A experiência das duas últimas décadas e
várias eleições … provaram que o povo se está, rapidamente, a afastar
da estratégia de fazer uma escolha entre “o mal maior e o menor” e não
está mais disposto a submeter-se à manipulação das suas exigências pelo
regime e os reformistas pró-regime, cujos papéis, atualmente, servem os
interesses estratégicos desse mesmo regime.
soL News (publicação internacional do
Partido Comunista da Turquia) entrevistou o camarada Mohammad Omidvar,
membro da Comissão Política e porta-voz do CC do Partido TUDEH do Irão,
que agiu como uma organização comunista subterrânea após a revolução
islâmica de 1979, em relação aos recentes protestos no Irão. As
manifestações começaram em resposta a um aumento nos preços do
combustível e dos alimentos no país, bem como ao desemprego e à
inflação. Pelo menos 20 pessoas foram declaradas mortas durante os
protestos. Omidvar diz que as forças progressistas e democráticas do
Irão devem aumentar sua presença no movimento de protesto das massas,
contra as forças reacionárias, apoiadas pelos EUA, Israel e Arábia
Saudita, que tentam sequestrar a luta popular pela liberdade, democracia
e justiça social.
soL: Qual é o contexto e quais
são os principais impulsionadores da atual onda de protestos no Irão?
Pode também comentar o impacto das políticas económicas neoliberais nas
atuais crises?
Mohammad Omidvar: De
acordo com as recentes posições do nosso Comité Central, o protesto do
povo iraniano contra o regime tem as suas raízes na profunda crise
socioeconómica do Irão. As políticas neoliberais do regime iraniano nas
últimas duas décadas – totalmente apoiadas e, de facto, elogiadas pelo
Banco Mundial e o FMI – puxaram milhões de iranianos para baixo da linha
de pobreza e para uma vida de dificuldades sem paralelo na nossa
história recente. Uma inflação desenfreada – especialmente no aumento
do preço dos produtos básicos e nos meios de subsistência das pessoas
comuns –, combinada com o desemprego maciço, especialmente entre os
jovens – que, segundo funcionários de algumas províncias, atinge os 50%
-, bem como a contínua supressão de direitos democráticos e da liberdade
do povo, empurraram o nosso país para esta explosão social de raiva
contra as regras do islamismo político.
Importa também ressaltar que, antes
desses protestos maciços, se desenvolveram protestos dos trabalhadores
em várias indústrias e em diferentes cidades em todo o país, contra
salários não pagos (alguns dos quais há mais de um ano), contra as
privatizações generalizadas, a falta de segurança no trabalho, o mau
tratamento da parte dos patrões, a inexistência de direitos dos
trabalhadores e uma proibição total de sindicatos independentes de
classe.
soL: Com base nos relatórios, há
diferentes protestos com diferentes reivindicações, realizados por
diferentes grupos, sob diferentes slogans. Por que variam essas
manifestações de cidade para cidade ou, mesmo, entre diferentes
protestos na mesma cidade? Enquanto alguns protestos estão a reagir
contra o governo de Rouhani, alguns outros são mais expressivos sobre a
“mudança de regime”. Na sua opinião, qual é o melhor caminho a seguir?
Mohammad Omidvar: A
escalada do descontentamento e da raiva das pessoas contra os líderes do
regime pela deterioração da situação socioeconómica e – mais importante
ainda – a prontidão e a vontade das massas frustradas em enfrentar o
aparelho repressivo do regime, é uma indicação importante dos
desenvolvimentos significativos na preparação do povo para a oposição a –
e para travar uma luta aberta contra – o governo da República Islâmica
do Irão. É compreensível que, sob uma ditadura brutal, a organização e a
coordenação do grande número de manifestações – às vezes em mais de 50
locais e cidades ao longo deste vasto país – tenha os seus
constrangimentos. Mas os slogans, no fundamental, expressam importantes
reivindicações económicas e políticas do povo, visam a corrupção em
todos os braços do poder e declaram que todas as fações da longa
estrutura de poder prevalecente são totalmente responsáveis pela
profunda crise sociopolítica no país.
Contrariamente às proclamações de alguns
líderes reformistas pró-regime de que tais protestos são “conspirações”
contra a presidência de Rouhani, por parte dos partidários da linha
dura, nós acreditamos profundamente que a maioria do povo do nosso país
está desapontada e frustrada com os slogans daqueles cujos objetivos são
apenas os de fazer alguns ajustamentos cosméticos e menores no atual
regime. O nosso povo está agora a exigir mudanças fundamentais na
governação do país. Hoje, apenas aqueles que gostariam de preservar de
alguma forma a desastrosa situação atual temem a escalada e o
crescimento da luta popular.
A experiência das duas últimas décadas e
várias eleições – presidenciais, parlamentares, provinciais e locais –
que foram realizadas e manipuladas sob o controle e a direção do Líder
Supremo provaram que o povo se está, rapidamente, a afastar da
estratégia de fazer uma escolha entre “o mal maior e o menor” e não está
mais disposto a submeter-se à manipulação das suas exigências pelo
regime e os reformistas pró-regime, cujos papéis, atualmente, servem os
interesses estratégicos desse mesmo regime. Também vale a pena referir
que, do nosso ponto de vista, a atual estrutura de poder no Irão se
centra à volta do “líder supremo religioso” (Vali Faghieh), dos seus
aliados íntimos na hierarquia religiosa, da liderança do Corpo da Guarda
Revolucionária Iraniana (Sepah Pasdaran) e das outras forças de
segurança.
A base de classe da clique governante
iraniana é o grande comerciante e a burguesia burocrática. Esta
estrutura de poder corrupta e antipopular avançou no controlo, não só de
todo o aparelho político, mas também da maioria das alavancas
económicas – saqueando a riqueza do país numa escala nunca vista no Irão
nas últimas quatro décadas.
Nas últimas duas décadas, falharam as
tentativas de introduzir algumas reformas superficiais e apresentar uma
face mais moderada, para aquilo que, no final do dia, continua uma
ditadura medieval, e, por isso, não é surpreendente que a maioria
esmagadora do povo do Irão, na atualidade, queira pôr um fim ao
despótico regime teocrático, para acabar com a opressão e a injustiça e
promover o estabelecimento dos direitos humanos, das liberdades
democráticas e da justiça social. Acreditamos que estas exigências só
podem ser alcançadas através de uma luta conjunta de todas as forças
nacionais, democráticas e amantes das liberdades no Irão, sem qualquer
intervenção estrangeira.
soL: É claro que o trio
Israel-EUA-Arábia Saudita vê o protesto como uma oportunidade para se
livrar do obstáculo contra as suas políticas no Médio Oriente; mas têm
os protestos potencial para serem manipulados e irem de encontro às
expectativas desta aliança, ou as reivindicações dos iranianos já se
distanciaram das expectativas do imperialismo? Pensa que os protestos
iranianos estão imunes às manipulações imperialistas, que levaram o
legítimo protesto dos primeiros dias na Síria a uma guerra por
procuração, em grande escala, contra o povo sírio?
Mohammad Omidvar: O
Comité Central do Partido Tudeh do Irão, na sua primeira reação ao
protesto do povo contra o regime, indicou claramente que, sob as
críticas condições das atuais e perigosas tensões regionais e o desejo
do imperialismo de controlar o Golfo Pérsico e o seu fluxo de petróleo,
as forças reacionárias regionais – apoiadas pela administração Trump,
pelo governo de direita de Netanyahu, em Israel, e pelo criminoso regime
saudita – estão a procurar intervir claramente nos desenvolvimentos do
nosso país e substituir o atual regime reacionário por outro regime
reacionário.
O apoio dessas forças – ou seja, o
imperialismo dos EUA, a reação regional e o governo de direita de
Netanyahu – aos iranianos defensores da monarquia e àqueles grupos
políticos cuja agenda é cooperar com os regimes mais reacionários da
região, persuadir os Estados europeus a impor sanções à economia do Irão
(exacerbando assim a miséria do povo indigente e desfavorecido do nosso
país) e encorajar os Estados estrangeiros a intervirem militarmente no
Irão, não deixa qualquer espaço para o mais pequeno otimismo em relação
aos futuros projetos de tal “oposição”.
Temos enfatizado que as forças
progressistas e democráticas do Irão devem aumentar a sua presença no
movimento de protesto das massas – mais do que nunca – criando consignas
orientadas para o povo, apresentando uma orientação criteriosa e
confiando nas legítimas reivindicações das massas para abolir o atual
regime repressivo e acabar com a privação económica, a opressão, a
injustiça e a pilhagem dos recursos naturais e humanos da nação, ao
mesmo tempo que se devem opôr afastar de consignas reacionárias e
divisionistas. Acreditamos que devemos aprender com as nossas
experiências passadas e o que aconteceu após a revolução de 1979 e não
permitir que a heroica luta do nosso povo pela liberdade, democracia e
justiça social seja sequestrada por um grupo de oportunistas
reacionários, que não acreditam nos direitos do povo ou nas liberdades
democráticas.
soL: Durante sua campanha
eleitoral, Rouhani apresentou o acordo nuclear como uma história de
sucesso e esperava superar os problemas com os países imperialistas logo
que o Irão integrasse o sistema capitalista global. Embora as sanções
internacionais fossem aliviadas, os EUA não puseram fim às suas sanções
unilaterais contra o Irão. Pensa que o acordo nuclear foi uma história
de sucesso para o Irão, ou não?
Mohammad Omidvar: A
seguir ao acordo de janeiro de 2016, o nosso partido afirmou que, depois
de anos de sanções destruidoras impostas ao nosso país pelos EUA e os
países da UE, em resultado das políticas imprudentes e aventureiristas
do Líder Supremo do Irão, Ayatollah Khamenei, e dos seus escolhidos, as
negociações entre o Irão e o grupo dos 5 + 1 foram concluídas com um
acordo que não é uma vitória para o Irão, independentemente das
proclamações em contrário do regime. Na época, na sua entrevista à rádio
e TV, Hassan Rouhani (presidente iraniano) disse:
“... hoje chegámos a um ponto de viragem
... A partir de hoje, o programa nuclear do Irão já não é, sob qualquer
pretexto fictício, uma ameaça para a paz global e regional. Em vez
disso, o programa nuclear do Irão servirá a tecnologia moderna, em linha
com o desenvolvimento do país e a estabilidade e segurança da região
…”.
Não há dúvida de que a implementação do
acordo foi um significativo acontecimento, que teve um impacto
substancial nos desenvolvimentos políticos no nosso país. Houve certas
melhorias nas relações diplomáticas entre o regime iraniano e a
administração dos EUA. No entanto, apesar de todas as proclamações de
propaganda dos líderes da República Islâmica do Irão (RII) e as
apreciações de vários oponentes, bem como de apoiantes do regime
teocrático, o governo de Hassan Rouhani concordou efetivamente com todas
as condições limitativas da indústria nuclear do Irão, em troca do
levantamento das sanções e da libertação dos ativos do Irão pelo
Ocidente.
Naquela altura, o nosso Partido acolheu
favoravelmente o afastamento da tensão e do conflito e o levantamento
das sanções económicas terrivelmente prejudiciais, que prejudicaram
gravemente o povo e a economia no Irão. Passados dois anos, deve
dizer-se que o povo tem visto muito poucos benefícios, em termos de uma
melhoria na sua situação económica, já que a maioria dos benefícios
financeiros foi diretamente para os líderes do regime e os seus
compinchas. Sob a contínua pressão do sistema bancário internacional dos
EUA, as sanções bancárias e monetárias nunca foram levantadas e, de
facto, mantiveram as dificuldades para o comércio internacional do Irão
com o resto do mundo e o futuro da grande maioria do comum dos
iranianos.
soL: Qual é a visão do seu
Partido sobre a interferência externa no Irão e o seu perigo para o
movimento popular? Pode interligar essa visão com as posições assumidas
por Trump, o governo israelita, a Arábia Saudita e as forças que eles
apoiam?
Mohammad Omidvar: Depois
da visita de Donald Trump à Arábia Saudita – e, subsequentemente, a
Israel – no final de maio de 2017, o Golfo Pérsico e o Médio Oriente
estão, de novo, a testemunhar uma escalada de tensões que poderá
desestabilizar ainda mais a segurança e proteção da região e, na nossa
visão, tem consequências perigosas e destrutivas para o nosso país.
Durante esta visita, Trump referiu claramente o seu apoio às perigosas
políticas aventureiristas da administração da Arábia Saudita e deu carta
branca a Israel para prosseguir as suas perigosas políticas contra o
povo palestino e a região como um todo, escolhendo o Irão como um alvo. A
declaração ameaçadora e beligerante do reacionário ministro da Defesa
da Arábia Saudita de que “trabalharemos para travar a batalha dentro do
Irão” foi prontamente seguida pelo primeiro e sangrento ataque
terrorista realizado pelo Daesh (ISIS) em Teerão.
Rex Tillerson, o secretário de Estado
dos Estados Unidos, também declarou o apoio dos EUA à “mudança do
regime” no Irão, num discurso intervencionista. Entre outros indícios da
escalada de tensões na região, referem-se os ataques das forças dos EUA
às forças paramilitares apoiadas pelo Corpo da Guarda Revolucionária
Islâmica (CGRI) do Irão, que operam nas regiões orientais da Síria.
Isto, combinado com a recente afirmação saudita de que os mísseis de
longo alcance disparados pelos rebeldes Houthi no Iémen, em direção a
Riade, são fornecidos pelo Irão, indiciam os altos níveis de tensão e as
sérias ameaças que o Irão enfrenta. Deve também mencionar-se que
durante a administração Obama a política externa dos Estados Unidos, no
que diz respeito ao Irão, considerou um papel e uma posição especiais
para a República Islâmica do Irão no “Plano do Novo Médio Oriente”, no
qual a coexistência e a conciliação do regime teocrático do Irão com a
hegemonia dos EUA na região estavam articuladas.
No entanto, agora, a evidência sugere
que a administração Trump está a pressionar para impor novas condições e
fazer mudanças específicas neste quadro. Isto envolve uma diminuição do
papel e do peso do regime do Irão nos desenvolvimentos regionais, em
favor da Arábia Saudita. Neste contexto, as recentes referências de
Tillerson a “mudança pacífica do regime” no Irão devem ser analisadas de
dois ângulos, no que diz respeito às novas táticas dos EUA. Em primeiro
lugar, há a revitalização do falido projeto de “criar alternativas”
para agirem como a “oposição do regime”, utilizando algumas das forças
veementemente pró-EUA que se opõem ao regime teocrático do Irão, como os
partidários da monarquia e os Mujahidins do Povo, da Organização do
Irão (MKO).
E, em segundo lugar, há a
reimplementação de uma diplomacia agressiva, para permitir a alavancagem
político-securitária dos EUA na região, através do atear das tensões
entre o Irão e a Arábia Saudita, debaixo do desgastado mantra do
“combate ao terrorismo” e a utilização de divisões entre os países da
região, sob o falso pretexto do confronto entre “xiitas” e “sunitas”. E
aqui, é particularmente importante observar os contratos de venda de
hardware e tecnologia militar modernos dos EUA à Arábia Saudita, no
valor de US $ 300 mil milhões, nos próximos três anos.
Também houve sugestões credíveis de um
acordo secreto, alcançado em dezembro de 2017, entre os EUA e Israel,
para enfrentar e derrotar o Irão.
Nós consideramos muito preocupante a
eleição e a chegada ao poder de Donald Trump, dos seus slogans e das
suas políticas. A nossa preocupação não é só baseada na inexperiência,
narcisismo e imprevisibilidade de Trump, mas também na convicção de que a
vinda de Trump para a presidência foi uma mudança propositada dos
belicistas e extremistas da direita dos EUA para mobilizarem e juntarem
as forças mais reacionárias e perigosas da ultradireita em todo o mundo.
A estrutura de poder na administração Trump – assim como a estrutura da
pirâmide de poder do regime islâmico teocrático do Irão – é composta
por perigosos elementos, que acreditam na utilização da guerra como um
meio para resolver grandes questões mundiais.
As crises do regime no Irão são o
resultado da contradição fundamental entre os interesses económicos e as
exigências da desejada liberdade da nossa nação, por um lado, e as do
regime teocrático, por outro lado. Esta é uma contradição que está
sempre a crescer e assim, naturalmente, o regime teocrático avança de
uma crise para outra, cada uma mais grave do que a anterior. Ali
Khamenei e Donald Trump são dirigentes enganadores que, sem hesitação,
mentirão para o seu povo para permanecer no poder. Recorrerão a qualquer
opção para superar as várias crises que enfrentam.
As forças progressistas e patrióticas do
nosso país não devem permitir que as políticas e práticas
intervencionistas dos Estados Unidos e seus aliados reacionários, como o
criminoso regime da Arábia Saudita e o governo da extrema direita e
antipopular de Netanyahu, em Israel, determinem o futuro do nosso país.
Temos declarado, clara e repetidamente,
que o Partido Tudeh do Irão se opõe firmemente a qualquer interferência
externa nos assuntos internos do nosso país e acreditamos que o futuro
do Irão só deverá ser determinado pelos seus povos e pela luta das suas
forças progressistas para pôr fim ao regime despótico.
Fonte: publicado em 2018-01-06, em http://www.tudehpartyiran.org/en/news/3751-tudeh-only-progressive-forces-can-determine-iran-s-future
Tradução do inglês de PAT
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