A arrogância intelectual do radicalismo pequeno burguês
A IGNORÂNCIA, A PREGUIÇA E O PRECONCEITO
A
ignorância pode ser suprida pelo estudo, pela investigação. Mas tal
exige algum esforço intelectual. Quando se juntam as duas, o resultado
para o jornalista e/ou comentador é mortal. Quando se mistura o
preconceito, que estabelece a matriz da análise, temos o caldo
entornado…
A
que propósito vem todo este arrazoado moralista? Ao tratamento de muita
Comunicação Social da posição do PCP sobre o dito pacote florestal do
Governo PS, votado na quarta-feira, 19 de Julho, e em particular, o seu
voto contra, o projecto do Banco de Terras do Governo.
Podiam-se
sortear alguns exemplos. Por exemplo, Jorge Coelho, Francisco Louçã,
este com o acinte da intriga, e outros. Escolha-se o último lido, Daniel
Oliveira, no Expresso Diário de 24 de Julho (poder-se-ia falar do
último Eixo do Mal), e o seu sermão ao PCP sob o bonito título
“a-terra-ao-proprietário-mesmo-que-a-não-trabalhe”!
A
ignorância. O Daniel, não tem que saber de tudo. E logo não tem de
conhecer o longo e largo dossier da política florestal no País. E em
particular, a relação incêndios florestais/estrutura da propriedade
florestal e a sua diversidade. O Daniel não tinha de saber que o
problema da pequena propriedade florestal, dita abandonada, é mais velha
do que aquilo que nós sabemos…! O Daniel não tinha de saber as posições
e propostas do PCP e do que debateu com o Governo e deputados do PS. O
Daniel não sabe mesmo, mas a isso não era obrigado, o conjunto de
projectos votados, e a história longa, política e parlamentar de algumas
dessas questões e temas, como o do cadastro. O Daniel, não estudou, não
investigou, não perguntou sequer. Mas isso tem um nome…
A
preguiça. O Daniel não se deu ao trabalho de estudar o dossier. Leu as
“criticas” (usemos este eufemismo) do BE e o aparente espanto do
Ministro Capoulas! Em linguagem popular, emprenhou pelos ouvidos… Podia
ter lido, o que muitos especialistas portugueses escreveram por estes
dias nos jornais. E não leu. Podia ter lido sucessivas Recomendações de
Relatórios da Assembleia da República e não leu. Podia ter lido o que o
PCP há muitos anos diz sobre o assunto. Podia até, não lhe ficava mal,
ter perguntado ao PCP porque votou assim? Podia até ter-se interrogado e
procurado
esclarecer os dois grandes mistérios daquela votação. Porque defendem
agora o PS e o Bloco o Banco/Bolsa de Terras e a expropriação da dita
“propriedade abandonada” (O BE vai ainda mais longe que o PS, julgo que
por pura ignorância). E porque votaram contra a Lei da Bolsa de Terras e
a Lei da “Terra sem dono” do Governo PSD/CDS/Cristas?! E porque votaram
o PSD e o CDS agora contra esses projectos com os mesmo objectivos dos
que aprovaram no seu governo?! E Daniel, feito especialista (demasiado à
pressa) na matéria, desatou a asneirar sobre o tema. Só vejo uma
explicação, há contrabando na costa…
O
preconceito. Pesou forte e feio, o preconceito anticomunista! E este,
provoca, até no mais inteligente, uma forte cegueira e turbação no
pensamento.
Tentemos responder ao que se julgam ser os eixos centrais da argumentação do Daniel.
(i)“O
maior problema da floresta portuguesa é o minifúndio”. A pequena
propriedade. Abandonada. Não, não é! As aparências iludem. Isto não pode
ser a olho nem pelo cheiro. Onde está tal demonstrado? Em que estudos
está essa conclusão? Porque razão sucessivos 4 Relatórios da Assembleia
da República sobre os incêndios florestais, em geral com grande consenso
de todos os partidos, não abordam essa temática, nem a incluem nas suas
conclusões e recomendações? Qual o motivo por que essa questão não está
explicitada na Estratégia Nacional das Florestas, quer na versão de
2005, quer após a sua revisão em 2015? Porque é que a generalidade dos
especialistas portugueses não se pronuncia assim? Porque razão os 6
destacados especialistas que publicaram o Manifesto no Expresso de 15 de
Julho, em nenhuma das 10 medidas enunciaram esse problema, chave,
segundo Daniel Oliveira de toda a resposta ao problema dos incêndios?
Mas
o que mostram os incêndios dos últimos anos desde 2003? Que arderam
extensas áreas de matas públicas, nomeadamente 20/25% do Pinhal de
Leiria e quase 100% da Mata Pública de Vale de Canas. Que até,
contrariamente à voz corrente, ardem áreas geridas pelas celuloses, caso
de 5.000 hectares da ex-Portucel na Serra d`Ossa/Évora (2006 – ainda
hoje
o
PCP espera resposta à suas perguntas sobre esse incêndio). Que ardem
com uma regularidade aflitiva extensas superfícies das Áreas Protegidas,
inclusive reservas biológicas, no Parque Nacional do Gerês, Montesinho,
Douro Superior, Serra da Estrela, S.Mamede. São áreas de pequenos
proprietários? Alguns há, mas são quase sempre áreas baldias, e com a
especial tutela do Estado. Aliás os baldios são um caso paradigmático,
porque representando 500 mil hectares (11%da floresta portuguesa) com
área média no Norte e Centro de 400 hectares, têm sido sucessivamente
percorridos por incêndios! E ninguém, demonstrou até hoje que os
incêndios nessas grandes áreas resultaram de contaminação por incêndios
iniciados na pequena propriedade florestal abandonada…
(ii)”A
reforma florestal de Capoulas Santos, passa, antes de tudo, por um
processo de cadastro de propriedade”. Para identificação da terra sem
dono!? Antes passasse. O cadastro da propriedade rústica e florestal é
uma questão central e está há muito, e por unanimidade colocado. A
Estratégia Nacional das Florestas, EGF (2006) calendarizou a sua
realização para estar concluído em 2013! Só que a esta unanimidade, não
tem correspondido dotações orçamentais, pelas razões que se sabem. Serão
algumas centenas de milhões de euros, e vai demorar anos, para fazer a
coisa como deve ser. Pelo Decreto-Lei 224/2007, o então Governo PS,
avançou um regime experimental de projectos-pilotos em 9 concelhos e até
foram disponibilizados alguns milhões em sucessivas Resoluções de
Conselho de Ministros (RCM) com esse objectivo. Resultados? Não se sabem
nem o Governo se descose! Em 21 de Outubro a Assembleia da República
aprovou por proposta do PCP a Resolução 227/16 recomendando ao Governo a
avaliação urgente dessas experiências piloto. E que “Realize com
urgência, o cadastro rústico em Portugal, assente numa estratégia de
equipas no terreno, dotando os serviços públicos dos técnicos de
cadastro necessários ao acompanhamento desta tarefa extraordinária (…)”.
Ora a nada disto foi dada resposta, bem como à Pergunta 4462/XIII de 6
de Junho, exactamente sobre as experiências piloto, por julgarmos de
grande importância para o debate do Pacote Florestal do Governo,
inclusive do conhecimento da dimensão das terras sem dono. Como era
importante conhecer os resultados da aplicação das leis, Bolsa de
Terras, e Terras sem utilização, da era de Cristas…
Duas
notas sobre esta questão. A primeira para constatar a rapidez com que
alguns grupos parlamentares esquecem o que tinham votado, uns meses
antes, na mesma sessão legislativa! O projecto de Cadastro Simplificado
do Pacote do governo, era um fazer de conta. Nem sequer foi acompanhado
da opinião dos departamentos que no Estado tutelam o problema,
nomeadamente o Instituto Geográfico Nacional, IGP.
Ou
melhor, foi a tentativa de passar para cima dos pequenos proprietários
os custos e a responsabilidade da sua realização e riscos. A sua
viabilidade, de que duvidamos, apesar de melhorado pelas propostas do
PCP, vai poder ser demonstrada pela sua aplicação na zona martirizada de
incêndio de Pedrogão. Mas o Cadastro, como as omeletas, não se fazem
sem ovos…
(iii)O
Banco de Terras. O processo de concentração fundiária florestal, com a
ideia (falsa) de que tal vai produzir a gestão activa da floresta já tem
alguns anos. Começou com João Soares (destacado e competente técnico da
Indústria das Celuloses), Secretário de Estado do Governo PSD/CDS
Barroso e Portas, após os incêndios de 2003. Foi depois recomeçado pelo
Governo PSD/CDS/Passos e Portas e Cristas com as já referidas leis
62/2012 e 152/2015. Qual o resultado dessas iniciativas? Não seria
indicado começar por verificar o que aconteceu, antes de novas réplicas
legislativas sobre o esses instrumentos?
A
PPL do Governo do Banco de Terras previa no seu artigo 5º, que “os
prédios do domínio privado do Estado e do património próprio dos
institutos públicos aptos para utilização agrícola, silvopastoril e
florestal são disponibilizados no Banco de Terras para arrendamento,
venda ou para outros tipos de cedência, estes últimos apenas para
entidades de natureza pública”. Ou seja, o que o Governo admitia era a
entrega do património florestal de Estado à concentração fundiária, a
pretexto da gestão eficaz.
Ora
o BE estava disponível para votar o texto naquelas condições, e o PS só
apresentou propostas de alteração à proposta do Governo, para responder
às preocupações que o PCP reiteradamente manifestou. Alterações que não
foram suficientes para mudar o nosso sentido de voto porque, como as
mais recentes declarações do Ministro da Agricultura e
do BE confirmam, o que estava em causa era e é a lógica do assalto à pequena propriedade.
Mas
quando se fazem acusações ao PCP sobre a sua “negatividade” neste
processo legislativo, “esquece-se” que o PCP, dada a sua particular
complexidade e falta de informação relevante, e até a existência de um
PJL do PSD/CDS sobre Cadastro (que estranhamente esteve em tratamento
noutra Comissão Parlamentar!) propôs o seu adiamento para o início dos
trabalhos parlamentares! Alguém acredita na “urgência” dessa aprovação
em Julho! Não foi adiado a PPL dos Benefícios Fiscais por proposta do
BE?
Mas
o mais notável desta procura da área para garantir a gestão activa e a
rentabilidade da produção florestal, é que essas cabeças nada digam
sobre a questão crucial do preço da madeira! A questão que pode
assegurar o desenvolvimento do mercado fundiário, de compra e
arrendamento de terra florestal. Podiam pelo menos interrogar-se porque
não funciona esse mercado! É por isso que invertem o ónus do negócio –
primeiro a concentração da terra, depois o preço da madeira…Ora para o
PCP deve ser o contrário. Mas sabe-se a quem agrada essa perspectiva.
O
motor de uma gestão activa da floresta, numa economia capitalista, está
na rentabilização económica da produção florestal. E, não sendo
despiciendas outras receitas, é a produção lenhosa o factor chave para
uma efectiva rentabilidade da floresta. Na actual situação da floresta
portuguesa, esta questão não pode deixar de significar a comercialização
a preço remunerador do eucalipto, pinheiro, cortiça e também da madeira
de espécies autóctones. Ora o mercado dos principais produtos
florestais, particularmente das fileiras (eucalipto, pinheiro, cortiça)
são dominados / monopolizados, respectivamente pelos oligopólios das
celuloses / pasta de papel, dos aglomerados e da transformação da
cortiça.
Há
um mercado de produção lenhosa? Não. Há um simulacro de «mercado»
completamente distorcido e sem qualquer transparência na formação do
preço por posições oligopolistas, ausência de exportação significativa
para o eucalipto o pinheiro e outros produtos, assim como a
total falta de informação de parte significativa dos agentes, nomeadamente dos pequenos e médios produtores florestais.
A
floresta portuguesa exige, reclama do Estado, uma ampla e musculada
intervenção no mercado da produção lenhosa. Com a lucidez de que tal não
resolverá muitos dos principais problemas da floresta portuguesa, pelo
menos em tempo oportuno, para responder às questões do ordenamento e
prevenção da floresta contra os incêndios. Mas um mercado de produção
lenhosa a funcionar com transparência e informação, assegurando à
produção preços remuneradores da matéria-prima florestal, é uma questão
essencial.
Não
é estranho, que em longos preâmbulos legislativos esta questão não seja
abordada? É essa uma questão insistentemente levantada pelo PCP e
novamente presente no PJR 993/XIII” Soluções para os problemas da
produção lenhosa”.
(iv)O
processo legislativo da Reforma da Floresta de Capoulas Santos. As
posições e intervenção do PCP sobre a dita Reforma não começaram em
Julho, na pressão da tragédia de Pedrogão. Logo após o seu anúncio
público com a decisão da Reunião do Conselhos de Ministros da Lousã, e
posteriormente em Janeiro por Conferência de Imprensa no fim da audição
pública realizada sobre a “Reforma”. O que nenhum outro partido fez!
Nessas posições, e depois em todo o diálogo com o Governo sobre o
assunto, sempre afirmamos que o conjunto de diplomas da chamada Reforma
Florestal, não resolveriam os problemas da floresta portuguesa,
constituindo mesmo uma ilusão a ideia que aqui estava a inversão do
caminho que vinha sendo seguido há muito. Que a grande questão eram a
falta de meios, recursos humanos e dotações financeiras para colocar em
prática muito do que está já legislado, designadamente na Estratégia
Nacional Florestal, e nomeadamente o problema do Cadastro.
Mas
sempre consideramos que era possível aperfeiçoar e corrigir o quadro
legislativo. Foi assim que no final da votação final global da chamada
Reforma Florestal, ainda que o resultado inclua elementos negativos, o
PCP pode afirmar que foi pela sua intervenção que o Governo fica
obrigado: a criar, até 2019, as Equipas de Sapadores em falta, para
atingir
o
objectivo nacional de 500; a (re)criar o Corpo de Guardas Florestais; a
criar linhas de financiamento modulado para o equipamento de máquinas
agrícolas com mecanismos de segurança; à realização dos procedimentos
administrativos à realização da informação cadastral simplificada, não
sendo esse ónus dos proprietários, que podem recorrer aos técnicos das
entidades públicas para a tramitação dos processos, com apoio às pessoas
com insuficiências económicas; e se assumiu como tarefa do ICNF a
gestão nacional da área global da Espécie Eucalipto, de forma a
aproximar-se progressivamente da área prevista na Estratégia Nacional
Florestal, estabelecendo a opção de começar pelas de maior dimensão; se
esclarece que o Eucalipto não pode ser plantado em zona de regadio e que
os proprietários florestais afectados pelas faixas de gestão de
combustível têm garantias de ser ressarcidos.
O
que não impede o PCP de continuar a afirmar que o conjunto dos diplomas
agora aprovados não é a resposta às necessidades da Floresta
Portuguesa, sendo agora necessário verificar, particularmente em sede de
Orçamento do Estado, quais os meios que serão assegurados para o
cumprimento da legislação existente.
Acrescente-se
que o voto contra na proposta relativamente ao Sistema de Defesa da
Floresta Contra Incêndios, sinaliza a rejeição da transferência para as
autarquias locais da responsabilidade dos trabalhos de gestão de
combustível nas faixas primárias, caso os proprietários não procedam à
sua realização. E não podemos deixar de registar o facto de ter sido o
BE, com o PSD e o CDS, a garantir que essa medida fica consagrada na
lei, mesmo depois de ter sido repetida a votação e de se ter visto qual
seria o seu resultado.
(v)A
responsabilidade dos comunistas pelos futuros incêndios florestais,
segundo Daniel Oliveira. Se fosse apenas ridícula tal referência, não
mereceria uma palavra, Ficaria como marca de quem a escreveu. Mas é um
insulto ao trabalho único, sem que qualquer outro Partido português se
lhe possa comparar, ao longo dos 43 anos de democracia. Só como exemplo.
Foi da iniciativa do PCP a Lei de Bases da Política Florestal, a Lei
33/96 aprovada na Assembleia da República, só com a abstenção do CDS, e
ainda hoje peça central de todo o edifício legislativo erguido,
infelizmente
não cumprido. Foi do PCP a iniciativa legislativa PJL 392/I de 1980,
Zonas de Intervenção Florestal, chumbada pela maioria PSD/CDS da criação
das ZIF e retomada passados mais de 30 anos. Quem de facto quiser
conhecer o trabalho do PCP em defesa das florestas portuguesas, pode com
proveito consultar muitas páginas do Diário da Assembleia da República.
Uma abordagem de muitos anos, crítica, mas construtiva e sempre
disponível para partilhar com todas as outras forças políticas e sociais
respostas eficientes aos problemas da floresta portuguesa. Como sabem
os que há anos se preocupam com esses problemas…O que não é caso do
Daniel Oliveira.
Mas
há uma coisa que custa a suportar. E o Daniel sabe o que é…O Daniel (e
outros) multiplicam aquelas abordagens e sabem de experiência feita que o
PCP não pode responder, porque em geral, quase a 100%, o PCP não está
presente. Por pura descriminação, que o Daniel conhece…E quem tiver
dúvidas pode até perguntar ao Presidente da Entidade Reguladora da
Comunicação Social.
Agostinho Lopes
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