Desmedida do valor, Estado de “mal-estar” social e crise do capitalismo global: reflexões críticas sobre o fardo do tempo histórico
Por Giovanni Alves.
A partir da crise financeira de 2008, que
provocou uma Grande Recessão no núcleo orgânico do capital (EUA, União
Européia e Japão), o capitalismo global entrou numa longa depressão que
percorre a década de 2010. Em 2014, os efeitos desse processo chegaram
às economias ditas emergentes. A longa depressão da economia mundial não
significa a estagnação da economia. Na verdade, após a Grande Recessão,
os EUA, a União Europeia e o Japão chegaram a crescer, entretanto, as
retomadas de crescimento da economia ocorreram a taxas inferiores
àquelas observadas antes de 2008. Enfim, uma longa depressão representa
uma incapacidade das economias capitalistas de terem um movimento de
acumulação do capital sustentável.
O capitalismo industrial só teve três
longas depressões na sua história: a primeira (1873-1898) impulsionou o
desenvolvimento do capitalismo monopolista e do imperialismo e levou à
Primeira Guerra Mundial; a segunda (1929-1940) levou ao surgimento do
fascismo e a eclosão da Segunda Guerra Mundial; e a terceira, atual,
deflagrada em 2008. O problema que se coloca é: como o capitalismo
global vai conseguir superar a longa depressão do século XXI? Para que
isso ocorra é preciso retomar as taxas de lucratividade que impulsionem
um novo movimento de acumulação do capital que se sustente.
Desde a Grande Recessão de 1973-1975, o
capitalismo mundial não conseguiu recuperar as taxas de lucratividade de
outrora. O movimento de acumulação de capital que iniciou-se logo após a
Segunda Guerra Mundial perde fôlego em meados da década de 1960 e leva a
primeira recessão global do pós-guerra. A crise financeira de 2008
representou uma fragilidade da economia global que nunca se recuperou da
Grande Recessão de meados da década de 1970. Na verdade, o capitalismo
global se caracteriza pela claudicância estrutural decorrente de
pressões sobre a taxa de lucratividade que impede uma retomada do
desenvolvimento da economia mundial nos moldes do último pós-guerra.
Mesmo a globalização e a ofensiva
neoliberal que ocorreu a partir da década de 1980 não conseguiram
recuperar o patamar de lucratividade dos trinta anos dourados do
capitalismo mundial no centro dinâmico do sistema do capital. É claro
que as economias cresceram, mas o crescimento foi caracterizado por
instabilidade sistêmica decorrente da financeirização da riqueza
capitalista. Apesar do formidável crescimento da taxa de exploração por
conta da ofensiva neoliberal sobre o mundo social do trabalho, o
capitalismo global predominantemente financeirizado demonstra ser
incapaz de elevar a um patamar superior, a taxa de lucratividade que
contribua para aumento do investimento produtivo que garanta um
crescimento sustentável do movimento de acumulação de capital.
Existem pressões estruturais sobre a taxa
média de lucros que impedem a sua retomada num patamar superior – mesmo
o crescimento da massa de mais-valia não garante o aumento da
lucratividade por conta do aumento da composição orgânica do capital
decorrente das revoluções tecnológicas dos últimos trinta anos de
capitalismo global (a revolução informática e a revolução
informacional). A perspectiva da Quarta Revolução Industrial representa a
expectativa de desvalorização massiva do capital constante, provocando
uma desvalorização moral (obsolescência) do valor do capital constante
que, aliada ao aprofundamento da exploração da força de trabalho, possa
permitir a queda da composição orgânica do capital e o aumento
significativo da taxa de lucratividade, fazendo com que o capitalismo
global possa ter a partir da década de 2020 a superação da longa
depressão do século XXI e a abertura de novo ciclo de expansão
capitalista – e por conseguinte, o aprofundamento de candentes
contradições sociais.
Neste artigo buscamos identificar as contradições candentes do capitalismo global no século XXI. Trata-se do acumulo de contradições estruturais que caracterizam a evolução do capital como “sujeito automático”.
Mesmo que a economia global consiga retomar taxas de crescimento
sustentáveis na década de 2020 por conta do aumento da taxa de
lucratividade ocasionada pela queima de capital em função da Quarta
Revolução Industrial e pelo aprofundamento da taxa de exploração do
trabalho vivo – e por conseguinte pelo aumento da concentração de renda
–, o capitalismo global no século XXI vai exacerbar suas características
estruturais que aprofundam a irracionalidade social (o que vemos
ocorrer nos trinta anos perversos de capitalismo global).
A irracionalidade social se caracteriza
pela contradição candente entre indicadores de crescimento da economia
global e a expansão da miséria social decorrente da expansão do novo e
precário mundo do trabalho. Diferentemente da abordagem keynesiana que
não acredita que o capitalismo neoliberal possa se sustentar com a
contração da demanda efetiva, a abordagem marxista clássica observa que o
que determina a expansão de investimento é a perspectiva de
lucratividade. É o lucro que move a expansão do capitalismo.
A questão é que o crescimento da economia
capitalista nas condições do capitalismo global do século XXI cada vez
mais vai contrapor-se às necessidades sociais. A saída da longa
depressão do capitalismo do século XXI – que vai ocorrer com o aumento
da perspectiva de lucratividade – vai significar o aprofundamento da
miséria humana global (desigualdade social e concentração de renda). É
ilusão acreditar que o capitalismo do século XXI possa permitir uma ação
política capaz de construir um Estado de bem-estar social – pelo
contrário, a crise estrutural do capital significa o fim da era do
Estado de mal-estar social (o que explica o anacronismo histórico do
neodesenvolvimentismo e pós-neoliberalismo nos marcos do capitalismo
dependente como o capitalismo brasileiro).
O crescimento do PIB não vai se reverter
em bem-estar social. Pelo contrário, vai alimentar o rentismo que
caracteriza o capitalismo predominantemente financeirizado – rentismo
que favorece as altas classes médias e os ricos do sistema mundial do
capital. Diz Göran Therborn no artigo “Dynamics of Inequality” (New Left Review 103, janeiro-Fevereiro de 2017), comentando o livro Global Inequality – A New Approach for the Age of Globalization, de Branko Milanović:
“Branko Milanović
oferece uma notável ilustração de como a renda do mundo tem sido
redistribuído por todo o planeta. Existem dois principais vencedores. O
maior, grupo A, representa a “classe média emergente” da China, Índia,
Tailândia, Vietnã e Indonésia. Sua renda tem aumentado em 70% ou mais
desde a década de 1980. Os outros ganhadores – o grupo C – são o 1% de
cima, cujos rendimentos subiram por uns 65%. Os grandes perdedores –
grupo B – são os setores da classe operária e da classe média baixa nos
Estados Unidos, na Europa e no Japão. Esta é a base econômica da
flutuabilidade globalista na Ásia emergente, o ressentimento popular na
Europa e nos EUA e a arrogância dos plutocratas do mundo.”
Um primeiro traço das contradições
estruturais do capital no século XXI é a desmedida do valor no interior
da plena afirmação da relação-valor. É o que presenciamos com vigor com o
desenvolvimento histórico do capitalismo global. Existe uma correlação
dialética entre desmedida e expansão da forma-valor. O fenômeno da
desmedida de valor explica a financeirização da riqueza capitalista
ocorrida na área do capitalismo global. É interessante abordarmos a
natureza da desmedida de valor como característica do capitalismo tardio
e como elemento compositivo do complexo causal da crise estrutural de
valorização do valor. Ela é a decorrência lógico-ontológica da evolução
do capital como “sujeito automático” da modernização histórica.
A explicação marxiana da desmedida do
capital parte do princípio de que “quanto maior é a força produtiva do
trabalho, menor é o tempo de trabalho requerido para a produção de um
artigo, menor a massa de trabalho nele cristalizada e menor seu valor”
(Karl Marx, O capital: crítica da economia política, Livro I,
p. 118). Portanto, na ótica da teoria do valor-trabalho de Marx, a
grandeza de valor de uma mercadoria varia na razão direta da quantidade
de trabalho que nela é realizada e na razão inversa da força produtiva
desse trabalho.
O capitalismo tardio se caracterizou, de
modo inédito na história humana, pela ocorrência de duas revoluções
industriais em pouco mais de cinquenta anos de desenvolvimento
capitalista: a Terceira Revolução Industrial e a Quarta Revolução
Industrial. Elas promoveram significativas mudanças tecnológicas que
impulsionaram o aumento da força produtiva do trabalho e a redução do
tempo de trabalho necessário para a produção das mercadorias com
impactos decisivos na formação do valor.
Essa mutação orgânica da base técnica do
sistema produtor de mercadorias, o aumento do capital fixo na produção
de valor e, por conseguinte, a redução do capital variável, ou ainda a
maior presença do trabalho morto em detrimento da redução – em termos
relativos, mas não absolutos – do trabalho vivo na esfera de produção do
valor, teve impactos na composição orgânica do capital (em termos de
valor), levando à operação de movimentos contratendenciais à queda da
taxa média de lucros (o próprio movimento de expansão e crise do
capitalismo global é expressão histórica disso).
Na perspectiva da “lei” tendencial de
queda da taxa média de lucros, o capital operou no tempo histórico do
capitalismo global, contratendencias efetivas que alteraram a natureza
histórica da dinâmica capitalista, levando à hegemonia do capital
financeiro ou capital especulativo-parasitário no plano do sistema
mundial. Na perspectiva da desmedida do valor, o capital encontrou
irremediavelmente seu limite estrutural.
A desmedida de valor provocou alterações
nos parâmetros estruturais da própria composição orgânica do capital e
nos elementos estruturantes do processo de trabalho como processo de
valorização (a “implosão” do complexo categorial do capital variável,
tais como a jornada de trabalho, remuneração salarial e contratação, com
a vigência do trabalho informal ou trabalho precário). Portanto, a nova precariedade salarial é explicada pela desmedida do valor, complexo causal que produz a precarização estrutural do trabalho vivo.
Para apreendermos a natureza da desmedida
do valor, isto é, a mudança qualitativamente nova que “altera” a medida
do valor como fundamento do capital, vale a pena comentar a longa
passagem dos Grundrisse em que Marx discute capital fixo e desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Diz ele:
“Consequentemente,
quanto mais desenvolvido o capital, quanto mais trabalho excedente
criou, tanto mais extraordinariamente tem de desenvolver a força
produtiva do trabalho para valorizar-se em proporção ínfima, i.e., para
agregar mais-valor – porque o seu limite continua sendo a proporção
entre a fração da jornada que expressa o trabalho necessário e a jornada
de trabalho total. O capital pode se mover unicamente no interior
dessas fronteiras. Quanto menor é a fração que corresponde ao trabalho
necessário, quanto maior o trabalho excedente, tanto menos pode qualquer
aumento da força produtiva reduzir sensivelmente o trabalho necessário,
uma vez que o denominador cresceu enormemente. A autovalorização do
capital devém mais difícil à proporção que ele já está valorizado. O
aumento das forças produtiva deviria indiferente para o capital;
inclusive a valorização, porque suas proporções teriam se tornado
mínimas; e o capital teria deixado de ser capital. Se o trabalho
necessário fosse 1/1000 e a força produtiva triplicasse, o trabalho
necessário só cairia 1/3000 ou o trabalho excedente só teria crescido
2/3.ooo. No entanto, isso não ocorre porque cresceu o salário ou a
participação do trabalho no produto, mas porque o salário já caiu muito,
considerado em relação ao produto do trabalho ou à jornada de trabalho
vivo. (O trabalho objetivado no trabalhador manifesta-se aqui como
fração de sua própria jornada de trabalho vivo, pois essa fração é a
mesma proporção que há entre o trabalho objetivado que o trabalhador
recebe do capital como salário e a sua jornada de trabalho inteira)”.
Primeiro, Marx ressalta que o capital se
move no interior do contínuo de tempo da jornada de trabalho, tendo, por
um lado, a fração da jornada que expressa o [tempo de] trabalho
necessário, e, por outro, a fração da jornada de trabalho total. Eis os
dois elementos cruciais para o movimento do capital como “sujeito
automático” da autovalorização do valor: o tempo de trabalho socialmente
necessário para a produção de uma mercadoria e o tempo da jornada
inteira de trabalho.
O aumento da força produtiva do trabalho
por conta de alterações na base técnica do sistema de exploração da
força de trabalho e do trabalho vivo, propiciado pelas revoluções
industriais, leva à redução do tempo de trabalho socialmente necessário
para a produção das mercadorias. As alterações na base técnica do
sistema produtor de mercadorias podem ocorrer não apenas pela introdução
de novas tecnologias de produção – por exemplo, máquinas – mas também
pela adoção de novos métodos de organização do trabalho vivo (gestão)
que contribuem para administrar a intensificação do trabalho (o estresse
da força física e espiritual do trabalho vivo).
Por um lado, a redução do tempo de
trabalho socialmente necessário provoca a redução da massa de trabalho
cristalizada nas mercadorias e por conseguinte reduz seu valor. Ao mesmo
tempo, ao reduzir-se o tempo de trabalho necessário, mantendo-se o
tempo da jornada inteira de trabalho, amplia-se o tempo de trabalho
excedente ou tempo de trabalho não-pago (mais-valia relativa). É a ânsia
de extrair mais-valor que faz com que o capital promova inovações
tecnológicas capazes de reduzir o tempo de trabalho socialmente
necessário para a produção das mercadorias – mesmo que se mantenha o
limite político e histórico-moral da jornada de trabalho.
Entretanto, como contradição viva, embora
a redução do tempo de trabalho socialmente necessário aumente o tempo
de trabalho não-pago ou o mais-valor relativo, ela provoca a redução do
valor cristalizado nas mercadorias (na ótica da teoria do
valor-trabalho, máquinas não produzem valor – elas apenas o transferem).
Entretanto, Marx salienta uma contradição a mais – quanto mais
incorpora máquinas na produção, mais ele precisa incorpora-las “para
valorizar-se em proporção ínfima”. É quase uma pulsão recorrente para
reduzir o tempo de trabalho socialmente necessário e, por conseguinte,
criar trabalho excedente, ao mesmo tempo que reduz a base material da
valorização do valor. Diz ele: “Quanto mais desenvolvido o capital,
quanto mais trabalho excedente criou, tanto mais extraordinariamente tem
de desenvolver a força produtiva do trabalho para valorizar-se em
proporção ínfima.” (Karl Marx, Grundrisse).
Eis a tragédia do capital. Diz Marx: “A autovalorização do capital devém mais difícil à proporção que ele já está valorizado” (Grundrisse,
p. 269). Marx vislumbraria a desmedida do valor como o limite do
capital autovalorizado contraditoriamente. Ele afirmaria logo a seguir:
“O aumento das forças produtiva deviria indiferente para o capital;
inclusive a valorização, porque suas proporções teriam se tornado
mínimas; e o capital teria deixado de ser capital.” (Grundrisse)
No limite da desmedida do valor, o aumento da força produtiva não seria
capaz de impulsionar a valorização do capital, tornando-se indiferente
para ele mesmo. É que o que identificamos como sendo a crise estrutural
de valorização do valor diante do aumento da composição orgânica do
capital na era da desmedida do valor.
Deste modo, o aumento extraordinário da
força produtiva do capital por conta das Revoluções Industriais
ocorridas desde o fim da Segunda Guerra Mundial (em 1945), a Terceira
Revolução Industrial e a Quarta Revolução Industrial que ocorre no auge
do capitalismo global, provocaram não apenas o aumento da composição
orgânica do capital e seus movimentos contratendenciais visando
recuperar a lucratividade das corporações industriais (como salientamos a
seguir), mas provocaram a desmedida do valor, o fenômeno estrutural do
processo de produção do capital destacado acima por Marx nos Grundrisse.
Na medida em que o valor do
produto-mercadoria se reduziu a uma proporção ínfima de si, tendo em
vista a redução exponencial do trabalho socialmente necessário para
produzi-la, o progresso técnico se descola (ou torna-se indiferente)
para a autovalorização do capital. Pelo contrário, mesmo sendo
indiferente a si, o desenvolvimento das forças produtivas do capital
prossegue irremediavelmente como uma pulsão sinistra do capital que opõe
o processo tecnológico à totalidade viva do trabalho.
Marx observou – e vale a pena repetir –
que o “aumento das forças produtivas deviria indiferente para o capital;
inclusive a valorização, porque suas proporções teriam se tornado
mínimas; e o capital teria deixado de ser capital.” (Grundrisse)
A indiferença do processo tecnológico à valorização do valor acusa a
desmedida do valor provocada pelo aumento das forças produtivas do
capital e a redução quase-infinita do trabalho socialmente necessário na
produção das mercadorias.
A transformação do processo de produção
do simples processo de trabalho em um processo científico ou processo de
produção do capital, com o capital fixo subsumindo o trabalho vivo,
continha o para-si da “negação da negação” do capital como processo de
valorização. Noutra passagem dos Grundrisse, Marx expõe a mesma
lógica da desmedida do valor que faz com que o capital deixe de ser
capital no sentido do capital como processo de valorização do valor
propriamente dito (a crise estrutural de valorização do valor). Disse
ele:
“Na mesma medida em que
o tempo de trabalho – o simples quantum de trabalho – é posto pelo
capital como único elemento determinante de valor, desaparece o trabalho
imediato e sua quantidade como o princípio determinante da produção – a
criação de valores de uso –, e é reduzido tanto quantitativamente a uma
proporção insignificante, quanto qualitativamente como um momento ainda
indispensável, mas subalterno frente ao trabalho científico geral, à
aplicação tecnológica das ciências naturais, de um lado, bem como [à]
força produtiva geral resultante da articulação social na produção total
– que aparece como dom natural do trabalho social (embora seja um
produto histórico). O capital trabalha, assim, pela sua própria
dissolução como a forma dominante da produção.” (Karl Marx, O capital: crítica da economia política, Livro I, Boitempo, 2013) [o grifo é nosso]
O movimento do capital na sua ânsia de
substituir trabalho vivo por trabalho morto, capital variável por
capital fixo, faz desaparecer o processo de trabalho e o trabalho
imediato e sua quantidade como o princípio determinante da produção. O
processo de trabalho como processo de valorização se interverte em
processo científico – expressão de Marx – ou processo tecnológico na
medida em que o processo de produção do capital torna-se processo de
tecnologização da ciência aplicada à produção de mercadorias.
O processo cientifico de produção de
mercadorias é um processo problemático para o modo de produção do
capital, na medida em que o tempo de trabalho, único elemento
determinante de valor, se reduz a uma “proporção insignificante”. Como
diz ele, o trabalho é “um momento ainda indispensável, mas subalterno
frente ao trabalho científico geral, à aplicação tecnológica das
ciências naturais, de um lado, bem como [à] força produtiva geral
resultante da articulação social na produção total – que aparece como
dom natural do trabalho social (embora seja um produto histórico).” Não
se trata de dispensar absolutamente o trabalho vivo, mas torna-lo
efetivamente subalterno ao arcabouço tecnológico do capital, produto
histórico da força social de produção do capital social total.
Na medida em que o tempo de trabalho,
único elemento determinante de valor, “desaparece”, o capital deixa de
ser capital ou, noutras palavras, “o capital trabalha, assim, pela sua
própria dissolução como a forma dominante da produção” (Marx, O capital, Livro I).
Estamos na plenitude da lógica dialética com a desmedida de valor
provocando o “desaparecimento” do tempo de trabalho como quantum ou
medida da riqueza.
O movimento dialético do ser do capital,
que existe somente no devir, conduz da qualidade à quantidade e, logo
após, à medida que, na lógica hegeliana, é “a verdade da qualidade e da
quantidade, unidade na qual toda mudança quantitativa indica
simultaneamente uma mudança qualitativa”. No plano material, ocorrem
mudanças qualitativas no movimento da essência do capital que fazem com
que a indiferença da medida chegue ao seu limite – “e, por sua
transgressão através de um mais ou um menos suplementar, as coisas
deixem de ser o que eram.” A lógica da dialética hegeliana expõe o “para
além do capital” no plano lógico-ontológico da essência do ser: “Essa
determinação-progressiva é, a um tempo, um pôr-para-fora (Heraussetzen) e portanto um desdobrar-se do conceito em si essente; e, ao mesmo tempo, o adentrar-se em si (Insichgehen) do ser, um aprofundar-se do ser em si mesmo.” (Hegel, Ciência da lógica).
Deste modo, o movimento do capital que
deixa de ser capital ou, noutras palavras, o movimento do capital que
trabalha pela sua própria dissolução como a forma dominante da produção,
é o movimento do capital no interior da crise estrutural de valorização
do valor. Trata-se, como diria Ruy Fausto, da “negação” do capitalismo
no interior do capitalismo, como capitalismo “negado”.
Assim, no plano da materialidade
histórica, o capitalismo global é o capitalismo histórico em sua etapa
de crise estrutural que, no plano do ser (e da sua essência) é um
“capitalismo negado” no sentido de que a crise estrutural da produção do
valor salientada acima, representa o aumento da composição orgânica do
capital (com a pressão sobre a taxa média de lucro) e seus movimentos
contratendenciais no interior da era da desmedida do valor.
O capitalismo global com suas
determinações fundantes (e fundamentais) – capitalismo neoliberal,
capitalismo predominantemente financeirizado e capitalismo flexível – é o
capitalismo histórico em que o movimento das leis tendenciais da
acumulação de capital operam no interior da negação (ou suprassunção) de
sua determinação-progressiva (o tempo de trabalho como único elemento
determinante de valor).
Na era da desmedida do valor, na
perspectiva da lógica dialética, o movimento do capital “negado”
significa, por um lado, um “pôr-para-fora” – diria Hegel: “um
desdobra-se do conceito em si essente” , ou seja, um desdobrar-se do
capital em seus elementos essenciais mesmo que opere no plano do
“capital que deixou de ser capital”. Apesar da desmedida de valor, o
aumento da composição orgânica do capital (em valor) põe para fora
movimentos contratendenciais históricos à queda da taxa média de lucros.
A “desparametrização” do conceito do
capital em si, com seus elementos essenciais medidos em termos de valor
(por exemplo, composição orgânica do capital, jornada de trabalho,
salário, etc) não significa sua invalidação ontológica na determinação
do devir da forma do ser do capital. Pelo contrário, o “passar para
outra” do capital mantém operando, sob a forma exótica, o conceito em si
essente do capital (o capital em seus elementos essenciais). Por
exemplo, consideramos a financeirização da riqueza capitalista como uma
forma exótica contratendencial à crise estrutural de valorização do
capital (o “pôr-para-fora” representa o ex-otismo do capitalismo global).
Por outro lado, na era da desmedida do
valor, na perspectiva da lógica dialética, o movimento do capital
“negado” significa o “adentrar-se em si” do ser” – ou como diria Hegel,
“um aprofundar-se do ser em si mesmo”, ou seja, o capital em sua etapa
de crise estrutural, não é apenas ex-ótico, mas autocentrado em si mesmo
como movimento de valorização do valor – hoje, negado – mas
posto-para-fora como capital fictício. A dominância do capital
especulativo-parasitário é a forma histórica do capital “aprofundado em
si mesmo”, explicitando na totalidade de ser suas determinações
estranhadas.
Finalmente, dando continuidade à reflexão
sobre a longa depressão da economia mundial, torna-se necessário, mais
uma vez, afinarmos a consciência crítica apresentando a título de
hipótese de trabalho, uma nova periodização histórica do desenvolvimento do capitalismo global.
Por capitalismo global
entendemos uma nova forma de ser do capitalismo histórico que pode ser
caracterizado por um complexo de determinações conceituais salientadas
por vários autores que adjetivam o novo capitalismo de modo unilateral.
Por exemplo, o capitalismo global é o capitalismo neoliberal (Gerard
Duménil e Dominique Lévy), o capitalismo flexível (Richard Sennet), o
capitalismo cognitivo (Maurizio Lazzarato e Antonio Negri), o
capitalismo senil (Jorge Beinstein), o capitalismo zombie (Chris
Harman), a sociedade em rede (Manuel Castells), etc.
Como determinações de fundo da
nova forma de ser do sistema mundial do capitalismo histórico que se
origina da crise estrutural do capital (István Mészáros), temos seu
caráter radicalmente manipulatório (Georg Lukács), predominantemente
financeirizado (François Chesnais) e lastreado em duas revoluções
tecnológicas – a revolução informática (Adam Schaff) e revolução
informacional (Jean Lojkine) – elementos que compõem, dentre outros, a
ante-sala da Quarta Revolução Industrial (Klaus Schwab) que deve
percorrer o século XXI. O capitalismo global foi apreendido também por
Gilles Lipovetsky, um dos mais prolíficos sociólogos do capitalismo
global, como a era do vazio (1993); os tempos hipermodernos (2004), a
sociedade da decepção (2006), a civilização da leveza (2015), ou ainda
pela filosofia de Byung-Chul Han como a sociedade do cansaço (2010) ou a
sociedade da transparência (2012). Todo complexo de determinações
salientadas acima se desenvolveram de modo pleno a partir de 1990,
tornando-se mais visível no plano social e cultural.
Esta nova perspectiva histórica de
desenvolvimento do capitalismo global é uma revisão crítica da
periodização adotada em escritos anteriores que situava como marco
histórico originário do capitalismo global o ano de 1980 com a eleição
de Ronald Reagan nos EUA. Naquela perspectiva, a partir da recessão
global de 1973-1975, iniciou-se a crise estrutural do capital (István
Mészáros) e o período de transição de modelo hegemônico de
desenvolvimento capitalista, caracterizado pela agudização da luta
política e sindical nos países capitalistas centrais, e a derrota do
receituário fordista-keynesiano com a vitória das plataformas
neoliberais. A eleição de Thatcher no Reino Unido em 1979 e Ronald
Reagan nos EUA em 1980 foram indicativos da nova virada política do modo
de desenvolvimento capitalista.
Enquanto na primeira perspectiva, a
transição para a hegemonia neoliberal no plano global ocorreu na última
metade da década de 1970, na nova perspectiva, ela se alonga pela década
de 1980, a ser considerada como uma década de disputas
político-ideológicas entre EUA e URSS, em sua última etapa histórica,
que se concluirá em 1989-1991 com a Queda do Muro de Berlim e o fim da
URSS.
Na perspectiva anterior, teríamos hoje
(2018) quase quarenta anos de capitalismo global na sua acepção plena.
Deste modo, a década de 1990 representaria uma década de mero
prolongamento (e aprofundamento) da programática neoliberal, não apenas
no capitalismo central, mas na sua borda periférica (América Latina,
Europa Oriental e Rússia). A passagem da década de 1980 para a década de
1990 representaria mero prosseguimento daquilo que seria o capitalismo
global. Entretanto, neste pequeno ensaio, iremos apresentar uma nova
periodização histórica que situa a explicitação do capitalismo global
propriamente dito como tendo ocorrido não em 1979/1980, mas sim
1989/1991.
Ao invés do marco histórico do
capitalismo global como sistema hegemônico de desenvolvimento da
mundialização do capital ter sido as eleições de Margaret Thatcher e
Ronald Reagan, foi a Queda do Muro de Berlim e a débâcle da
URSS (1989/1991). Eric Hobsbawm tinha intuído que o século XX acabara
nesta época de drásticas mudanças geopolíticas no mundo. Portanto, nossa
hipótese é que o capitalismo global tem como marco histórico o ano de
1989-1990. Deste modo, o século XXI seria o século do capitalismo global
que, ao nascer, logo depois, iria expor sua insustentabilidade (como
demonstraram os acontecimentos das décadas seguintes). Deste modo, o
capitalismo global teria hoje trinta anos de desenvolvimento histórico
(1990-2020) – os “trinta anos perversos” (em contraposição, por exemplo,
aos “trinta gloriosos” (1945-1975)).
Portanto, se o capitalismo da década
de 1980 não é o capitalismo global propriamente dito, o que representou
efetivamente a década de 1980 para o desenvolvimento do novo capitalismo?
A década de 1980 representou uma década
de transição iniciada após a derrota da programática fordista-keynesiana
na última metade da década de 1970. Estavam sendo colocadas os pilares
daquilo que consideramos a terceira modernidade. O período anterior
(1980-1990) foi um período de formação do neoliberalismo como sistema
hegemônico mundial. A década de 1980 foi a década da pós-modernidade e
seus sonhos liberais, logo frustrados na década seguinte, quando surgiu
efetivamente o capitalismo global.
Assim, o que presenciamos com o capitalismo global é a crise estrutural do capital em sua dimensão superior (Mészáros identificara com a crise de 1973-1975, a crise estrutural do capital, um longo depresso,
de acordo com ele – entretanto, o sistema do capital na década de 1980
se reestruturaria, dando resposta histórica às contradições expostas no
período anterior). A ofensiva do capital se sedimentaria com os
acontecimentos históricos de 1989/1991, projetando portanto a
civilização do capital noutra temporalidade histórica: o capitalismo
global.
Os tempos hipermodernos, eufemismo para o
capitalismo global, pode ser caracterizado pela posição/afirmação
hegemônica do capital financeiro com sua programática neoliberal. Nesse
período de euforia liberal (“fim da história”, diria Fukuyama), a efusão
capitalista tornou-se plena com a queda da URSS, expansão da
globalização, a nova base tecnológica (Internet) e os pilares da Quarta
Revolução Industrial (Informacional). Além disso, temos a presença da
China no mercado mundial. Ao mesmo tempo, temos com o Plano Brady e
Consenso de Washington, a integração da América Latina, Europa Oriental e
Rússia no circuito de capital; e as crises financeiras recorrentes no
sistema do capital (1996-2001 e 2008-2009).
Essas crises financeiras abaterão o novo
sistema neoliberal a partir de 1996-2001, abrindo novas dinâmicas de
conjunturas regionais (América Latina e Rússia) e provocando reação
geopolítica, com o capitalismo global entrando na sua fase de longa
decadência a partir da depressão da economia mundial da década de 2010.
Na América Latina, a crise das experiências pós-neoliberais e
neodesenvolvimentistas. Enquanto isso, na Ásia, a Rússia se desloca
geopoliticamente, recompondo-se em meados da década de 2000 com Vladimir
Putin, aproximando-se da China e Índia, indicando um novo modelo de
desenvolvimento do capital.
Podemos dizer, numa perspectiva
retrospectiva que foi breve a ascensão do capitalismo global; e podemos
afirmar, do mesmo modo, que será longa sua queda histórica, que tem como
marco histórico, a Grande Recessão de 2008/2009 e a longa depressão da
economia mundial. É o que buscaremos caracterizar pois vivemos a era
histórica da crise estrutural do capitalismo global como etapa superior
da crise estrutural do capital.
Como salientamos no artigo anterior, vivemos hoje (2018) a terceira
longa depressão da economia mundial que deve nos projetar no decorrer
do século XXI, para uma nova dinâmica global do capital. Nada
podemos prever. A tarefa do cientista social é dar sentido à cena
histórica. Podemos especular – no bom sentido dialético – e apresentar
hipóteses que clarifiquem o processo de desenvolvimento histórico no
qual estamos inseridos.
Talvez a próxima década – 2020 –
represente efetivamente a transição histórica para um novo (e
senilizado) capitalismo global que elevará, numa escala inédita, as
contradições oriundos da crise estrutural do capital. Após trinta anos
de desenvolvimento e crise do capitalismo global, ela pode representar,
por exemplo, o mesmo que a década de 1980 representou no plano da longo durée
do capitalismo tardio. Entretanto, nada pode garantir que assim ocorra.
Trata-se apenas de hipóteses, pois os “acidentes” desempenham um papel
importante no curso do desenvolvimento histórico do capitalismo.
Depois de “trinta anos” de
desenvolvimento e crise do capitalismo global (1990-2020) podemos
apreender hoje, devido o adequado distanciamento histórico, os traços
estruturais significativos do novo capitalismo do século XXI, o dito
“tempos hipermodernos”. Trata-se do novo capitalismo senil que se
vislumbra nos primórdios do século XXI e que deixa muito distante o
capitalismo fordista-keynesiano do pós-guerra, ápice do desenvolvimento
civilizatório do capitalismo histórico – pelo menos nos países
capitalistas centrais.
Ao invés de ficarmos aprisionados na
tradição das gerações mortas, devemos vislumbrar as novas condições da
luta de classes no novo patamar da crise estrutural do capital postas
pelo novo capitalismo senil e pelo movimento do sistema do capital que
deve surgir da crise do capitalismo global no século XXI. Os “trinta
anos perversos” do capitalismo global foram tempos de mudança históricas
drásticas só comparáveis àquelas ocorridas com a Primeira Revolução
Industrial na virada do século XVIII para o século XIX na Europa
Ocidental. Tivemos transformações estruturais – que ainda prosseguem –
na economia global, sociabilidade burguesa, base tecnológica, estrutura
de dominação política, morfologia do mundo do trabalho e sua
representação sindical e social, cultura e psicologia das massas e
formas de estranhamento social
Anuncia-se a Quarta Revolução Industrial e
constituição de novo e precário mundo do trabalho. Na verdade, a
ampliação da robotização, fábricas automáticas, Inteligência artificial,
nanotecnologia, biotecnologia, Internet das coisas e impressão 3D,
devem provocar mudanças radicais na estrutura de produção de valor,
agudizando tendências histéricas verificadas na última metade do século
XX que fez aumentar a composição orgânica do capital no plano mundial,
aumentando a pressão sobre a taxa média de lucros das unidades
concentradas de produção de valor no sistema mundial do capital.
O movimento de “fuga para frente” do
capitalismo global, com a perequação das taxas média de lucro num
movimento único de queda da taxa média de lucro no plano global, afirma
cada vez mais, no plano da lei do valor, a integração (e
interdependência) da economia global dependente dos vários movimentos
contratendenciais à queda da lucratividade global (com destaque para a
crônica financeirização da riqueza capitalista, que hoje, por exemplo,
lastreia-se nas moedas virtuais como o bitcoin).
Ao mesmo tempo, afirma-se como
necessidade da valorização do valor, a integração regional do comércio,
reformas trabalhistas que corroem diretos trabalhistas equalizando a
taxa diferencial de exploração da força de trabalho, o aprofundamento da
obsolescência planejada de mercadorias – aquilo que Mészáros denominou
de queda da taxa de utilização do valor de uso, tendo em vista a
aceleração do giro do capital em sua forma financeira (por exemplo, o
sociólogo alemão Hartmund Rosa, ao dedicar sua reflexão sociológica à aceleração social exprime, no plano contingente, o que tornou-se uma obsessão da lógica de crise do capitalismo global).
Ao mesmo tempo, desenvolve-se de modo ampliado, como fenômeno histórico inédito, a barbárie social decorrentes do aprofundamento do estranhamento no sentido lukácsiano do termo. Esta é a base sociometabólica do Estado de mal-estar social.
No plano político, esgota-se a democracia política representativa,
originando cada vez mais conflitos entre a esfera pública corroída e a
esfera dos interesses privados da oligarquia financeira global e seus
aliados internos.
No plano geopolítico, a decadência do
capitalismo neoliberal e o surgimento de nova forma social do capital na
Ásia – com destaque para a China, indica possibilidades de
desenvolvimento contraditório do fetiche do valor na sua forma
pós-capitalista como Estado político do capital.
Em 2018, a economia global vive o pico de
ascensão de um ciclo de negócios iniciado em meados de 2016. Prevê-se
que a partir de 2019 verifiquemos fenômenos de desaceleração da economia
global, como indicado pelo próprio relatório do FMI. Na verdade, a
economia global ainda não superou problemas estruturais oriundos da
Grande Recessão de 2008/2009.
Deve-se esclarecer que, no interior da
longa depressão da economia capitalista pode-se admitir ciclos de
crescimento e desaceleração das economias capitalistas. Em 2019 o que
pode ocorrer é desaceleração que pode – ou não! – levar a um novo crash
(como 2008). Entretanto, o que vários economistas marxistas constatam é
que, a vulnerabilidade do sistema do capitalismo global em sua etapa de
crise deve continuar por conta do acumulo de contradições postas pela
crise do capitalismo global (endividamento estagnando o investimento
privado e investimento público, demanda e a nova alavancagem da
especulação provocando riscos).
E o Brasil?
Em 2018, a economia brasileira rasteja
numa conjuntura de longa depressão da economia global, com profundos
impactos sociais (desemprego e nova precariedade salarial). De 2015 a
2016, o Brasil enfrentou uma das maiores recessões de sua história –
pelo menos desde 1930. O golpe de 2016 construiu-se no interior da
conjuntura de queda das economias capitalistas ocorridas de 2013 a 2016 –
a mesma conjuntura que elegeu, por exemplo, Donald Trump nos EUA, levou
ao Brexit no Reino Unido e levou a extrema-direita francesa ao segundo
turno das eleições na França.
Como dissemos acima, em meados de 2016, o
movimento da economia global, no caso dos países capitalistas centrais,
mostrou uma pequena recuperação que deve alcançar seu pico em 2018. No
caso do Brasil, o governo golpista implementou de modo veloz, reformas
estruturais voltadas para aumentar a taxa de exploração da força de
trabalho (Terceirização e Reforma Trabalhista) e o redução do gasto
público e equilíbrio orçamentário do Estado visando beneficiar os
detentores do capital improdutivo – que comandam o bloco no poder do
capital no País (Lei do Teto do gasto público e principalmente a Reforma
da Previdencia).
A economia brasileira sai da recessão em
2017, estagnando-se e projetando um crescimento medíocre em 2018 –
aproveitando o movimento de ascensão da conjuntura da economia global,
como relatamos acima. O choque das novas reformas neoliberais paralisou o
investimento público e mesmo numa etapa de ascensão do ciclo de
negócios no centro capitalistas – o que não deve ocorrer em 2019 – não
conseguirá retomar o crescimento que havia antes da profunda recessão de
2015-2016. A perspectiva é de impasses na economia brasileira em 2019,
com o agravamento do quadro social, aumentando as lutas sociais e
provocando um estresse profundo no caduco sistema político brasileiro.
Vejamos o desenvolvimento do capitalismo
brasileiro no interior da nova etapa do capitalismo global iniciada em
1990. Com a derrota da Frente Brasil Popular em 1989, o Brasil insere-se
na nova etapa do capitalismo mundial a partir de 1990 com o projeto de
reformas neoliberais do governo Collor e depois FHC (estabilização
monetária, reforma do Estado, reforma trabalhista – não conseguiu
efetuar a reforma da previdência, feita em 2003 por Lula) (repete-se
hoje com Temer, de modo mais profundo, o projeto neoliberal dos anos
1990).
Entramos na era do capitalismo global com
os governos neoliberais da longa década de 1990. É o que ocorre com a
América Latina. Com a crise do modelo neoliberal no começo da década de
2000, como resultados da crises financeiras da última metade da década
de 1990, temos resultados políticos que abrem uma fratura no projeto
neoliberal. Daí surgem na América Latina o fenômeno das experiências
pós-neoliberais e experiências neodesenvolvimentistas.
Não se trata de rupturas com o sistema
mundial hegemônico do capitalismo global, tudo em vista seus limites
políticos, principalmente no caso do Brasil, elo mais forte do
imperialismo na América Latina. Mas as experiências
neodesenvolvimentista e principalmente pós-neoliberais na década de 2000
alteraram o movimento da ofensiva neoliberal dos anos 1990, incomodando
setores dominantes do bloco no poder, mesmo que sua programática
política tímida e conciliadora.
A crise do capitalismo global a partir de
2008/2009 colocou novas contradições – não apenas econômicas, mas
inclusive geopolíticas – no manejo da programática neodesenvolvimentista
que levou, no caso do Brasil, ao golpe de 2016.
Apesar de não ameaçar as relações de
propriedade privada, o neodesenvolvimentismo, em sua fase terminal, teve
que enfrentar a partir de 2013 o conflito pelo Orçamento Público, as
necessidades empresarias pelo aumento da taxa de exploração e os
interesses imperialistas no quadro de um capitalismo dependente. Com a
queda da economia na última metade do ano de 2014 e os erros flagrantes
do governo Dilma, intrínsecos à lógica lulista da conciliação de classe,
criou-se o cenário necessário para a “aliança dos canalhas” – incluindo
grupos do aparelho de Estado ligados a classe medias – sair vitoriosa
com o impeachment de meados de 2016.
***
Giovanni Alves é
doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e
professor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com
bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da Rede de Estudos do
Trabalho (RET), do Projeto Tela Crítica e outros núcleos de pesquisa
reunidos em seu site giovannialves.org. É autor de vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000) e Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório (Boitempo Editorial, 2011). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às segundas.
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