Chomsky: “Dilma é julgada por quadrilha de ladrões”
Um
pensadores contemporâneos mais influentes da atualidade, o americano
Noam Chomsky classificou como "golpe branco" o afastamento da presidente
Dilma Rousseff, que segundo ele, foi considerado "bem-vindo em
Washington; em entrevista ao jornal argentino Página 12, ele afirma que
"Dilma é uma das poucas líderes políticas que está aparentemente isenta
da acusação de agir em benefício próprio"
7 de Junho de 2016 às 16:12
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Um pensadores contemporâneos mais influentes da atualidade, o americano
Noam Chomsky classificou como "golpe branco" o afastamento da
presidente Dilma Rousseff pelo Congresso brasileiro.
"É
justo considerar o que aconteceu no Brasil como um 'golpe de Estado
branco', sem dúvida bem-vindo em Washington e, supostamente, com o apoio
dos Estados Unidos", disse Chomsky, em entrevista ao jornal argentino
Página 12, publicada nessa segunda-feira, 6.
Chomsky
elogiou a presidente Dilma. "Dilma é uma das poucas líderes políticas
que está aparentemente isenta da acusação de agir em benefício próprio.
As acusações contra ela são muito limitadas e não merecem um julgamento
político, seguramente não nas mãos de uma quadrilha de ladrões, como
observou inclusive a imprensa internacional", criticou.
A entrevista é de Bárbara Schijman e publicada por Página/12, 06-06-2016. A tradução é de André Langer.
Leia a íntegra:
Qual é a sua análise sobre o resultado das eleições primárias nos Estados Unidos?
A
característica mais marcante foi a forte oposição popular aos programas
neoliberais da geração anterior, e o declínio da democracia associada a
eles. Em ambos os partidos, o "establishment" está sendo atacado por
forças que ressentem amargamente estas políticas, e com razão.
Do
lado republicano, o establishment foi capaz de destruir candidatos que
surgiram da base, como aconteceu comMichele Bachmann, Herman Cain, Rick
Santorum, e nomear o seu próprio homem, Mitt Romney. Desta vez foi
diferente. Agora estão presos a um candidato que eles mesmos veem como
um pesadelo.
Do
lado democrata, Bernie Sanders teve um êxito considerável em promover
um programa ao estilo do New Deal, o qual, de fato, tem um apoio popular
muito importante. E, notavelmente, fê-lo sem depender inclusive das
concentrações de poder econômico privado para o financiamento massivo,
que costuma dominar o sistema eleitoral. Claramente, a classe operária
masculina branca que apoia Donald Trump está cometendo um grande erro.
Por quê?
Além
de certa retórica, as políticas que ele propõe são gravemente
prejudiciais aos interesses dessa mesma classe operária (e até mais que
isso). Mas suas queixas são reais e compreensíveis, e de forma
significativa se superpõem àquelas dos diferentes setores que estão
apoiando Sanders.
Há
um desenvolvimento dos acontecimentos similar na Europa, por razões um
tanto afins. O neoliberalismo foi uma maldição para a população em
geral, em todas as partes do mundo; um assunto que não requer elaboração
alguma se pensarmos na América Latina.
Qual é a composição, hoje, do eleitorado de Trump?
Deixando
de lado elementos racistas, ultranacionalistas e fundamentalistas
religiosos (que não são menos importantes), os partidários de Trump são
em sua maioria brancos de classe média baixa, da classe trabalhadora e
menos educada, gente que foi marginalizada durante os anos neoliberais.
Sua
popularidade é, em certa medida, alimentada pelo medo arraigado e a
desesperança que podem ser causados por um aumento alarmante nos índices
de mortalidade para uma geração de pouca educação. O fato de que a
mortalidade esteja aumentando nestes setores é uma questão desconhecida
nas sociedades desenvolvidas e um sinal de profundo mal estar social.
Os
salários reais da população masculina estão no nível da década de 1960.
O crescimento econômico foi embolsado por uma pequena minoria que vive
em um mundo diferente da grande massa da população. A insegurança
trabalhista aumentou e isto foi o fruto de uma decisão consciente.
Poderia ampliar esta última questão?
O
ex-presidente da Reserva Federal, Alan Greenspan, chegou a explicar ao
Congresso que seus êxitos na gestão da economia, que levou a um desastre
global, se basearam em uma "crescente insegurança trabalhista"; uma
notícia maravilhosa, porque significa que as pessoas que trabalham nem
sequer conseguem um pedacinho do bolo, e os lucros para os ricos são
seguros. Neste sentido, se os trabalhadores carecem de segurança e vivem
vidas precárias, seguramente renunciam às suas demandas. Não tentarão
conseguir salários melhores. Isto é o que, tecnicamente falando,
Greenspan chamava de uma economia "saudável".
É
evidente que as opiniões dos trabalhadores e dos pobres são
praticamente ignoradas pelo sistema político, que responde quase em sua
totalidade aos poderosos, como demonstram todos os estudos que se fazem
sobre este assunto. Estão indignados, e com razão, mas como costuma
acontecer, estão dirigindo sua raiva contra minorias ainda mais
vitimizadas que eles: os imigrantes e outros grupos vítimas de um "bem
estar fraudulento" (todo tipo de pessoas que de alguma maneira acreditam
que estão recebendo o que não estão recebendo) inventado pela
propaganda da direita.
Que papel exerceu o apelo ao medo como estratégia eleitoral?
No
caso do Trump, parece que seu atrativo baseia-se em ideias de perda e
de medo. O ataque neoliberal às populações do mundo não deixou de afetar
os Estados Unidos. A maioria da população ficou estagnada ou sofreu
alguma deterioração, ao passo que se acumulou uma riqueza impressionante
em poucos bolsos. Também é importante advertir que Trump obtém um
importante apoio de nativistas e racistas. Seus partidários, em sua
grande maioria brancos, podem ver que está desaparecendo a imagem que
guardam de uma sociedade dirigida por brancos.
Tempos atrás você evocou o surgimento de Hitler para referir-se ao surgimento de Trump. Em que sentido fez isso?
Vou
citar o que disse: em um livro, publicado há mais de uma década, eu
citava o eminente acadêmico da história alemã Fritz Stern, que escreveu
no jornal da classe dominante Foreign Affairs sobre "a decadência da
Alemanha que ia da decência à barbárie nazista". Stern defendia o
seguinte: "Hoje, preocupa-me o futuro imediato dos Estados Unidos, o
país que acolheu os refugiados de fala alemã na década de 1930",
incluindo a ele próprio.
Com
algumas repercussões para o aqui e agora que não poderiam passar
desapercebidas a nenhum leitor atento,Stern examinava o demoníaco apelo
de Hitler à sua "missão divina" como "salvador da Alemanha" em uma
"transfiguração pseudo-religiosa da política" adaptada às "formas
cristãs tradicionais" que dirigem um governo dedicado aos "princípios
básicos" da nação, com "o cristianismo como a base da nossa moralidade
nacional e a família como a base da vida nacional".
Além
disso, a hostilidade de Hitler em relação ao "Estado laico liberal",
compartilhada por uma grande parte do clero protestante, motorizou "um
processo no qual o ressentimento em relação a um mundo laico
desencantado encontrou sua liberação na fuga extasiada da
irracionalidade". Isso aconteceu muito antes que Trump aparecesse em
cena.
Trump
não é um fascista. Apenas tem uma ideologia coerente perceptível. Mas
sua mobilização de setores religiosos racistas, ultranacionalistas e
fundamentalistas religiosos, junto com um números considerável de
pessoas que estão muito irritadas e ressentidas por terem sido
marginalizadas, enquanto se implantam políticas para enriquecer e
fortalecer os ricos e poderosos, é um perigoso caldo de cultivo, que de
alguma maneira evoca o final de Weimar, de modo similar ao que escreveu
Stern muito antes que o fenômeno Trump trouxesse estas tendências à
superfície.
Quem, na sua opinião, ganhará a eleição presidencial?
Provavelmente, Hillary Clinton, mas não é uma coisa certa.
Sobre
a Europa e suas políticas para enfrentar a crise dos refugiados,
acredita que podem colocar em perigo o projeto de integração europeia?
Existe,
com efeito, uma crise de refugiados em países pobres como o Líbano,
onde um quarto da população é composta de refugiados da Síria, muito
mais que os refugiados da Palestina e do Iraque. E no pobre país
daJordânia. E na Síria, antes de se lançar no suicídio coletivo.
Em
geral, os países que na realidade enfrentam uma crise de refugiados não
tiveram nenhuma responsabilidade na sua criação. A geração de
refugiados é em grande parte responsabilidade dos ricos e poderosos, que
gemem sob o peso de um fio de miseráveis vítimas, muitas vezes as
vítimas de seus crimes, a quem podem acomodar facilmente. O mesmo vale
para os Estados Unidos e a América Central.
Todo
o assunto é um escândalo moral de primeira ordem; e certamente ameaça
minar a integração europeia, uma grande conquista do pós-guerra. Se isso
acontecer, será um triste comentário sobre a cultura europeia.
Qual é o seu olhar sobre a conjuntura política da América Latina?
Nos
últimos anos, a América Latina, finalmente, moveu-se enfaticamente para
libertar-se do domínio do Ocidente; no século passado, do controle dos
Estados Unidos, e para enfrentar alguns dos seus graves problemas
internos. O caminho não é fácil, existem retrocessos ao mesmo tempo que
conquistas. Mas os progressos são muito significativos e cheios de
promessas.
Que reflexão merece a situação no Brasil, depois da votação do impeachment de Dilma Rousseff?
Sem
dúvida, houve muitos crimes cometidos pelas elites políticas e
econômicas, em todo o espectro. E, portanto, quem os cometeu deve ser
punido. Dilma é uma das poucas líderes políticas que está aparentemente
isenta da acusação de agir em benefício próprio. As acusações contra ela
são muito limitadas e não merecem um julgamento político, seguramente
não nas mãos de uma quadrilha de ladrões, como observou inclusive a
imprensa internacional. É justo considerar o que aconteceu no Brasil
como um "golpe de Estado branco", sem dúvida bem-vindo em Washington e,
supostamente, com o apoio dos Estados Unidos.
A visita de Obama a Cuba pode ser lida como um sinal de mudança na política externa norte-americana?
No
que diz respeito à sua decisão de política externa em relação a Cuba,
os Estados Unidos ficaram isolados no continente, de fato no mundo.
Finalmente se renderam e concordaram em dar alguns passos na direção da
normalização, embora o bloqueio demolidor, condenado pelo mundo durante
muitos anos, em grande medida continue em vigor. Os Estados Unidos, sem
dúvida, vão continuar tentando recuperar o controle sobre Cuba, o
problema mais antigo da política externa dos Estados Unidos, que remonta
à década de 1820.
Sobre
este ponto, sua política externa não está mudando. O que está mudando,
isso sim, é que agora os Estados Unidos estão obrigados a levar em
consideração os avanços significativos na América Latina. Não diria,
então, que sua política externa esteja se modificando; pelo contrário,
diria que é um sinal de que o poder dos Estados Unidosestá diminuindo
muito rapidamente.
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