Por Michael Parenti. Traduzido por Eros Viana, via New Political Science.
Quem nunca se deparou, ao pesquisar
sobre Lênin, Stálin, Trotsky, Fidel, ou Mao, seja no Google Acadêmico ou
seja na barra de pesquisa da Amazon, com livros, artigos e textos que
prometiam desvelar essas e outras figuras revolucionárias a partir de
sua psique? Que prometiam entrar profundamente nas maquinações de uma
mente perturbada e maquiavélica e revelar suas mais profundas origens,
como as “origens da mente totalitária”? Ou quem nunca ouviu falar que
comunistas (Especialmente os jovens comunistas), os anarquistas e demais
pensadores revolucionários são “jovens rebeldes sem causa”? Que estavam
exprimindo um “idealismo característico da juventude e da infância”?
Esta pretensa forma de “análise” – supostamente “histórica” – tem nome: psicopolítica.
Este escrito é uma forma de manifesto
contra a produção de um consenso despolitizante que os ideólogos da
ideologia dominante produzem ao se referirem ao debate de figuras
políticas, especialmente sobre revolucionários e figuras políticas de
esquerda. Com a utilização de um método dúbio e muito falível, sem
qualquer capacidade de previsão, ou qualquer poder de explicação da
realidade material, os ideólogos burgueses tentam trazer os debates para
as condições de que tipo de “mente” teriam os revolucionários, ora
patologizando o discurso revolucionário em si como uma doença, ora
afirmando que a produção de seu discurso provém de questões não
resolvidas em suas infâncias, tentando forçar uma “real razão” para as
revoluções. Aparentemente, segundo estes ideólogos, as motivações
revolucionárias jamais são por motivos como fome e miséria em que se
encontra a população trabalhadora e jamais, sob qualquer aspecto, se
analisa a materialidade da classe trabalhadora como ponto de partida das
revoluções. A motivação seria, segundo eles, estritamente
psicológica.
Isto não é afirmar que o debate que
Michael Parenti faz nestas páginas é um debate contra a psicologia ou
contra a utilização de elementos das ciências e teorias que tomam conta
desta área para a análise do debate público e político, muito pelo
contrário. Como ele demonstra na última sessão deste artigo, existe sim
um espaço importante para o debate sobre a psicologia para entender o
pensamento das massas e sobre a psicologia social. Há a necessidade de
compreender os impactos que as duras condições do capitalismo impõem.
Afinal, a exposição prolongada à uma situação de fome ou de insegurança
alimentar pode deixar marcas profundas como ansiedade, traumas e
transtornos generalizados.
Neste breve artigo, Parenti faz aquilo
que é necessário para desvelar a ideologia burguesa que procura
“entender” Lênin, Stálin, Trotsky, Mao ou Fidel a partir de uma análise
de sua infância e de sua psique. Para isso, o hábil autor estadunidense
analisa o conteúdo de classe escondido nestas análises em si, revelando o
seu caráter profundamente reacionário e conservador em defesa do status quo capitalista.
N.T.: Será usado para notas de tradução.
N.A.: Será usado para notas do autor.
CONTRA A PSICOPOLÍTICA
Nas últimas décadas, numerosos
historiadores, cientistas sociais, psicólogos e analistas políticos têm
cada vez mais aumentado a sua dependência da psicologia para explicar o
fenômeno político. Ao fazê-lo, eles tendem a tratar a realidade política
como acontecimentos superficiais de baixo da qual se espreitam
dinâmicas mais profundas e mais convincentes. Supostamente líderes e
massas são dirigidos por forças emotivas mais profundas que pouco têm a
ver com o conteúdo manifestado de assuntos públicos. Eu acredito que
esta dependência da psicologia psicanalítica ou “profunda” produz pouco
material que seja de confiança, reduz a significância da vida política, e
retarda o entendimento de tal.
Entre os principais pioneiros mais
avançados na psicologia política estava Harold Lasswell, um cientista
político por profissão, mas altamente influenciado pelo Freudismo, e ele
próprio um analista leigo. Há mais de 60 anos atrás Lasswell postulou a
seguinte fórmula para explicar o “homem político”: p} d] r =P. Os motivos privados do indivíduo, p, “nutrido e organizado em relação à constelação familiar e do primeiro self”[1] são deslocados, d, em objetos públicos. O deslocamento é então racionalizado, r, em termos de interesses públicos para produzir o homem político, P (Lasswell 1930, p. 74).
Como um exemplo de deslocamento
político, Lasswell nota: “A proeminência do ódio na política sugere que
nós talvez descubramos que o motivo privado mais importante é um ódio
poderoso e reprimido contra a autoridade, um ódio que veio à expressão
parcial e repressão [recalque] em relação ao pai.” E “o ódio reprimido
ao pai talvez se volte contra reis ou capitalistas”. Indivíduos que
condenam “a impiedosa exploração do proletariado desprovidos de
ferramentas, [feita] pelos capitalistas” talvez estejam só dando “a
justificativa racional” de animosidades familiares previamente não
resolvidas (pp. 75-76). Não apenas indivíduos, mas inteiros “movimentos
políticos obtêm sua vitalidade [através] do deslocamento de afetos
privados em objetos públicos” (p. 173).
Considere alguns exemplos de como esse
modelo de deslocamento-racionalização tem sido aplicado: em 1969, o
notável psicólogo Bruno Bettelheim atribuiu aos protestos antiguerra[2] que estavam varrendo os campi
da nação a influência de uma sociedade permissiva e a “culpa” que os
estudantes sofriam por terem evitado o serviço militar. Como Bettelheim
explicou para um Subcomitê da Casa de Educação [House Education Subcommittee]:
os estudantes, cheios de culpa, tendo evadido o serviço militar, “se
sentiam como parasitas da sociedade e assim vieram a odiar a sociedade, a
qual eles pensam que os fizeram se sentirem desta forma” (Bettelheim,
1969).
Indo além de Bettelheim, Lewis Feuer
diagnosticou praticamente toda rebelião estudantil no século XX como se
sofressem de uma hostilidade irracional para com figuras substitutas de
seus pais. Ele observa que Fidel Castro, que desenvolveu seus trejeitos
rebeldes durante seus dias como estudante, “repetidamente culpava a
outros, isto é, seu pai, pela sua entrada no estudo do direito” um campo
que ele não realmente desejava seguir. Isto “sugere algumas das raízes
do próprio conflito geracional de Castro e indiretamente seu
anti-americanismo. Em sua culpabilização dos outros por terem enganado
ele, os Estados Unidos se tornaram o pai substituto a ser culpado”
(Feuer, 1969, p. 250). Porém, nem todas as rebeliões estudantis tinham
como fim esses “pseudo-objetivos”. Segundo Feuer, as rebeliões
estudantis em países comunistas eram a exceção; elas representavam uma
“busca por liberdade real” (p. 311).
Despolitizando o Político
Como as ilustrações anteriores podem
sugerir, explicações psicopatológicas tendem a ignorar todo conteúdo
político do fenômeno em questão e conjurar uma necessidade apolítica,
que se presume possuir um controle predeterminado sobre participantes
políticos. Então Lasswell não lida com a possibilidade aparentemente
mais evidente de que pessoas odeiam reis ou capitalistas não por causa
de conflitos filiais, mas sim porque elas acreditam que as condições
sociais impostas pela autocracia e pela plutocracia são odiosas. A mesma
coisa com Feuer. Em uma Cuba controlada por um tirano muito odiado
apoiado pelos EUA como Fulgencio Batista, onde grandes indústrias,
mercados, terras, trabalho e capital eram dominados pelas corporações
dos EUA e um grande segmento da população vivia em pobreza, devemos
acreditar que os agravos de um cubano direcionados aos detestados
“Yanquis” eram primariamente um deslocamento de uma hostilidade filial
ancorada em um ressentimento por ser obrigado a ir para a faculdade de
direito? E os outros vários milhares de pessoas que se juntaram às
fileiras revolucionárias? São todas elas afetadas principalmente por
antagonismos familiares não resolvidos – como afirma Feuer? Se sim, a
história está em notável débito para com as deficiências que talvez
existam em relacionamentos pai-filho.
Investigadores psicologicistas presumem
que a relação filial não apenas precede como também suplanta as
experiências posteriores da vida e as influências da esfera social mais
ampla. Mas esta premissa permanece não-examinada: é um psicologismo
autodeterminante. Não apenas alimenta ignorância política ao oferecer
uma explicação reducionista apolítica da história política, ela também
depende da ignorância política para sua credibilidade. Apenas ao ignorar
dados políticos importantes que tal especulação psicológica ganha um
momento de plausibilidade. Para ilustrar: qualquer um que ouviu ao
ultraje que estudantes expressaram contra a Guerra do Vietnã, que foram
testemunhas daquilo que eles estavam realmente falando, escrevendo e
fazendo, podem ter licença para rejeitar a disputa de Bettelheim de que
eles eram motivados por sentimentos de culpa por não serem alistados
para lutarem na própria guerra que eles detestavam. A evidência
observável de suas palavras e feitos sugere que eles se opunham à guerra
pois acreditavam ser injusta e destruidora de vidas inocentes. O que
falta na visão de Bettelheim é tal evidência observável. Tudo que temos
são imputações que negam o conteúdo da luta política e que atribuem um
motivo psíquico bem conhecido apenas por Bettelheim através de um
processo de descoberta o qual ele não revela.
Presunções políticas escondidas
Enquanto estes tipos de explicações
psicológicas tendem a despolitizar a realidade política, eles o fazem de
uma maneira politicamente seletiva. Por exemplo, Bettelheim nunca
pensou ser necessário passar um pente fino nas psiques daqueles que
ordenaram e conduziram os bombardeios de saturação[3]
com os aviões B-52 na Indochina. Assim como o anticomunista Feuer
jamais considerou procurar por motivos escondidos entre estudantes
dissidentes em países comunistas — cujas rebeliões ele apoiava e
considerava livres de psicopatologia. Similarmente, Arnold Rogow parece
equalizar o desvio político com anormalidade psicológica quando ele
escreve: “Enquanto a maior parte dos líderes políticos nem exigem nem
merecem uma psicobiografia, a forma é particularmente apropriada quando
lidamos com carreiras políticas estranhas e desviantes … de extremistas
de direita e de esquerda” (Rogow, 1968, p. 605). Um julgamento político
está sendo feito aqui. Os líderes referidos por Rogow são “estranhos e
desviantes” politicamente falando, não psicologicamente falando. O fato
de que este desvio político necessita em especial de investigação
psicológica é aquilo que deve ser demonstrado ao invés de presumido. O
que muda entre um líder estar agindo com admirável “firmeza” ou “rigidez
agressiva” em uma situação muito comumente dependerá dos valores
políticos e da visão do observador (George 1974, p. 235-36). Em uma só
palavra, o que é e o que não é “deslocamento psicológico” pode ser
comumente determinado menos pela psicologia do ator político do que pela
política do psicólogo.
Culpa Prima Facie
A visão da sociedade de quem é
perturbado psicologicamente repousa largamente nos padrões da
normalidade. Não surpreendentemente, rebeldes que desafiam crenças
convencionais são mais prováveis de serem diagnosticados como se fossem
dirigidos por motivos privados aberrantes do que aqueles que não o
fazem. Rycroft observa que muitos daqueles que “balançam o mundo” e
outras pessoas excepcionais foram “maltratadas por psiquiatras e por
[psico]analistas… Jesus Cristo já foi diagnosticado como esquizofrênico,
Beethoven paranoico, os Profetas do Antigo Testamento (Coletivamente)
esquizofrênicos, Leonardo da Vinci esquizoide-obcecado, etc, etc.”
(Rycroft 1971, p. 8)
Alguns de nós acreditamos que pessoas
normalmente se rebelam porque não está tudo bem no mundo. Em contraste, a
crença psicopolítica é a de que pessoas se rebelam porque elas não
estão bem. Rebeldes são diagnosticados como perturbados porque eles são
tão problemáticos. Porque eles veem uma autoridade particular como
injusta, é concluído que eles opõem toda autoridade estabelecida — o que
não é o caso com a maior parte dos dissidentes políticos ou
revolucionários. Para o psicólogo político, rebelião contra autoridade
se torna uma evidência prima facie[4]
de rebelião contra autoridade parental uma vez que esta foi removida.
Não há necessidade de demonstrar a ligação; esta foi estabelecida por
uma referência à “evidência clínica” que não possui comando sobre dados
políticos, a menos que alguém presuma que o tenha.
A explicação psicológica, então, se
apoia na falácia de “afirmar a consequência”: o rebelde político está
realmente se rebelando contra autoridade parental: prova? O rebelde está
se rebelando. Este problema se obtém em todas as teorias da “pulsão
inata” [Innate drive] que pretendem explicar o comportamento observável.
Então nos é dito que as pessoas são compelidas por uma pulsão por poder
ou amor ou riqueza. A evidência para tais afirmações são então
encontradas em instâncias de pessoas buscando poder, amor e riqueza. A
teoria usa o próprio fenômeno que está tentando explicar como evidência
de sua explicação.
Dados clínicos dúbios
À parte de como a “profunda” psicologia
tem sido aplicada para a política, nós talvez possamos questionar sua
confiabilidade como uma ciência. Ao fazer isso, nós compartilhamos da
companhia de ninguém menos que Harold Lasswell, que admite que suas
formulações são afirmadas em “uma forma um tanto quanto dogmática” e que
eles se fundamentam na “natureza altamente insatisfatória dos materiais
e métodos da psicopatologia contemporânea” (1930, p. XXV). Após trinta
anos de trabalho psicanalítico, ele nota, ainda não existia um corpo de
documentos que pudessem ser consultados por especialistas, os quais
podiam resolver suas diferenças sobre o que acontecia em uma sessão de
tratamento[5].
Notas tiradas das sessões de entrevistas são comumente inadequadas e
inacessíveis. Ninguém sabe o “valor das sobras publicadas” ou quais
processos distorcem as práticas de relatos de diferentes investigadores
clínicos. E não há dados de acompanhamento de pós-tratamentos nas
condições de clientes (Lasswell 1930, p. 205).
Como Lasswell não foi o primeiro a
observar, pacientes tendem a produzir o tipo de material que o analista
sugere. Portanto, eles sonhavam com figuras da anima, se analisados por
Jung, reviviam traumas de nascimento se tratados por Rank, falavam de
seus sentimentos de inferioridade para Adler, e lidavam com suas
ansiedades Édipicas e medos de castração sob a supervisão de Freud.
Então, diferentes investigadores, ostensivamente usando os mesmos
métodos produziam dados diferentes ou chegavam a uma larga variedade de
conclusões quando estavam olhando para os mesmos dados.
As regras para a atribuição de
significado aos dados permanecem obscuras, como Lasswell aponta. Assim,
quando alguém relata que foi avisado em sua infância que o seu nariz
seria cortado se continuasse a “se tocar”, Lasswell pergunta: “Como
sabemos que importância assinalar para esta dita reminiscência?”. Nós
devemos aceitar isto como uma afirmação histórica ou nós devemos pensar
nisso como uma fabricação que mostra o que ele acreditava que ia
acontecer caso desobedecesse ordens? Seria a lembrança, Lasswell
prossegue, apenas um sinal do medo do paciente de seu terapeuta sob
forma da memória do passado? Ou talvez uma fantasia autoinfligida para
punir a si mesmo por ter sentimentos hostis para com seu terapeuta? Ou
uma tentativa de ganhar a aprovação de seu terapeuta ao produzir o que
ele acha que o terapeuta acha importante? Ou um trauma original que, uma
vez descoberto, irá diminuir a ansiedade do paciente? (1930, pp.
206-07)
Considere a questão da “formação reativa”[6],
um dos “mecanismos de defesa do ego” a que os psicólogos políticos
recorrem (e.g. Greenstein 1975, p. 84). Este conceito pode ser destacado
como um exemplo emblemático que demonstra a natureza dúbia de muitos
dos dados clínicos. Através da [ideia da] formação reativa, uma pessoa,
da qual pode ser esperado que demonstre um tipo de comportamento, pode
reagir distantemente do que era esperado até ao ponto de demonstrar um
comportamento oposto. Por exemplo, pode ser esperado de alguém que essa
pessoa manifeste hostilidade e ciúmes por um irmão, mas através da
reação formativa irá demonstrar simpatia e lealdade — supostamente este é
um caso de encobrimento psicológico compensatório de seus sentimentos
negativos. Assim um clínico pode presumir que um motivo subjacente
existe, e então pode encontrar evidência para isto em padrões de
comportamento contrários (Eysenck, 1953). Tanto A quanto o exato oposto
de A são utilizados como evidência da mesma coisa. Padrões
diametralmente opostos podem ser tratados como capazes de evidenciarem a
mesma afirmação teórica, tornando a teoria não-falseável [Irrefutável].
Mas como nós sabemos quando ações e
atitudes possuem motivos inconscientes que são relacionados às
experiências passadas? Quando elas são, se é que alguma vez são, o que
elas parecem ser? (Até Freud, um fumante excessivo de charutos, afirmou
que às vezes um charuto é apenas um charuto). Atrás de tais questões, há
o problema da validação à espreita: como nós sabemos que estamos
observando aquilo que dizemos que estamos observando — especialmente com
relação às forças psíquicas submersas que por sua natureza não são
observáveis? Além do mais, nós podemos pensar em uma ação individual e
uma atitude como existindo apartadas da configuração maior das relações
sociais? Se um certo comportamento é uma resposta para ambos os
imperativos da realidade social e para os motivos psíquicos interiores,
quanto peso que nós podemos atribuir para forças sociais maiores e
quanto podemos atribuir à relação familiar? Por exemplo, o quanto
podemos atribuir às condições de classe opressivas e o quanto podemos
atribuir à conflitos entre pais e filhos? E o que nós devemos concluir
de pronunciamentos sobre presidentes, profetas, e líderes
revolucionários, sobre os quais os dados psicológicos são fragmentários e
as possibilidades de investigação clínica são inexistentes, já que a
maior parte dos líderes levaram seus sonhos e fantasias e seus conflitos
ocultos para a cova junto com eles próprios? (Rogow 1968, p. 605)
Já que quase tudo sobre uma pessoa pode
ser dotado de uma significância psicopatológica, o que decide o
processo de seletividade e de polimento? Qual é o papel de coisas como
ideologia, um desejo por justiça, interesses econômicos próprios da
pessoa e ensinamentos éticos e religiosos? Podemos fazer uma
interpretação confiável da patologia ao tratar o indivíduo como alguém
relativamente intocado por estas forças maiores?
Se a psicologia está “por trás de
tudo”, nós podemos nos perguntar se o psicológico possui algum limite.
Parecendo permear tudo, ele perde o poder de discriminar cada coisa e
sua capacidade de explicação. Mas características psicológicas não são
substitutas para características sociais. Assim as pessoas regularmente
percebem a realidade e agem sobre ela de acordo com a posição que elas
ocupam na estrutura social, frequentemente porque não há outra maneira
em que elas possam agir, nem mesmo se elas forem pessoas dotadas de
personalidades excepcionais. Ainda se mantém como uma questão não
resolvida se indivíduos que de fato agem de maneiras excepcionais estão o
fazendo de tal forma por causa de emoções racionalizadas, deslocadas de
necessidades de estágios anteriores de suas vidas, ao invés de uma
série de outros motivos que têm a ver com talento, inteligência,
vantagens familiares, habilidade, estupidez, interesses de classe ou o
que quer que seja.
Lênin como Édipo
Para ilustrar alguns dos problemas já
tocados, consideremos o estudo psicológico de Victor Wolfenstein feito
sobre Lênin, vindo de seu livro feito sobre Lênin, Trotsky e Gandhi,
três líderes que “acabaram tendo identidades revolucionárias como um
resultado de conflitos intermináveis essencialmente com a autoridade
parental” (Wolfenstein, 1967, p. 49).
Lênin foi criado em uma família que “não
foi incomodada por qualquer estresse ou perturbação fora do usual”. Ela
consistia de uma “considerável ninhada de crianças” que se davam bem
(pp. 36-37). O pai de Lênin é descrito por Wolfenstein como um pai
caloroso, paciente e amoroso, “que devotou uma substancial parte do seu
tempo para gentilmente ensinar suas crianças como se comportar. Ele
ensinou suas crianças como jogar xadrez, e jogava outros jogos com elas
também” (p. 34). A mãe de Lênin é descrita como tendo uma disposição
estável, relativamente bem educada, e “devotada ao bem-estar e o
desenvolvimento das suas crianças”. Ela também passou uma boa parte do
tempo com suas crianças, as ensinando a ler, tocar piano, liderando-as
em cantigas familiares e ajudando-as a compor uma revista da família
semanal escrita à mão (p. 35).
A imagem de Wolfenstein de Lênin é,
também, em um geral positiva. Quando criança, Lênin parecia ter sido
jovial, bem-humorado, escandaloso, um brincalhão “dado em algum nível a
se gabar e ser um valentão [bully], mas como um todo bem amado e
bem amável”. Ele facilmente ia bem nos trabalhos da escola e era
estimado pelos professores. Em geral, Lênin era “um jovem brilhante e
assertivo, mas não um rapaz fora do normal” (pp. 37-38). De onde vem o
revolucionário patológico?
O problema, afinal, era que o pai de
Lênin ocasionalmente mantinha-se distante de sua família por longos
períodos de tempo por conta de suas obrigações oficiais. Esse padrão, de
um pai amoroso e atencioso repentinamente se ausentando “deve ter tido
um estranho efeito na mente do jovem Lênin” (p. 39). Wolfenstein não
considera a possibilidade de que enquanto Lênin e as outras crianças
talvez tenham sentido falta de seu pai durante suas viagens a trabalho,
eles pareciam seguros o suficiente no seu afeto de modo que não reagiram
com sentimentos profundos de abandono e traição.
Outro “problema”: o pai de Lênin nunca
usou punição física nele, mas recorria à uma “firme persuasão moral” que
deixou pouco espaço para “uma rebelião anti-paterna com uma clara
consciência”. Aparentemente, Lenin teria sido criado melhor se seu pai
tivesse o espancado ocasionalmente. A “alta retidão moral” do gentil pai
“sem dúvidas resultou em um superego que demandava mais que o comum
para o filho”, então o jovem Lênin provavelmente era incapaz de
expressar o ressentimento que ele sentia pelo seu pai “sem sentir a
culpa como uma consequência” (p. 39).
Mesmo antes de tudo isso, quando Lênin
tinha apenas entre dezoito e vinte meses de vida, ele “já tinha
desenvolvido uma natureza desconfiada”. Ele apenas começou a andar
tardiamente, por necessidade de emular o comportamento de sua irmã
recém-nascida com o objetivo de também receber a atenção materna que ela
recebia. Essa demora em andar demonstrava uma desconfiança primeva de
seu ambiente e demonstra que “O comportamento adulto de Lênin, acima de
toda a sua desconfiança e toda a agressividade que nasce dessa
desconfiança … Possuía raízes profundas em suas experiências de vida.
Existia uma predisposição em direção a enxergar o mundo em uma situação
de matar ou morrer.” (pp. 40-41). Wolfenstein não revela como ele chegou
a essas conclusões de tirar o fôlego.
A identificação amorosa de Lênin com
seu irmão mais velho e seu pai — frequentemente expressa por ele próprio
tanto verbalmente quanto na forma que ele emulava ambos — se torna
outra fonte de patologia nas mãos de Wolfenstein. A morte do pai e do
irmão, parece, evocou intenso sentimento de culpa em Lênin que, de
acordo com Wolfenstein, nutria uma ambivalência de amor e ódio por ambos
os homens mais velhos que era “o problema central de sua vida”.
Wolfenstein eventualmente baixa o estrondo freudiano; “Lênin, devemos
relembrar, sentiu recair sobre ele uma dupla responsabilidade pelas
mortes de seu pai e de seu irmão — os quais ele desejava que morressem
para que ele próprio pudesse possuir sua mãe” (p. 113).
O que está em falta é qualquer
evidência que Lênin nutria tais sentimentos de culpa, agressão,
ambivalência, ódio e de assassinato em relação ao seu irmão e ao seu pai
e de amor incestuoso pela sua mãe[7].
Nem, para Wolfenstein, é necessária qualquer evidência, já que o
Complexo de Édipo foi declarado como algo universal, parte de toda
herança psíquica de qualquer filho. Então uma aflição comum é utilizada
para explicar um homem muito incomum. Alguém pode se perguntar por qual
razão Wolfenstein ainda se deu ao trabalho de construir as outras
interpretações quando ele podia ter aplicado desde o início, tirando
isso do nada, o julgamento Edipiano pré-fabricado.
Wolfenstein parece sugerir que o
Marxismo revolucionário foi a cura terapêutica para a psicopatologia que
Lênin sofria. Lênin encontrou um “pai benevolente e onisciente” em Marx
e um “pai vingativo Edipiano no Czar”, sobre o qual, porém, Marx
prometia a vitória (p. 117).
Esse trato de Lênin convida a crítica
oferecida anteriormente de que quase qualquer coisa sobre uma pessoa
pode ser dotada de significância psicopatológica e então entrelaçada a
sua vida política. Tanto A quanto o oposto de A podem ser tratados como
evidência de uma patologia. Tanto um pai amoroso e gentil quanto um pai
severo e desamoroso, tanto uma identificação positiva com figuras
familiais quanto identificações negativas. E às vezes nenhum dado sequer
irá se encaixar tão bem quanto quando evocamos a maldição universal
edipiana. O comportamento durante a vida adulta é presumido ter sua
motivação tirada não de uma busca por justiça ou um desejo por um mundo
melhor, mas por encenar cenários não resolvidos anteriormente. Mesmo se
um indivíduo como Lênin cria um teatro novo e maior em seus engajamentos
na vida, na visão psicopatológica, ele ainda está fadado a um roteiro
antigo, uma vítima desafortunada de uma demonologia interior que
necessita de uma vida inteira e às vezes uma revolução inteira para uma
execução apropriada de seu exorcismo.
A Falácia Genérica
Descobrir uma necessidade psicológica
em personagens políticos nos diz muito pouco sobre a significância
política do que eles estão fazendo. No entanto, a explicação
psicopatológica de fato lança uma dúvida sobre as questões políticas.
Uma vez convencidos que revolucionários são impelidos por sentimentos
não resolvidos com seus pais, nós não podemos evitar a dúvida sobre o
valor da revolução em si própria — mesmo que nada tenha sido
estabelecido sobre as questões substantivas da revolução. Quando
Bettelheim ou outros reduzem o movimento de protesto dos estudantes a
uma guilt trip [sentimentos de culpa] coletiva ou a uma
desordem infantil ou adolescente, o inevitável impacto é o de
desvalorizar o protesto, fazendo daqueles manifestantes o próprio ponto
do protesto, ao invés da pauta contra a qual se manifestam.
Esta forma de argumentum ad hominem[8] nos diz muito pouco, se é que nos diz algo, sobre o valor político
de uma questão ou de uma ação. Nós poderíamos decidir que as pessoas se
opõem à Guerra do Vietnã porque elas (a) possuem um ódio por
autoridades mal direcionado e irracional ou (b) porque elas possuem um
senso de justiça e um amor pela paz. E nós poderíamos concluir que as
pessoas apoiam a guerra por conta de (c) amor pelo país e um desejo por
parar o comunismo ou (d) um gosto por atividades violentas. Mas nenhuma
dessas coisas nos traz para uma posição informada sobre a guerra em si,
pois a questão de apoiar ou opor-se a intervenção armada como política
se mantém em um corpo de dados que se estende além dos motivos internos
de participantes particulares.
Pessoas envolvidas em protestos
públicos são comumente acusadas de estarem apenas buscando escapar do
tédio ou de estarem extravasando sua raiva, ou qualquer outra coisa. De
fato, pessoas politicamente ativas algumas vezes se sentem mais
engajadas na vida. Comunistas, revolucionários, liberais, centristas,
conservadores, reacionários e fascistas, todos já testemunharam o
revigoramento experimentado no engajamento político ativo, especialmente
quando os esforços trazem resultados, mas isso não nos diz nada sobre o
valor político das suas ações particulares e de suas ideologias. Em
resumo, motivações pessoais — opostas às motivações políticas — são, se
não irrelevantes, certamente de importância marginal para avaliar a
política pública.
Hoover, o Compulsivo
A psicopolítica não é apenas uma questão de pesquisadores mainstream
[da corrente dominante] psicologizando rebeldes. Pessoas de orientações
liberais e centristas analisaram presidentes dos EUA e líderes
conservadores. Os resultados são dificilmente mais estimulantes do que o
trato destinado aos radicais[9].
Consideremos um dos melhores psicólogos políticos, James David Barber,
especificamente no seu trato de Herbert Hoover, um homem que ele
categoriza como um “presidente ativo-negativo”[10].
O presidente ativo-negativo é aquele que experimenta uma severa
privação durante sua infância e que subsequentemente tenta espremer do
seu ambiente um senso de autovalorização através de suas conquistas e
uma busca por poder sobre os outros (Barber, 1972, pp. 99-100). De
acordo com Barber, Hoover sofria de uma falha fundamental de caráter que
fez com que ele perdesse uma flexibilidade anterior em sua vida por uma
rigidez autoderrotista e uma compulsão de um estágio mais avançado de
sua vida. Quem teria previsto, Barber pergunta, “que Herbet Hoover, o
trabalhador pragmático e miraculoso que negociou fundos de ajuda para
uma Europa destruída pela guerra no meio da Primeira Guerra Mundial,
iria se paralisar em oposição aos fundos para aliviar os estadunidenses
desempregados?” (Barber, 1973).
Barber nos informa que Hoover se tornou
órfão com a tenra idade de oito anos, viveu com seus parentes, gostava
do ar livre e de ficar fora de casa, e teve uma criação que dava grande
importância “para uma contenção fechada de suas emoções”. Barber propõe
que, quando criança, Hoover foi marcado pela perda de seus pais e
experimentou “um sentimento de impotência, uma inabilidade de guiar seu
próprio caminho, uma vulnerabilidade para com as mudanças radicais
externas em sua vida” (Barber, 1972, 128-129). Para superar esses
sentimentos, ele lutou para estabelecer controle sobre o mundo ao seu
redor, um padrão que persistiu até na faculdade, onde ele também
supostamente manifestou um “extremo individualismo”. Na realidade,
baseado nos dados que Barber apresenta, é possível concluir que Hoover
se demonstrou capaz de trabalhar em uníssono com seus colegas de classe,
tinha um número normal de amizades, demonstrava habilidades
excepcionais como um organizador estudantil e exercia uma efetiva
liderança no campus. Se é possível afirmar algo, é que na Universidade
de Stanford, Hoover desenvolveu seus talentos excepcionais em formas
aparentemente criativas e de maneiras auto-recompensadoras.
Barber acredita que as falhas fatais no
caráter de Hoover vieram à tona de forma mais pronunciada quando ele
estava na Casa Branca. Como presidente, Hoover parecia estar tentando
“compensar algo, buscando recuperar algo através da liderança, alguma
coisa perdida ou alguma parte danificada de si mesmo” e parecia lutar
“contra um sentimento interno de inadequação”. “A sua busca por poder
refletia uma forte necessidade compensatória pelo poder”. Assim como
outros presidentes ativos-negativos como Wilson e Johnson, de acordo com
Barber, Hoover nutria “uma necessidade sentida pela negação e de
autogratificação” (Um traço que eu acho difícil de imaginar em Lyndon
Johnson)[11].
Hoover “lutava para controlar seus impulsos agressivos” e era um
perfeccionista que “deveria ser bom em tudo, a todo tempo”. Na
realidade, o próprio Hoover tinha uma visão não-perfeccionista das suas
próprias limitações. Por isso ele se recusou a tentar se sobressair em
todos os cargos da sua presidência. Ele não tentou cumprir as
necessidades dramáticas do cargo, comentando em uma ocasião “Você não
pode fazer de mim um Teddy Roosevelt” (1972, p. 69).
Barber nos conta que Hoover era um
homem bloqueado emocionalmente, de poucas palavras, sem-humor, reservado
e raramente capaz de chorar. Mas a evidência escassa que ele oferece
parece contradizer esta imagem. Hoover podia demonstrar raiva, assim
como em uma ocasião ele ameaçou lutar com um heckler[12]
na campanha de 1932. Hoover podia chorar. Barber cita dois momentos em
que ele se comoveu e chorou em público. (O quão comum é esperar de um
presidente bloqueado emocionalmente chorar em público?) E Hoover foi
profundamente movido, tanto emocionalmente quanto na ação, quando foi
visitado na Casa Branca por três crianças que pediram para que seu pai,
que estava desempregado, fosse solto da cadeia. Curiosamente, o único
testemunho contemporâneo que Barber oferece é o de Eugene Lyons que
disse que Hoover não era frio, mas sim “uma pessoa sensível, de coração
mole que deseja afeição, que gosta de uma companhia agradável e que
sofre dos ataques da malícia” (pp. 77-78).
Em resumo, os dados que Barber oferece
sobre a vida de Hoover não são apenas imprecisos e seletivos, como eles
próprios se prestam a uma interpretação contrária. Ele falha em criar
uma argumentação convincente de que os traços que ele imputa a Hoover
são os componentes dominantes do seu caráter ou que são dotados com o
significado que ele atribui a eles. A consequência disso é que, após ler
sua obra, podemos sentir que Barber nos diz ao invés de nos demonstrar. E nós ficamos nos perguntando: como ele sabe disso?
O Político Hoover
A pergunta de Barber permanece: como
podia Hoover, o homem que administrou a ajuda para as crianças de uma
Europa devastada pela guerra, se recusar a alocar fundos de ajuda para
aliviar a fome de milhões de estadunidenses durante a Grande Depressão,
assim ajudando a causar o fim da sua própria presidência? Antes de
propor alguma compulsão ideológica, vamos investigar o Hoover político,
pois aí pode estar as pistas para seu comportamento político.
Quando Hoover era presidente, ele uma
vez disse “A única função do governo é trazer as condições favoráveis
para o desenvolvimento benéfico da iniciativa privada” (Barber, 1972, p.
74). De fato, uma olhada na carreira de Hoover revela uma consistente
dedicação de toda uma vida para o sistema da iniciativa privada, seja em
seu país ou alhures. Como chefe da organização privada, a Commission for Relief in Belgium [Comissão para Ajuda na Bélgica], e mais tarde como diretor da American Relief Administration
[Administração Americana de Ajuda], Hoover concedeu ajuda humanitária
de uma forma altamente oportunista. Sua comissão não deu comida para os
belgas, ela vendeu comida para os belgas por dinheiro em preços pareados
com os do período [que era um período de guerra], como se os
suprimentos tivessem sido comprados no livre mercado. A Bélgica foi
drenada de seus fundos em troca de comida. Entre os belgas que não
podiam pagar, uma escassez severa surgiu por volta de 1916, seguida por
motins e protestos de fome entre as classes mais pobres (Knox, 1932, p.
115; Hamill, 1931, pp. 327-328).
Ainda em novembro de 1918, Hoover
deixou claro que a comida era para ser usada como uma arma política
“para travar a onda do Bolchevismo” (Weissman, 1974, p. 29). Quando a American Relief Administration
de Hoover mandou ajuda para a Rússia, era com um propósito nunca
pretendido pelo Congresso, para áreas ocupadas pelo Exército da Guarda
Branca do General Yudenich, e nos Bálticos para áreas ocupadas pelas
Tropas Expedicionárias Alemãs do General von der Goltz[13].
Ambos estes exércitos estavam dedicados a derrubar o governo Soviético,
e ambos praticavam pilhagens e execuções de civis de forma
generalizada. Já em 1919, o exército de Yudenich subsistia completamente
pelo apoio de Hoover (Weissman, 1974, pp. 36-37; Sayers e Kahn 1946, p.
106). Em um relatório para o Congresso em janeiro de 1921, Hoover
admitiu utilizar fundos de ajuda dos EUA para abastecer os reacionários
Exércitos Brancos (Liggett, 1932, pp. 260-267). Sua maneira de
distribuir ajuda fez com o que o Nation (7 de Junho, 1919) criticasse
ele editorialmente por se recusar a distribuir toneladas de comida para
habitantes famélicos da Rússia até “que eles se rendessem às ideias e
aos exércitos” dos poderes ocidentais.
De forma similar, Hoover reteve ajuda
financeira e alimentícia planejada para a Hungria até que o curto
governo revolucionário de Béla Kun fosse derrubado — mesmo que esses
suprimentos tivessem sido comprados com fundos fornecidos por esse
governo. Ajuda humanitária só foi acessível após o almirante Horthy ser
instalado, apoiado pelas baionetas do exército Romeno, que instituiu um
“terror branco”, executando centenas de revolucionários húngaros e
judeus (Ligget, 1932, p. 255; Weissman 1974, p. 215).
No mesmo espírito, Hoover caracterizou
seus esforços de ajuda em apoio do governo patrocinado pelos Aliados na
Áustria como uma “corrida contra ambos a morte e o Comunismo”. Ele
mandou colocar cartazes por toda Viena anunciando que as remessas de
comida iriam cessar caso ocorresse uma insurreição. Ele também alocou
grandes quantias sob a disposição dos militaristas poloneses de direita
durante a sua invasão da Rússia Soviética em abril de 1920. O senador
James Reed do Missouri apontou no Senado que 40 milhões de dólares dos
fundos de ajuda que o Congresso havia aprovado para ajudar os famélicos
“eram gastos mantendo o Exército Polonês no campo” (Sayers e Kahn 1946,
p. 93; Weissman, 1974, p. 37). O psicólogo político Alexander George
(1974, p. 257) descreveu Hoover como um “humanitário sincero”. Ele pode
ser descrito melhor como um “humanitário seletivo”, capaz de usar ou de
reter fundos como a ideologia política ditava.
Enquanto era saudado como alguém que
fazia o bem, Herbet Hoover foi bem. Frequentemente descrito como um
“engenheiro”, ele era na realidade um multimilionário com
empreendimentos no Myanmar, na Nigéria, na Austrália, na África do Sul,
na Nicarágua, nos Estados Unidos e na Rússia Czarista. Antes da Primeira
Guerra Mundial, ele havia assegurado um grande investimento em não
menos que onze corporações russas de petróleo, junto com grandes
concessões em florestas madeireiras russas, minas russas, ferrovias
russas, refinarias russas e reservas russas de ouro, cobre, prata e
zinco (Hamill, 1931, pp. 298-300; Knox 1932, pp. 97-99). Se a Revolução
de Outubro não tivesse ocorrido e o governo bolchevique não tivesse
cancelado as vastas concessões, Hoover seria um dos maiores bilionários
do mundo. Seja motivado pelos interesses de seus investimentos pessoais
ou por um interesse de classe mais generalizado ou por um
conservadorismo ideológico ou ainda algum tipo de mistura destas
possibilidades — e não há razão alguma para presumir que elas são
mutuamente exclusivas — Hoover manifestava uma militância inabalável
contra o comunismo e contra qualquer mudança revolucionária que talvez
limitassem as prerrogativas da empresa privada. Durante o período depois
da Revolução Russa, ele se manteve um apoiador persistente das
campanhas militares contra a Rússia Soviética[14].
Durante seu mandato como presidente,
Hoover expressou múltiplas vezes sua oposição à propriedade pública e à
regulação do governo sobre a economia. Na época da depressão, líderes
políticos e corporativos estavam divididos sobre qual estratégia
deveriam seguir diante do colapso econômico e da crescente insatisfação
pública. Havia aqueles que advogavam por reformas na esperança de que,
ao dar um pouco, eles pudessem manter muito. Outros acreditavam que não
devia se interferir com o sistema de empresas privadas, que os relatos
de sofrimento da população eram altamente exagerados, e que a economia
estava basicamente sadia e que ela logo iria se endireitar.
Hoover estava firmemente no segundo
grupo. O que Barber considera ser a sua “paralisia”, “inflexibilidade” e
“compulsão”, eram atitudes não pessoais a ele. Em sua recusa a gastar
bilhões necessários para aplacar os apuros dos destituídos, Hoover
compartilhava de uma opinião que prevaleceu dentro da maior parte das
comunidades de negócios até um pouco antes de 1932 e até mesmo depois.
Assim como muitos outros conservadores antes e agora, Hoover pregava as
virtudes da independência financeira, oposição a taxação de lucros
corporativos no além-mar [remessa de lucros], procurava reduzir imposto
de renda para as classes mais altas, e se opunha aos bônus para
veteranos e ajuda para aqueles que sofriam com as secas. Ele negou
verbas federais para os desempregados, se opôs ao seguro-desemprego e
aos benefícios federais para aposentados. Ele, repetidas vezes, avisou
que programas de assistência pública eram o começo do “socialismo de
estado” (Liggett, 1932; Warren, 1959). Para os negócios, contudo, ele
não sofria de tal “inflexibilidade” e podia gastar generosamente. Ele
apoiou subsídios multimilionários para os interesses da indústria naval e
do agronegócio, e sua Reconstruction Finance Corporation [Corporação de Reconstrução de Finanças] doaram alguns bilhões de dólares para bancos e corporações.
As informações acima, todas de domínio
público, nos provêm com um retrato diferente daquele esboçado por
Barber. Ao invés de ir da flexibilidade para a rigidez por causa de uma
falha psicológica, Hoover manteve a posição que era consistentemente
alinhada com a sua ideologia de classe, uma posição compartilhada pela
maioria dos membros de sua classe. Como um administrador da verba para
emergência, ele usou a ajuda humanitária para apoiar governos
capitalistas autocráticos e exércitos, enquanto esfomeava governos
revolucionários e movimentos revolucionários na Europa Central e no
Leste Europeu, conciliando muito pouco mesmo diante das repetidas
críticas do Congresso e da mídia.
O homem que, por motivos políticos,
poderia reter verbas de populações famélicas no Leste Europeu e na
Rússia Soviética, podia, por motivos políticos, negar ajuda humanitária
para trabalhadores estadunidenses. Tendo lutado na década anterior
contra revoluções socialistas na Áustria, Hungria, no Báltico e na
Rússia, o presidente Hoover não iria introduzir o que ele e muitos de
seus apoiadores consideravam ser uma das traiçoeiras formas do
socialismo em casa. (Até mesmo aqui, a “rigidez caracteriológica” de
Hoover deu caminho para sua conveniência política quando enfrentado com
uma eleição nacional, ele tardiamente se moveu na direção de uma ajuda
federal no verão de 1932).
Em suma, o mistério sobre o caráter de
Hoover parece não ser mistério algum. Herbert Hoover era, e muito, um
animal político. Inflexível e intransigente ele podia ser, mas de uma
maneira politicamente ligada aos seus próprios interesses. O
“trabalhador pragmático e miraculoso”, que supostamente foi travado de
repente por uma compulsão quando estava na Casa Branca, era no final das
contas um linha-dura, anticomunista, conservador multimilionário que
operava de uma forma ideologicamente consistente, tomando posições de
classe que até hoje não são estranhas [ao público]. Em nome das coisas
nas quais ele acreditava e valorizava, Hoover sabia o que ele estava
fazendo (Que ele estava agindo racionalmente não quer dizer que ele agiu
de forma infalível. Certamente pode ser debatido que eventos
subsequentes demonstraram o quão errado ele e seus apoiadores estavam
sobre ambas as condições econômicas e sobre a vontade popular).
Mais uma vez nós vemos que a explicação
psicológica atinge uma plausibilidade apenas ao menosprezar — ao invés
de explicar — realidades políticas importantes.
Invertendo Lasswell: o Político Afeta o Pessoal
O modelo Lasswelliano presume que já
que a infância antecede a vida adulta, ela cria uma ligação mais forte e
de maior duração que as experiências da vida adulta. Essa progressão
presumida de uma infância formativa-apolítica para uma maioridade
política-reativa trata o indivíduo como uma entidade genérica, uma noção
compatível com o modelo liberal de uma sociedade de mercado como um
conjunto de indivíduos agindo conforme seus desejos e demandas, assim
moldando a realidade maior de acordo com seus desejos privados.
Mas o que é primário na linha de tempo
não é necessariamente primário no poder formativo. A primazia
cronológica talvez não seja uma indicação indubitável de eficácia
primaz. Para muitos fenômenos políticos importantes, poderia se
qualificar seriamente a fórmula Lasswelliana e argumentar que a
progressão causal ocorre em ambos os sentidos. Há numerosos estudos
indicando que as ansiedades geradas durante tempos de escalonamento
nuclear e embates da Guerra Fria penetram as mentes inconscientes de
crianças estadunidenses, investindo muitos jovens com prognósticos
alarmantemente pessimistas sobre a sobrevivência da humanidade
(Beardslee e Mack, 1982 e 1983; Yudkin, 1984; Escalona 1965). Outros
desenvolvimentos políticos como recessão, desemprego, pobreza, perda de
renda familiar, repressão policial, assassinatos políticos e guerra têm
um impacto perceptível nas disposições psíquicas de populações inteiras
de adultos e de crianças (Brenner, 1973; Bernstein, 1970; Brown e
Harris, 1978).
Colocar uma infância apolítica como o
antecedente crucial para uma maioridade política é ignorar o fato de que
a infância é provavelmente tão apolítica quanto o resto da vida. O fato
de que crianças estadunidenses não são usualmente ativas na vida
política não quer dizer que elas são isoladas de seus efeitos
formativos. Na realidade, elas são submetidas a uma socialização inicial
política e ideológica através da televisão, de filmes, da escola
primária, da comunidade e das experiências sociais e dos preconceitos
aos quais elas são expostas na família em si. Muito da literatura de
socialização política indica que a família está longe de ser apolítica e
que ela tem um impacto importante nas lealdades políticas — não através
do tortuoso caminho da ontologia psicopatológica, mas mais diretamente
como um mediador socializante das opiniões políticas, imagens sociais,
papéis de gênero, atitudes raciais e valores de classe.
Tudo o que isso sugere que a socialização e a internalização
talvez sejam mecanismos mais cruciais do que deslocamento e
racionalização para vincular o mundo público e o mundo privado.
Colocando Lasswell ao contrário, nossa fórmula pode ser lida como: P} s} i} = p. Forças políticas, P, possuem um efeito socializante, s, em indivíduos que através de um processo de internalização, i,
abraçam imagens particulares e interesses da vida política de tal forma
que essas se tornem componentes atraentes dos seus motivos privados, p.
Eu afirmo que o poder de explicação deste modelo é maior e menos
misterioso do que o modelo Lasswelliano. Ele necessita de menos
suposições enfeitadas; ele é apoiado pela evidência mais prontamente
disponível e por interpretações desprovidas de extrapolações elásticas
encontradas na psicopolítica. Ele reconhece que indivíduos e famílias
não precedem a realidade social na qual eles nascem e nem existem em um
vácuo pré-político.
Pela Política
Focar muito rigorosamente na
personalidade nos faz negligenciar e não olhar os imperativos
institucionais maiores do poder e os interesses que moldam nossas opções
e nossas performances. Mas uma visão puramente estruturalista deixa de
fora o papel crucial que as personalidades individuais ou a psicologia
de grupos podem tomar. Em outras palavras, nós não deveríamos argumentar
contra aqueles que afirmam que personalidades diferentes possam, sob
certas circunstâncias, ter um efeito sobre resultados políticos e
sociais diferentes. Mas é uma coisa dizer que a personalidade possa
talvez afetar a realidade — quem pode negar o impacto de um Lênin ou de
um Gandhi — e algo inteiramente diferente argumentar que atores
políticos, ambos líderes e as massas, estão deslocando suas agendas
psicológicas escondidas e não resolvidas para a vida política. É esta
última afirmação que eu critiquei, sem o desejo de dispensar por
completo o papel dos fatores psicológicos no timing [na
sincronia], na formulação e na expressão de ações políticas. Após fazer
algumas correlações de atitudes políticas, sociais e psicológicas,
Sutherland e Tannenbaum (1984, pp. 177, 194) concluem que:
Cientistas políticos que estudam
preferências políticas de massas em relação às dimensões “básicas” da
personalidade … Estão explorando uma área de potencial negligível…
Provavelmente será demonstrado que preferências políticas têm origem na
“cognição” racionalmente obtida sobre como a sociedade em si funciona,
ao invés das necessidades da personalidade profundamente enraizadas …
Parece óbvio que “personólogos” na ciência política têm se precipitado
ao focar nos supostos efeitos das variáveis da “personalidade” como
eficácia política e autoritarismo, que se demonstraram serem reflexos
baseados em suas classes.
Em suma, a psicopolítica tende a
reduzir um grande fenômeno social às simples causalidades pessoais. É
reducionista, embora de uma maneira tortuosamente indireta, já que a
psicopolítica toma um caminho elaborado e complicado, preferindo
explicações que são distantes dos eventos e das realidades para as quais
as explicações são destinadas. A psicopolítica tende a subestimar o
conteúdo manifestado. É simplista na sua interpretação e altamente
esotérico e rarefeito na natureza de sua evidência (ou não-evidência)
sobre a qual se ergue.
Ao inverter Lasswell, eu não estou
afirmando que a causalidade formativa vai apenas do político para o
privado, mas que nós podemos dar uma nova definição ao privado,
reconhecendo suas dimensões sociais. Certamente as pessoas não absorvem
passivamente as forças político-econômicas. As pessoas sintetizam,
desafiam e até mesmo criam coisas novas em sua experiência social. Mas a
literatura existente sobre a psicopolítica é muito profundamente
defeituosa para ser de alguma ajuda ao entender as realidades políticas.
Tendo tomado nota da inacessibilidade
de dados confiáveis e a abundância de interpretações questionáveis,
ambos na ciência da profundidade psicológica e em suas aplicações
políticas, e tendo notado a tênue e aparentemente arbitrária ligação das
causalidades, a forma como conclusões arrebatadoras que podem estar
apoiadas sobre suposições frágeis, e a maneira com que os dados
políticos são menosprezados, nós podemos ser perdoados se escolhermos
não trilhar o caminho aberto pelos praticantes da psicopolítica. Eles
prometeram a nós um jardim secreto e ao invés disso nos deram um
pântano.
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Notas
[1] N.T.: self quer dizer “de si mesmo” o “eu” ou “a si mesmo”, neste contexto ela está empregada pelo uso do termo da psicanálise.
[2]
N.T.: protestos contra a brutal guerra do Vietnã, que matou mais de 2
milhões de vietnamitas, só durante o período que os EUA estiveram à
frente de toda a logística militar e financiamento da guerra.
[3] N.T.: O autor utiliza o termo “carpet bombing”. O carpet bombing ou saturation bombing
é uma tática de guerra de um “Bombardeio denso, concentrado contra uma
área limitada que se deseja arrasar“ segundo o Glossário de Termos e
Expressões para uso no Exército e é considerado um crime de guerra se
utilizado contra aglomerações civis, o que os EUA fizeram amplamente na
Indochina, ao ponto de que nas operações na Indochina (Laos, Vietnã,
Camboja) foram lançadas mais bombas do que no total da Segunda Guerra
Mundial inteira, somando todos os lados e em todos os teatros de
operação.
[4] N.T.: prima facie é uma expressão latina que significa “à primeira vista” ou “de primeira”.
[5] N.A.: Cinquenta e nove anos após Lasswell fazer esta observação, a American Psychiatric Press
(Imprensa Psiquiátrica Americana) publicou um trabalho de referência de
quatro volumes com o objetivo de ser um manual para tratamento. Esta
obra de referência contem contribuições feitas por mais de quatrocentos
especialistas, em sua grande parte psiquiatras, e parece estar perto do
corpo documental que Lasswell imaginou que deveria estar disponível para
especialistas para consulta. Mas o trabalho evocou uma controvérsia
acalorada, incluindo reclamações de psicólogos que sentiram que certas
teorias estavam sendo menosprezadas e que novas aproximações seriam
desencorajadas. O manual foi publicado com um aviso [disclaimer]
dizendo que não era uma publicação oficial da Associação Psiquiátrica
Americana [American Psychiatric Association] (Task Force on Treatments
and Psychiatric Disorders, 1989).
[6]
N.T.: segundo a Wikipédia, “Formação reativa, na teoria psicanalítica, é
um mecanismo de defesa no qual emoções e impulsos próprios que produzem
ansiedade ou que são percebidos como inaceitáveis são dominados por um
comportamento exagerado de tendência diretamente oposta (..)”.
Disponível em: <
https://pt.wikipedia.org/wiki/Forma%C3%A7%C3%A3o_reativa >
[7]
N.A.: Para uma visão amplamente diferente da personalidade adulta de
Lênin, ver os retratos contemporâneos escritos por Krupskaya (Memórias
de Lênin, 2021, Ruptura Editorial) e Trotsky (Lenine, disponível em
<https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1924/lenine/index.htm>).
[8]
N.T.: Significa “argumento contra a pessoa”, é uma forma de falácia
argumentativa em que se ataca o argumentador, não o argumento.
[9]
N.A.: Ver, por exemplo, Wolfenstein (1967), Chesen (1973), Abrahamsen
(1977), Brodie (1973), Clinch (1973), Mazlish (1973). Para uma crítica
de Clinch e de Mazlish ver Coles (1987, pp. 96-99, pp. 102-04). Barber
(1972), que será tratado nas páginas adiante, acredito representar um
dos mais fortes esforços na psicologia política. Outro trabalho digno de
atenção respeitosa, mas também merecedor de algumas das mesmas críticas
aqui feitas, é o de George e George (1964); ver as críticas de George e
George por Tucker (1977) e Weinstein, Anderson e Link (1978-790 e a
resposta por George e George (1981-82), todos reimpressos por Cocks and
Crosby (1987).
[10] N.T.: segundo a Wikipédia, James David Barber define em seu livro “The Presidential Character”
(O Caráter Presidencial) um “presidente ativo-negativo” como um
presidente com “prontidão para a ação, alto otimismo, e um carinho pela
presidência”.
[11]N.A.:
A afirmação que presidentes com personalidades ostensivamente
diferentes como Wilson, Nixon, Johnson e Hoover são “extremamente
similares em caráter” (Barber, 1973) levanta a dúvida sobre o uso de
“caráter” como um construto psicológico e de sua relação com a
personalidade. Se nós pensamos em “personalidade” no sentido leigo que
quer dizer as expressões observáveis do temperamento e da atitude, e
“caráter” no sentido mais clínico como “a forma da reação típica”
utilizada por indivíduos para mediar a realidade e o conflito psíquico
(Reich, 1969) ou o sentido desenvolvido mais anteriormente e ainda de
uso duradouro “postura com relação à vida” (Barber, 1972, p. 10), então a
afirmação que essas quatro personalidades presidenciais que são um
tanto quanto diferentes são de um caráter similar não é uma afirmação
impossível de fazer. Mas poderia ser estabelecido apenas por uma análise
aprofundada dos quatro presidentes, algo que claramente não foi feito. A
topologia do caráter de Barber lida não apenas com as manifestações
superficiais da atividade-passividade e expressões da
positividade-negatividade, mas padrões psicodinâmicos mais profundos.
Como George assinala, “os dados não são sempre bons” para apoiar a
afirmação de Barber de que um estilo presidencial particular também
contém as psicodinâmicas mais profundas com as quais Barber as associa
(George 1974, p. 251). Ambos Lasswell e Barber enfatizam a
especificidade biográfica de algum sentimento ou experiência deslocado e
racionalizado vindos da infância, e outros momentos recorrem aos modos
de resposta mais habituais e estruturados que são o que Willhelm Reich
chamou da forma “caracterológica” do indivíduo de mediar entre a vida
externa e o eu interior (Reich, 1969). Em uma palavra, os psicólogos
políticos estão lidando com ambas a psicologia do desenvolvimento e a
psicologia adaptativa do ego, recorrendo ora às características
idiossincráticas da história psíquica do indivíduo ora às formas
generalizáveis das defesas do ego. Greenstein (1975) nota que essas são
abordagens interligadas, mas conceitualmente separadas. Porém como foram
aplicadas às psicobiografias políticas, não é sempre claro o porquê ou
quando deveria ser uma ou outra.
[12] N.T.: “Heckler” é aquela pessoa da audiência que atrapalha um show, uma apresentação ou um discurso ocorrendo num palco.
[13]
N.T.: Aqui Parenti cita dois nomes envolvidos tanto na Primeira Guerra
Mundial, quanto na assim chamada Guerra Civil Russa (Na qual houve a
invasão direta ou a interferência de mais de 10 potencias ocidentais),
do general da Guarda Branca Nikolai Yudenich e do general da Divisão do
Mar Báltico Rüdiger von der Goltz. Para entender melhor e mais
profundamente a brutalidade praticada pelos exércitos invasores da
experiência soviética em seu momento formativo citadas de forma en passant
pelo autor, recomenda-se a leitura do prefácio de Rodrigo Ianhez e das
memórias de guerra de diversos soldados, ambos organizados por Matheus
Gusev no livro Diários Vermelhos: a Guerra Civil Russa (Ruptura Editorial, 2022).
[14]
N.A.: Hoover eventualmente ofereceu ajuda à Rússia Soviética durante o
governo bolchevique ”de uma maneira mais desonesta do que uma franca
contrarrevolução” (Filene, 1967, p. 78). Hoover acreditava que os
Bolcheviques estavam prestes a perder a mão no seu reino do poder. A
esperança era de que um grande corpo de ajuda internacional fosse capaz
de tomar controle econômico da Rússia Soviética, no que se tornou
conhecido como uma ”intervenção do pão” (Weissman, 1974, pp. 44-45, pp.
49-51). Em um memorando ao presidente Wilson (Um que parece notavelmente
contemporâneo de sua abordagem de contrainsurgência), Hoover demonstrou
que a contenção do comunismo estava no topo de seus pensamentos. Ele
mapeou como a ajuda poderia servir para moderar a militância de um novo
governo revolucionário, especialmente depois que uma ”amarga experiência
tivesse ensinado as tolices econômicas e sociais das presentes
obsessões [revolucionárias]” (Fisher, 1927, pp. 11-14). Dentro de dois
anos após o programa alimentício ter começado, quando se tornou evidente
que os Soviéticos não estavam prestes a colapsar ou de serem
subvertidos, Hoover cancelou abruptamente toda ajuda à Rússia enquanto
continuava a prestar assistência à regimes conservadores na Áustria, na
Polônia e na Tchecoslováquia.