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sábado, 22 de outubro de 2022

ÉTICA sob o ponto de vista do marxismo de Marx

 

ÉTICA sob o ponto de vista do marxismo

 

Designaríamos Ética Crítica à crítica das concepções de ética segundo posições idealistas e especulativas. É também crítica das concepções que veiculam normas e valores que sustentam a dominação de classe.

Normalmente entende-se como Ética a descrição das diversas morais no âmbito da filosofia ou a análise destas, e como moral as regras que obrigam os indivíduos a comportar-se na sociedade.

Ética é, portanto, a reflexão filosófica. Moral é uma determinada moral com normas específicas que a compõem.

A passagem da Ética para a moral é estreita e por vezes confundem-se. Tal sucede flagrantemente na modernidade, isto é, desde a constituição de uma classe média, a burguesia, para a qual novas leis e valores que lhe protegessem os interesses económico-sociais eram um imperativo. Contudo, a aproximação da ética e da moral ao direito já caminhava desde a baixa idade média, nomeadamente nas cidades onde floresceu o comércio ou onde entrava em crise a soberania absoluta da igreja e da religião.Entendemos por éticas idealistas, posto assim em termos filosóficos, aquelas concepções que negam os fundamentos materiais dos valores que os indivíduos atribuem. Seja pressupondo a existência de divindades criadoras (doadoras de sentido aos actos humanos), seja acreditando em condições formais apriorísticas do Juízo.

  A Ética somente quando se apoia na revolução ontognosiológica operada por Marx e Engels e nos dados avançados pelas diversas ciências da natureza e das sociedades humanas, pode de modo racional descrever a  moral e as suas transformações no decurso do processo histórico e demonstrar a necessidade e a possibilidade de criar novos valores partindo da realidade e não de meros d<esejos individuais.

  Os caminhos que as ciências da natureza e das sociedades têm percorrido confirmam plenamente as proposições ontológicas descobertas por Marx e Engels (sobretudo na Ideologia Alemã): o primeiro dado a ter em conta é a produção das condições materiais de vida. A evolução dos modos, ou talvez melhor, das formas de produção dos bens que as sociedades consomem, transporta inevitavelmente transformações dos próprios indivíduos, as quais foram nos milhares de anos dos inícios da nossa espécie simultaneamente físicas e mentais, relacionais e institucionais. Para analisarmos a génese de uma qualquer e determinada moral, o seu desenvolvimento, as suas funções e finalidades, havemos de começar nas formas orgânicas que a natureza ou a matéria (no sentido genérico e ontológico)foi criando. A Vida (a maiúscula significa que se abrange tudo que classificamos como organismo dotado de vida, isto é, de receber, produzir e trocar energia com o meio ambiente)é primeiro degrau da reflexão filosófica sobre o que é a moral,as normas de conduta da vida social humana.

   Este começo da reflexão abandona, pois, as atmosferas etéreas da especulação e dos idealismos. Os corpos, formas orgânicas e materiais, incluem um cérebro que pensa, a consciência é a consciência de um determinado corpo orgânico. Por isso moralmente falando a primeira coisa a respeitar é a vida do outro e de si próprio. Não c ometer homicídio, violência, maus tratos e crueldade. Veremos mais adiante que este respeito não se limita a proibir o homicídio, inclui um dever e uma crítica: a solidariedade, a entre ajuda, a simpatia e compaixão, por um lado, e, por outro, a crítica às formas de exploração do homem pelo homem. Nos primeiros degraus de uma objetiva reflexão ética havemos de colocar a proposição de que não é moral expropriarmos os tempos de trabalho da força de trabalho que comprámos para a colocar sob a nossa dominação. E não é moral, nessa compra, o pagamento de um salário que não cubra as necessidades do trabalhador, provocando-lhe no limite doenças e a própria morte. Foi assim na época das sociedades escravocratas, porém é certo que foi pior na época de formação das formações económico.sociais capitalistas e ainda verdadeiro, terrivelmente verdadeiro, em muitos continentes e países paupérrimos.Em todas as épocas e lugares, é verdade, todos os povos e civilizações possuíam proibições e deveres, entre os quais estava a proibição do homicídio (“Não matarás!) e o dever de solidariedade e hospitalidade, mas a proibição de explorar o trabalho alheio somente existirá nas sociedades de cooperação e propriedade comum e então será assim que a História realmente começará e a Humanidade, o género humano, se reconciliará consigo próprio.

  É verdade também que determinadas regras morais se constatam já entre as outras espécies, e não são sequer exclusivas dos mamíferos, ou somente dos primatas. Temos de considerar como embriões de moralidade, isto é, de regras de sobrevivência do grupo os cuidados das progenitoras pelas suas crias (com um desvelo que alcança o autosacrifício!), os deveres de ajuda dos progenitores machos (nalgumas espécies são eles mesmos que transportam as crias!). Os comportamentos societais assombrosos dos insectos nem por acaso nos lembram as sociedades humanas. De resto, quando referimos a ligação ecológica e holística das espécies (todas são organismos vivos e que muito provavelmente descendem de um ancestral comum universal), havemos de admitir que não desprovidos de sensibilidade e, portanto, de formas peculiares de inteligência (sabe-se que as árvores estabelecem redes de comunicação entre elas, tanto como é largamente sabidas as sinergias entre plantas e animais).

  Por conseguinte, a Ética crítica, a ética objetiva e realista, inicia o seu percurso pela matéria nas suas formas conhecidas à data; por outras palavras: a ontologia materialista. Mas veremos adiante que este materialismo não se completa com as concepções evolucionistas ou naturalistas, pois encontra transições naturais para as organizações sociais humanas. Nas espécies que existem (e as que sabemos agora que existiram) encontramos comportamentos sociais que demonstram que os nossos não foram inventados do nada, ou por exclusivo livre arbítrio. Podemos exemplificar com o instinto de defesa do território (condição de sobrevivência) e das reservas de alimentos, com a hierarquia no ato de distribuição dos alimentos (quem, quando e o que come), com constituição de grupos ou comunidades, as regras de parentesco e para evitar a consanguinidade.

 

O primado dos corpos sobre as ideias, filosoficamente falando, significa que as regras básicas de sempre, desde os primórdios da linguagem e outros atos de cultura, são as atividades que visam a procura do alimento, quer fosse recolhendo da natureza, quer s<eja produzindo-o através do trabalho e da técnica. As sociedades recoletoras e nómadas, compostas por grupos mínimos, familiares, já detinham necessariamente regras morais (vemo-las nas tradições e nos mitos, vemo-las nas sociedades recoletoras que foram estudadas), regras muito mais complexas do que cabem na expressão “primitivos selvagens. Veremos amis adiante que alguns comportamentos verificados por antropólogos de solidariedade, cooperação e compaixão, foram, ou são-no, muito mais visíveis, constantes, e comoventes, que o que encontramos nas urbes contemporâneas. Se algo se ganhou, muito se terá perdido. Há que retroceder e simultaneamente avançar. Não é capitalismo neoliberal que tal é possível, seguramente, porque é a realidade que o demonstra.

A invenção da agricultura e da pastorícia, a divisão da terra e do trabalho, a acumulação das reservas, a formas de distribuição das riquezas produzidas, a formação de aldeias-vilas-cidades, de centralização dos poderes, de divisão em estamentos e classes sociais, religiões, Estados políticos, necessitaram de regras que proibiam e castigavam (pela censura, ostracismo, ou por castigos físicos e perdas da liberdade). Essas constituições morais justificavam-se num ordenamento religioso ou mítico. Na realidade, mitificavam a função principal: fazer escravos e constituir uma força de trabalho. Ainda que os escravos (prisioneiros das muitas guerras para fazer escravos, ou punidos por dívidas) fossem nalguns casos melhor tratados que a plebe ou proletariado desempregado da Roma antiga, não deixavam de ser meros instrumentos ou “bestas de trabalho, muito raramente libertados, e foram eles que ergueram as pirâmides do Egipto, rasgaram canais fluviais, plantaram e colheram para uma minoria de senhores. Esta é uma base primária para analisarmos as morais. Os liberais -teóricos- costumam contrapôr o trabalho livre nas sociedades industriais ou capitalistas ao mundo da escravatura. Na verdade, mentem, porque o capitalismo formou-se sobre a escravatura, o racismo, e o colonialismo. Sem o mundo fora das fronteiras da Europa o capitalismo não subsistiria.Nenhuma Ética pode processar-se sem estas verdades fundamentais. E os primeiros a dizê-lo de modo substancial e não retórico, foram Marx e Engels.

Mas foram também eles que descreveram a moral novas que a burguesia trouxe à Europa. Foram escritas em 1848 no célebre Manifesto Partido Comunista: (citação)

A moral nova ficou classificada como moral burguesa, isto é, moral de classe. É esta classificação científica que norteiam a investigação oriunda de Marx. Toda a moral é moral de uma dada classe; toda a moral dominante (que domina outras suas contemporâneas) é a moral da classe que domina todas as outras classes sociais.

Não é por acaso que diversos livros surgem recentemente defendendo posições filosóficas pretensamente científicas (até podem sê-lo)que retomam as antigas e modernas críticas da civilização em favor do modo de vida dito “primitivo”. A “Idade do Oiro” já fora defendida, ao género do mito, pelo grego Hesíodo e, mais tarde, pelo filósofo romano Séneca que repunha os fundamentos do estoicismo que ele perfilhava. Os mitos dos paraísos perdidos, que foram património de várias épocas e civilizações antigas, conservaram-se no género literário designado Utopias, por via do título (e conteúdo) do célebre livrinho do grande renascentista Thomas More. As críticas à civilização tal qual ela se apresentava continuou com mais força nos séculos XVII e XVIII. Neste século, o século das Luzes mas também do prenúncio do Romantismo como reação, surge, enfim, na sua expressão mais poderosa e artística a defesa do “Bom Selvagem”, pelo escritor filosofo genebrino Jean-Jacques Rousseau.Não casualmente é o século das mais estimulantes utopias sociais, todas com origem na França (não ignoremos que no século anterior o seu berço fora a Inglaterra emergentes ou intervenientes das revoluções).

Deixemos por ora as utopias como assunto que retomaremos mais tarde e em capítulo próprio e fixemo-nos em duas questões (reais na minha opinião):

1ª- Na segunda metade do século XVIII, com Rousseau em particular, a já poderosa burguesia (comercial, manufatureira) confronta-se com um dilema (pouco consciente a ver pela literatura da época): por um lado, deseja convencer-ser e convencer meio mundo que as suas reivindicações de classe (“classe média”) correspondem às mais fundas aspirações da humanidade e, portanto ou para isso, tão fundadas no “direito natural”, na natureza do homem; por outro, o pequeno-burguês de Genebra Jean-Jacques Rousseau vinha realimentar (e com que génio!) a crítica a toda sociedade (obviamente a presente), reutilizando de forma moderna (racional mas não tão iluminista como isso)a comparação com o “grau zero” da Humanidade. A descoberta dos povos das Américas teve enorme influência. Pareceria que Rousseau tirava o chão aos argumentos em favor dos ideais burgueses iluministas. Nem tanto assim. Ou melhor, começou realmente por assim, porém Rousseau veio resolver (ou tentar) o dilema escrevendo a obra que se tornou um clássico da política moderna: “O Contrato Social”Ou seja, o homem possui uma inclinação para o bem na forma de bons sentimentos (até o “Bom Deus” mora no coração!)e aspira à liberdade plena e universal. Seja como for o homem não nasceu mau. Os regimes políticos, a ordenação ética e cultural,tanto podem corromper como dar livre expressão a esses sentimentos. O filósofo Kant, que absorveu de Rousseau o melhor da sua inspiração de modo a tentar resolver a oposição Rousseau-David Hume (filósofo escocês, empirista e bastante céptico), afirmará que o homem possui duas inclinações: uma, para a animalidade, outra, para a sociabilidade, ficando por explicar a primeira com a mesma argúcia com que explica a segunda...

Na segunda metade do século vinte irrompem umas a seguir às outras obras de académicos (biólogos na sua maioria)reafirmando a velha tese da maldade inata do homem, Ora, quem a defendeu e se tornou um “clássico” por via disso, foi o filósofo inglês do século XVII, Thomaz Hobbes, em o seu famoso livro “O Leviatão”. Dessa abundante (em pouco mais de duas décadas, muito influenciadas pelos desafios que o holocausto perpetrado pelos nazis havia infligido à ética e a todo o género de otimismo), destaca-se o livro de Dawkins “O gene egoísta”(outros: “O macaco nu”, de Desmond Morris); contudo, eu lembraria o opúsculo de----que trata da agressividade provavelmente inata do homem, porque, depois do livro do fundador do evolucionismo Charles Darwin, foi talvez o mais influente (pelo menos com ele a corrente designada Beaviorismo ganhou muita força nas ciências humanas, particularmente na Psicologia e na Antropologia); ...foi o fundador da Etologia; é nesta ciência disciplinar que encontramos os mais acérrimos defensores das origens biológicas das sociedades e das culturas e, se não estou em erro, da maldade inata do chimpazé humano,,,

Retomo o início deste capítulo: nestes ultimos anos do século corrente, assitimos 8e lemos!) à celebridade de livros que retomam, de algum modo, a tese do “bom selvagem”, da crítica da civilização (agricultura, domesticação de animais, formação de cidades), tais como: “Sapiens”, de....., Umanidade, uma história de Esperança, de Rutger Bregman ( que Yuval muito elogia); Trabalho, uma história de como utilizamos o nosso tempo, de James Suzman; e O Terceiro Chimpazé, de Jared Diamond, que não se colcoa abertamente a favor da tese dos anteriores citados, mas desenvolve a convicção (expressa noutras obras) de que as sociedades muitod evem à geografia e ao clima. Muito longe de esgotar as referências colocaria também como obra de indubitável sapiência o último livro do cientista António Damásio, “A estranha ordem das coisas: A Vida, Os Sentimentos e as Culturas Humanas (2017), na qual procura descobrir o elo bio-químico que permitiu a constituição das sociedades humanas.

Em contrapartida, num confronto ainda não assumido pelos argumentistas (que eu saiba) surgem obras de destaque (e tanbém best-sellers) como: Homo Biologicus, do importante especialista da neurologia (tal como Damásio) Pier Vincenzo Piazza (2019); Guerra,como moldou a história da humanidade,( 2020) de Margaret MacMillan, o pórpio já citado Jared Diamond, Armas, Germes e Aço, que não consegue evitar o “naturalismo”com que expõe esses temas.

Duas ideias me importa explanar:

A primeira é a ligação destas onras, masi ou menos assumidamente contrárias entre si, com os tempos sombrios que vivemos sem sabermos onde nos conduz (a crise geral dos capitalismos; a alternativas difíceis; as ameças que pesam sobre o planeta; as pandemias). A segunda, é a contínua força com que s<e desenvove a corrente evolucionista (o naruralismo oriundo do darwinismo), este materialismo cientificante que não encontra neste momento interlocutor no materialismo dialético de origem marxista, com a força de que gozou no passado. Questão das forças e fraquezas das alternativas de esquerda...

 

Falta ao marxismo uma teoria do direitos? De modo nenhum. Vemos a clara formulaçãio de direitos nas Constituições políticas dos países socialistas (que se revindicaram do socialismo marxista) ou naquelas que tiveram a influência dos partidos marxistas. A Constituição de....da URSS foi pioneira e influenciou a de vários países socialistas existentes no presente. Os direitos económicos possuem a marca dos avanços civilizacionais que os países socialistas do leste europeu proporcionaram. A influência de Marx, Engels, Lenine, está presente nessas Constituições políticas. Os direitos do Trabalho. Estão enganados os que negam uma teoria dos direitos no marxismo. Mas dir-se-á que são direitos económicos e direitos políticos. Porém, não existe separação entre o direito político, económico e cultural com a moral. Quando se aprova uma Constituição política com um elenco de direitos do Trabalho é uma moral que se aprova: a dignificação do trabalho e do trabalhador contra os sentimentos e atos de desprezo a que tem sido votado pelos capitalistas. Não são direitos apenas para promover o crescimento da produtividade e a aelevação do poder de compra do trabalhador, mas o respeito à vida, à família, ao usufruto da cultura, etc.

Se existir um paradoxo na teoria de Marx ele resolveu-se na prática : as revoluções e suas conquistas. Marx criticou a moral burguesa do seu tempo, continuaria a criticá-la no nosso tempo apesar dos grandes avanços dos direitos morais (direitos da Mulher, por exemplo). Ao criticar ofereceu alternativas, explícitas ou implícitas. Normalmente quando dizemos que algo é mau, muito provavelmente é o seu contrário que é bom...Não foi somente na sua juventude que Marx criticou a moral burguesa e criticou moralmente o capitalismo; foi ainda nos Grundrisse e em O capital; no seu livro sobre a Comuna, na crítica do Programa de Gotha. E Engels nas obras que publicou após a morte de Marx e no Anti-During que Marx conheceu. Certamente que a crítica da moral e propostas de uma (ou no plural) nova moral veio a surgir depois, nas lutas dos comunistas: Lenine acima de todos, Rosa Luxemburgo, Trotsky, Gramsci, Che, Ho-Chi-Min, Mao...

Porque é importante a Ètica? A crítica das éticas não socialistas? A crítica da ideologia académica, política e da propaganda deliberada. A crítica dos “direitos humanos”.O combate contra a propaganda anticomunista.Nós possuimos uma moral, por vezes até demasiado moralista ou severamente moral por causa das circunstâncias e os resíduos fortes da moralidade dominante.Portanto aprendemos e desaprendemostambém não só com as lutas populares e das minorias sociais, mas também com os inimigos.

O que não temos é uma declaração universal dos deveres. Aceitamos a proposta de José Saramago no discurso que proferiu quando recebeu o Prémio Nobel.

Enquanto existirem sociedades divididas em classes diferentes, desigais e opostas o direito e a moral, com as respetivas normas (direitos e deveres), as ideologias, a própria Ideologia em geral, são necessárias, às classes que dominam para poderem dominar justificando e persuadindo, às classes dominadas para se oporem e reivindicarem direitos e liberdades para si mesmas. Nas sociedades comunistas futuras, sem classes sociais portanto, deixa tudo isso de ser necessário. As contradições com expressão conflituante no indivíduo ou nas comunidades não exprimirão interesses conflituantes entre classes sociais. Citemos Marx na Crítica do programa de Gotha e Engels no Anti-duhring.

A oscilação que ressalta em textos de Marx entre uma pretensão à cientificidade da sua Crítica da Economia Política e os juízos morais sobre (ou contra) o capitalismo (a desumanidade deste que lhe provoca expressões de revolta e indignação, como lemos em O capital),não denotam a meu ver qualquer contradição teórica insanável: o capitalismo era realmente desumano (desde a fábrica às colónias), oprime, explora implacavelmente, e Marx estudou as causas e as estruturas, a história e as tendências, fornecendo-nos uma demonstração científica. Foi esse conhecimento científico de como se originou e como opera o modo de produção capitalista (diferentemente do feudal anterior ou de qualquer outro) que veio permitir aos trabalhadores conscientes organizar as lutas de classes. Sem teoria revolucionária científica não teriam existido partidos revolucionários e revoluções socialistas.

Assim como existe uma ideologia da classe dominante, existe uma ideologia da classe dominada. É com este segundo significado de Ideologia que Marx e Engels trabalharam na maturidade. É sobre os interesses da classe dominada, objetivamente opostos aos dos patrões e proprietários, que os partidos marxistas operam para introduzir uma teoria científica no senso-comum que o transforme em consciência de classe e vontade de lutar.

O proletariado toma consciência da sua exploração e das causas da sua alienação. Pela teoria marxista compreende que ele é a classe cujas condições objetivas (o lugar e o papel que ocupa e executa) tornam melhor capacitada para enfrentar os patrões e os governos políticos do grande capital e realizar uma revolução popular. O proletariado abrange o operariado fabril produtivo e os pequenos assalariados empregados no setor comercial que produz bens necessários à indústria transformadora (transportes, por exemplo).

A ideologia espontânea do proletariado não é composta exclusivamente por elementos da ideologia da classe que o domina (e resíduos da ideologia de classes dominantes que desapareceram); contém representações do mundo e da vida que expressam o sofrimento dos dominados, sentimentos da injustiça de que são vítimas, de revolta contra as desigualdades sociais injustas, contra as humilhações, de desprezo pelo comportamento indigno dos ricos e mandantes.Sempre existiu uma conceção moral não conformista com as injustiças,baseada nas interpretações populares dos ditos religiosos, como sucedeu durante a Idade Média europeia e de outros continentes. O marxismo vem fornecer a estes componentes sentimentais e mentais próprios das classes dominadas o conhecimento científico e libertá.la mais ainda da moral dominante. Nenhuma ciência particular (Física, Astronomia, etc.) trabalha com critérios morais; os seus métodos são experimentais, de lógica científica. As suas descobertas é que podem transformar a nossa visão do mundo e da vida; portanto, a posição face à religião e à moral.O marxismo é herdeiro dos saberes científicos e para compreender as transformações sofridas pelo capitalismo nestes últimos cento e cinquenta anos não operou exclusivamente com o método dialético, mas também com o método experimental próprio da ciência em geral e das ciências particulares (marxistas contribuiram para o desenvolvimento da Física. Química, Antropologia, Sociologia, etc.). Não foi com critérios morais ou jurídicos que realizam essas investigações e descobertas (veja-se na Psicologia e na Sociologia); contudo, a moral desempenhou um papel estimulante seguramente, como lemos nas suas autobiografias. Portanto, a Moral não é uma ciência particular (com métodos experimentais) mas a Ética pode sê-lo, ou melhor: pode servir-se dos resultados e dos métodos científicos para estudar as diversas morais e fundamentar uma moral materialista revolucionária socialista e comunista.

 

Os meios e os fins

É uma questão fundamental. É aqui que intervém a Ética e alguma determinada moral. Nem todos os meios se justificam pelos fins (o bom não justifica o mau). Mas aqui devemos ser dialéticos e objetivos: a história da humanidade, todas as civilizações que existiram e existem, e com o conhecimento que vamos adquirindo sobre elas, mostram que do Mal nem sempre veio o Mal, isto é: os progressos foram e são possíveis muitas vezes por via de más intenções, por via de consequências desastrosas ou contrárias às intenções, e podemos citar o papel das armas, das guerras e da violência; mas não só progressos tácnicos (aí são completamente visíveis os efeitos positivos), também mudanças políticas, jurídicas e morais:;científicas e filosóficas.

Essa é uma questão que atravessa todos os debates sobre o Progresso, a Ética, as transformações culturais e sociais.

O que temos de distinguir (para não justificarmos o mau por meio de dialécticas nem hegelianas, nem marxianas) é a estratégia dos meios para a alcançar (ou ir alcançando e construindo e aproximando). A violência é necessária porque a classe dominante não quer perder o domínio e ela mesma é violenta. A guerra pode ser defensiva e p+atriótica (como foi na URSS invadida). A legítima defesa contra o agressor é legítima. O castigo sobre os criminosos, as penas previstas contra o crime, pode ser não só legal (porque vai evoluindo) como legítimo no ponto de vista ético. Porém, usilizar meios violentos para atingir fins, sem esfgotar todos os meios racionais do diálogo, do convencimento, da cooperação, reprimindo inocentes, instingando ao sectarismo, destruindo culturas e patrimónios, reduzindo direitos e liberdades sem descriminar,a pretexto de imaginárias acções opositoras de insurgentes, não é compatível de modo nenhum com o socialismo. Marx não o praticou, nem o defendeu nas suas obras e nos seus comportamentos. Nem ele, nem o pacífico e amabilíssimo Engels.E é sempre salutar regressarmos às suas biografias para referência moral. Até poderiam ter realizado grandes descobertas mas serem uns patifes nas suas vidas. Não foi o caso.

     A grande questão dos “humanismos”

Não vamos expor desenvolvidamente as teses em confronto durante uma época passada. Diremos apenas que o humanismo de Sartre, de Merlau-Ponty, de Albert Camus, e de muitos outros escrito res e pensadores da primeira me tdade do século vinte, refletia em boa parte a época: a carnificina das duas guerras mundiais, o pósguerra, o holocausto perpetrado pelo nazismo, os fascismos e os seus crimes na Espanha e em Portugal,por um lado e, por outro, os crimes que eram noticiados como tendo sido prática corrente no denominado “estalinismo” (versão do chamado “documento secreto”apresentado por Kruchov). Por essas fortes razões o existencialismo de Sartre, por exemplo, se apresentava como reação humanista, os seus escritos como defesa de transformações políticas que respeitassem a humanidade das pessoas, sobretudo a liberdade individual. Foi assim, de resto, que lutou contra o colonialismo francês. Althusser virá fazer o contraponto, a partir de uma leitura das obras de Marx. Influenciado pelas novas correntes filosóficas, desde Popper e suas críticas aos historicismo, Wittegenstein, filosofia analíticas oriundas da cultura anglosaxónica, pelos neopositivismos, tenta demonstrar que existiu um Jovem Marx e um Marx da maturidade e que entre ambos não há continuidades, mas rupturas. O Jovem era ainda demasiado hegeliano (ALthusser foi contrário a Hegel), feuerbachiano, portanto, idealista e especulativo; as locubrações do Jovem Marx são ainda especulativas e morais, porque não tinha formação científica ainda. São interessantes, mas de pouco interesse para a ciência marxiana. Essas teses e esses debates já estão ultrapassados em grande parte. Nem há rupturas na caminhada de Marx,embora a sua Teoria não seja científica toda ela no sentido postivista, desde a juventude, porém comporta  desde análises e categorias políticas e filosóficas que não desrespeitam a observação empírica sobre os acontecimentos do seu tempo de juventude e as suas críticas a adversários mostraram-se corretas; h+a pois descontinuidades e evoluções no pensamento de Marx. Mas também resultou saber-se que o marxismo não é uma teoria filosófica apenas e de teor moral, isto é, humanista. O seu humanismo existe sim mas com base numa análise científica do capitalismo. O socialismo comunista não é um projeto à maneira da conceção sartriana humanista.

    O capitalismo do presente e as suas tendências para o que virá a ser e a fazer

Muitos comunistas vieram para os partidos comunistas por razões e por motivos morais. Burgueses da média ou mesmo alta burguesia fundaram ou colaboraram ativamente com movimentos revolucionários não marxistas, ou pertencentes a uma das várias versões de marxismo. A moral pode ser uma forte empurrão para a revolta ativa. Tal como a religião pode ser.

 

As ideologias políticas comandam o pensamento, as análises, as escolhas políticas. Não há escapatória. Há sempre alguma que é a dominante. 

Problema é saber-se se a política deve ser comandada pela moral. Na realidade todo o deve ser depende do poder para ser. O dever é de quem pode. Alguns de nós, acredito que muitos, querem o vir-a-ser outra sociedade, mais pacífica dentro dela, mais justa na repartição, mais satisfatória para os que produzem (afinal são a grande maioria) bens necessários de uma economia real e não baseada em fictícios, mais trabalhadora sem parasitas a lucrar. Mas é preciso poder. O devir depende do maior poder desta ou daquela tendência (tendências que já lá estão "por dentro”). Possibilidades existem, mas necessitam de poder para existir de facto, para se sobreporem (repare-se: sobre-por). E o que é o poder?

  

 

 

  Passa-se outro tanto com a Ética : a teoria marxiana na qual se articulam economia e política, é fundamentalmente uma Ética? Noutros termos: é o comunismo fundamentalmente uma Ética? Princípios e valores éticos que compõem um horizonte alternativo às barbaridades do capitalismo?

  Uma ética com uma moral que exigem a luta política e transformações económicas.

   A Ética marxiana compõe-se das categorias de exploração, dominação, alienação e reificação, e fetichização (ou à portuguesa : enfeitiçamento) para a compreensão de fenómenos decisivos do capitalismo. A eliminação deles é a tarefa de sociedades não capitalistas de todo.

  Ora, o conceito de Ideologia funda-se na praxis. Nas atividades produtivas e reprodutivas dos seres humanos. Em primeiro lugar o Trabalho.

  Tudo o que o homem pensa (do mais pobre senso-comum à mais elevada filosofia) mergulha na praxis. 

  Fora dela os valores éticos não fazem sentido. Elaborar valores fora desse terreno concreto da historicidade, da materialidade, é puro idealismo. É esta a armadilha da ideologia contemporânea capitalista. Que é a única que temos. Que é aquela que constitui a subjetividade neste período histórico.

 Portanto, a transformação por via da luta política, da economia e da cultura, das circunstâncias que negam a humanidade do homem, é a tarefa principal da nova ética e da nova moral.

A Ética marxiana (refiro-me àquela que julgo ler corretamente nos textos e na biografia de Marx) é radical. A crítica de Marx ao capitalismo (ao que fora e ao que viria ser muito provavelmente conforme as tendências e contra tendências que Marx detetou no funcionamento do modo de produção) foi à raiz dos problemas, dos sintomas, dos fenómenos.

À raiz da acumulação do capital, ao valor e à mercadoria que nos enfeitiça. À raiz das crises sistémicas que nos assolam. À raiz da espoliação brutal do proletariado e do campesinato mundial.

A crítica marxiana (com a colaboração de Engels) demonstra que é necessário um novo modo de produção completamente antagónico. Para se acabar com o processo de exploração da força de trabalho é evidentemente necessária a propriedade social dos principais meios de produção. Com a convivência no mesmo território dos dois sistemas antagónicos, por mais que o novo regulamente o velho, os fenómenos de exploração, de alienação e submissão, continuarão a subsistir e, em qualquer altura imprevista, o velho pode virar-se contra o novo. Portanto, é necessário que todo o oder político resida nos trabalhadores, no povo e nos seus partidos, nomeadamente partidos que se orientam pelo marxismo.

Subsistindo conjuntamente, ou lado a lado, os dois sistemas, qual a ética e respetiva moral domina? E que autoridade moral tem uma ética que convive com o capital no mesmo espaço? Exige-se, pois, que as transformações socialistas cativem o povo e transformem a sua antiga maneira de de se submeter. A democracia tem de ser avançada, efetivamente a começar na base.

Todavia, quer se deseje quer não, em determinadas circunstâncias não sobra outra alternativa senão essa. Não é socialismo todavia, nem capitalismo. É outra coisa : um modo de produção e distribuição da riqueza que se revela produtivo e social como se está a verificar na China. Nem capitalismo puro (neste caso neoliberalismo) dominante, nem capitalismo de “Estado social”, nem verdadeiro ou completo socialismo. Algo que Marx não antecipou em momento algum. 

E assim será provavelmente por muitas décadas afora. 

--------NOZES PIRES------22/10/2022

 

 

 

 

 

 

 

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