O capitalismo neoliberal e a sua crise
por Prabhat Patnaik [*]
“Capitalismo neoliberal” é a expressão utilizada para descrever a fase do capitalismo em que as restrições aos fluxos globais decommodities e
capitais, incluindo capitais na forma financeira, foram
consideravelmente removidas. Uma vez que tal remoção se verifica sob a
pressão do capital financeiro globalmente móvel (ou internacional), o
capitalismo neoliberal é caracterizado pela hegemonia do capital
financeiro internacional, com o qual os grandes capitais em particular
obtêm a integração de países, e os quais asseguram que um conjunto comum
de políticas “neoliberais” são prosseguidas por todos os países do
globo.
A emergência
deste capital financeiro internacional é em si própria o resultado do
processo de centralização do capital, o qual num período anterior, como
Lenine havia argumentado, trazia o capital financeiro, ou uma junção de
capital bancário e industrial, para debaixo do controle de uma
oligarquia financeira, numa posição de hegemonia dentro de cada país avançado.Entretanto,
a centralização de hoje do capital progrediu muito além do tempo de
Lenine, criando esta nova entidade chamada capital financeiro
internacional e levando-o a uma posição de hegemonia.
Uma vez uma
economia tendo afundado no turbilhão dos fluxos financeiros globalizado,
seu Estado quer queira quer não tem de inclinar-se aos caprichos do
capital financeiro internacional e prosseguir políticas que lhe são
favoráveis. Este facto tem um certo número de implicações e estas
constituem as características salientes do capitalismo neoliberal.
Primeiro, o
capitalismo neoliberal é marcado, ao contrário do capitalismo do
passado, por uma relocalização de actividades por parte do capital
metropolitano do mundo avançado para o mundo subdesenvolvido, para
aproveitar-se dos baixos salários que prevalecem nestes últimos, a fim
de produzir para o mercado mundial.
Segundo, isto altera o carácter do Estado por toda a parte, de modo que o Estado, ao invés deaparentemente posicionar-se
acima das classes e defender os interesses de todos, incluindo mesmo as
classes oprimidas, apesar de buscar o desenvolvimento capitalista,
torna-se mais abertamente e directamente ligado aos interesses da
oligarquia corporativo-financeira a qual, por sua vez, está conectada ao
capital financeiro internacional. Isto significa, entre outras coisas,
uma retirada do apoio do Estado à pequena produção tradicional e à
agricultura camponesa – e portanto a retomada de um processo de
acumulação primitiva de capital que recorda a primitiva era colonial.
Terceiro, a
intervenção do Estado na “gestão da procura”, a qual fora a marca
característica do capitalismo do pós guerra durante a assim chamada “Era
Dourada”, mas à qual sempre o capital financeiro sempre se opusera pois
isso minava a legitimidade social da classe capitalista, especialmente
da classe financeira, foi evitada sob a pressão da finança globalizada.
Leis de “responsabilidade orçamental” são aprovadas, país após país,
para assegurar que os esforços dos Estados para aumentar o emprego e a
actividade na economia assumem a forma de providenciar “incentivos” ao
capital ao invés de empreender a despesa directa por si mesmo. Isto
entretanto significa com efeito que o crescimento do sistema já não pode
mais ser estimulado pelo Estado (uma vez que os capitalistas
simplesmente embolsam todos os subsídios e transferências que lhes
chegam do Estado como “incentivos” sem empreender qualquer investimento
adicional). O crescimento acaba por depender essencialmente da formação
de “bolhas” de preços de activos (aparte os gastos do consumidor
financiados por crédito, o qual no entanto tem limites muito estritos).
Estas
características do capitalismo neoliberal têm por sua vez consequências
importantes. Por um lado, mesmo quando o sistema cresce, este mesmo
crescimento é acompanhado por um aumento extremo das desigualdades de
rendimento e riqueza dentro dos países. Os trabalhadores nos países
capitalistas avançados são incapazes de elevar seus salários porque num
mundo com mobilidade de capital eles competem de facto contra as
reservas de trabalho maciças do terceiro mundo. Mesmo os trabalhadores
em países dentro dos quais ocorre a terciarização (outsourcing) de
actividades são incapazes de elevar os seus salários porque as reservas
de trabalhos nestes países, longe de serem esgotadas por causa desta
terciarização, realmente aumenta em tamanho relativo devido ao
despojamento de pequenos produtores tradicionais e de camponeses.
Portanto o vector dos salários reais por todos os países, tanto
desenvolvidos como subdesenvolvidos, não aumenta ao longo do tempo
embora o vector da produtividade do trabalho aumente. Este despojamento
de camponeses e pequenos produtores e ainda a dizimação das suas
economias causa mesmo, em países do terceiro mundo, um aumento absoluto
do nível de desnutrição e privação material.
Embora tudo isto ocorra quando o capitalismo neoliberal realmente experimenta crescimento, ele não pode mesmo experimentar crescimento sustentável. O
crescimento mais rápido da produtividade do trabalho em relação aos
salários, por toda a parte, leva a um aumento da dimensão relativa do
excedente (surplus) da economia mundial, o qual cria uma
tendência em direcção à super-produção (uma vez que o rácio do consumo
em relação ao rendimento é maior entre salários do que entre
excedentes). E o único factor dentro de um regime de capitalismo
neoliberal que pode compensar esta tendência, nomeadamente booms
provocados por bolhas de preços de activos, torna-se inoperante quando
estas bolhas entram em colapso – como inevitavelmente tem de acontecer.
A crise
originada desta fonte pode ser razoavelmente prolongada, uma vez que
novas bolhas não podem ser feitas por encomenda. E quando tais crises
ocorrem, as condições da população trabalhadora tornam-se ainda mais
lamentáveis do que acontecia quando ocorria crescimento. O mundo
capitalista hoje está no meio de uma tal crise prolongada, sem fim à
vista. E mesmo se por acaso houver alguma recuperação através da
formação de uma nova bolha, esta recuperação também será evanescente,
perdurando só até o colapso da nova bolha.
É esta crise
prolongada na qual o capitalismo neoliberal está afundado que provoca o
actual surto de fascismo à escala mundial. Uma vez que a globalização
do capital e do processo associado de privatização de empresas do Sector
Público enfraquece o movimento sindical, e em geral o poder de greve
imediata da classe trabalhadora, movimentos fascistas baseados no
“supremacismo” de uma espécie ou de outra, e apelando à irracionalidade,
tendem a aflorar em tais períodos. Eles não têm uma agenda para
ultrapassar a crise além de culpar e vitimizar “o odiado outro” e
projectar um “messias” que milagrosamente curaria a sociedade de todos
os males que afligem.
Estes
movimentos apelam acima de tudo à pequena burguesia, mas em períodos de
extrema fraqueza do movimento proletário eles podem mesmo aliciar o
apoio de certos segmentos de trabalhadores. Mas estes movimentos são invariavelmente erguidos, promovidos e apoiados pela oligarquia corporativo-financeira para impedir mesmo qualquer desafio potencial da classe trabalhadora à sua hegemonia. Na
verdade, eles crescem em força e movem-se para o centro do palco só
quando obtiveram numa certa medida o apoio da oligarquia
corporativo-financeira. Esta aliança entre magnatas corporativo-financeiros e os “arrivistas”(“upstarts”) (para
utilizar a expressão de Kalecki) está actualmente em diferentes etapas
de formação em diferentes países do mundo. Mas esta ameaça de fascismo
está agora a avultar por toda a parte do mundo. E mesmo onde os
fascistas não conseguem chegar ao poder, muito menos empurrar países
rumo a Estados fascistas completos, eles no entanto pervertem
grandemente os fundamentos de qualquer sociedade democrática pela
atmosfera venenosa que criam.
Entretanto,
há uma diferença básica entre o fascismo contemporâneo e o fascismo da
década de 1930. O capital financeiro que havia promovido o fascismo nos
anos 30 era capital financeiro com base na nação que estivera
empenhado em amarga rivalidade inter-imperialista e havia glorificado a
“nação” como seu amparo ideológico nesta rivalidade. O fascismo
contemporâneo emergiu dentro da hegemonia do capital financeiro internacional e
de atenuada rivalidade inter-imperialista por causa desta mesma
hegemonia (uma vez que o capital globalizado não quer ver impedidos os
seus fluxos inter-países por um mundo fracturado por potências rivais
dentro de diferentes “territórios económicos”); e não tem qualquer
desejo de desafiar esta hegemonia. O seu “nacionalismo” portanto carece
de qualquer substância material.
Contudo, por
alguma razão ele pouco pode fazer para deter a crise do capitalismo
neoliberal, mesmo que chegue ao poder, sempre que isso acontece, através
da promessa de acabar com esta crise. Na Alemanha de 1933 e no Japão de
1931, o fascismo realmente acabou com a crise da sua própria maneira. O
rearmamento realmente conseguiu retirar estas economias da Depressão,
de modo que houve um breve período, antes de a guerra cobrar os seus
penosíssimos custos, quando o boom causado pela militarização ampliou a
base de apoio dos fascistas. Mas nas condições contemporâneas, governos
fascistas pouco podem fazer para ultrapassar a crise.
Para
aumentar a procura, tais governos, mesmo que se empenhem em gastos
militares ampliados, terão de financiar os mesmos ou através de um
défice orçamental ou através da tributação de capitalistas (uma vez que
as despesas do governo financiadas pelos impostos dos trabalhadores, que
gastam os seus salários de qualquer modo, não levam a qualquer aumento líquido da
procura). Contudo, qualquer destes dois caminhos de financiar despesas
governamentais é anátema para o capital financeiro internacional. O
fascismo contemporâneo, portanto, é singularmente incapaz de resolver a
crise capitalista mesmo através de métodos fascistas.
O
capitalismo contemporâneo atingiu portanto um beco sem saída. Os
partidos tradicionais do establishment não podem pensar para além do
neoliberalismo e de qualquer modo estão profundamente implicados nas
políticas que geraram a crise. Muitos deles, como Hillary Clinton nos
EUA, nem mesmo tomam conhecimento da crise, pensando que a economia
ressuscitaria por si própria deste abalo menor mesmo dentro do quadro do
neoliberalismo. As forças fascistas, por outro lado, tão pouco têm
qualquer programa explícito para ultrapassar a crise, nem mesmo qualquer
agenda implícita que pudesse emergir como resultado da suainclinação pelo
gasto militar. Assim, nem Trump, nem Marine Le Pen, nem o UKIP, nem
qualquer dos outros elementos fascistas actualmente em foco têm qualquer
programa económico para ultrapassar a crise.
Trump tem
falado de proteccionismo como um modo de saída da crise para os EUA. Mas
o mero proteccionismo, sem ampliar o mercado interno através de maior
despesa governamental financiada por um défice ou por impostos sobre
capitalista, pode gerar maior emprego só se outros países não
retaliarem. Se eles fizerem retaliação, então segue-se uma política
competitiva de “empobreço meu vizinho”, a qual só serve para agravar a
crise capitalista mundial e piorar a condição de todos os países.
Portanto o proteccionismo de Trump não está em vias de aumentar o
emprego nos EUA na ausência de uma política orçamental expansionista.
Mas longe de
perseguir uma política orçamental expansionista, Trump está a propor
medidas que terão um efeito contraccionista. Uma vez que ele planeia dar
concessões fiscais ao sector corporativo e equilibrar isto com cortes
nas despesas governamentais com o bem-estar destinadas aos pobres, isto
só agravará a crise nos EUA, porque a procura agregada será reduzida com
estas medidas orçamentais. (O sector corporativo, o qual poupa uma
grande parte do seu rendimento após impostos, simplesmente poupará suas
concessões fiscais e portanto não aumentará a procura, ao passo que a
redução da despesa governamental com bem-estar irá realmente reduzir a
procura).
Dentro do
regime de hegemonia do capital financeiro globalizado não há portanto
solução para a crise capitalista. A única solução possível, a qual
qualquer país individual pode tentar, é que o seu Estado desempenhe um
papel activo. E para que isto aconteça o Estado deve abandonar seu
carácter de Estado neoliberal.
Ele só pode
fazer isto se a economia for retirada do turbilhão de fluxos globais de
capital, através de controles de capitais, e também, na medida
necessária, de controles de comércio; ou seja, se a economia se desligar
da globalização. Como a oligarquia corporativo-financeira que está
integrada com o capital financeiro internacional não aprovará isto, só
um Estado com uma base de classe alternativa será capaz de efectuar uma
tal mudança, um Estado que esteja baseado no apoio do povo trabalhador. E
quando o povo trabalhador efectuar uma tal mudança, ele não ficará
satisfeito simplesmente com uma ressurreição de uma economiacapitalista, mas
preferencialmente prosseguirá adiante na construção conjunta de uma
economia alternativa, uma economia que fará uma transição para o
socialismo. Portanto o beco sem saída no qual se encontra o capitalismo
neoliberal pode ser rompido, mas uma tal ruptura levará a uma
transcendência do próprio capitalismo.
Não há
dúvida, como disse Lenine, que não existe algo como uma situação
absolutamente sem esperança para o capitalismo. Mesmo se o próprio
capitalismo é incapaz de escapar do beco sem saída, ele fará todos os
esforços possíveis para impedir o povo trabalhador de se organizar a fim
de efectuar uma mudança da situação. Isto desencadeará todas as
trapaças conhecidas do fascismo para esta finalidade. Ele fará todos os
esforços para empurrar a espécie humana rumo à barbárie a fim de impedir
que se mova em frente rumo ao socialismo. O resultado final,
naturalmente, depende da praxis. Mas o cenário actual abre a
possibilidade de os trabalhadores tomarem a iniciativa de se erguer para
sair da crise e ao mesmo tempo defender e aprofundar seus direitos
democráticos, avançar em suma o projecto da Revolução de Outubro.
24/Outubro/2017
O original encontra-se em www.networkideas.org/… . Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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