Materialismo, idealismo e dialética: chamando as coisas pelos seus nomes
Essa ideia não é nova:
“O filisteu entende por materialismo
glutonaria, bebedeira, cobiça, prazer da carne e vida faustosa, cupidez,
avareza, rapacidade, caça ao lucro e intrujice de Bolsa, em suma, todos
os vícios sujos de que ele próprio em segredo é escravo; e por
idealismo, a crença na virtude, na filantropia universal e, em geral,
num ‘mundo melhor’, de que faz alarde diante de outros, mas nos quais
ele próprio [só] acredita, no máximo, enquanto cuida de atravessar a
ressaca ou a bancarrota que necessariamente se seguem aos seus habituais
excessos ‘materialistas’ e [enquanto], além disso, canta a sua cantiga
predileta: que é o homem? — meio animal, meio anjo.”
(ENGELS, F. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. 1886)
Como demonstra o texto a seguir, essa visão não condiz com a
realidade. Ele explica o ponto de vista de um dos principais teóricos do
materialismo, o alemão Karl Marx. O materialismo (em especial o
materialismo histórico e dialético) é uma concepção filosófica, não um
preceito moral. O preceito básico seguido pelo materialismo é a
observação da matéria, ou seja, do mundo real, sem o uso de hipóteses
mágicas ou fantásticas. Ou seja, o materialismo defende que o mundo deve
ser explicado a partir de si mesmo, até porque a matéria é a realidade
objetiva e existe independente de nossa percepção ou consciência.(ENGELS, F. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. 1886)
Leia também As teses de Marx sobre a filosofia de Feuerbach.
Karl Marx e o Materialismo Histórico-Dialético
João Junior Bonfim Joia Pereira
Fatima Aparecida de Souza Francioli
De acordo com Spirkine; Yakhot (1975a) é comum encontrarmos pessoas
que acreditam que o materialista é a pessoa que se preocupa em acumular
bens materiais e que idealista é a pessoa que luta por uma causa com
objetivos que beneficie todos na sociedade. Para esses autores, ambas as
interpretações estão equivocadas, pois o materialismo procura apoio na
ciência, visto que a ciência nos proporciona a sabedoria que
necessitamos para ver o mundo como ele realmente é. O materialismo
também defende a superação da exploração da força de trabalho e das
desigualdades sociais fixadas na sociedade capitalista. Em
contrapartida, o idealismo alemão desenvolvido por Hegel (1770-1831),
nas primeiras décadas do século XIX, considera que o homem se desenvolve
por si mesmo, ou seja, a consciência humana independe da natureza, mas
sim das ideias. Desta forma o idealismo hegeliano não levava em
consideração as origens materiais para o desenvolvimento da consciência
humana, diferente do materialismo que acredita que o homem se desenvolve
na medida em que interage com a natureza e modifica os meios de
produção material.Na perspectiva materialista, é preciso conhecer a sociedade e seus aspectos para trabalhar na superação das desigualdades sociais. Nesse sentido, o materialismo considera que na sociedade tudo está ligado à natureza, visto que o homem age sobre ela para produzir seus materiais de consumo, no entanto, não somos produtos da natureza, mas sim da história humana. Por mais que exista esta ligação entre o homem e a natureza suas histórias são distintas e sobre isto Spirkine; Yakhot (1975b, p. 9) afirmam que “A história da sociedade distingue-se da história da natureza, em primeiro lugar, pelo facto de que a primeira é feita pelos homens enquanto ninguém faz a segunda”. Essa citação esclarece que na medida em que o homem transforma a natureza para fabricar seus materiais de consumo, modifica-se a si mesmo porque suas necessidades também mudam. Partindo desses princípios, podemos considerar que o materialismo histórico é a ciência filosófica que busca compreender a sociedade humana, estudando a evolução desta sociedade e como os homens a utilizam. Sobre isto Spirkine; Yakhot afirmam:
É o materialismo histórico,
uma das componentes fundamentais da filosofia marxista-leninista, que
elabora a teoria geral e o método de conhecimento da sociedade humana
como sistema, estuda as leis da sua evolução e a sua utilização pelos
homens. (SPIRKINE; YAKHOT, 1975b, p. 10, grifos do autor).
Para Spirkine; Yakhot (1975b) a essência da concepção materialista da
história é o trabalho, visto que é por meio do trabalho que o homem
produz os materiais necessários para sua sobrevivência. O homem faz sua
história à medida que modifica os meios de produção e transforma a
natureza, o homem evolui, muda a sociedade, trava combates.Nas exatas palavras de Spirkine; Yakhot (1975b, p.13):
[…] O Marxismo mostrou que os homens
faziam eles próprios sua história, que nenhuma força sobrenatural se
dissimulava atrás do processo histórico. A história, escrevem os
fundadores do marxismo, não fez nada, “não possui riqueza enorme”, não
“trava combates”! É pelo contrário o homem, o homem real e vivo que faz
tudo isso, possui tudo isso e trava todos os combates; não é a
“história” que se serve do homem como meio para realidade – como se ela
fosse uma pessoa à parte –, os seus fins próprios; ela não é mais que a
actividade do homem na produção de seus objectivos.
Essa passagem nos dá a ideia de que a história nada mais é do que o
resultado, as consequências e as mudanças geradas pelas ações do homem
sobre a natureza e sobre os próprios homens. À medida que o homem
modifica suas necessidades materiais, sua maneira de pensar e agir, ele
gera mudanças no seu ser social que irá resultar em outras mudanças na
forma de organização da sociedade, são essas mudanças que darão origem a
história. Quando se fala em sociedade, para compreendê-la, é preciso
buscar conhecer quem à compõe, ou seja, o ser humano como o agente que
desenvolve a sociedade. Logo é necessário levar em consideração os
homens, visto que os homens são os agentes de transformação histórica e
social. Em virtude disso é possível considerar que:
Para compreender a marcha da história,
não se deve tomar como ponto de partida a atividade do indivíduo, mas
as ações das massas populares, das classes sociais. É o povo que sempre
trabalhou e que trabalha ainda hoje. Desse modo, são as massas as
verdadeiras criadoras da história, e não as forças celestes misteriosas
ou os reis, os capitães e os legisladores. (SPIRKINE; YAKHOT, 1975b, p. 14)
Não restam dúvidas que são os trabalhadores que lutam para que as
mudanças sociais e econômicas aconteçam. Na maioria das vezes lutam de
forma inconsciente, mas são eles que estão trabalhando para manter o
equilíbrio econômico da sociedade em que estão inseridos. Portanto, ao
se analisar um fato histórico deve-se ater à classe operária como peça
principal para o processo de transiçãode um momento histórico a outro. Por essas razões é que Spirkine; Yakhot (1975b) reafirmam que não se pode ignorar a atividade dos homens, visto que são eles que constituem os processos históricos.
Como é amplamente conhecido, Marx e Engels desenvolveram a teoria do materialismo histórico e dialético, empregando um materialismo que unisse dialeticamente a realidade objetiva, os sujeitos e suas modificações. Esse entendimento sustenta que “[…] a dialética é a ciência das leis mais gerais do movimento e do desenvolvimento da natureza, da sociedade e do pensamento, a ciência da ligação universal de todos os fenômenos que existem no mundo” (SPIRKINE; YAKHOT, 1975a, p. 20). Em outras palavras, a dialética é o estudo das mudanças que ocorrem na natureza, no homem e na sociedade no decorrer da história. Esta não vê o mundo como um objeto fixo, mas sim tem uma visão de que tudo está em constante movimento e transformação.
Na concepção de Marx, como na de
Hegel, a Dialética compreende o que hoje se chama de teoria do
conhecimento ou gnoseologia, que deve igualmente considerar seu objeto
do ponto de vista histórico, estudando e generalizando a origem e o
desenvolvimento do conhecimento, a passagem da ignorância ao
conhecimento. (LENIN, 1979, p.20)
Desta forma o processo de compreensão do conhecimento é voltado para a
visão histórica do mesmo, considerando as mudanças e transformações que
o mesmo passou, ou seja, para a dialética nada é permanente tudo está
em constante transformação. Segundo Lênin (1979) o materialismo
dialético busca compreender as mudanças do mundo a partir da realidade
material, utilizando os critérios de análise da dialética para assim
alcançar o conhecimento mais abrangente e detalhado da evolução. A
dialética em uma concepção materialista não se limita em analisar e
compreender as transformações e mudanças, mas sim busca compreendê-las a
partir da realidade em que aconteceram.O materialismo dialético, de base materialista, procura, por meio de um método dialético, compreender as transformações sociais que ocorrem na sociedade, sendo este inseparável do materialismo histórico. A partir do momento que ocorre uma transformação ou mudança também se transforma e muda a história por meio da ação do homem sobre a natureza. Sendo assim, o materialismo histórico e dialético é um método de análise do desenvolvimento humano, levando em consideração que o homem se desenvolve à medida que age e transforma a natureza e neste processo também se modifica.
LENIN, V. I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo: Global Editora, 1979 (Coleção Bases n.09)
SPIRKINE, A. YAKHOT, O. Princípios do Materialismo Dialético. S. São Paulo: Estampa, 1975a.
SPIRKINE, A. YAKHOT, O. Princípios do Materialismo Histórico. S. São Paulo: Estampa, 1975b.
Materialismo Hístórico-Dialético: Contribuições para a Teoria Histórico-Cultural e a Pedagogia Histórico-Crítica
João Junior Bonfim Joia Pereira e Fatima Aparecida de Souza Francioli
Revista Germinal – Universidade Estadual de Londrina
v. 3, n. 2, p. 93-101, dez. 2011
João Junior Bonfim Joia Pereira e Fatima Aparecida de Souza Francioli
Revista Germinal – Universidade Estadual de Londrina
v. 3, n. 2, p. 93-101, dez. 2011
in LIVRE PENSAMENTO
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