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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Materialismo, idealismo e dialética: chamando as coisas pelos seus nomes

MaterialismoO senso comum faz uma grande confusão entre os termos materialismo e idealismo. Com influência, provavelmente, da moral religiosa, várias pessoas defendem a ideia de que o materialismo é o enaltecimento dos prazeres mundanos em detrimento de ideais mais “elevados”.
Essa ideia não é nova:
 “O filisteu entende por materialismo glutonaria, bebedeira, cobiça, prazer da carne e vida faustosa, cupidez, avareza, rapacidade, caça ao lucro e intrujice de Bolsa, em suma, todos os vícios sujos de que ele próprio em segredo é escravo; e por idealismo, a crença na virtude, na filantropia universal e, em geral, num ‘mundo melhor’, de que faz alarde diante de outros, mas nos quais ele próprio [só] acredita, no máximo, enquanto cuida de atravessar a ressaca ou a bancarrota que necessariamente se seguem aos seus habituais excessos ‘materialistas’ e [enquanto], além disso, canta a sua cantiga predileta: que é o homem? — meio animal, meio anjo.”
(ENGELS, F. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. 1886)
Como demonstra o texto a seguir, essa visão não condiz com a realidade. Ele explica o ponto de vista de um dos principais teóricos do materialismo, o alemão Karl Marx. O materialismo (em especial o materialismo histórico e dialético) é uma concepção filosófica, não um preceito moral. O preceito básico seguido pelo materialismo é a observação da matéria, ou seja, do mundo real, sem o uso de hipóteses mágicas ou fantásticas. Ou seja, o materialismo defende que o mundo deve ser explicado a partir de si mesmo, até porque a matéria é a realidade objetiva e existe independente de nossa percepção ou consciência.
Leia também As teses de Marx sobre a filosofia de Feuerbach.


Karl Marx e o Materialismo Histórico-Dialético

João Junior Bonfim Joia Pereira
Fatima Aparecida de Souza Francioli

De acordo com Spirkine; Yakhot (1975a) é comum encontrarmos pessoas que acreditam que o materialista é a pessoa que se preocupa em acumular bens materiais e que idealista é a pessoa que luta por uma causa com objetivos que beneficie todos na sociedade. Para esses autores, ambas as interpretações estão equivocadas, pois o materialismo procura apoio na ciência, visto que a ciência nos proporciona a sabedoria que necessitamos para ver o mundo como ele realmente é. O materialismo também defende a superação da exploração da força de trabalho e das desigualdades sociais fixadas na sociedade capitalista. Em contrapartida, o idealismo alemão desenvolvido por Hegel (1770-1831), nas primeiras décadas do século XIX, considera que o homem se desenvolve por si mesmo, ou seja, a consciência humana independe da natureza, mas sim das ideias. Desta forma o idealismo hegeliano não levava em consideração as origens materiais para o desenvolvimento da consciência humana, diferente do materialismo que acredita que o homem se desenvolve na medida em que interage com a natureza e modifica os meios de produção material.
Na perspectiva materialista, é preciso conhecer a sociedade e seus aspectos para trabalhar na superação das desigualdades sociais. Nesse sentido, o materialismo considera que na sociedade tudo está ligado à natureza, visto que o homem age sobre ela para produzir seus materiais de consumo, no entanto, não somos produtos da natureza, mas sim da história humana. Por mais que exista esta ligação entre o homem e a natureza suas histórias são distintas e sobre isto Spirkine; Yakhot (1975b, p. 9) afirmam que “A história da sociedade distingue-se da história da natureza, em primeiro lugar, pelo facto de que a primeira é feita pelos homens enquanto ninguém faz a segunda”. Essa citação esclarece que na medida em que o homem transforma a natureza para fabricar seus materiais de consumo, modifica-se a si mesmo porque suas necessidades também mudam. Partindo desses princípios, podemos considerar que o materialismo histórico é a ciência filosófica que busca compreender a sociedade humana, estudando a evolução desta sociedade e como os homens a utilizam. Sobre isto Spirkine; Yakhot afirmam:
É o materialismo histórico, uma das componentes fundamentais da filosofia marxista-leninista, que elabora a teoria geral e o método de conhecimento da sociedade humana como sistema, estuda as leis da sua evolução e a sua utilização pelos homens. (SPIRKINE; YAKHOT, 1975b, p. 10, grifos do autor).
Para Spirkine; Yakhot (1975b) a essência da concepção materialista da história é o trabalho, visto que é por meio do trabalho que o homem produz os materiais necessários para sua sobrevivência. O homem faz sua história à medida que modifica os meios de produção e transforma a natureza, o homem evolui, muda a sociedade, trava combates.
Nas exatas palavras de Spirkine; Yakhot (1975b, p.13):
[…] O Marxismo mostrou que os homens faziam eles próprios sua história, que nenhuma força sobrenatural se dissimulava atrás do processo histórico. A história, escrevem os fundadores do marxismo, não fez nada, “não possui riqueza enorme”, não “trava combates”! É pelo contrário o homem, o homem real e vivo que faz tudo isso, possui tudo isso e trava todos os combates; não é a “história” que se serve do homem como meio para realidade – como se ela fosse uma pessoa à parte –, os seus fins próprios; ela não é mais que a actividade do homem na produção de seus objectivos.
Essa passagem nos dá a ideia de que a história nada mais é do que o resultado, as consequências e as mudanças geradas pelas ações do homem sobre a natureza e sobre os próprios homens. À medida que o homem modifica suas necessidades materiais, sua maneira de pensar e agir, ele gera mudanças no seu ser social que irá resultar em outras mudanças na forma de organização da sociedade, são essas mudanças que darão origem a história. Quando se fala em sociedade, para compreendê-la, é preciso buscar conhecer quem à compõe, ou seja, o ser humano como o agente que desenvolve a sociedade. Logo é necessário levar em consideração os homens, visto que os homens são os agentes de transformação histórica e social. Em virtude disso é possível considerar que:
Para compreender a marcha da história, não se deve tomar como ponto de partida a atividade do indivíduo, mas as ações das massas populares, das classes sociais. É o povo que sempre trabalhou e que trabalha ainda hoje. Desse modo, são as massas as verdadeiras criadoras da história, e não as forças celestes misteriosas ou os reis, os capitães e os legisladores. (SPIRKINE; YAKHOT, 1975b, p. 14)
Não restam dúvidas que são os trabalhadores que lutam para que as mudanças sociais e econômicas aconteçam. Na maioria das vezes lutam de forma inconsciente, mas são eles que estão trabalhando para manter o equilíbrio econômico da sociedade em que estão inseridos. Portanto, ao se analisar um fato histórico deve-se ater à classe operária como peça principal para o processo de transição
de um momento histórico a outro. Por essas razões é que Spirkine; Yakhot (1975b) reafirmam que não se pode ignorar a atividade dos homens, visto que são eles que constituem os processos históricos.
Como é amplamente conhecido, Marx e Engels desenvolveram a teoria do materialismo histórico e dialético, empregando um materialismo que unisse dialeticamente a realidade objetiva, os sujeitos e suas modificações. Esse entendimento sustenta que “[…] a dialética é a ciência das leis mais gerais do movimento e do desenvolvimento da natureza, da sociedade e do pensamento, a ciência da ligação universal de todos os fenômenos que existem no mundo” (SPIRKINE; YAKHOT, 1975a, p. 20). Em outras palavras, a dialética é o estudo das mudanças que ocorrem na natureza, no homem e na sociedade no decorrer da história. Esta não vê o mundo como um objeto fixo, mas sim tem uma visão de que tudo está em constante movimento e transformação.
Na concepção de Marx, como na de Hegel, a Dialética compreende o que hoje se chama de teoria do conhecimento ou gnoseologia, que deve igualmente considerar seu objeto do ponto de vista histórico, estudando e generalizando a origem e o desenvolvimento do conhecimento, a passagem da ignorância ao conhecimento. (LENIN, 1979, p.20)
Desta forma o processo de compreensão do conhecimento é voltado para a visão histórica do mesmo, considerando as mudanças e transformações que o mesmo passou, ou seja, para a dialética nada é permanente tudo está em constante transformação. Segundo Lênin (1979) o materialismo dialético busca compreender as mudanças do mundo a partir da realidade material, utilizando os critérios de análise da dialética para assim alcançar o conhecimento mais abrangente e detalhado da evolução. A dialética em uma concepção materialista não se limita em analisar e compreender as transformações e mudanças, mas sim busca compreendê-las a partir da realidade em que aconteceram.
O materialismo dialético, de base materialista, procura, por meio de um método dialético, compreender as transformações sociais que ocorrem na sociedade, sendo este inseparável do materialismo histórico. A partir do momento que ocorre uma transformação ou mudança também se transforma e muda a história por meio da ação do homem sobre a natureza. Sendo assim, o materialismo histórico e dialético é um método de análise do desenvolvimento humano, levando em consideração que o homem se desenvolve à medida que age e transforma a natureza e neste processo também se modifica.

LENIN, V. I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo: Global Editora, 1979 (Coleção Bases n.09)
SPIRKINE, A. YAKHOT, O. Princípios do Materialismo Dialético. S. São Paulo: Estampa, 1975a.
SPIRKINE, A. YAKHOT, O. Princípios do Materialismo Histórico. S. São Paulo: Estampa, 1975b.
Materialismo Hístórico-Dialético: Contribuições para a Teoria Histórico-Cultural e a Pedagogia Histórico-Crítica
João Junior Bonfim Joia Pereira e Fatima Aparecida de Souza Francioli
Revista Germinal – Universidade Estadual de Londrina
v. 3, n. 2, p. 93-101, dez. 2011 
in LIVRE PENSAMENTO

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