Coreia do norte: O Fogo, a Fúria e o Medo
Pepe Escobar* 23.Ago.17
Estará
mesmo a República Popular da Coreia a desenvolver armamento que lhe
permita atacar os EUA, o Japão ou a Coreia do Sul? Será Kim Jong-un o
destrambelhado que o retrato que dele é dado no Ocidente pretende fazer
crer?“A atual narrativa é inquietantemente semelhante ao critério dos «suspeitos do costume». São os mesmos que atacaram o Iraque e que querem atacar o Irão porque estaria a um passo da «construção da arma nuclear».
A Coreia do Norte tem biliões de dólares de riqueza por explorar. Nas sombras destas manobras há corporações perfeitamente identificadas que esperam beneficiar com o festim depois de destruir outro país”.
Cuidado
com os cães da guerra. Os próprios «inteligentes» que mostraram bébés
tirados pelos «maus iraquianos» ou que quiseram convencer o mundo com
armas de destruição massiva inexistentes, estão agora vender a ideia que
a Coreia do Norte produziu uma cabeça nuclear miniaturizada, capaz de
funcionar nos seus mísseis.
Este o núcleo da análise feita em julho pela Agência de Inteligência de Defesa dos EUA (DIA). Os «inteligentes» creem que Pyongyang tem umas 60 armas nucleares. Na inteligência estadounidense os programas de análise sobre a Coreia do Norte são praticamente inexistentes – portanto, estas avaliações não podem passar de conjeturas.
Mas o alarme aumentou porque, agora, estas conjeturas foram acompanhadas de uma publicação de 500 páginas do ministério da Defesa do Japão.
O livro branco japonês destaca os «avanços significativos» de Pyongyang na corrida nuclear e a sua «possível capacidade» para desenvolver ogivas nucleares miniaturizadas para os seus misseis.
Esta «possível capacidade» é pura e simplesmente uma especulação. O relatório diz: «É concebível que o programa de armas nucleares da Coreia do Norte possa ter avançado consideravelmente e, é possível que a Coreia do Norte esteja em condições de conseguir miniaturizações das suas cabeças nucleares».
Os grandes media ocidentais alimentaram uma autêntica metástases especulativa. Titularam com frenesim em jornais e televisões: «A Coreia do Norte miniaturizou as suas armas nucleares». A grande imprensa pretende comover corações e mentes ocidentais com o fator medo.
Convenientemente, o «Livro branco japonês» também exige a condenação da China «pelas ações de Pequim, nos mares de Este e do Sul da China».
Lancemos uma olhadela à forma como se movem as peças neste jogo. O Partido da Guerra dos EUA, com as suas milhentas conexões no complexo militar-industrial e nos meios de comunicação quer/necessita de uma guerra para manter a sua maquinaria oleada. Por sua vez, Tóquio gostaria muito de um ataque pré preventivo dos EUA, para continuar a condenar o inevitável contragolpe de Pyongyang.
É muito esclarecedor que Tóquio pense na China como uma «ameaça» tão grave como a Coreia do Norte. O ministro de Defesa, Itsunori Onodera, foi direto ao assunto: «os misseis da Coreia do Norte representam uma ameaça que aprofunda o comportamento ameaçante da China no Mar oriental da China e no Mar do Sul da China, esta é uma grande preocupação para o Japão».
A resposta de Pequim não se fez esperar.
Kim Jong-un, demonizado até ao infinito, não é um tonto. Não vai cair no ritual de «seppuku» (suicídio, haraquíri) atacando unilateralmente a Coreia do Sul, o Japão ou qualquer território dos EUA. O arsenal nuclear de Pyongyang representa o elemento de dissuasão contra a mudança de regime ao melhor estilo do que foi feito a «Saddam Hussein ou Gaddafi». Como argumentei noutras ocasiões só há uma maneira de tratar com a Coreia do Norte: diplomacia. Há que dizê-lo a Washington e a Tóquio.
Entretanto a resolução 2.371 do Conselho de Segurança das Nações Unidas tem como objetivo impedir as principais exportações da Coreia do Norte – carvão, ferro, mariscos. Só o carvão representa 40% das exportações de Pyongyang, 10% do seu PIB.
No entanto, este novo pacote de sanções não toca nas importações de petróleo e produtos refinados de petróleo através da China. Essa é uma das razões porque Pequim votou a favor.
A estratégia de Pequim é uma tentativa, muito asiática, de encontrar uma solução que lhe permita «salvar a face». Com a resolução 2.371 ganha tempo – e pode convencer a administração Trump que ir contra a Coreia pode ter consequências terríveis.
O chanceler chinês, Wang Yi, disse cautelosamente que as sanções são um sinal da oposição internacional aos programas de misseis e armas nucleares da Coreia do Norte. A última coisa que Pequim precisa é de uma guerra nas suas fronteiras, que poderia negativamente na expansão das novas rotas da seda.
Pequim está sempre disposta a trabalhar para a reconstrução das relações entre Pyongyang e Washington. Para a China isto é uma decisão política «mais alta que o Himalaia». Basta olhar para trás quando em 1994 se assinou o Acordo Marco, durante o primeiro mandato de Bill Clinton.
O acordo tinha como objetivo congelar – e inclusive desmantelar – o programa nuclear de Pyongyang, e normalizar as relações diplomáticas dos EUA com a Coreia. Um consórcio liderado pelos EUA construiria dois reatores nucleares para satisfazer a necessidade de energia de Pyongyang, as sanções seriam levantadas e ambas as partes se comprometiam com «garantias formais» contra o uso de armas nucleares.
No fim não se passou nada. O «acordo marco» foi derrubado em 2002 – quando a Coreia do Norte foi coroada como parte do «eixo do mal» por G.W. Bush, Cheney e os neocons. Os coreanos sabem que a guerra dos EUA contra o seu território nunca acabou – pelo menos formalmente. A razão? O armistício de 1953 nunca foi substituído por Tratado de Paz real.
Então, o que é que se segue? Três recordações:
1. Cuidado com as falsas bandeiras, seriam um pretexto perfeito para a guerra contra Pyongyang;
2. A atual narrativa é inquietantemente semelhante ao critério dos «suspeitos do costume». São os mesmos que atacaram o Iraque e que querem atacar o Irão porque estaria a um passo da «construção da arma nuclear».
3. A Coreia do Norte tem biliões de dólares de riqueza por explorar. Nas sombras destas manobras há corporações perfeitamente identificadas que esperam beneficiar com o festim depois de destruir outro país.
* Pepe Escobar é correspondente itinerante do Asia Times online.
Texto completo en: http://www.lahaine.org/corea-del-norte-el-fuego
Tradução de José Paulo Gascão
in ODiario.info
Este o núcleo da análise feita em julho pela Agência de Inteligência de Defesa dos EUA (DIA). Os «inteligentes» creem que Pyongyang tem umas 60 armas nucleares. Na inteligência estadounidense os programas de análise sobre a Coreia do Norte são praticamente inexistentes – portanto, estas avaliações não podem passar de conjeturas.
Mas o alarme aumentou porque, agora, estas conjeturas foram acompanhadas de uma publicação de 500 páginas do ministério da Defesa do Japão.
O livro branco japonês destaca os «avanços significativos» de Pyongyang na corrida nuclear e a sua «possível capacidade» para desenvolver ogivas nucleares miniaturizadas para os seus misseis.
Esta «possível capacidade» é pura e simplesmente uma especulação. O relatório diz: «É concebível que o programa de armas nucleares da Coreia do Norte possa ter avançado consideravelmente e, é possível que a Coreia do Norte esteja em condições de conseguir miniaturizações das suas cabeças nucleares».
Os grandes media ocidentais alimentaram uma autêntica metástases especulativa. Titularam com frenesim em jornais e televisões: «A Coreia do Norte miniaturizou as suas armas nucleares». A grande imprensa pretende comover corações e mentes ocidentais com o fator medo.
Convenientemente, o «Livro branco japonês» também exige a condenação da China «pelas ações de Pequim, nos mares de Este e do Sul da China».
Lancemos uma olhadela à forma como se movem as peças neste jogo. O Partido da Guerra dos EUA, com as suas milhentas conexões no complexo militar-industrial e nos meios de comunicação quer/necessita de uma guerra para manter a sua maquinaria oleada. Por sua vez, Tóquio gostaria muito de um ataque pré preventivo dos EUA, para continuar a condenar o inevitável contragolpe de Pyongyang.
É muito esclarecedor que Tóquio pense na China como uma «ameaça» tão grave como a Coreia do Norte. O ministro de Defesa, Itsunori Onodera, foi direto ao assunto: «os misseis da Coreia do Norte representam uma ameaça que aprofunda o comportamento ameaçante da China no Mar oriental da China e no Mar do Sul da China, esta é uma grande preocupação para o Japão».
A resposta de Pequim não se fez esperar.
Kim Jong-un, demonizado até ao infinito, não é um tonto. Não vai cair no ritual de «seppuku» (suicídio, haraquíri) atacando unilateralmente a Coreia do Sul, o Japão ou qualquer território dos EUA. O arsenal nuclear de Pyongyang representa o elemento de dissuasão contra a mudança de regime ao melhor estilo do que foi feito a «Saddam Hussein ou Gaddafi». Como argumentei noutras ocasiões só há uma maneira de tratar com a Coreia do Norte: diplomacia. Há que dizê-lo a Washington e a Tóquio.
Entretanto a resolução 2.371 do Conselho de Segurança das Nações Unidas tem como objetivo impedir as principais exportações da Coreia do Norte – carvão, ferro, mariscos. Só o carvão representa 40% das exportações de Pyongyang, 10% do seu PIB.
No entanto, este novo pacote de sanções não toca nas importações de petróleo e produtos refinados de petróleo através da China. Essa é uma das razões porque Pequim votou a favor.
A estratégia de Pequim é uma tentativa, muito asiática, de encontrar uma solução que lhe permita «salvar a face». Com a resolução 2.371 ganha tempo – e pode convencer a administração Trump que ir contra a Coreia pode ter consequências terríveis.
O chanceler chinês, Wang Yi, disse cautelosamente que as sanções são um sinal da oposição internacional aos programas de misseis e armas nucleares da Coreia do Norte. A última coisa que Pequim precisa é de uma guerra nas suas fronteiras, que poderia negativamente na expansão das novas rotas da seda.
Pequim está sempre disposta a trabalhar para a reconstrução das relações entre Pyongyang e Washington. Para a China isto é uma decisão política «mais alta que o Himalaia». Basta olhar para trás quando em 1994 se assinou o Acordo Marco, durante o primeiro mandato de Bill Clinton.
O acordo tinha como objetivo congelar – e inclusive desmantelar – o programa nuclear de Pyongyang, e normalizar as relações diplomáticas dos EUA com a Coreia. Um consórcio liderado pelos EUA construiria dois reatores nucleares para satisfazer a necessidade de energia de Pyongyang, as sanções seriam levantadas e ambas as partes se comprometiam com «garantias formais» contra o uso de armas nucleares.
No fim não se passou nada. O «acordo marco» foi derrubado em 2002 – quando a Coreia do Norte foi coroada como parte do «eixo do mal» por G.W. Bush, Cheney e os neocons. Os coreanos sabem que a guerra dos EUA contra o seu território nunca acabou – pelo menos formalmente. A razão? O armistício de 1953 nunca foi substituído por Tratado de Paz real.
Então, o que é que se segue? Três recordações:
1. Cuidado com as falsas bandeiras, seriam um pretexto perfeito para a guerra contra Pyongyang;
2. A atual narrativa é inquietantemente semelhante ao critério dos «suspeitos do costume». São os mesmos que atacaram o Iraque e que querem atacar o Irão porque estaria a um passo da «construção da arma nuclear».
3. A Coreia do Norte tem biliões de dólares de riqueza por explorar. Nas sombras destas manobras há corporações perfeitamente identificadas que esperam beneficiar com o festim depois de destruir outro país.
* Pepe Escobar é correspondente itinerante do Asia Times online.
Texto completo en: http://www.lahaine.org/corea-del-norte-el-fuego
Tradução de José Paulo Gascão
in ODiario.info
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