FÁBULAS
FAMÍLIAS
Família 1.
Gaza? Que
terra é essa? questiona o miúdo. A televisão difunde notícias. O miúdo joga no
telemóvel. O almoço está ao lume. O pai responde, escarafunchando o nariz, É lá
para longe, no Oriente. Ah, disse o miúdo, Gaza, gás, existe gás aí, é por
isso? insistiu o miúdo. É isso é, responde a mãe, Ninguém me ajuda a pôr a
mesa? Um, mais ocupado a escarafunchar o nariz do que a ouvir, tu, a jogares em
vez de aprenderes…Eu explico: os fortes mandam bombas para cima dos fracos por
causa do petróleo ou gás que descobriram no mar, ao pé deles, quem me disse foi
uma colega do escritório, diz que leu num jornal. Ah, disse o marido. Ah, disse
o miúdo. Já podemos comer? Perguntou o homem. Já, respondeu a mulher.
Enquanto
comem:
Esta
história do banqueiro faz-me pensar…Diz o homem.
Ups, também
pensas? Diz a mulher.
Não te oiço,
diz o homem, Penso assim: num Banco deposita-se o nosso dinheiro. Em princípio,
devíamos receber juros, visto que eles utilizam o dinheiro do nosso salário para
fins próprios, ou seja, outros fins. Vale como princípio, não como fim. O Banco
protege o nosso dinheiro? Portanto, em princípio, é para a nossa segurança. Em
princípio, porque, no fim, os banqueiros multiplicam dividendos e o nosso
dinheiro gasta-se todo ainda o mês não findou.
É mais ou
menos o que diz a minha colega, diz a mulher.
A tua colega
é do sindicato ou quê? pergunta o homem.
Não, mas
gosta de ler, responde a mulher.
Família II.
Era uma vez
uma família muito rica de um país muito pobre. Quando toda a gente ou ia fazer
a guerra ou emigrava, essa distinta família sobre a guerra achava que era muito
boa e da emigração só conhecia o turismo de luxo. Até que um dia deu-se uma
reviravolta muito grande e a família decidiu dar à sola, como sói dizer-se.
Emigrou para onde guardava o dinheiro. Aí fez mais dinheiro e, quando pôde
regressar, recebeu ainda mais dinheiro. Como era mui rica e mui distinta, fez
muitos amigos. Dos amigos, fez muitos governantes. Os governantes fizeram mutos
negócios com a família distinta. Cada vez ficaram mais amigos uns dos outros.
Casavam uns com os outros, caçavam javalis nas coutadas de extintas
cooperativas de camponeses, jogavam golfe no Algarve. Faziam inimigos,
conspiravam e liquidavam-nos. Ou seja, mudavam os governos, trocando de amigos.
Na próxima rodada voltavam a fazer as pazes com os inimigos de ontem. No fundo,
eram boa gente. Distinta sobretudo. Gostavam todos da mesma música e dançavam a
mesma valsa.
Moral da
história: Para que alguns dancem o tempo todo, é preciso que outros trabalhem e
votem neles.
Nozes Pires
1 comentário:
Fazes bem em pôr aqui textos da tua lavra, digo retomar um hábito que abandonaste nos últimos tempos. Estas fábulas, li-as no BADALADAS. A conclusão, na primeira, é implícita, derramada no texto. Na segunda, a moral da história vem no fim, à maneira grega. Não precisa de ser assim, mas habituei-me tanto a este ritmo, que sinto conforto nele.
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