Translate

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Este texto contém informaçõs relevantes, apesar de as interpretações serem discutíveis.

Viagem por 900 anos do PIB português
Crise de 2008 é uma das sete maiores desde 1800. E é o primeiro abalo sério da fase europeia da economia nacional, a 8ª desde 1143
A crise dos últimos dez anos está entre as sete maiores depressões da economia portuguesa moderna, medidas pela evolução do PIB per capita. As piores foram as grandes depressões iniciadas em 1800 e 1917. Escapou, curiosamente, à Grande Depressão mundial dos anos 1930. A crise recente associou-se a uma crise de dívida pública e a um desequilíbrio sério na conta externa. Contudo não conduziu a um incumprimento (default), vulgo bancarrota, como aconteceu nos séculos XV, XVI e XIX, mas obrigou a um resgate externo. O Expresso publica uma hipótese de periodização em oito épocas da evolução da economia portuguesa.
1 Uma economia precoce na Europa
O momento fundador remonta a Afonso Henriques, que tomou controlo do Condado Portucalense em 1128 e viu reconhecida formalmente a sua autonomia como reino em 1143. O primeiro rei inicia a projeção a sul do Tejo que termina em 1250 no reinado de Afonso III, que retoma o título de “Rei de Portugal e dos Algarves”. Portugal é o quarto país da Europa mais antigo, depois de São Marino, Dinamarca e Hungria. Criou no século XIII um espaço económico nacional praticamente nos limites territoriais continentais que são hoje conhecidos. O historiador francês Albert-Alain Bourdon considera esse feito uma das marcas “precoces” da originalidade portuguesa.
2 Um elo do arco atlântico
Depois da chamada fase de Reconquista, Portugal estrutura-se como Estado, mercantiliza o comércio interno e consolida a sua posição internacional nas rotas do Atlântico Norte. Três nomes destacam-se. Afonso III foi o legislador de uma verdadeira estrutura estatal portuguesa. Mandou construir a primeira casa da moeda em Lisboa e ordenou a primeira contabilidade pública. Dinis deu luz verde à criação de uma mútua comercial em Bruges, na Flandres, reorganizou a marinha e assinou o primeiro tratado de comércio com Inglaterra. Finalmente, Fernando, o último rei da primeira dinastia, firmou um tratado político de aliança estratégica com Inglaterra e fundou a Companhia das Naus em Lisboa e no Porto. Há uma crise dinástica entre 1383 e 1385 e o monarca da nova dinastia, João de Aviz, tem de gerir uma economia de guerra num ciclo de hiperinflação e desvalorização brutal da moeda até 1435. Portugal não escapa desde 1355 aos ciclos europeus de crises cerealíferas, fomes e surtos de peste, e de “fome do ouro” no plano monetário.
3 Economia pioneira da globalização
É mais um traço precoce. “Portugal é o primeiro na resposta da Expansão”, sublinha-nos o historiador económico Nuno Valério. O processo foi evolutivo ao longo de 125 anos — do Plano de Ceuta, às expedições henriquinas, ao Plano da Índia de João II e ao projeto de império global de Manuel, cognominado, então, o ‘Rei Merceeiro’. Chega-se o mais longe jamais imaginado — à China em 1513 e ao Japão em 1541. Há duas inovações fundamentais para a época. A geração do primeiro império global em rede, como desvendou o historiador Luiz Filipe Thomaz, e a criação de uma nova forma de capitalismo, que o historiador brasileiro Manuel Nunes Dias batizou de capitalismo monárquico português. No século XVI, a economia portuguesa cresce 0,3% ao ano, muito acima da média mundial de 0,05%, segundo estimativas de Valério. O cruzado de ouro manuelino chegou a ser divisa de referência e o português era língua franca da globalização.
4 O início do declínio estratégico
Mas o capitalismo régio português tinha dentro de si os gérmenes do seu próprio declínio. Nunes Dias resumia-o em duas facetas. Portugal, e sobretudo Lisboa, nunca se libertou da condição de “porto de passagem” — a lógica era “comprar, saquear, receber e redistribuir”. A economia portuguesa perdeu, também, o comboio da revolução financeira em curso em Itália, na Flandres, e depois na Holanda. Na segunda metade do século XVI, ocorre a viragem para um período de defensiva estratégia no plano geopolítico, de que a economia se ressente. Os sinais de uma crise profunda acumulam-se: há uma quase bancarrota na feitoria portuguesa de Antuérpia em 1544, que é fechada cinco anos depois; o ciclo da pimenta tem um pico em 1550; e ocorre o primeiro default de dívida ao exterior em 1560. Surge uma nova crise dinástica em 1580 e implanta-se um regime de monarquia dual com Espanha no período filipino. Há nova bancarrota em 1605. O ciclo da prata da América que passava, também, pela Casa da Moeda em Lisboa entra em declínio a partir de 1620. Os benefícios da monarquia dual luso-espanhola secaram.
5 Transformação numa economia semiperiférica
Com o afundamento da dinastia filipina e a emergência do império global holandês, a nova dinastia portuguesa dos Bragança a partir de 1640 torna-se dependente da potência emergente inglesa. É um século de ouro mercantilista, assente no que era designado por ‘vaca leiteira’ do Brasil e na vantagem comparativa do vinho de Portugal e da Madeira. A economia continua a crescer acima da média mundial: 0,16% versus 0,07%, segundo Valério. Mas, em meio século, o país mergulha na tormenta. Sofre as devastadoras invasões napoleónicas. Regista a maior depressão da economia moderna entre 1800 e 1812 — o PIB per capita cai a pique 51%. Há uma rutura com o Brasil que custa 3,4% a 6,2% do PIB português, segundo estimativas do historiador Jorge Pedreira. O país afunda-se em guerras civis e vive uma vaga de bancarrotas entre 1834 e 1850.
6 Take off meio sucedido meio fracassado
Esta época é marcada pela estratégia de “melhoramentos materiais” em infraestruturas fundamentais do capitalismo industrial e pelo impacto de longo prazo das profundas mudanças institucionais herdadas da revolução liberal de 1820. Foi a primeira tentativa de take off de desenvolvimento económico moderno, que acabou por ser “meio sucedida meio fracassada”, nas palavras de Valério. A dinâmica de crescimento é menos de metade da mundial. Há uma vaga de recessões a partir de 1866. Regista-se a bancarrota de 1892. A monarquia acaba por ser liquidada por um golpe republicano em 1910. Há uma segunda vaga de recessões a partir de 1911, com particular destaque para a de 1917 e 1918, durante a 1ª Guerra Mundial. Instaura-se uma ditadura. Portugal escapa à Grande Depressão global dos anos 30. O PIB per capita sobe 10% entre 1928 e 1938. Mas não se salva de uma profunda depressão entre 1942 e 1945, durante a 2ª Guerra Mundial.
7 A segunda fase de crescimento moderno
São 27 anos de crescimento que acompanham os célebres “trinta gloriosos anos” na economia capitalista mundial. A economia portuguesa cresce em média 6% ao ano de 1950 a 1974, o dobro da dinâmica mundial. Mas o PIB per capita português é de pouco mais de um terço dos países europeus da OCDE. Depois da queda da ditadura, o país é apanhado nas crises mundiais de 1975 e 1982. A depressão portuguesa de 1975/76 vê o PIB per capita cair 10,7% face a apenas 0,35% à escala mundial. Os crónicos desequilíbrios da conta externa levam a duas intervenções do Fundo Monetário Internacional em 1978 e em 1983.
8 Periferia da União Europeia
Portugal adere à Comunidade Económica Europeia em 1986 e entra na primeira vaga de adesões ao euro em 1999. Consolida-se como uma periferia do euro. A economia portuguesa regista uma desaceleração no crescimento anual para metade do verificado nas décadas de 1980 e 1990. Depois da adesão ao euro, a desaceleração acentua-se, com a taxa anual média a cair para 0,6% entre 2000 e 2017 face a um ritmo mundial de 3,9%. A economia regista contrações do PIB per capita em 1993 e 2003. É depois contagiada pela Grande Recessão de 2009. Fruto dos erros de política orçamental e monetária na zona euro, o espaço da moeda única tem uma recaída na recessão. O PIB per capita português tem uma quebra acumulada de 7% entre 2011 e 2013. A subida dos juros para financiamento da dívida pública obriga o país a pedir um resgate em 2011 que durou até 2014, mas o país escapou a ser desgraduado para a condição de mercado emergente como foi a Grécia em 2013. O regresso aos níveis de atividade de 2007 só ocorreu dez anos depois. J.N.R.

in Expresso

Sem comentários:

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.