Translate

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

FÁBULAS - 2




O macaco pessimista

Num rincão da floresta vivia uma tribo de macacos. O chefe distinguia-se pela treta, apenas. Chegara ao topo pela aldrabice. Instalado no poder, assaltara os melhores territórios apoiado por um grupo de acólitos que disputavam entre si os galhos mais seguros e frutuosos. Estas governanças e estas tácticas não eram inusitadas na tribo. A força bruta e a astúcia constituíam os imperativos categóricos da espécie de moralidade que ali sempre reinara. Não eram os mais inteligentes e honestos que ascendiam ao topo, mas os mais manhosos. Daí que houvesse na tribo um macaco particularmente pessimista. Não surpreendia, portanto. O que surpreendia era que existissem tantos optimistas.

Os optimistas compunham aquela fracção que arranja sempre uma teoria para justificar o passado e o presente. Não se reduziam, de modo nenhum, àqueles cujo modo de vida dependia de ser acólito ou aliado do chefe. Dispunham do bom senso, de alguma cultura e , sobretudo, da faculdade de digerir os acontecimentos, de interpretá-los de acordo com esquemas de pensamento positivos, afirmativos e esperançosos. Existia mesmo um macaco filósofo que apelava para a vontade de afirmação da tribo, «potência de ser» na sua fraseologia peculiar. Aos governantes até que lhe convinham estas teorias, desdobrando-se em arengas contra «os velhos do Restelo», os «alarmistas», em suma: contra o pessimismo nacional.

Existiam, portanto, os optimistas porque comiam da gamela grande, os optimistas porque acreditavam numa qualquer «potência» que só precisava de ser despertada por meio de palavras, os optimistas que conseguiam ver no «negativo» o «trabalho do positivo», isto é, eram simplesmente utópicos.

Fora desta ou destas fracções pulavam de ramo em ramo os pessimistas. Como a tribo era pequena, a bem dizer apenas um era pessimista. Poder-se-ia pensar que era rancoroso e ressentido, que passava o tempo a dizer mal da vida, da existência e da transcendência. Nada disso. Cultivava um género de serenidade, de certo modo solitária, que o deixava ao abrigo de utopias abstractas. Olhava e não gostava do que via, porém não sobrepunha ao que via um outro mundo onde todos os macacos cooperavam alegremente, comiam da mesma árvore, dançavam a mesma música, acreditavam no mesmo sol. Os outros encaravam-no com compaixão, mais frequentemente com desconfiança e censura. Verificavam, porém, que nos momentos de perigo ou de abusos insustentáveis o pessimista saltava logo para a primeira linha do combate urgente. Conquistava simpatia e admiração, mas, logo que a borrasca era passada, esqueciam-se imediatamente dele. Os utópicos continuavam a construir ficções (que neles era uma espécie de ópio) e os espertos a construir mansões sobre os ramos mais elevados das árvores mais frutíferas.

Certo dia, que se esperava ser igual aos outros, sucedeu um desastre: uma horda de trogloditas vindo dos confins da floresta assaltou o território e subjugou a tribo dos pequenos macacos. Apenas escapou o macaco pessimista por encontrar-se, como sempre, num recanto recôndito em serena levitação. Nada pôde fazer, excepto permitir que um macaco optimista encontrasse refúgio ao pé dele.

- Paciência, quanto pior, melhor, partamos ambos em busca da Terra Prometida, vejo claramente visto que este é o sinal que confirma que Ela é Possível! - Concluiu o macaco optimista.

- Mas como consegues ver epifanias onde eu só vejo tiranias? Onde está essa ilha da Bem Aventurança senão na tua imaginação?

- Os anciãos falam de um território onde todos trabalhavam para o bem comum!

- Onde fica ele?

- Desapareceu não se sabe porquê, ou perderam-lhe o rasto.

- Se explodiu por causa de algum cataclismo natural não vale a pena procurá-la, se implodiu porque a Bem Aventurança era apenas um mito a que te agarras, também não vale a pena repetir a experiência. Parte tu, rouba uma fêmea jovem, faz filhos, organiza um clã e depressa serás dele o chefe, o patriarca, o supremo guia. Uns venerar-te-ão quando morreres, outros dirão de ti que foste um ditador sanguinário.

- Chega de interpretares o mundo, o que é preciso é transformá-lo!

- Que injusto! Quanto não fiz para transformá-lo, talvez bem mais do que tu! Só que ele se repete…

O macaco optimista farejou uma fêmea, arrebatou-a pelo pêlo, e partiu em demanda do paraíso, munido de uma doutrina inabalável. O macaco pessimista regressou à tribo submetida e passou o resto dos seus dias a cultivar flores no seu minúsculo quintal.

Sem comentários:

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.