EUA: as eleições preparam a guerra Por John Pilger
Hillary
deixa por onde passa uma trilha de golpes sangrentos: Honduras, Líbia,
Ucrânia. Sua campanha é financiada por nove dos dez maiores fabricantes
de armamentos do mundo
Depois
de renovar o arsenal atômico, Obama provoca Moscou e Pequim. Hillary
ataca Trump, o repulsivo. Mas é ela, supostamente sofisticada, que
representa a hiper-militarização
Há poucos anos, assisti a uma exposição popular intitulada “O Preço da
Liberdade”, na venerável Smithsonian Institution em Washington. As filas
de pessoas comuns, a maioria crianças que entravam como se ali fosse
uma caverna de Papai Noel do revisionismo, recebiam sortimento variado
de mentiras: a bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki salvou “um milhão
de vidas”; o Iraque foi “libertado [por] ataques aéreos de precisão
inigualada no mundo”. O tema era indiscutivelmente heroico: só os
norte-americanos pagam ou algum dia pagaram o preço da liberdade”. A
campanha presidencial de 2016 é notável, não só por causa da ascensão de
Donald Trump e Bernie Sanders, mas também pela resiliência do
impenetrável, duradouro silêncio sobre uma divindade assassina,
autorreverenciada. Um terço dos membros da ONU já sentiram o peso do
tacão norte-americano, derrubando governos, subvertendo a democracia,
impondo bloqueios e sanções. A maioria dos presidentes responsável por
tudo isso eram do Partido Democrata – Truman, Kennedy, Johnson, Carter,
Clinton, Obama. (…) Vejam Obama. Agora que se prepara para deixar a
presidência, os elogios incansáveis já recomeçaram. Obama é “cool“.
Um dos presidentes mais violentos e mortíferos, Obama deu rédea solta
ao aparelho de produzir guerras do Pentágono do presidente
(desacreditado) que o antecedeu. Processou mais vazadores de informações
secretas (whistleblowers)
– gente que arrisca a vida para dizer a verdade aos semelhantes – que
qualquer outro presidente. Declarou Chelsea Manning culpada, antes de
haver sequer julgamento. Hoje, Obama comanda campanha mundial de
terrorismo e de assassinatos por drones, de dimensões
absolutamente jamais vistas. Em 2009, Obama prometeu ajudar a “livrar o
mundo das armas atômicas” e deram-lhe o Prêmio Nobel. Nenhum presidente
algum dia construiu mais ogivas nucleares que Obama. Está “modernizando”
o arsenal apocalíptico cos EUA, inclusive com novas ‘mini’ bombas
atômicas, cujas dimensões e tecnologia ‘inteligente’ (sic), diz um dos
altos generais dos EUA, asseguram que o uso das tais bombas “deixou de
ser impensável”. James Bradley, autor do best-seller Flags of Our Fathers e filho de um dos marines
que fincaram a bandeira dos EUA em Iwo Jima, disse, “[Um] Grande mito
que estamos vendo em cena hoje é que Obama seria alguma espécie de
sujeito ‘pacífico’, tentando livrar-se de bombas nucleares. É o maior
matador nuclear de que se tem notícia. Meteu os norte-americanos numa
trilha de ruína, de gastos de 1 trilhão de dólares em mais armas
atômicas. Sabe-se lá por quê, as pessoas vivem nessa fantasia de que,
porque Obama faz palestras vagas e ainda mais vagos discursos e faz pose
para fotógrafos amigos, alguma dessas coisas teria a ver com a política
real. Não. Nada têm a ver uma coisa e outra.” No governo de Obama,
está-se construindo uma segunda guerra fria. O presidente russo é o
‘malvadão’ de filme; os chineses ainda não voltaram a ser a velha
caricatura sinistra com rabo de porco que lhes correspondeu no passado –
quando os chineses foram banidos dos EUA –, mas os jornalistas
pró-guerra já trabalham nisso. Nem Hillary Clinton nem Bernie Sanders
sequer tocaram nesses temas durante a campanha, nem remotamente. Não há
perigo. Nenhum perigo ameaça sejam os EUA, seja toda a humanidade. Para
os candidatos, não aconteceu o maior acúmulos de forças militares junto
às fronteiras da Rússia desde a Guerra Mundial. Não aconteceu. Dia 11 de
maio, a Romênia entrou em cena ‘ao vivo’, com uma base “de mísseis de
defesa” da OTAN, que existe para que os EUA tenham a prioridade de um
primeiro ataque diretamente contra o coração da Rússia, a segunda maior
potência nuclear do mundo. Na Ásia, o Pentágono está enviando navios,
aviões e forças especiais para as Filipinas, para ameaçar a China. Os
EUA já cercam a China com centenas de bases militares que desenham um
arco, da Austrália até a Ásia, atravessando o Afeganistão. Para Obama,
trata-se de “pivô para a Ásia”.
Consequência
direta disso tudo, a China já mudou oficialmente sua política nuclear,
de “nenhum primeiro ataque”, para alerta máximo, e já pôs no mar
submarinos armados com armas atômicas. A escalada da guerra avança, cada
vez mais rápida.
Foi
Hillary Clinton quem, como secretária de Estado em 2010, elevou o tom
das reivindicações sobre penhascos e barreiras de corais no Mar do Sul
da China, qualificando-os como “territórios contestados” e fez disso uma
questão internacional; na sequência, foi a histeria de CNN e BBC, para
as quais a China estaria construindo pistas de pouso nas ilhas em
disputa. Nesse jogo dela em 2015, para guerra de proporções de mamute, a
Operação Talisman Sabre, os EUA treinaram ataques contra o
estreito de Malacca, por onde transitam quase todo o comércio e o
petróleo chineses. Nada disso foi manchete.
Hillary
declarou que os EUA teriam “interesse nacional” naquelas águas
asiáticas. Filipinas e Vietnã foram encorajados e subornados para que
mantivessem as “demandas” e as disputas contra a China. Nos EUA, as
pessoas já estão sendo adestradas para ver qualquer posição defensiva
dos chineses como agressão. Vale dizer que o cenário está pronto para
escalada rápida rumo à guerra. E escalada similar de provocação e
propaganda está em ação também contra a Rússia.
Hillary, a “candidata mulher”, deixa por onde passa uma trilha de golpes sangrentos e morticínio: em Honduras, na Líbia (plus o assassinato do presidente da Líbia) e na Ucrânia.
A Ucrânia agora é uma espécie de parque temático da CIA,
pululando de nazistas, linha de frente de guerra que está sendo
construída contra a Rússia. Foi através da Ucrânia – literalmente,
através daquela área de fronteira – que os nazistas de Hitler invadiram a
União Soviética, que perdeu, naquela guerra, 27 milhões de pessoas.
Essa catástrofe épica é presença eterna na Rússia. A campanha de Hillary
à presidência recebeu dinheiro de nove das dez maiores empresas
fabricantes de armas do mundo. Nenhum outro candidato sequer se aproxima
desses ‘números’.
Sanders,
esperança de tantos jovens norte-americanos, não é muito diferente de
Clinton nesse ideário pelo qual os EUA seriam proprietários do mundo
além fronteiras. Sanders apoiou o bombardeio ilegal contra a Sérvia, no
governo de Bill Clinton. Apoia o terrorismo de Obama operado por drones,
a incansável provocação contra a Rússia e o retorno das forças
especiais (esquadrões da morte) ao Iraque. Não disse coisa alguma sobre o
crescendo das ameaças à China e o risco crescente de guerra nuclear.
Concorda com que Edward Snowden deve ser processado e chama Hugo Chavez –
o qual, como o próprio Sanders, foi social-democrata –, de “falecido
ditador comunista”. E já prometeu apoiar Clinton, se for a escolhida.
A
eleição entre ou Trump ou Hillary é a velha conversa fiada de escolher
alguma coisa, quando de fato não há escolha: as duas faces da moeda são a
mesma face. Fazendo das minorias bode expiatório e prometendo “fazer a
América novamente grande”, Trump é populista doméstico de extrema
direita. Mas em todos os casos Clinton pode ser mais letal para o mundo,
que Trump.
“Só
Donald Trump disse coisa com coisa contra a política externa dos EUA” –
escreveu Stephen Cohen, professor emérito de História Russa em
Princeton e na NYU, e um dos poucos especialistas em Rússia nos EUA que
falou claramente sobre o risco de guerra.
Num
programa de rádio, Cohen referiu-se a questões críticas que Trump, e só
ele, havia levantado. Dentre elas: por que os EUA “estão ao mesmo tempo
em todos os cantos do mundo?” Qual a verdadeira missão da OTAN? Por que
os EUA sempre querem mudar, à força, o regime no Iraque, Síria, Líbia,
Ucrânia? Por que Washington trata Rússia e Vladimir Putin como seus
inimigos figadais?
A
histeria da imprensa “liberal” contra Trump só faz alimentar a fantasia
de “debate livre e aberto” e de “democracia em ação”. O que ele diz
sobre imigrantes e muçulmanos é grotesco, mas nem isso faz dele o
deportador-em-chefe das pessoas vulneráveis para fora dos EUA: o
deportador-em-chefe é Obama, não Trump. O “legado” de Obama é ter traído
os negros: gerou população carcerária na qual predominam os negros, já
mais numerosa que a dos gulags de Stálin.
A
campanha eleitoral em curso pode não tratar de populismo, mas do que o
mundo conhece como “‘esquerdismo’ à moda dos EUA” [orig. American liberalism],
uma ideologia que se vê ela mesma como moderna e por isso superior e a
única via “de verdade”. Os que habitam a ala direita desse “esquerdismo”
à moda dos EUA assemelham-se a imperialistas cristãos do século 19, que
teriam a missão, dada por Deus, de converter, cooptar ou conquistar.
Na
Grã-Bretanha, é o Blairismo. Tony Blair, cristão criminoso de guerra,
safou-se no processo da preparação secreta para invadir o Iraque,
principalmente graças à classe política dos esquerdistas à moda dos EUA
[orig. liberal political class] e porque a mídia caiu pelo tal “charme britânico” [orig. “cool Britannia“] do homem. No Guardian,
o aplauso foi ensurdecedor; foi chamado de “o místico Blair”. Uma
brincadeirinha conhecida como política de identidade, importada dos EUA,
aproveitada para promovê-lo.
A
História foi declarada acabada, as classes foram abolidas e o gênero
foi promovido a feminismo; muitas mulheres foram eleitas ao Parlamento
pelo Novo Trabalhismo. No primeiro dia, votaram a favor de o Parlamento
cortar os benefícios para famílias de pai ou mãe solteiros (a maioria,
de mães solteiras e provedoras únicas), exatamente como haviam sido
instruídas a fazer. A maioria da bancada ‘feminista’ votou a favor de
uma invasão que produziu 700 mil viúvas iraquianas.
Equivalente a isso nos EUA são os belicistas promovidos a politicamente corretos no New York Times, Washington Post e
redes de TV que dominam o debate político. Assisti a um debate feroz na
CNN sobre as infidelidades conjugais de Trump. Evidentemente, diziam
lá, homem desse tipo não poderia tomar conta da Casa Branca. Nada se
discutiu, nada. Nem uma palavra sobre os 80% da população dos EUA, cujos
níveis de renda desabaram para níveis de 1970s. Nem uma palavra sobre o
alistamento militar. A palavra que desce dos céus sobre a humanidade
parece ser “tape o nariz” e vote Clinton: qualquer coisa é melhor que
Trump. Só assim será possível deter o monstro e preservar um sistema que
se prepara para mais uma guerra
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