Marxismo e Karl Marx: história, biografia e conceitos
Por Vinicius Siqueira.
Índice
- Marxismo em gestação
- Os desenvolvimentos de Marx
- A organização política de Marx
- O princípio materialista
- Ideologia
- De volta à organização política
- Marx e O Capital
- E-book Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux
- 17 artigos sobre marxismo
- Marxismo: curso livre da Editora Boitempo
- Referências
O Marxismo: a teoria de Karl Marx [a]
Marx fundou uma nova ciência: a ciência da história. Vou ilustrar isso. As ciências com as quais somos familiares têm seus alicerces em alguns “continentes”. Antes de Marx, dois desses continentes haviam sido abertos ao conhecimento científico: o continente da matemática e o continente da física. O primeiro pelos gregos (Tales), o segundo por Galileu. Marx abriu um terceiro continente ao conhecimento científico: o continente da história.
[Louis Althusser, A Filosofia Como Uma Arma Revolucionária]
Karl Marx nasceu em uma família
de rabinos em 1818 na cidade de Tréveris, na Alemanha. Naquele momento,
judeus não podiam exercer uma série de profissões, assim, seu pai se viu
forçado a se converter ao luteranismo para advogar formalmente. Quando
jovem, frequentava o Ginásio de Trèves, terminando o curso de língua
alemã com uma curiosa dissertação[1].
Duas ideias foram desenvolvidas na
dissertação, que deveria ter como tema “reflexões de um jovem a
propósito da escolha de uma profissão”, e acompanharam Marx pelo
restante de sua vida e no desenvolvimento daquilo que viria a ser o marxismo:
1) o homem feliz é aquele que faz os outros homens felizes, sendo
assim, a melhor profissão é aquela “que proporciona ao homem a
oportunidade de trabalhar pela felicidade do maior número de pessoas,
isto é, pela humanidade”[2]; 2) na vida, há obstáculos que impedem as pessoas de viverem a vida com total controle sobre seus destinos.
Podemos entender os dois movimentos
básicos das ideias acima desenvolvidas: um movimento de expansão, de
solidariedade, que coloca no homem feliz a necessidade de participar da
vida em sociedade o máximo possível; e um movimento de contração, de
limite, pois o homem não pode ser feliz com tanta simplicidade, já que
há partes da vida das pessoas que se desenvolvem sem seu controle, com
obstáculos e dificuldades que aparecem sem sua vontade.
Em 1835, decidiu cursar direito na
Universidade de Bonn e de 1838 a 1840 trabalhou em sua tese de
doutorado, tendo em vista a possibilidade de se tornar professor, a
terminou e entregou à Universidade de Jena. Porém, obedecendo a segunda
ideia desenvolvida em Trèves, Marx não conseguiu seu posto
universitário: na época, os associados ao grupo dos Hegelianos de Esquerda foram perseguidos por Frederico Guilherme IV da Prússia. Bruno Bauer, hegeliano de esquerda e amigo de Karl Marx,
foi proibido de continuar lecionando em Bonn, Ludwig Feuerbach foi
retirado de sua cadeira universitário e, mais tarde, impedido novamente
de lecionar, por sua vez, Marx não conseguiu nenhum cargo de professor e se viu direcionado à vida do jornalismo[3][4].
Marxismo em gestação: Karl Marx como jornalista
Em 1842, Karl Marx era noivo e
desempregado. Sem dinheiro para sustentar uma família e sem perspectiva
de exprimir suas ideias numa cátedra universitária, Marx decidiu
publicar suas ideias como jornalista. Seu amigo Arnold Ruge era editor
da revista Anais Alemães e aceitou o primeiro artigo de Marx que foi imediatamente censurado. Ironicamente, o texto era de tom contrário à censura.
Karl Marx também escreveu para a Gazeta Renana, de Colônia, na Prússia, e voltou a discutir a liberdade de imprensa, mas sob termos que guardavam o germe do marxismo em gestação. Segundo Marx, “a liberdade número um para a imprensa consiste em não ser ela uma indústria”[5].
Enquanto alguns deputados liberais da região do Reno haviam feito
oposição ao fortalecimento da censura, não admitiam a possibilidade de
eliminar sua atuação enquanto indústria. Para Marx, o que retira da
imprensa a capacidade de informar com objetividade e criticar com
independência é justamente o fato dela ter de ser comercializada. É o
comércio da imprensa que a torna ilusória, mentirosa e covarde.
Por isso, Marx escreveu que aqueles deputados liberais, que haviam defendido a liberdade de imprensa como “uma liberdade comercial qualquer”, tinham acabado por defender a liberdade de imprensa tal como a corda “defende” o pescoço do enforcado.[6]
Ou seja, quando inserida no comércio de
informações, a imprensa se vê refém da demanda e de seus patrocinadores e
influenciadores. Ela fica presa numa rede de relações necessárias a sua
existência no mercado capitalista, porém, essa existência retira a
chance de produzir uma crítica independente e informar com objetividade
qualquer tipo de notícia. A permanência da imprensa no mercado tem como
exigência a crítica e a objetividade dependentes da esfera econômica e
suas leis e influências.
Em outubro de 1843, Karl Marx se mudou para Paris, onde planejou com Ruge a abertura de uma nova publicação, os Anais Franco-Alemães, e escreveu uma Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel,
na qual mostrava que as considerações teóricas de Hegel sobre o direito eram inócuas, porque não indicavam os meios práticos, materiais e sociais capazes de levar à efetiva superação dos problemas humanos que elas abordavam.[7]
Para Marx, o poder que se realiza
através da matéria só pode ser vencido por um outro poder que também se
realiza na matéria e a teoria se transforma em força material justamente
quando se apodera das massas[8] e são somente as massas proletárias capazes de promover uma mudança da ordem social, econômica e jurídica.
A filosofia pôs a nu a desumanidade do mundo presente. Feuerbach mostrou que a religião é uma solução ilusória, uma alienação. No entanto, a filosofia se mostrou impotente para, por si mesma, superar a desumanidade e acabar com a alienação. Marx chegou à conclusão de que a filosofia precisava dispor de uma arma material capaz de fazer prevalecer, prática e socialmente, o ideal de humanismo.[9]
A arma, nas condições da sociedade atual, diz Marx, é o proletariado.
A primeira e única edição dos Anais
Franco-Alemães foi lançado em 1844 e foi logo suspensa devido as
dificuldades com a sua difusão clandestina na Alemanha e de divergências
de Marx com Ruge[10]. A edição contava com a Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel e também seu trabalho Sobre a questão judaica. O
mote deste foi o artigo de Bruno Bauer sobre a questão judaica, em que o
autor reclama do egoísmo judaico em reivindicar somente a liberdade
religiosa com vistas na prática do judaísmo tradicional. Como judeus são
homens, parte da humanidade, não deveriam se limitar à busca pela sua liberdade religiosa, mas deveriam lutar pela libertação política do gênero humano.
Essa libertação política deve ser
entendida como uma libertação através da criação de leis. De uma
libertação que depende das leis estabelecidas para a sociedade. Marx,
por seu turno, se interessou pela crítica, mas a achou ainda rasa. A
libertação política não pode ser confundida com a emancipação humana, já
que esta só será alcançada com a mudança das leis, mas também com a
transformação do sistema social de produção e distribuição de riquezas.
A liberdade política, portanto, depende da liberdade econômica, o que
já poderia ser visto em suas críticas à forma de mercadoria que a
imprensa adquire quando comercializada.
“O ser humano só será verdadeira livre
quando todos os homens puderem desenvolver uma atividade criadora que
não esteja sujeita às pressões deformadoras da propriedade privada e do
dinheiro”[11], assinala Konder, explicando o pensando de Marx. Aqui, ele já carregava o interesse pela economia que será marca do marxismo.
Judaísmo e cristianismo são religiões
impotentes em combater a exploração do homem pelo homem e ambas são
frutos da sociedade dividida em classes. São, em geral, o grito de
desespero contra uma sociedade insatisfatória que é dada aos homens.
Entretanto, são impotentes na hora de guiar os homens na luta pela
superação das instituições baseadas na propriedade privada. “Por isso,
as religiões funcionam como o ópio do povo, pregando o conformismo e a
resignação”[12].
As religiões funcionam como o ópio do
povo, entretanto não são o ópio do povo, isso porque a religião pertence
a um período histórico e tem uma função que a sociedade da época acaba
lhe reservando. As religiões vigentes no bojo do capitalismo funcionam
como o ópio do povo porque retiram o poder de rebeldia das massas lhes
dando esperanças de um mundo melhor no pós-vida, no entanto, a ilusão
que a religião impõe aos homens reflete as condições do próprio mundo
que tornou essas ilusões necessárias. Acabar com o ópio do povo envolve
acabar com as condições que tornaram necessário o funcionamento da
religião como agente de conformidade das massas.
Enquanto Bruno Bauer acreditava que a
superação de todas religiões seria atingida com leis que tornassem todos
os homens iguais e garantissem a liberdade política dos cidadãos, Marx
assumia a necessidade de atingir a estrutura social e econômica da
sociedade.
Os desenvolvimento de Marx e a teoria marxista na economia
A filosofia alemã foi o início dos
estudos de Karl Marx, que passou para a economia política inglesa. Marx
decidiu analisar minuciosamente o sistema capitalista crescente no país.
Para isso, anotou suas ideias em folhas soltas que mais tarde seriam
publicadas sob o nome de Manuscritos econômico-filosóficos de 1844. Nesses manuscritos, Marx deu desenvolvimento a sua teoria da alienação, parte integrante da teoria marxista presente na juventude do filósofo.
Segundo Marx, apesar de também
trabalharem e produzirem, os animais não humanos só o fazem para atender
necessidades imediatas , “os animais nunca podem ser livres ao
trabalhar, pois a atividade deles é determinada unicamente pelo instinto
ou pela experiência limitada que podem ter”[13]. Os homens
podem planejar, podem projetar aquilo que querem fazer e, a partir
disso, conceber caminhos diferentes para sua realização. Podem escolher
livremente o caminho que melhor lhes aprouver e segui-lo.
É o livre desenvolvimento do trabalho
criativo que parece, para o Marx da primeira metade da década de 1840,
ser a chave à emancipação humana, mas o filósofo percebe que o trabalho
humano assume formas desumanas: os trabalhadores que produzem bens
necessários à vida não se realizam em suas atividades. Na indústria
moderna do capitalismo, o trabalho é odiado pelos trabalhadores, que o
encaram como uma atividade imposta, imbecilizante e opressora.
O capitalista é dono dos meios de
produção e os trabalhadores nada possuem, a não ser sua própria força de
trabalho, que se torna mercadoria comprada por um salário. Para
trabalhar (e ter um sustento), o trabalhadores se veem forçados a vender
sua força de trabalho ao capitalista. Evidentemente, essa venda se dá
num contexto vantajoso para o capitalismo e desvantajoso para o
trabalhador, que tem muito mais urgência em garantir o sustento que o
capitalista em encontrar um funcionário para dar lucro a sua empresa.
Marx chamou de alienação do trabalho precisamente esse fenômeno pelo qual o trabalhador, desenvolvendo a sua atividade criadora em condições que lhe são impostas pela divisão da sociedade de classes, é sacrificado ao produto do trabalho. Para Marx, os regimes baseados na propriedade privada dos meios de produção – sobretudo o capitalismo – tendem a transformar o homem num mero meio para a produção da riqueza particular (simbolizada pelo dinheiro).[14]
O produto não é mais criado livremente
pelo produtor, que está preso numa inversão: ele que depende das
exigências do produto, representado pelo mercado capitalista em que será
vendido.
A divisão da sociedade em classes também
distancia o capitalista da experiência cotidiana do trabalho produtivo,
impedindo que reconheça as potencialidades criadoras do ser humano. A
alienação afeta os indivíduos da classe dominante em sua maneira de
pensar, de ser e de compreender o mundo e como são a classe que domina
um dado período histórico, utilizam-se de instituições e símbolos para
tornar universal sua visão particular. Essa visão, sem dúvida, serve
para justificar a ordem social que lhes é vantajosa. Mas a própria
criação dos capitalistas, as instituições e símbolos que garantem uma
certa justificativa para o mundo em que vivem, também adquire um caráter
estranho, certa vida própria através da alienação desenvolvida entre
ela e o capitalista.
Para ter um exemplo dessa alienação dos capitalistas basta pensar no mercado capitalista. Os capitalistas criaram o mercado para a venda de seus produtos. Como, porém, estão divididos e competem uns contra os outros, os capitalistas jamais conseguem controlar o mercado em conjunto: este fica sujeito a movimentos surpreendentes e desequilibrados, capazes de levar qualquer capitalista individual à falência.[15]
Por isso o mercado é tratado como uma
entidade produzida sem qualquer intenção humana. Como uma realidade já
posta que o capitalista precisa viver sempre pressupondo sua eterna
existência.
A organização política de Marx
Os Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 foram a última amostra do pensamento de Marx sem a presença de seu companheiro de vida Friedrich Engels.
Depois que este iniciou suas contribuições para a Gazeta Renana, em
1842 se encontrou com Marx em Colônia, mas somente em 1844, em Paris,
estreitaram os laços de amizade e de trajetória intelectual.
Em sua vida na França, Marx foi
convidado para entrar em diversas associações comunistas, mas sempre de
caráter intempestivo e conspiratório. Para Marx, era necessário
organizar a classe trabalhadora e unir os revolucionários em torno de
posições justas para os interesses da classe. Com a morte dos socialistas utópicos de maior prestígio,
como Saint Simon em 1825 e Charles Fourier em 1837, seus discípulos
continuaram trabalhando em suas posições, porém todos fora do campo de
entendimento que Marx gostaria de dialogar. Enquanto os primeiros era
demasiadamente apóstolos de seu mestre, os segundos estavam preocupados
demais com a organização dos falanstérios e com questões irrelevantes do
ponto de vista político e econômico.
Por sua vez, na ativa do movimento
operário, Louis Blanc liderava um grupo que não queria se
incompatibilizar definitivamente com a burguesia. Para ele, mudanças
graduais, através da participação da política institucional, seriam
possíveis com habilidade do proletariado e, assim, conseguiriam
convencer a classe dominante a aceitar uma ordem social mais humana.
Já Mikhail Bakunin,
anarquista russo, transitava por posições ora confusas, ora variáveis
que não podiam ser sintetizadas em um programa coerente. Ainda no campo
anarquista, Joseph Proudhon era adepto de reformas econômicas
“racionais”, pacíficas, além de ser hostil às agitações comunistas e não
ter participação regular em atividades políticas. Por fim, Etienne
Cabet tinha aderido ao comunismo após a leitura da Utopia, de Thomas Morus, o que, segundo Marx, era uma atitude ingênua.
Karl Marx não conseguia estabelecer com
nenhum deles um diálogo frutífero e viu em Engels o único parceiro
revolucionário disposto a esta empresa. Já em 1844, escreveram em
parceria A Sagrada Família,
direcionando críticas a Bruno Bauer, que depois de ser impedido de
lecionar em Bonn, construiu um grupo de seguidores em torno da revista
Gazeta Literária Geral, onde ridicularizava os esforços revolucionários
da época e professava aversão às massas.
O princípio materialista no marxismo
Como Karl Marx viveu num clima de profundo respeito e estudo da obra de Friedrich Hegel, seu pensamento precisava passar pelo idealista de um jeito ou de outro. Para Hegel, em oposição à metafísica vigente, o movimento é central na vida e ele carrega em seu bojo a contradição.
Os filósofos metafísicos procuravam primeiro analisar cada ser e cada coisa, separadamente, para depois tratar de levar em conta as relações entre os seres, entre as coisas. Hegel, todavia, com seu método dialético, ensinou que os seres e as coisas existem em permanente mudança, entrosados um com os outros, e que só é possível entendê-los se desde o início forem devidamente consideradas as suas ligações recíprocas.[16]
Para Bruno Bauer e seus apoiadores, Marx havia considerado a classe trabalhadora como a classe dos deuses,
ao atribuir-lhe um papel, para eles, messiânico. Marx, utilizando a
dialética como frente de suas análises, entendia que a classe
trabalhadora não deveria ser vista isoladamente, mas em suas relações
recíprocas com a classe capitalista. Apesar de suas debilidades
momentâneas, era essa a classe em posição de iniciar uma grande
transformação social, devido a sua posição na sociedade capitalista.
Além de defender sua posição, Marx
também atacou Bruno Bauer e seus colaboradores. Para Marx, Bauer não
conseguiu se desvencilhar do ponto já superado da filosofia hegeliana,
que é seu aspecto especulativo, que lhe faz ser idealista. Por serem filósofos de gabinete, não entendiam as consequências práticas do método dialético.
O aspecto idealista também pode ser
visto na visão de Bauer sobre a humanidade: para o autor, a evolução da
humanidade é projeto acabado e projetado na consciência divina. Sendo um
plano racionalmente perfeito, a história passaria a ser somente uma
forma de demonstrar sua indefectibilidade. Ele achava que, numa postura
contemplativa, se encontrasse o plano perfeito de Deus e o informasse às
elites, o mundo entraria em harmonia. No exato oposto de sua conclusão,
Marx rebatia: um conjunto de ideias não pode superar um estado de
coisas, no máximo, pode superar as ideias desse estado de coisas. Para
uma superação a nível material, é necessário que os homens ajam.
Novamente, por ser um funcionário de
escritório, um filósofo de gabinete, Bauer considerava que a única
atividade humana criadora e realmente produtiva era o pensamento, mas
Marx acreditava que o pensamento precisava da prática, de um uso social
para provar sua eficácia (necessidade explícita nas Teses contra Feuerbach, lançadas em 1845).
Enquanto o idealismo tem como proposta a
mudança do mundo através da transformação interior dos espíritos das
elites, a linha filosófica materialista sempre indicou que há
circunstâncias externas aos indivíduos que delimitam seu campo de ação,
sendo necessário transformar as circunstâncias para sonhar com um mundo
diferente.
Já em Bruxelas, para onde se mudou após
ser expulso de Paris em 1845 devido a pressão do incomodado Frederico
Guilherme IV, Marx continuou seus desenvolvimentos acerca do
materialismo. Ele considerava que os materialistas de até então não
haviam compreendido o processo do conhecimento. O homem, na teoria
materialista da época, era descrito como uma máquina pronta para
registrar todas as impressões externas. Como entendiam que o ser humano
era primeiramente um ser biológico, não um ser social, concebiam a
formação da consciência numa dinâmica mecânica, “na qual os indivíduos
apareciam como meros produtos do meio”[17].
Marx inseriu um componente ativo na
visão materialista: as circunstâncias externas formam o homem assim como
o homem as transforma. Ele não é passivo neste processo, mas sim
intervém ativamente na realidade. Desta forma, o componente prático não
pode ser descartado na descrição do processo de conhecimento do homem,
pois este curso envolve 1) a transformação do mundo pelo homem e 2) a
transformação homem por ele mesmo. Interpretar o mundo é uma tarefa
anterior ao trabalho mais importante de modificá-lo.
Se a modificação do mundo é tarefa de
primeira importância, sendo possível na concepção do processo do
conhecimento elaborada por Marx, ele não ficava satisfeito, enquanto
comunista, com teorias que não tivessem ligação com a prática. Os comunistas modernos
não podiam 1) admitir teorias sem prática declarada e 2) assumir uma
postura passiva, sem qualquer autonomia ao pensamento, considerando que
ele se desenvolve unicamente como produto das condições exteriores.
Ideologia em Marx
Marx iniciou a construção de um materialismo prático através da crítica à ideologia, que resultou no livro A Ideologia Alemã, redigido em 1846. A ideologia é constituída de todas as formas de representar a vida
que os indivíduos assumem num dado momento histórico. Eles planejam
como viver a vida, como encará-la, têm objetivos e esperanças perante a
própria existência e perante a sociedade.
Para Engels e Marx, entender a ideologia
envolve um exercício antropológico de entender o que ocorreu nos
primeiros momentos da humanidade: segundo os autores, o homem primitivo
vivia pelos seus instintos e necessidades imediatas, portanto, seus
movimentos eram guiados segundo as demandas da natureza. Entretanto, o
homem passou a construir suas ferramentas e modificar a natureza, passou
a produzir seus meios de subsistência e, portanto, criou uma economia produtora.
O desenvolvimento do trabalho produtivo não foi somente positivo, pois a
sua hegemonia na sociedade humana também foi causa da escravidão: um
homem só pode ficar ocioso para mandar em homens escravos numa economia
de produção acima das necessidades imediatas. Ainda mais, sem o
desenvolvimento dos meios de produção, nem mesmo compensava manter um
escravo, que produzia menos que os gastos para mantê-lo vivo (como
comida, moradia e vestuário). Foi este desenvolvimento específico que a
escravidão passou a valer à pena e, assim, a exploração do trabalho
escravo gerou “a primeira forma de divisão social do trabalho e a primeira forma de propriedade privada de uma fonte de produção”[18].
A divisão social do trabalho e o
nascimento da propriedade privada dos meios de produção gerou um corte
na sociedade humana. Era impossível nascer qualquer ponto de vista
universal, comum e espontâneo, porque a divisão da sociedade entre os
que dominam e os que são dominados gerou uma situação de conveniência da
parte dos dominantes de modo que passaram a acreditar que seu ponto de
vista particular era a expressão natural e conveniente a todos os
homens. O particular foi colocado como universal.
De outra forma,
As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes. Ou, dito em outros termos, a classe que exerce o poder material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante.[19]
A classe dominante utiliza os aparelhos
de Estado para inculcar nos dominados a justificativa de sua própria
exploração e prejudicar qualquer ação possível de resistência.
De volta à organização política
Em 46, Karl Marx foi até Bruxelas para
participar de uma reunião promovida por uma organização comunista
fundada por Wilhelm Weitling. Este era líder revolucionário de prestígio
e acreditava que com um exército de trabalhadores e marginais
conseguiria impor seu programa revolucionário. Marx, por sua vez, fez
fortes críticas ao autor, ressaltando que era tolice acreditar em
revolução socialista em países que nem mesmo havia acontecido uma
revolução burguesa, que era irresponsável clamar por trabalhadores para
ações revolucionárias ingênuas. Não obstante, ainda exigiu de Weitling
um programa revolucionário baseado na ciência para depois oferecê-lo aos
trabalhadores.
No mesmo ano, Marx recebeu o livro de Pierre-Joseph Proudhon chamado A filosofia da miséria. Respondeu esta publicação com seu A miséria da filosofia.
Nele, provoca Proudhon e o coloca como hegeliano farsante, na medida em
que só usa seu vocabulário, mas não consegue aplicar sua dialética. Sua
ideia levava a ciência social a um status de buscadora do lado bom das
instituições. Depois desta etapa, seria responsabilidade dela a
incorporação do lado bom encontrado nas pesquisas aos estágios mais
avançados da sociedade.
Segundo Marx, Proudon tinha a
mentalidade típica de um pequeno burguês. Um amor à contradição: quanto
mais a classe capitalista o proletariza, mais ele repele a ideologia
proletária; quanto mais longe está do status de um capitalista, mais tem
esperança de um dia chegar lá.
Proudhon, por exemplo, considerava a
greve uma ação criminosa, enquanto Marx a considerava, muitas vezes,
como a única ferramenta que o capitalismo possibilita aos trabalhadores.
É o próprio sistema capitalista que também aglomera e dá a chance aos
trabalhadores de se reconhecerem enquanto classe.
Dois anos depois, Marx e Engels
compareceram ao 2º Congresso da Liga dos Comunistas e ficaram
encarregados de escrever um manifesto comunista. Lenin salienta que
Esta obra expõe, com uma clareza e um vigor geniais, a nova concepção do mundo, o materialismo conseqüente aplicado também ao domínio da vida social, a dialética como a doutrina mais vasta e mais profunda do desenvolvimento, a teoria da luta de classes e do papel revolucionário histórico universal do proletariado, criador de uma sociedade nova, a sociedade comunista.[20]
O manifesto comunista,
obra de 1848, tem início numa síntese do desenvolvimento social da
humanidade. Para Marx e Engels, a história de todas as sociedades após o
surgimento da propriedade privada é a história da luta de classes. “A
própria burguesia só tinha conseguido tomar o poder e implantar o
capitalismo por meio de uma dura luta contra as instituições feudais”,
afirma Konder[21].
Ainda mais, em busca de novos mercados, o
capitalismo invadiu todo globo terrestre e desenvolveu a tecnologia
brilhantemente. Entretanto, a contradição não pode ser deixada de lado:
sempre que uma classe passa a ser dominante, quando consegue tomar o
poder, organiza a sociedade a seu modo e se torna a classe proprietária.
A burguesia entra em oposição ao proletariado por ser uma classe
proprietária (dos meios de produção) enquanto o proletário não é
proprietário de nada, somente de sua força de trabalho que precisa
vender para conseguir um salário. O objetivo do proletariado é tomar o
poder para implantar um tipo de organização social que torna a
propriedade um bem coletivo, social.
Continuando o ano de 1848, Marx e Engels publicaram a primeira edição da Nova Gazeta Renana,
em Colônia. Como o movimento operário estava fraco naquela região, Marx
considerava importante manter diálogo com democratas burgueses e se
colocar como frente de esquerda dentro da liberal-democracia. Logo foi
recebido com críticas por André Gottschalk, médico e líder da oposição a
Marx. Para ele, o proletariado deveria de imediato implantar o
comunismo e Gottschalk também era contra a participação da classe nas
eleições. Marx, em seguida, criticou seu oportunismo falsamente radical.
Em 1849, Marx foi para Londres e também
travou discussões com o revolucionário August Willich, que acreditava
não nas condições históricas para a revolução proletária, mas sim na
disposição dos trabalhadores para o embate. Um tipo de posição
voluntarista que atrasa a estratégia da luta dos trabalhadores.
Com um salto de onze anos, em 1860, a
briga de Marx foi com Karl Vogt, já num patamar filosófico e
epistemológico, não tanto organizacional. Vogt era um materialista
vulgar que acreditava que as ideias eram produzidas pelo cérebro como
órgão biológico, mas não enxergava uma dinâmica qualitativamente
diferente na produção da bílis pelo fígado e das ideias pelo cérebro.
Não levava em consideração, portanto, o processo social da produção das
ideias e, assim, ignorava que a classe dominante detém as ideias
dominantes numa dada sociedade.
Na parte política, Vogt dificultava as ações revolucionárias na Suíça, país em que morava.
Ultrapassadas as primeiras barreiras, em
1864 a Associação Internacional dos Trabalhadores foi fundada. A então
Primeira Internacional exigia alguns princípios dos trabalhadores
organizados sob seu suporte: 1) a emancipação trabalhadora deverá vir
deles próprios; 2) a libertação dos trabalhadores é a libertação de
todas as classes; 3) a luta política deve servir como parte da
emancipação econômica da classe trabalhadora; e, por fim, 4) a
libertação do proletariado deve ocorrer através da união teórica e
prática dos trabalhadores de diferentes países.
A Internacional começou suas atividades
contrapondo as investidas de Napoleão III contra a classe trabalhadora e
contribuindo na organização de greves pela Europa.
Marx e O Capital
Então, em 1867, Marx publica o primeiro volume d’O Capital.A teoria do valor
No início da obra máxima de Marx é feita uma importante distinção: o valor de uso e o valor de troca.
- O valor de uso: que está no valor dado pelo usuário das coisas, é o valor que reside na utilidade das coisas[22].
- O valor de troca: que, ao contrário do valor de uso que é subjetivo, se trata de um valor objetivo e reside na relação social de troca, na venda e na compra de coisas[23].
Nas palavras de Lenin,
A mercadoria é, em primeiro lugar, uma coisa que satisfaz uma qualquer necessidade do homem; em segundo lugar, é uma coisa que se pode trocar por outra. A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. O valor de troca (ou simplesmente o valor) é, em primeiro lugar, a relação, a proporção na troca de um certo número de valores de uso de uma espécie contra um certo número de valores de uso de outra espécie.[24]
As diferentes mercadorias precisam de algo em comum para serem trocadas: todas elas são produtos do trabalho humano.
Para Marx, o fato dos economistas
burgueses confundirem e utilizarem conjuntamente os dois tipos de valor
os levou a se afastarem da realidade. A explicação marxista do valor ao
longo d’O Capital é predominantemente uma análise de valores de
troca. Sendo assim, quanto mais trabalho humano aplicado na fabricação
de uma mercadoria, mais valor de troca ela terá. Sendo maior o valor de
troca, maior o valor da mercadoria em relação às outras mercadorias
dentro do mercado.
No entanto, este valor de troca baseado
no trabalho inserido em todos os momentos de fabricação e modificação do
produto até se tornar mercadoria não é calculado pela quantidade
pontual de trabalho inserida por um operário particular, mas sim pelo
trabalho socialmente necessário para a fabricação do produto,
portanto, pelo trabalho necessário por um trabalhador médio com
condições médias de exercer o trabalho necessário para uma dada
aplicação. O trabalho não é calculável, mas o tempo de trabalho sim, ele
é contável e tem relação direta com as condições de trabalho, sendo
assim, o valor da mercadoria é calculado a partir do tempo socialmente
necessário de trabalho para sua fabricação.
Cada mercadoria considerada isoladamente não representa portanto senão uma certa parte do tempo de trabalho socialmente necessário. A grandeza do valor é determinada pela quantidade de trabalho socialmente necessário ou pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de determinada mercadoria, de determinado valor de uso.[25]
No entanto, vale dizer que o mercado não
se comporta assim em qualquer situação. As obras de arte não valem no
mercado conforme o tempo socialmente necessário para sua fabricação.
Essa lei geral não é aplicável em qualquer situação.
O dinheiro
A troca só é possível com excedente
econômico, com uma produção maior do que o necessário para o consumo.
Konder explica que o excedente comercializado, trocado, não fazia da
troca uma atividade principal na vida das sociedades humanas[26].
Entretanto, conforme a atividade de troca se tornou regular, a produção
passou a atender o excedente e, entre o valor de uso, a utilidade; e o
valor de troca, ou seja, a produção visando a própria troca, este último
ganhou predominância.
O dinheiro apareceu como uma mercadoria
que tem como valor de uso a possibilidade de ser usada para a troca de
outras mercadorias. Se, de início, o dinheiro somente era usado para a
troca de mercadorias, após o século XVI ele passou a ser cada vez mais
utilizado como capital. E qual a diferença entre dinheiro e
capital? Sua forma de circulação: o capital é uma relação social que
envolve sua multiplicação. O capitalista não vende uma mercadoria para
ter dinheiro e comprar outra, mas sim compra uma mercadoria (a força de
trabalho e todos os equipamentos necessário para a fabricação) com
objetivo de vendê-la (em forma de outra mercadoria) e conseguir mais
dinheiro nesta transação.
Mais-Valia
O dinheiro não se multiplica por mágica, mas sim através de uma sobra de valor na circulação das mercadorias. Diz Lenin,
Num certo grau do desenvolvimento da produção de mercadorias, o dinheiro transforma-se em capital. A fórmula da circulação de mercadorias era: M (mercadoria) – D (dinheiro) – M (mercadoria), isto é, venda de uma mercadoria para a compra de outra. Pelo contrário, a fórmula geral do capital é: D – M – D, isto é, compra para a venda (com lucro). E a este “acréscimo” do valor primitivo do dinheiro posto em circulação que Marx chama mais-valia. Este acréscimo do dinheiro da circulação capitalista é um fato conhecido por todos. E precisamente este “acréscimo” que transforma o dinheiro em capital, ou seja, numa relação social de produção historicamente determinada.[27]
O século XVII acontece o que é chamado de Revolução Comercial,
em que a acumulação de dinheiro se deu ainda na coexistência de uma
burguesia e do sistema feudal. Depois desta acumulação originária de
capital foi possível substituir de vez o sistema feudal pelo novo
sistema capitalista e, neste novo sistema, o trabalhador já não está
mais preso em nenhum local fixo de trabalho, portanto, pode livremente
procurar emprego e vender sua força de trabalho. Essa liberdade, vai
dizer Konder, é enganosa,
Por não controlarem como classe o poder econômico, os trabalhadores não controlam o aparelho de Estado, não participam das eleições em condições de eleger governantes que realmente representam a classe operária. Por não possuírem os meios de produção, os trabalhadores são obrigados a vender sua força de trabalho aos donos das empresas, nas condições impostas pelo mercado.[28]
Como o trabalhador vende sua força de
trabalho no mercado capitalista, a vantagem na hora da negociação é do
capitalista. Ele precisa do trabalhador para operar suas máquinas com
menor urgência do que o trabalhador precisa do salário para sobreviver.
O capitalista calcula os gastos com a conservação e a renovação de suas máquinas, calcula os salários e calcula o valor que a mercadoria produzida em sua fábrica poderá ter no mercado. Descontada do valor do produto a parte que o capitalista paga ao operário sob a forma de salário, o que sobra é a mais-valia.[29]
A mais-valia não pode ser confundida com
lucro, pois nela ainda estão armazenados os gastos necessários para o
funcionamento e evolução do negócio e o valor de aluguel do local em que
o estabelecimento se encontra. O lucro é só mais uma parte da
mais-valia.
Mercadoria
Mercadoria é aquilo que é produzido para
venda no mercado, não para consumo imediato. É necessário entender que a
produção de mercadorias não é a característica nuclear do capitalismo,
pois essa produção já existia antes do sistema capitalista. Nele, a
produção se aprofundou e se transformou no tipo de produção hegemônico.
Ao se expandir, o capitalismo foi estendendo o sistema de produção para o mercado às mais diversas áreas. Em certo sentido, devemos dizer que o capitalismo foi o regime que mercantilizou a vida humana.[30]
No capitalismo, o dinheiro passou a ter
papel principal nas relações humanas, na medida em que todas as coisas
passaram a ser transformadas em mercadoria. Entretanto, como as
mercadorias são feitas para o mercado, não para o consumo do produtor,
do trabalhador, o sistema de produção se distancia e domina o homem, em
vez de ser dominado por ele. Chegando a tal ponto da ala fisiocrata da
economia burguesa estudar os fenômenos econômicos como se fossem regidos
por leis naturais. Até mesmo para Adam Smith havia uma mão invisível agindo nos fenômenos econômicos.
Com a falta de justificativa humana
racional para a existência de tal sistema, é necessário criar uma
racionalidade externa, fora do controle humano. A economia fica fora do
controle humano através de ilusões sobre um funcionamento autônomo do
mundo das mercadorias, restando ao homem o papel de engrenagem neste
sistema. Marx nomeia de fetichismo da mercadoria essa forma ilusória tomada pela mercadoria.
Para Marx, o funcionamento do mercado
capitalista também coloca um capitalista contra o outro, fazendo o
grande capitalista incorporar o pequeno, num movimento de concentração
de capital e formação de monopólios. Depois disso, o passo seguinte é a
formação de braços corporativos em outros países, num comportamento imperialista.
No contexto de formação de grandes
monopólios, há também a concentração de grande número de trabalhadores,
que passam a viver juntos em número cada vez maior e de forma cada vez
mais organizada politicamente, até que o sistema capitalista não
consegue mais dar conta da contradição entre a produção altamente
socializada e a apropriação capitalista dos frutos do trabalho, o que
gera a revolução.
Revolução
A tarefa de analisar a revolução ficou cada vez mais urgente e o primeiro sinal da história chegou com a Comuna de Paris. Adolphe Thiers,
então presidente da França, se viu sem controle da Guarda Nacional e em
1871 abandonou a capital francesa e se dirigiu a Versalhes, deixando o
coração de seu país ao desespero de enfrentar as tropas de Otto von Bismarck, chanceler alemão no 2º Reich.
Um Comitê Central controlava a Guarda
Nacional e, ao perceber que a cidade foi abandonada, convocou o povo
parisiense para novas eleições. “Era uma direção coletiva, em que
predominavam elementos representativos das classes trabalhadoras: pela
primeira vez na história da humanidade o proletariado se achava no
poder”[31].
O Governo da Comuna:
- Instalou armazéns para a venda de itens de primeira necessidade praticamente a preço de custo;
- Apesar de abandonado pelos funcionários, a comuna manteve todos os serviços postais em funcionamento;
- Suspendeu a venda de objetos penhorados;
- Prorrogou o prazo de pagamento de obrigações comerciais;
- Interrompeu as ações judiciais de despejo;
- Entregou as oficinas abandonadas pelos proprietários aos sindicatos;
- Prestou assistência médica à população de maneira mais eficiente que aquele prestado nos últimos anos, mesmo com carência de medicamentos;
- Planejou um sistema de ensino universal, mas não teve tempo de implementar devido a invasão de Thiers no fim da comuna.
No fim, o governo da Comuna gastou por
volta de 41 milhões de francos, seis vezes menos que o governo de Thier
gastava no mesmo período. Depois de se acertar com Bismarck e lhe
prometer territórios e o pagamento de uma grande quantia, Thiers recebeu
seus prisioneiros de guerra e, sentido-se mais forte, invadiu a capital
francesa massacrando a resistência operária.
Bakunin e Lassale
Marx tinha um histórico peculiar com
anarquistas: em 1845, combateu as teses de Max Stirner; em 1847,
combateu Proudhon; entretanto, em 1868, encontrou-se com um Bakunin
disposto a participar da Internacional e fazendo uma autocrítica em que
se colocava sob os objetivos da revolução econômica[32].
Apesar de se fortalecer após a Comuna, a
Internacional passou por problemas de organização com um grande número
de filiados. Bakunin trouxe à discussão seus ideais anarquistas
exatamente no momento em que era necessário construir um programa de
ação rigoroso. O anarquista se posicionou contra a participação dos
trabalhadores na política institucional e difundiu o mito de que a
revolução viria através de uma grande greve geral.
Marx criticou o anarquismo como uma
concepção romântica e uma influência desagregadora que só poderia
prejudicar o indispensável e paciente trabalho de organização do
proletariado para a revolução socialista. Os companheiros de direção da
Internacional consideraram justa a crítica de Marx e repeliram as
posições anarquistas.
Bakunin, então, acusou Marx de querer
monopolizar a direção do movimento operário, impondo-lhe métodos
ditatoriais: “Como alemão e como judeu, Marx é da cabeça aos pés um
autoritário”[33].
Lassale, por sua vez, deu trabalho para
Marx desde a década de 50. O autor escreveu uma peça de teatro criticada
por Marx, na medida em que os personagens se definiam mais pelos
discursos que proferiam do que por suas ações. Para Lassale, valia até
uma aliança com Bismarck pela união da Alemanha.
No entanto, foi em 1874, com Lassale já morto, que Marx precisou escrever aquilo que se tornaria a Crítica do Programa de Gotha.
Com as eleições na Alemanha, os partidos de esquerda conseguiram bons
resultados e lassalianos construíram um documento, em Gotha, com um
programa revolucionário comum, no entanto, sem qualquer rigorosidade
filosófica e econômica.
Um dos pontos centrais na Crítica
é a distinção entre socialismo e comunismo. Enquanto o primeiro ainda
não garante um novo tipo de divisão social do trabalho, ainda mantém a
existência do Estado; o segundo não tem mais a presença do Estado e,
desfrutando uma segurança econômica, os indivíduos podem se livrar de
formas primárias de egoísmo e, finalmente, superar a divisão social do
trabalho como é.
Resumidamente:- Socialismo: cada indivíduo ainda recebe parte da riqueza social segundo sua produção;
- Comunismo: “De cada um de acordo com suas possibilidades, a cada um de acordo com suas necessidades”.
Morte de Marx
Os dois últimos volumes do Capital
demoraram para serem escritos. Marx ainda teve que parar sua produção
para prestar apoio a Engels em seu embate com Duhring, escrevendo o
capítulo econômico do Anti-Duhring.
No último período de sua vida, na década
de 70 e 80, Marx planejou escrever um livro sobre a evolução histórica
da instituição família, mais tarde Engels publicou A Origem da Família,
da propriedade privada e do Estado (1884) com base nas anotações de
Marx.
Um livro dedicado integralmente à dialética também foi planejado, mas nem mesmo existem anotações.
Depois da morte de sua esposa (1881) e
depois de sua filha (1883), Marx faleceu em 14 de março de 1883 com um
abscesso no pulmão.
E-book Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux
A análise do discurso é uma das esferas
de pesquisa mais interessantes de conhecer. Como descreve Pêcheux, é a
articulação entre o marxismo, a psicanálise e a linguística.
Entretanto, há pouco material introdutório na internet ou de fácil leitura nas bibliotecas. O objetivo do e-book Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux é justamente preencher essa lacuna para iniciantes na análise do discurso.
O e-book tem 131 páginas, é perfeito para ler na tela do computador, no tablet ou celular e discute os conceitos de condições de produção do discurso, sujeito, formação discursiva, interdiscurso, formação ideológica, pré-construído, o funcionamento da ideologia, acontecimento discursivo e memória discursiva, mas também exibe o conceito de constructo discursivo, proposto pela pesquisadora brasileira Ana de Godoy, e aplica os conceitos propostos na análise do enunciado “Não vou pagar o pato”, famoso nos protestos da direita brasileira até o momento do impeachment.
Na compra, ganhe de bônus o e-book Lendo Louis Althusser: Resenha Detalhada de Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado, que tem papel essencial na obra de Pêcheux.
- Formato: PDF
- 34 páginas
São R$16,99. Clique abaixo e adquira!
Vinicius Siqueira é pós-graduado em
sociopsicologia e editor do portal de conteúdo de ciências humanas
Colunas Tortas. Também é autor de “Homo Psychologicus: Lendo Doença
Mental e Psicologia de Foucault” e “Foucault e a Arqueologia”.
17 artigos sobre marxismo do Colunas Tortas
Abaixo, nossos artigos que falam sobre marxismo:
- Crítica Ao Programa De Gotha Aplicada À Cultura
- A Visão em Paralaxe – Slavoj Zizek: uma resenha
- A dialética da produção e consumo em Marx
- O que é alienação em Marx?
- Slavoj Zizek contra o pseudo-ativismo: não aja, pense!
- A verdade é sempre revolucionária, explica Zizek
- A dialética da produção e consumo em Marx
- Althusser: sobre a Ideologia
- O que é marxismo cultural? Uma abordagem à esquerda
- Lênin, o Estado e a revolução
- Muito além da desigualdade ― o significado de classe social
- Em Defesa Das Causas Perdidas – Slavoj Zizek: uma resenha
- Uma análise crítica de Slavoj Žižek
- Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico: Friedrich Engels – um resumo
- Bestas de Carga: veganismo e socialismo – e-book gratuito produzido pelo Colunas Tortas
- Livro da Semana: Estrela da Manhã, Surrealismo e Marxismo – Michael Lowy
- Quem é esse tal de Žižek (?)
Marxismo: curso livre IV Curso Livre Marx-Engels da Editora Boitempo
O IV Curso Livre Marx-Engels foi
ministrado em 2014, com organização da editora Boitempo, em São Paulo.
Todas as aulas e as devidas introduções abaixo dos vídeos foram retiradas do site da Boitempo. Veja abaixo:
1. Alysson Mascaro | Marx, Engels e a crítica do Estado e do direito
Nesta aula de abertura do IV Curso Livre
Marx-Engels, ministrada pelo jurista e filósofo do direito Alysson
Leandro Mascaro, revelam-se elementos para teorizar na perspectiva
marxista o poder, a política, o Estado, as relações de classe e o
direito.
2. Antonio Rago | A crítica do idealismo em Marx e Engels
Esta segunda aula do IV Curso Livre
Marx-Engels, ministrada por Antonio Rago, procura mostrar o avanço em
relação ao Marx de 1844: a tese do “papel histórico universal” do
proletariado (que aparece com a primeira crítica à cultura alemã
pós-hegeliana, A sagrada família) e a elaboração do conceito
crítico-negativo de ideologia, que surge na continuidade da citada
crítica, precisamente em A ideologia alemã (1846), com a crítica feita a
Feuerbach e a colocação da questão do método “que ascende da terra ao
céu”.
3. José Paulo Netto | A atualidade do Manifesto Comunista
O Manifesto do Partido Comunista, ou
simplesmente Manifesto Comunista (1848), demonstra a madurez de Marx e
Engels, com 30 e 28 anos respectivamente. Nesta aula, ministrada por
José Paulo Netto, curador desta quarta edição do Curso Livre
Marx-Engels, faz um tratamento cuidadoso desse texto fundamental, com
ênfase em sua atualidade.
4. Osvaldo Coggiola | Análises concretas da luta de classes
Nesta aula (que implica um salto
cronológico em relação ao andamento da primeira à terceira), mostra-se
como os princípios elementares do “Manifesto Comunista” mais a maturação
metodológica propiciada pela militância de Marx e Engels convertem-se
em suportes de preciosas “análises concretas de situações concretas”
(Lenin caracterizava assim o marxismo). Aula dedicada a Marx e Engels
como “analistas de conjuntura”.
5. Ricardo Antunes | A constituição da classe trabalhadora
O eixo desta aula, ministrada pelo
sociólogo do trabalho Ricardo Antunes, é a passagem de Marx à posição
revolucionária, com o aparecimento formal do proletariado e sua emersão
efetiva (com o peso do trabalho na constituição do ser social, um ser da
práxis) nos Manuscritos econômico-filosóficos (1844). É fundamental a importância de Engels nesse período da evolução de Marx, em seu ensaio nos Anais Franco-Alemães (1844) e A situação da classe trabalhadora na Inglaterra(1845).
6. Mario Duayer | A crítica ontológica do capital
Nesta aula a questão central é Marx e a
crítica da economia política, recorrendo especialmente aos “Grundrisse”
(1857). Mario Duayer procura expor como determinada leitura desses
textos deu origem a uma vertente alternativa de teoria crítica, voltada
para a dimensão dominadora da ontologia do trabalho.
7. Jorge Grespan | A crítica da economia política em Marx
Nesta aula a questão central é novamente
Marx e a crítica da economia política, recorrendo desta vez
principalmente a “O capital”, de Marx. Compreender a arquitetônica obra
de Marx nos seus três níveis, produção, circulação e consumo, bem como
as relações internas dos conceitos em cada um, é o objetivo da aula em
questão.
8. Ruy Braga | Democracia, trabalho e socialismo em Marx e Engels
Nesta última aula do IV Curso Livre
Marx-Engels, ministrada por Ruy Braga, a ênfase é em como Marx concebe o
papel do programa do partido na luta democrática e sua concepção da
transição socialista; o texto básico é a Crítica do programa de Gotha (1875) e, subsidiariamente, O socialismo jurídico (1887).
Homenagem | Chico de Oliveira
As três primeiras edições do Curso Livre
Marx-Engels (realizadas respectivamente na PUC-SP, na UERJ e no
Sindicato dos Bancários de São Paulo) contaram com mais de 3 mil alunos e
homenagearam os intelectuais marxistas Jacob Gorender, Leandro Konder e
Carlos Nelson Coutinho. O escolhido desta vez foi o sociólogo Francisco
de Oliveira, professor titular aposentado de Sociologia da Universidade
de São Paulo (USP) e autor de extensa obra, da qual destacamos Noiva da revolução: elegia para uma re(li)gião (Boitempo, 2008) e Crítica à razão dualista: o ornitorrinco (São Paulo, Boitempo, 2003).
Referências
[a] Texto baseado em KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra. 7ª ed, Editora: Paz e Terra S. A. São Paulo – SP, 1999.[1] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra. 7ª ed, Editora: Paz e Terra S. A. São Paulo – SP, 1999, p.17.
[2] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.17.
[3] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.22.
[4] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo. The Marxists Internet Archive, 1914. E-book. Posição: 5-7.
[5] Marx, Karl IN KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra. 7ª ed, Editora: Paz e Terra S. A. São Paulo – SP, 1999, p.24.
[6] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.24.
[7] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.28.
[8] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.28.
[9] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.28.
[10] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo… Posição: 18-20.
[11] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.29.
[12] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.29.
[13] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.33.
[14] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.35.
[15] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.36.
[16] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.36.
[17] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.51.
[18] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.54.
[19] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.55.
[20] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo… Posição: 26.
[21] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.64.
[22] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.112.
[23] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.112.
[24] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo… Posição: 205.
[25] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo… Posição: 205.
[26] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.115.
[27] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo… Posição: 213.
[28] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.118.
[29] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.119.
[30] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.121.
[31] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.128.
[32] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.135.
[33] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.136.
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