Viagem por 900 anos do PIB português
Crise
de 2008 é uma das sete maiores desde 1800. E é o primeiro abalo sério
da fase europeia da economia nacional, a 8ª desde 1143
A crise dos últimos dez anos está entre as sete maiores depressões da economia portuguesa moderna, medidas pela evolução do PIB per capita.
As piores foram as grandes depressões iniciadas em 1800 e 1917.
Escapou, curiosamente, à Grande Depressão mundial dos anos 1930. A crise
recente associou-se a uma crise de dívida pública e a um desequilíbrio
sério na conta externa. Contudo não conduziu a um incumprimento (default),
vulgo bancarrota, como aconteceu nos séculos XV, XVI e XIX, mas obrigou
a um resgate externo. O Expresso publica uma hipótese de periodização
em oito épocas da evolução da economia portuguesa.
1 Uma economia precoce na Europa
O
momento fundador remonta a Afonso Henriques, que tomou controlo do
Condado Portucalense em 1128 e viu reconhecida formalmente a sua
autonomia como reino em 1143. O primeiro rei inicia a projeção a sul do
Tejo que termina em 1250 no reinado de Afonso III, que retoma o título
de “Rei de Portugal e dos Algarves”. Portugal é o quarto país da Europa
mais antigo, depois de São Marino, Dinamarca e Hungria. Criou no século
XIII um espaço económico nacional praticamente nos limites territoriais
continentais que são hoje conhecidos. O historiador francês Albert-Alain
Bourdon considera esse feito uma das marcas “precoces” da originalidade
portuguesa.
2 Um elo do arco atlântico
Depois
da chamada fase de Reconquista, Portugal estrutura-se como Estado,
mercantiliza o comércio interno e consolida a sua posição internacional
nas rotas do Atlântico Norte. Três nomes destacam-se. Afonso III foi o
legislador de uma verdadeira estrutura estatal portuguesa. Mandou
construir a primeira casa da moeda em Lisboa e ordenou a primeira
contabilidade pública. Dinis deu luz verde à criação de uma mútua
comercial em Bruges, na Flandres, reorganizou a marinha e assinou o
primeiro tratado de comércio com Inglaterra. Finalmente, Fernando, o
último rei da primeira dinastia, firmou um tratado político de aliança
estratégica com Inglaterra e fundou a Companhia das Naus em Lisboa e no
Porto. Há uma crise dinástica entre 1383 e 1385 e o monarca da nova
dinastia, João de Aviz, tem de gerir uma economia de guerra num ciclo de
hiperinflação e desvalorização brutal da moeda até 1435. Portugal não
escapa desde 1355 aos ciclos europeus de crises cerealíferas, fomes e
surtos de peste, e de “fome do ouro” no plano monetário.
3 Economia pioneira da globalização
É
mais um traço precoce. “Portugal é o primeiro na resposta da Expansão”,
sublinha-nos o historiador económico Nuno Valério. O processo foi
evolutivo ao longo de 125 anos — do Plano de Ceuta, às expedições
henriquinas, ao Plano da Índia de João II e ao projeto de império global
de Manuel, cognominado, então, o ‘Rei Merceeiro’. Chega-se o mais longe
jamais imaginado — à China em 1513 e ao Japão em 1541. Há duas
inovações fundamentais para a época. A geração do primeiro império
global em rede, como desvendou o historiador Luiz Filipe Thomaz, e a
criação de uma nova forma de capitalismo, que o historiador brasileiro
Manuel Nunes Dias batizou de capitalismo monárquico português. No século
XVI, a economia portuguesa cresce 0,3% ao ano, muito acima da média
mundial de 0,05%, segundo estimativas de Valério. O cruzado de ouro
manuelino chegou a ser divisa de referência e o português era língua
franca da globalização.
4 O início do declínio estratégico
Mas
o capitalismo régio português tinha dentro de si os gérmenes do seu
próprio declínio. Nunes Dias resumia-o em duas facetas. Portugal, e
sobretudo Lisboa, nunca se libertou da condição de “porto de passagem” —
a lógica era “comprar, saquear, receber e redistribuir”. A economia
portuguesa perdeu, também, o comboio da revolução financeira em curso em
Itália, na Flandres, e depois na Holanda. Na segunda metade do século
XVI, ocorre a viragem para um período de defensiva estratégia no plano
geopolítico, de que a economia se ressente. Os sinais de uma crise
profunda acumulam-se: há uma quase bancarrota na feitoria portuguesa de
Antuérpia em 1544, que é fechada cinco anos depois; o ciclo da pimenta
tem um pico em 1550; e ocorre o primeiro default
de dívida ao exterior em 1560. Surge uma nova crise dinástica em 1580 e
implanta-se um regime de monarquia dual com Espanha no período
filipino. Há nova bancarrota em 1605. O ciclo da prata da América que
passava, também, pela Casa da Moeda em Lisboa entra em declínio a partir
de 1620. Os benefícios da monarquia dual luso-espanhola secaram.
5 Transformação numa economia semiperiférica
Com
o afundamento da dinastia filipina e a emergência do império global
holandês, a nova dinastia portuguesa dos Bragança a partir de 1640
torna-se dependente da potência emergente inglesa. É um século de ouro
mercantilista, assente no que era designado por ‘vaca leiteira’ do
Brasil e na vantagem comparativa do vinho de Portugal e da Madeira. A
economia continua a crescer acima da média mundial: 0,16% versus
0,07%, segundo Valério. Mas, em meio século, o país mergulha na
tormenta. Sofre as devastadoras invasões napoleónicas. Regista a maior
depressão da economia moderna entre 1800 e 1812 — o PIB per capita
cai a pique 51%. Há uma rutura com o Brasil que custa 3,4% a 6,2% do
PIB português, segundo estimativas do historiador Jorge Pedreira. O país
afunda-se em guerras civis e vive uma vaga de bancarrotas entre 1834 e
1850.
6 Take off meio sucedido meio fracassado
Esta
época é marcada pela estratégia de “melhoramentos materiais” em
infraestruturas fundamentais do capitalismo industrial e pelo impacto de
longo prazo das profundas mudanças institucionais herdadas da revolução
liberal de 1820. Foi a primeira tentativa de take off
de desenvolvimento económico moderno, que acabou por ser “meio sucedida
meio fracassada”, nas palavras de Valério. A dinâmica de crescimento é
menos de metade da mundial. Há uma vaga de recessões a partir de 1866.
Regista-se a bancarrota de 1892. A monarquia acaba por ser liquidada por
um golpe republicano em 1910. Há uma segunda vaga de recessões a partir
de 1911, com particular destaque para a de 1917 e 1918, durante a 1ª
Guerra Mundial. Instaura-se uma ditadura. Portugal escapa à Grande
Depressão global dos anos 30. O PIB per capita sobe 10% entre 1928 e 1938. Mas não se salva de uma profunda depressão entre 1942 e 1945, durante a 2ª Guerra Mundial.
7 A segunda fase de crescimento moderno
São
27 anos de crescimento que acompanham os célebres “trinta gloriosos
anos” na economia capitalista mundial. A economia portuguesa cresce em
média 6% ao ano de 1950 a 1974, o dobro da dinâmica mundial. Mas o PIB per capita português
é de pouco mais de um terço dos países europeus da OCDE. Depois da
queda da ditadura, o país é apanhado nas crises mundiais de 1975 e 1982.
A depressão portuguesa de 1975/76 vê o PIB per capita
cair 10,7% face a apenas 0,35% à escala mundial. Os crónicos
desequilíbrios da conta externa levam a duas intervenções do Fundo
Monetário Internacional em 1978 e em 1983.
8 Periferia da União Europeia
Portugal
adere à Comunidade Económica Europeia em 1986 e entra na primeira vaga
de adesões ao euro em 1999. Consolida-se como uma periferia do euro. A
economia portuguesa regista uma desaceleração no crescimento anual para
metade do verificado nas décadas de 1980 e 1990. Depois da adesão ao
euro, a desaceleração acentua-se, com a taxa anual média a cair para
0,6% entre 2000 e 2017 face a um ritmo mundial de 3,9%. A economia
regista contrações do PIB per capita em 1993
e 2003. É depois contagiada pela Grande Recessão de 2009. Fruto dos
erros de política orçamental e monetária na zona euro, o espaço da moeda
única tem uma recaída na recessão. O PIB per capita
português tem uma quebra acumulada de 7% entre 2011 e 2013. A subida
dos juros para financiamento da dívida pública obriga o país a pedir um
resgate em 2011 que durou até 2014, mas o país escapou a ser desgraduado
para a condição de mercado emergente como foi a Grécia em 2013. O
regresso aos níveis de atividade de 2007 só ocorreu dez anos depois. J.N.R.
in Expresso
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