Um
estudo liderado por investigadores portugueses, publicado agora na
revista “Science”, é “mais uma prova de que os neandertais tinham
cultura e comportamento de Homo sapiens”, explica ao Expresso o
paleontólogo João Zilhão, que coordenou o projeto. Os habitantes da
gruta da Figueira Brava refastelavam-se com lapas e outras espécies de
marisco
Texto Carla Tomás
“Os
neandertais estão a passar nos exames e com distinção”, ironiza o
paleontólogo João Zilhão. É que afinal, explica ao Expresso, “aquela
imagem tradicional de caçadores de mamutes e renas de aspeto robusto,
que sobreviviam na neve e no gelo quase sem roupa, é um disparate”. Isto
porque a investigação que coordenou — esta quinta-feira publicada na
revista “Science” — concluiu que os humanos de há 65 mil a 115 mil anos
na Europa, sobretudo as populações da Península Ibérica, estavam muito
mais familiarizados com o consumo de peixe e de marisco do que se
julgava. “O neandertal típico é muito mais o da Figueira Brava do que o
da Alemanha”, diz João Zilhão. E gostava de comer lapas, enguias e
outros peixes e marisco.
Foi
na gruta da Figueira Brava, no Portinho da Arrábida, que a equipa de 21
investigadores do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa
(UNIARQ) descobriu os fósseis de lapas, de enguias e de outros recursos
marinhos que permitiu “mais uma prova de que os neandertais tinham
cultura e comportamento de Homo sapiens”, afirma João Zilhão.
O
paleontólogo está convicto de que “90% dos neandertais viveram na
Península Ibérica e no sul de França e Itália, onde encontraram uma
condição muito mais favorável, com mais sol, animais e vegetação para o
desenvolvimento de populações”. E como demonstra o estudo agora
publicado, “a pesca e a recoleção de marisco contribuíram de forma muito
significativa para a economia de subsistência do Homem de Neandertal”.
O
trabalho de campo decorreu entre 2010 e 2013 e permitiu encontrar
vestígios arqueológicos deixadas por comunidades do Homem de Neandertal
nesta gruta, entre os quais utensílios em quartzo e sílex, vestígios de
uso do fogo e de restos de peixe e marisco que os levaram a constatar
que “a dieta alimentar com uma componente marinha importante chega a ser
de 50%”. Tudo isto foi provado pelos passos seguintes em laboratório,
com observação grão a grão à lupa binocular e estudos de datação.
A
gruta da Figueira Brava, agora à beira mar, estaria a não mais de 2000
metros da costa, entre há 86 e há 106 mil anos, o que, explica João
Zilhão, “permitia que os habitantes à época se tenham dado ao trabalho
de levar para casa os recursos que apanhavam no mar”. Este consumo
habitual de recursos marinhos — ricos em Ómega 3 e outros ácidos gordos
que favorecem o desenvolvimento dos tecidos cerebrais — terá tido “um
papel importante no desenvolvimento das capacidades cognitivas dos
nossos antepassados”.
Esta conclusão leva o
paleontólogo a refutar uma outra teoria científica — a que chama
“história da carochinha” — de que “teria sido uma população africana de
Homo Sapiens, que por consumir estes recursos marinhos teria uma
inteligência mais elaborada, uma organização social mais complexa e um
crescimento populacional que os levou a expandirem-se para o resto do
mundo”, conta. Teriam então entrado na Europa e acabado com os
neandertais, por terem uma inteligência mais avançada. Segundo João
Zilhão, “isto é fantasia”.
Em seu entender, esta
descoberta do uso de recursos marinhos pelos neandertais na Figueira
Brava — a juntar a outras já publicadas também na “Science” que
demonstram que o Homem de Neandertal usava adornos e praticava arte
rupestre há 65 mil ou 115 mil anos (com base em descoberta noutras
grutas em Portugal, Espanha e França) — reforça a constatação de que “os
neandertais eram Homo Sapiens”. E que “não estamos a falar de espécies
diferentes, mas da mesma espécie, com características ‘rácicas’ ou
anatómicas que podem ser diferentes, como a morfologia do crânio e da
mandíbula”, mas que, acrescenta, “usa e fabrica ferramentas, tem uma
linguagem, comunica por símbolos, e forma sociedades complexas”.
Estas
descobertas científicas levam o paleontólogo a refutar a ideia de que a
expansão da população africana teria levado à extinção da população de
neandertais da Europa e da Ásia. “Eles misturaram-se, e 40 mil anos
depois podemos afirmar que 70% do genoma neandertal está presente no
homem moderno”.
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