A INSURREIÇÃO DO CLIMA
2018-09-03Thimoty Woods, Londres
As dúvidas são cada vez mais escassas: o clima do planeta está a alterar-se por responsabilidade humana. Confirmam-no as estatísticas; porém, mais do que estas, explicam-no a sequência e intensidade de fenómenos naturais invulgares e suas consequências trágicas, principalmente em forma de incêndios, ondas de calor, tornados, enxurradas e degelos em áreas onde nunca aconteceram antes. Confirmam-no também o senso comum de quantos se apercebem das transformações por experiências próprias e quotidianas.
Os Verões de 2003, 2015 e agora o de 2018 marcam etapas históricas do fenómeno de degeneração climática que afecta o planeta, fruto sobretudo das emissões de produtos nocivos para as camadas atmosféricas e águas oceânicas. Actos da responsabilidade dos grandes poderes económicos transnacionais que colocam o lucro e os seus interesses egoístas acima da sobrevivência do próprio planeta e da vida de mais de sete mil milhões de seres humanos que o habitam.
Face ao fenómeno, é possível tomar contacto com muitos e fundamentados estudos que aprofundam o conhecimento das suas causas e manifestações. Tais elementos, porém, continuam a ter efeitos insuficientes perante a ineficácia comprovada dos meios de combate às alterações climáticas pretensamente instituídos em reuniões magnas dos governos mundiais organizadas sob várias tutelas, entre elas a da ONU. As metas estabelecidas como necessárias para conter a insurreição do clima continuam a não ser respeitadas pelos grandes poluidores, mesmo que os cidadãos comuns cada vez mais se preocupem em agir civicamente contra a deterioração do ambiente. Porém, a consciência de muitos milhões de pessoas tem um peso reduzido perante a capacidade destruidora de uns poucos milhares de predadores gananciosos, inconscientes e impunes ante a tolerância real dos governos e organizações com mais poder.
Anatomia do caos
O cortejo de tragédias associadas a causas naturais registadas este Verão é longo: vagas de calor extremo na Europa Ocidental e Nórdica, no Canadá, Alasca, Ocidente dos Estados Unidos, Japão, Argélia, país onde foi detectado um recorde de temperatura em África; incêndios devastadores na Grécia, Portugal, Escandinávia, Califórnia e Sibéria; cheias dramáticas no Japão e Índia, Estados Unidos e Europa; prejuízos imensos e globais na agricultura, ainda impossíveis de avaliar.
“O mês de Julho deste ano foi o mais quente de sempre na Califórnia”; ou no Canadá; ou no Texas, ou na Sibéria. Registos mensais deste tipo são agora cinco vezes mais frequentes do que em períodos de clima estável. Seguindo este padrão é de prever a continuação de situações de calor extremo, de seca, mais incêndios e chuvas diluvianas, porque uma atmosfera mais quente absorve e liberta humidade.
Isto é, aumentam sem cessar os exemplos demonstrativos de que o clima está a mudar.
O professor alemão Stefan Rahmstorf revela que na estação meteorológica de Potsdam, nos arredores de Berlim, os dados registados comprovam uma subida média gradual de dois graus Celsius desde 1980, em comparação com as médias apuradas nos primeiros 30 anos de medições. Ora neste Verão o aumento foi abrupto: de 4,3 graus Celsius em relação à média dos primeiros 30 anos de registos.
Mudam os ventos e os oceanos
Quando se fala em alterações climáticas não se faz alusão apenas ao chamado aquecimento global.
Esta é uma das várias alterações decorrentes das mudanças que estão a registar-se nas correntes de ar, ditas de jacto, nos dois hemisférios - e que se manifestam em redor dos polos e das zonas subtropicais.
Um estudo publicado em 2015 mostra que essa corrente de jacto, por exemplo em redor do Hemisfério Norte, diminuiu significativamente nas últimas duas décadas e agora ondula mais. A causa principal é o forte aquecimento que continua a registar-se no Ártico, onde este ano se registaram situações em que a permafrost, a camada superficial de solo que nunca deveria degelar, degelou já duas vezes em diversas regiões.
A corrente de jacto é impulsionada pelo contraste de temperaturas entre o Ártico e os trópicos. Como essa diferença de temperaturas diminui, devido às fortes subidas nas zonas polares, a corrente perde dinâmica, tem uma circulação mais fraca, estabiliza – sintoma reconhecido de alteração climática.
Não é apenas na atmosfera, mas também nos oceanos, que as transformações ocorrem. As correntes marítimas, com grande influência no clima, estão ser profundamente afectadas, o que acontece comprovadamente com a Corrente Quente do Golfo – por sinal devido a um fenómeno que desafia o aquecimento generalizado: o arrefecimento das águas do Atlântico Norte subpolar.
Este fenómeno aparentemente contra a corrente é, afinal, consequência do acréscimo do degelo ártico, que provoca o arrefecimento das águas contíguas e reduz os efeitos de correntes quentes como a do Golfo.
O arrefecimento dessas camadas de águas subpolares é cada vez mais frequente, forçando o sistema da corrente do Golfo a enfraquecer, como aliás foi previsto nos modelos climáticos elaborados a partir dos dados do aquecimento global.
A redução de emissões para a atmosfera, o combate ao efeito de estufa não é apenas necessário ou recomendável: é urgente. Os acordos internacionais tentando limitar a subida das temperaturas ambientes em dois graus Celsius até 2020 fracassaram, tornaram-se relíquia arqueológica ainda dentro do seu prazo de validade, situação que revela até que extremos chega a irresponsabilidade das instâncias públicas, privadas e transnacionais que mais influenciam a vida num planeta que continua a adoecer todos os dias.
A insurreição do clima é apenas uma parcela desse drama colectivo.
in O Lado Oculto, blog
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