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sábado, 8 de setembro de 2012
Continuamos a publicação de documentos históricos, independentemente das nossas opiniões particulares.
Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
Tradução do inglês (cotejado com a versão francesa) e edição por CN, 30.04.2012
(http://www.revolutionarydemocracy.org/rdv11n2/darcy.htm)
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Como funcionava a democracia soviética
nos anos 30(1)
Sam Darcy(2)
(…) Em Dezembro de 1936, o Partido Comunista devia realizar as eleições anuais dos
seus dirigentes. Até ali, as candidaturas e eleições para cargos partidários tinham sido
sempre feitas abertamente. Mas devido a esta prática havia membros que se sentiam
muitas vezes constrangidos em expressar a sua oposição a certas figuras poderosas dos
comités executivos, com receio de represálias. O Comité Central decidiu então submeter
toda a direcção a um teste para saber se os seus membros tinham realmente a aceitação
das bases. Aqueles que realizavam um serviço público útil seriam provavelmente reeleitos,
enquanto outros, que estavam simplesmente agarrados a uma sinecura e a um lugar de
poder, dificilmente manteriam os seus cargos. Com este fim foi introduzido o voto secreto.
Os resultados foram surpreendentes. Em algumas organizações distritais do partido,
direcções inteiras foram varridas das suas funções. Noutras houve uma sanção severa à
direcção através de um forte voto de oposição, embora, no seu conjunto, a direcção
nacional do partido tenha recebido um retumbante apoio. O partido sentiu-se fortemente
revigorado pelos novos quadros eleitos e pelo afastamento daqueles que se tinham
tornado burocratas empedernidos e já não eram bem-vistos em cargos de direcção.
Desde a implantação do poder soviético que a luta contra a burocracia constituía uma
das principais tarefas assumidas pelos dirigentes mais responsáveis. O nepotismo, o
favoritismo e as práticas de grupos fraccionistas tinham criado uma situação malsã:
1 Texto transcrito por George Gruenthal, do manuscrito das Memórias de Sam Darcy, capítulo
XX, pp. 25-31, Biblioteca Tamiment, Nova Iorque.
2 Darcy, Sam Adams, verdadeiro nome Samuel Dardeck, (1905-2005), dirigente do Partido
Comunista dos EUA, nasceu na Ucrânia, donde foi levado pelos pais para os Estados Unidos,
tinha apenas três anos de idade. Em 1920 adere à Liga dos Jovens Trabalhadores e, antes de
ingressar na Universidade de Nova Iorque, trabalha no Daily Worker, o órgão central do partido.
Secretário nacional da Liga dos Jovens Trabalhadores Comunistas (1925-27), é designado, em
1927, representante dos EUA no Comité Executivo da Internacional da Juventude Comunista, em
Moscovo. Regressando ao país em 1928, foi editor do Daily Worker e director da Workers School
de Nova Iorque. Na primeira metade dos anos 30 dirige o partido no Estado da Califórnia. Em
1935 volta para Moscovo, como representante do PCEUA na Internacional Comunista. A partir de
1938, como representante do Comité Central, desempenha tarefas de direcção em várias regiões
dos EUA, porém, devido à sua oposição activa ao então secretário-geral, Earl Browder, é expulso
do partido em 1944, permanecendo um activista político até ao fim da vida (8 de Novembro de
2005). Com vários livros publicados sobre temas políticos, sociais e económicos, as suas
Memórias permanecem em manuscrito, na Biblioteca Tamiment, em Nova Iorque. (N. Ed.)
2
quando alguém chegava a um posto de responsabilidade, na indústria ou serviço do
Estado, trazia imediatamente como adjuntos todas as pessoas que, por uma razão ou
outra, favorecia, e colocava-as nos melhores postos sob a sua dependência. Com
frequência estas pessoas não eram qualificadas e mesmo quando o eram o sentimento de
que tinham um protector levava-as a tornarem-se preguiçosas e burocráticas. Além disso,
estes dirigentes tinham tendência para aumentar o pessoal acima das necessidades da
empresa, fosse porque queriam «cuidar» de todos os seus amigos, fosse porque sentiam
que quantas mais pessoas estivessem sob o seu controlo, maior era a sua influência.
O problema tornou-se de tal modo sério que o governo adoptou medidas que
começaram a ser aplicadas em 1935. Em dada altura surgiu uma grave penúria de braços
para a colheita. Em contrapartida estimava-se que havia pelo menos 25 mil funcionários
públicos em Moscovo que não eram absolutamente necessários para assegurar o normal
funcionamento da economia do país. Depois de uma campanha educativa, cada instituição
do Estado recebeu simplesmente uma quota de trabalhadores que teria de destinar ao
trabalho agrícola. Após uma selecção adequada, 25 mil funcionários foram transferidos de
Moscovo para os locais de produção.
A batalha para manter o país nos eixos, contra a paralisia crescente (que, por um lado, a
oposição tentava deliberadamente apresentar e, por outro, a simples existência da
burocracia tinha tendência a provocar), foi travada com particular severidade nas eleições
gerais, realizadas em Dezembro de 1935, para o Congresso dos Sovietes da URSS,3 que
procedeu à aprovação da nova Constituição [em Dezembro de 1936].
A observação de perto destas eleições impressionou-me, uma vez que, em todas as
discussões sobre a democracia soviética e na sua comparação com as práticas
democráticas noutros países, raramente se obtinha uma imagem do funcionamento dos
canais da expressão democrática do povo no novo processo eleitoral.
Vendo isto a três mil milhas de distância, pareceria que havia um boletim de voto e que
ao povo era dada a possibilidade de votar «sim» ou «não». Isso era de facto verdade nas
eleições nazis, mas constituía uma imagem completamente falsa no que respeita à União
Soviética.
Para começar, na União Soviética, a política e as eleições não são deveres especiais de
um partido político. Se não compreendermos este facto essencial, tudo o resto será
provavelmente confuso. As escolhas para cargos públicos não são feitas apenas por um
partido político. É certo que o partido comunista apresenta muitos candidatos, mas
também os sindicatos indicam candidatos independentes para cargos políticos, tal como
as cooperativas, as organizações culturais, as academias científicas, as organizações de
juventude, as organizações de mulheres e quaisquer outras instituições ou organizações
que o desejem. Em suma, as nomeações para cargos públicos, que no nosso país emanam
unicamente dos partidos políticos, na União Soviética emanam de todas as organizações
populares possíveis.
3 Trata-se das eleições para o VIII Congresso Extraordinário dos Sovietes da URSS, que teve
lugar em Moscovo entre 25 de Novembro e 5 de Dezembro de 1936 e aprovou por unanimidade o
projecto de Constituição da URSS. Nos trabalhos participaram 2016 delegados (419 mulheres)
com voto deliberativo, dos quais 42 por cento eram operários, 40 por cento camponeses e 18 por
cento empregados; os membros do partido comunista representavam 72 por cento, sendo 28 por
cento dos delegados sem partido. Estiveram presentes delegados de 63 nacionalidades. (N. Ed.)
3
A segunda coisa que se tem de compreender a respeito das eleições soviéticas, e que
lhes confere a sua qualidade democrática especial, é o facto de o momento decisivo da
selecção dos candidatos não está na votação final, mas no processo de apuramento das
candidaturas.
Tive o privilégio de observar do princípio ao fim as candidaturas e as eleições na zona
em que vivi e trabalhei. A eleição específica a que me refiro foi para os delegados ao
Congresso dos Sovietes da URSS, que equivale à eleição dos membros para a Câmara dos
Representantes dos Estados Unidos em Washington. Cada instituição da circunscrição
eleitoral em que residi e trabalhei realizou as suas reuniões para a apresentação de
candidatos. Houve reuniões nas fábricas. A Universidade de Moscovo que se situava nesta
circunscrição realizou a sua reunião. O pessoal da Grande Biblioteca Lénine reuniu-se
para designar candidatos. Também o fizeram todas as associações cooperativas de lojas
comerciais da zona, os sindicatos, o partido comunista, as organizações de juventude, etc.
Em cada reunião era proposto um grande número de candidatos. O procedimento de cada
candidato consistia em levantar-se, apresentar uma breve biografia e as razões pelas quais
considerava que a sua candidatura deveria ser ou não aceite. A recusa por parte do
nomeado era vista como uma falta de responsabilidade cívica. Se considerava que não
devia ser eleito, tinha o dever de subir ao palanque, apresentar a sua breve biografia e
explicar porque é que a sua nomeação não devia ser aceite. Este processo durou duas
semanas inteiras. Algumas organizações reuniam-se todas as noites durante este período
para examinar milhares de candidaturas. Cada candidato tinha de se submeter às
perguntas da assembleia. No final, um ou mais candidatos eram propostos para
representar toda a circunscrição, com indicação do organismo que os tinha escolhido.
Para além da propor os seus candidatos, cada grupo elegeu um determinado número de
delegados, numa base de representação proporcional, à conferência congressual da
circunscrição. Os trabalhos desta conferência duraram também cerca de duas semanas. As
candidaturas foram apresentadas a este órgão. Seguiu-se o mesmo procedimento. Cada
candidato foi examinado, confrontaram-se as respectivas qualificações com as dos
restantes candidatos e finalmente as propostas foram colocadas à votação dos delegados
para uma selecção final.
Com frequência este órgão aprovava não um mas dois, três ou mesmo mais candidatos.
Depois deste meticuloso processo de apuramento, os candidatos eram submetidos ao
eleitorado para uma votação final. E assim, o eleitorado escolhia por maioria de votos um
dos candidatos que representaria a circunscrição no Congresso dos Sovietes da URSS.
Por aqui se pode ver que, longe carecer de democracia, este é um processo muito
democrático, uma vez que dá às pessoas comuns a possibilidade de participar de forma
muito directa na escolha dos candidatos, e nós sabemos pelo nosso próprio sistema
eleitoral que, em última análise, a escolha do candidato é o aspecto crítico de qualquer
eleição.
Nas eleições de que fui testemunha vi candidatos a serem «passados pelo crivo» de uma
maneira que seria muito benéfica se fosse aplicada no nosso país. As suas contribuições e
participação nas actividades sociais, o seu interesse pelos assuntos públicos, o seu historial
de serviços prestados desinteressadamente, os seus estudos, educação e grau de
aproveitamento em termos de progresso pessoal e de benefício para a sociedade – tudo
passava pelo crivo. Um indivíduo com má conduta pessoal e moral que se apresentasse
como candidato era logo confrontado em plena assembleia pelos vizinhos e colegas de
4
trabalho que o conheciam bem. Em certos aspectos assemelhava-se à nossa «Reunião de
Cidade»4 da Nova Inglaterra, aplicada à colossal escala nacional, num sufrágio que
envolvia 170 milhões de pessoas. É deste processo que provém o incentivo à participação e
empenhamento social e o interesse das pessoas pelos assuntos públicos em todo o país.
Nestas eleições, por exemplo, cerca de metade dos membros do Congresso dos Sovietes da
URSS não foram reeleitos. Muitas figuras gradas bem instaladas, incluindo numerosos
membros do partido comunista, ficaram surpreendidas quando no final das eleições se
viram rejeitadas, enquanto muitas outras pessoas, que nem sequer eram membros do
partido comunista e que nunca tinham pensado em cargos políticos, mas que haviam
prestado grandes serviços à causa pública, com verdadeira devoção pelas pessoas, nas suas
profissões ou ocupações, ou nalguma organização de voluntariado, viram-se membros do
órgão supremo de poder da URSS, o novo Congresso dos Sovietes da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas. Este é um novo tipo de democracia e eu diria que os serve muito
bem.
Cada geração tem de estar vigilante em relação às suas próprias liberdades. Ninguém
pode garantir as liberdades das gerações vindouras. As liberdades conquistadas podem
voltar a perder-se. Por conseguinte, a mera organização eleitoral mecânica não é em si
uma garantia para sempre de que as liberdades do povo serão salvaguardadas, mas, na
medida em que é possível orientar uma qualquer estrutura política para dar a melhor
resposta aos anseios e necessidades das pessoas, eu diria que a União Soviética tem feito
grandes progressos nessa direcção.
Mas mesmo a União Soviética, como constantemente nos recordavam, não é uma
entidade isolada vivendo no vácuo, ela faz parte do mundo real. A Europa Ocidental e a
Ásia estavam em efervescência com as primeiras batalhas da II Guerra Mundial. Havia
coisas a fazer para ajudar o povo espanhol sitiado, havia ainda o movimento clandestino
nos países dominados pelos nazis, a organização de movimentos de frente popular contra
os nazis nos países democráticos e o crescimento das forças anti-japonesas na China.
O meu interesse primordial era obviamente os Estados Unidos. Mas os Estados Unidos
também não vivem como um entidade isolada, no vácuo, e o futuro do nosso país decidiase
em grande medida na Europa e na Ásia. Como milhares de outros americanos decidi
dar uma ajuda lá onde pudesse ser útil. Tive sorte de poder fazer uma escolha quase livre.
4 No original: New England Town Meeting. A «Reunião de Cidade» é uma forma de governo
local em alguns estados dos EUA. Surgiu na região da Nova Inglaterra ainda nos tempos
coloniais, sendo adoptada no século XIX noutras regiões do país. (N. Ed.)
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