quinta-feira, 13 de setembro de 2018
A ofensiva neoliberal continua com este governo, contra os gastos públicos (incluindo os investimentos), os salários e os contratos de trabalho, os pensionistas (atente-se nas recomendações do FMI como directivas sobre o OE, nesta semana)
Crise
de 2008 é uma das sete maiores desde 1800. E é o primeiro abalo sério
da fase europeia da economia nacional, a 8ª desde 1143
A crise dos últimos dez anos está entre as sete maiores depressões da economia portuguesa moderna, medidas pela evolução do PIB per capita.
As piores foram as grandes depressões iniciadas em 1800 e 1917.
Escapou, curiosamente, à Grande Depressão mundial dos anos 1930. A crise
recente associou-se a uma crise de dívida pública e a um desequilíbrio
sério na conta externa. Contudo não conduziu a um incumprimento (default),
vulgo bancarrota, como aconteceu nos séculos XV, XVI e XIX, mas obrigou
a um resgate externo. O Expresso publica uma hipótese de periodização
em oito épocas da evolução da economia portuguesa.
1Uma economia precoce na Europa
O
momento fundador remonta a Afonso Henriques, que tomou controlo do
Condado Portucalense em 1128 e viu reconhecida formalmente a sua
autonomia como reino em 1143. O primeiro rei inicia a projeção a sul do
Tejo que termina em 1250 no reinado de Afonso III, que retoma o título
de “Rei de Portugal e dos Algarves”. Portugal é o quarto país da Europa
mais antigo, depois de São Marino, Dinamarca e Hungria. Criou no século
XIII um espaço económico nacional praticamente nos limites territoriais
continentais que são hoje conhecidos. O historiador francês Albert-Alain
Bourdon considera esse feito uma das marcas “precoces” da originalidade
portuguesa.
2Um elo do arco atlântico
Depois
da chamada fase de Reconquista, Portugal estrutura-se como Estado,
mercantiliza o comércio interno e consolida a sua posição internacional
nas rotas do Atlântico Norte. Três nomes destacam-se. Afonso III foi o
legislador de uma verdadeira estrutura estatal portuguesa. Mandou
construir a primeira casa da moeda em Lisboa e ordenou a primeira
contabilidade pública. Dinis deu luz verde à criação de uma mútua
comercial em Bruges, na Flandres, reorganizou a marinha e assinou o
primeiro tratado de comércio com Inglaterra. Finalmente, Fernando, o
último rei da primeira dinastia, firmou um tratado político de aliança
estratégica com Inglaterra e fundou a Companhia das Naus em Lisboa e no
Porto. Há uma crise dinástica entre 1383 e 1385 e o monarca da nova
dinastia, João de Aviz, tem de gerir uma economia de guerra num ciclo de
hiperinflação e desvalorização brutal da moeda até 1435. Portugal não
escapa desde 1355 aos ciclos europeus de crises cerealíferas, fomes e
surtos de peste, e de “fome do ouro” no plano monetário.
3Economia pioneira da globalização
É
mais um traço precoce. “Portugal é o primeiro na resposta da Expansão”,
sublinha-nos o historiador económico Nuno Valério. O processo foi
evolutivo ao longo de 125 anos — do Plano de Ceuta, às expedições
henriquinas, ao Plano da Índia de João II e ao projeto de império global
de Manuel, cognominado, então, o ‘Rei Merceeiro’. Chega-se o mais longe
jamais imaginado — à China em 1513 e ao Japão em 1541. Há duas
inovações fundamentais para a época. A geração do primeiro império
global em rede, como desvendou o historiador Luiz Filipe Thomaz, e a
criação de uma nova forma de capitalismo, que o historiador brasileiro
Manuel Nunes Dias batizou de capitalismo monárquico português. No século
XVI, a economia portuguesa cresce 0,3% ao ano, muito acima da média
mundial de 0,05%, segundo estimativas de Valério. O cruzado de ouro
manuelino chegou a ser divisa de referência e o português era língua
franca da globalização.
4O início do declínio estratégico
Mas
o capitalismo régio português tinha dentro de si os gérmenes do seu
próprio declínio. Nunes Dias resumia-o em duas facetas. Portugal, e
sobretudo Lisboa, nunca se libertou da condição de “porto de passagem” —
a lógica era “comprar, saquear, receber e redistribuir”. A economia
portuguesa perdeu, também, o comboio da revolução financeira em curso em
Itália, na Flandres, e depois na Holanda. Na segunda metade do século
XVI, ocorre a viragem para um período de defensiva estratégia no plano
geopolítico, de que a economia se ressente. Os sinais de uma crise
profunda acumulam-se: há uma quase bancarrota na feitoria portuguesa de
Antuérpia em 1544, que é fechada cinco anos depois; o ciclo da pimenta
tem um pico em 1550; e ocorre o primeiro default
de dívida ao exterior em 1560. Surge uma nova crise dinástica em 1580 e
implanta-se um regime de monarquia dual com Espanha no período
filipino. Há nova bancarrota em 1605. O ciclo da prata da América que
passava, também, pela Casa da Moeda em Lisboa entra em declínio a partir
de 1620. Os benefícios da monarquia dual luso-espanhola secaram.
5Transformação numa economia semiperiférica
Com
o afundamento da dinastia filipina e a emergência do império global
holandês, a nova dinastia portuguesa dos Bragança a partir de 1640
torna-se dependente da potência emergente inglesa. É um século de ouro
mercantilista, assente no que era designado por ‘vaca leiteira’ do
Brasil e na vantagem comparativa do vinho de Portugal e da Madeira. A
economia continua a crescer acima da média mundial: 0,16% versus
0,07%, segundo Valério. Mas, em meio século, o país mergulha na
tormenta. Sofre as devastadoras invasões napoleónicas. Regista a maior
depressão da economia moderna entre 1800 e 1812 — o PIB per capita
cai a pique 51%. Há uma rutura com o Brasil que custa 3,4% a 6,2% do
PIB português, segundo estimativas do historiador Jorge Pedreira. O país
afunda-se em guerras civis e vive uma vaga de bancarrotas entre 1834 e
1850.
6Take off meio sucedido meio fracassado
Esta
época é marcada pela estratégia de “melhoramentos materiais” em
infraestruturas fundamentais do capitalismo industrial e pelo impacto de
longo prazo das profundas mudanças institucionais herdadas da revolução
liberal de 1820. Foi a primeira tentativa de take off
de desenvolvimento económico moderno, que acabou por ser “meio sucedida
meio fracassada”, nas palavras de Valério. A dinâmica de crescimento é
menos de metade da mundial. Há uma vaga de recessões a partir de 1866.
Regista-se a bancarrota de 1892. A monarquia acaba por ser liquidada por
um golpe republicano em 1910. Há uma segunda vaga de recessões a partir
de 1911, com particular destaque para a de 1917 e 1918, durante a 1ª
Guerra Mundial. Instaura-se uma ditadura. Portugal escapa à Grande
Depressão global dos anos 30. O PIB per capita sobe 10% entre 1928 e 1938. Mas não se salva de uma profunda depressão entre 1942 e 1945, durante a 2ª Guerra Mundial.
7A segunda fase de crescimento moderno
São
27 anos de crescimento que acompanham os célebres “trinta gloriosos
anos” na economia capitalista mundial. A economia portuguesa cresce em
média 6% ao ano de 1950 a 1974, o dobro da dinâmica mundial. Mas o PIB per capita português
é de pouco mais de um terço dos países europeus da OCDE. Depois da
queda da ditadura, o país é apanhado nas crises mundiais de 1975 e 1982.
A depressão portuguesa de 1975/76 vê o PIB per capita
cair 10,7% face a apenas 0,35% à escala mundial. Os crónicos
desequilíbrios da conta externa levam a duas intervenções do Fundo
Monetário Internacional em 1978 e em 1983.
8Periferia da União Europeia
Portugal
adere à Comunidade Económica Europeia em 1986 e entra na primeira vaga
de adesões ao euro em 1999. Consolida-se como uma periferia do euro. A
economia portuguesa regista uma desaceleração no crescimento anual para
metade do verificado nas décadas de 1980 e 1990. Depois da adesão ao
euro, a desaceleração acentua-se, com a taxa anual média a cair para
0,6% entre 2000 e 2017 face a um ritmo mundial de 3,9%. A economia
regista contrações do PIB per capita em 1993
e 2003. É depois contagiada pela Grande Recessão de 2009. Fruto dos
erros de política orçamental e monetária na zona euro, o espaço da moeda
única tem uma recaída na recessão. O PIB per capita
português tem uma quebra acumulada de 7% entre 2011 e 2013. A subida
dos juros para financiamento da dívida pública obriga o país a pedir um
resgate em 2011 que durou até 2014, mas o país escapou a ser desgraduado
para a condição de mercado emergente como foi a Grécia em 2013. O
regresso aos níveis de atividade de 2007 só ocorreu dez anos depois. J.N.R.