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segunda-feira, 7 de julho de 2014
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Publicado em 2014/06/25, em: http://port.pravda.ru/busines/25-06-2014/36941-ira_eua-0/
Colocado em linha em: 2014/07/04
O Irão não pagará pelos pecados dos EUA no Iraque
MK Bhadrakumar
No que tem a ver com o Irão, há uma história muito, muito longa, tão longa quanto a
revolução islâmica de 1979 e a propaganda ocidental contra Teerão, sempre pintada
em espessos tons de fantasia. Apesar do “bem-estar” que reina nas conversações do
P5+1 e o Irão, essa propaganda mal-intencionada continua. O Irão encolhe os ombros
e diz que não passa de guerra psicológica (“guerra-psi”); mas a influenciável opinião
pública quase sempre acaba enrolada no “conto-do-vigário” da propaganda do dia.
A primeira grande história da semana passada foi a de que o Irão teria mandado
tropas para o Iraque para combater contra militantes do Estado Islâmico do Iraque e
Levante [ing. ISIL]. O Wall Street Journal liderou essa campanha de desinformação,
provavelmente num esforço para empurrar o presidente Barack Obama dos EUA a
“fazer alguma coisa”.
É claro que os EUA têm os recursos humanos e eletrónicos dos serviços secretos para
avaliar a real situação no terreno. Mas, por via das dúvidas, os iranianos caíram como
uma tonelada de pedras sobre o WSJ e desmentiram tudo.
Veio então a segunda onda de ataque: Os EUA e o Irão “cooperariam” no Iraque. A
Reuters lançou a história, citando, de início, um funcionário iraniano não identificado
(que poderia ser qualquer um). Sem dúvida, notícias arrepiantes - o Grande Satã e os
persas, ombro a ombro nas barricadas da Mesopotâmia, em luta contra a al-Qaeda. O
mundo mediático agarrou a “coisa” como se fosse um facto. O secretário de Estado
dos EUA, John Kerry, correu a lançar gasolina na fogueira, encorajando os
especulativos média a escalar os mais altos píncaros da não notícia. A imprensaempresa
mundial parecia zonza - até na Índia3.
Porém, como sempre acontece no que tem a ver com o Irão, houve um total boicote,
em toda a imprensa-empresa ocidental, da versão iraniana sobre os ditos “factos”.
1
Original publicado em 2014/06/17, em:
http://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2014/06/17/iran-wont-bite-american-bullet-in-iraq/.
2 Procedeu-se à correção de alguns erros gramaticais e sintáticos, confrontando com o original. – [NE]
3 http://www.thehindu.com/news/international/world/obama-open-to-discussing-iraq-crisis-withteheran/
article6120458.ece
2
Ora, a regra básica, essencial, é que não há tango, se não houver dois. E onde estaria o
dançarino persa? Pois o facto real é que o dançarino persa não passou nem por perto
daquele palco no qual Kerry se colocou, solitário, com ar de desamparado.
Um exame atento das declarações de Teerão, ao longo de toda a semana passada,
mostra uma história muito diferente da versão que Kerry tanto gostaria de nos fazer
engolir. Examinemos aqui o que disseram alguns dos principais atores do governo
iraniano:
a) Presidente Hassan Rouhani (9/6, em Ankara): "A violência e o terrorismo
cresceram e tornaram-se mais complicados, por causa da interferência de
potências trans-regionais 4."
b) Vice-ministro de Relações Exteriores Hossein Amir Abdollahian (10/6):
O papel de alguns "lados estrangeiros" nos eventos de Mossul é óbvio. "Esses
lados que estão a apoiar os Takfiris5 devem estar seriamente preocupados com as
medidas atentatórias da segurança, por parte desta corrente terrorista, nos seus
próprios países."
c) Comandante dos Guardas Revolucionários do Irã0 (Basij), general
Mohammad Reza Naqudi (11/6): (i) grupos takfiri cometem crimes alinhados
com os mais sórdidos objetivos das potências arrogantes e obedecem aos thinktanks
ocidentais e israelenses, todos eles apoiados pelos petrodólares de alguns
países árabes regionais. (ii) "A Arábia Saudita está armando terroristas na Síria
com armamento leve e pesado diferenciado, violando todos os regulamentos e
convenções internacionais." (iii) Grupos takfiri e salafistas, em diferentes estados
da região, especialmente na Síria e no Iraque, são apoiados pelos EUA. (iv) Os EUA
estão manipulando os terroristas takfiri para comprometer a imagem do Islão e
dos muçulmanos.
d) Porta-voz do ministério de Relações Exteriores, Marziyeh Afkham
(11/6): Conclamou que alguns estados pusessem fim imediatamente ao apoio que
dão a grupos terroristas e exigiu que todos os países adotassem medidas coletivas
de combate ao terrorismo.
e) Vice-ministro de Relações Exteriores, Hossein Amir Abdollahian
(11/6): "Apoiaremos firmemente o Iraque no seu confronto com o terrorismo."
f) Presidente do Parlamento (Majlis) Ali Larijani (13/6): "É perfeitamente
óbvio que os norte-americanos e demais países aqui à nossa volta são
responsáveis pelo que hoje se vê no Iraque. (...) O terrorismo converteu-se em
ferramenta que as grandes potências usam para promover seus objetivos."6
4 http://www.islamicinvitationturkey.com/2014/06/10/president-rouhani-iran-turkey-shouldcooperate-
in-fighting-violence-extremism/
5 Takfiri é o muçulmano que acusa outro de apostasia - a acusação é chamada takfir, palavra derivada
de kafir ( não crente). – [NE]
6 http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/06/eua-gaguejam-sobre-o-iraque-o-ira-poe.html
3
g) Presidente Rouhani (13/6): (i) "Se o governo do Iraque quer ajuda, vamos
estudar o pedido (...) Claro, ajuda e assistência é uma coisa, interferência e ação
no campo de batalha é outra (...). A entrada de tropas iranianas [em campo de
batalha no Iraque] jamais foi cogitada (...) jamais enviamos soldados para
combater fora do Irão (...) Se um grupo terrorista se aproxima das nossas
fronteiras, sim, com certeza lhe daremos combate.” (ii) Alertou os estados que
estão dando apoio financeiro e armas ao ISIL e a outros grupos terroristas, e disse
que esses grupos voltariam, para incendiar também esses países. (iii) Desmentiu e
desautorizou relatórios da Reuters sobre a cooperação EUA-Irão, no caso do
Iraque. "Os norte-americanos talvez façam alguma coisa, mas não estou
informado sobre ação alguma." (iv) Os eventos recentes no Iraque devem-se ao
fato de que os terroristas estão furiosos ante os resultados das eleições no Iraque,
que mantiveram os xiitas e o primeiro-ministro Nouri Al-Maliki no poder, por
meios e procedimentos democráticos.
h) Ala'eddin Broujerdi, presidente da Comissão de Política Externa e
Segurança do Majlis (14/6): "O apoio dos EUA, em armas e treino militar [aos
grupos takfiri) são a causa-raiz da disseminação do terrorismo e seus crimes na
região (...) A Ummah muçulmana tem de pôr um fim nas intervenções dos EUA
na região."
i) Gen. Mohammed Naqdi, comandante do Basij, (14/6): Os ataques
do ISIL no Iraque são novo golpe dos EUA, depois que Washington foi derrotada
no confronto com grupos da resistência na região. Os EUA conheceram a derrota
nos confrontos e golpes contra os aliados do Irão na Palestina, no Líbano e na
Síria, e agora "começam a conhecer a mesma experiência no Iraque (...) Uma
imensa força popular cresce na região e fará gorar os escandalosos golpes do
inimigo." Essas forças populares que se formaram nos estados regionais cresceram
numa corrente que se estende por todo o Oriente Médio.
j) Afkham, porta-voz do Foreign Office (14/6): O Irão opõe-se a intervenções
militares no Iraque. "O Iraque tem o potencial necessário e a prontidão militar
requerida para combater os elementos terroristas e extremistas (...) Qualquer
outra ação que complique a situação no Iraque não se faz no interesse do Iraque
ou da região."
k) Ministro Mohammed Zarif, das Relações Exteriores, em entrevista à
revista New Yorker: "É do interesse de todos estabilizar o governo do Iraque. Se
os EUA entenderam que esses grupos [ISIL] representam ameaça à segurança da
região, e se os EUA realmente desejam combater o terrorismo e o extremismo,
então há aí uma causa global comum."7
l) Contra-almirante Ali Shamkhani, secretário do Conselho Supremo de
Segurança Nacional do Irão (15/6): Culpou Washington pela criação do ISIL.
Refutou veementemente matérias que sugerem a possibilidade de cooperação
EUA-Irão, no caso do Iraque; essas matérias são parte da “guerra psicológica”
[guerra-psi] do ocidente contra o Irão e são "completamente irreais". Criar terror e
instabilidade e incitar a campanhas armadas e violentas contra o desejo do povo
[iraquiano], já manifesto em eleições livres e justas no Iraque, são alguns dos
objetivos dos EUA, por trás da criação de grupos terroristas como o ISIL. Os EUA e
alguns dos seus aliados têm cooperação financeira, de serviços secretos e de
logística para implementar tal política. Conclamou os xiitas e os sunitas iraquianos
e os curdos a permanecerem alerta, contra os golpes das potências exteriores, para
defenderem o seu país. Qualquer ajuda iraniana ao Iraque acontecerá em bases
bilaterais "e nada tem a ver com algum terceiro país."
m) Contra-almirante Ali Shamkhani (15/6): Os estados ocidentais e regionais
são responsáveis pela atual crise no Iraque.
Considerados os pronunciamentos acima, todos inequívocos, feitos por altas
autoridades de Teerão, ao longo da semana passada, parece altamente improvável,
para dizer o mínimo, que venha a haver qualquer tipo de operação aberta de
coordenação EUA-Irão para o Iraque. O que faz toda a diferença é que Teerão
realmente está a ver uma mão ativa dos EUA, direta ou indiretamente, no
crescimento de grupos islamistas extremistas patrocinados por sauditas, como o ISIL,
na Síria e no Iraque.
De igual modo, Teerão também não acredita na disposição e na capacidade dos EUA
para se afastarem completamente das suas políticas anteriores na Síria e no Iraque; e,
ainda mais importante, para confrontarem a Arábia Saudita. Claro que tudo mudaria
completamente de figura, se o governo Obama assumisse a firme decisão de renegar
completamente a trajetória passada das políticas dos EUA para a Síria e o Iraque;
nesse caso, sim, Teerão responderá positivamente. Mas é difícil ver acontecer tal
coisa, no curto prazo.
O governo de Obama está hoje tão gravemente enfraquecido, no quadro da política
interna dos EUA, que a Casa Branca não terá a coragem política para 'reiniciar'
[orig. reset] tão audaciosamente as políticas dos EUA para o Oriente Médio, em
direção virtualmente oposta, do dia para a noite, aplicando punições aos seus aliados
regionais, sobretudo à Arábia Saudita. O Irão compreende perfeitamente a realidade
geopolítica que a aliança EUA-sauditas gera. Em resumo, Teerão sempre desconfiaria
das intenções dos EUA.
A cautela extrema com que Teerão se movimenta em relação aos desenvolvimentos
no Iraque sugere que o país se tem cuidado, para não se deixar prender na armadilha
de um labirinto sectário, o que teria profundas consequências para a posição regional
do Irão como um todo.
Teerão não vê uma convergência de interesses com os EUA, hoje, quanto à situação
no Iraque. Na perspetiva de Teerão, o poder dos xiitas no Iraque não é negociável.
Tampouco o Irão parece disposto a aceitar uma mudança de liderança em Bagdad, na
atual conjuntura.
5
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