Um equívoco comum sobre o capitalismo
Prabhat Patnaik [*]
Há uma visão comum de que embora o capitalismo nas suas fases iniciais provoque desemprego, e portanto um agravamento da pobreza, este dano inicial é posteriormente revertido à medida que continua a crescer. Os desempregados são amplamente absorvidos dentro das fileiras do exército de trabalhadores no ativo e, com uma redução da taxa de desemprego, os salários começam a aumentar; e que aumentam de forma impressionante à medida que a produtividade laboral aumenta.
À primeira vista esta visão parece ser corroborada por evidências históricas: a pobreza na Grã-Bretanha é estimada pelo historiador marxista Eric Hobsbawm como tendo aumentado com o arranque do capitalismo industrial; mas certamente a partir de meados do século XIX as coisas mudaram para melhor no que diz respeito aos trabalhadores. Isto sugeriria que o capitalismo, independentemente das dificuldades transitórias que possa causar aos trabalhadores, é finalmente benéfico mesmo para eles.
Contudo, toda esta concepção está errada. Não há absolutamente nenhuma razão teórica para esperar que o capitalismo inverta os danos que inicialmente causa às condições materiais dos trabalhadores. A razão para a melhoria realmente observada nestas condições numa fase posterior nada tem a ver com qualquer tendência espontânea do capitalismo.
Esta ideia de que embora o capitalismo possa inicialmente prejudicar os trabalhadores e de que mais tarde melhora a sua condição, pode ser atribuída ao economista inglês David Ricardo, o qual avançou este argumento no contexto da introdução de maquinaria. Ele argumentou que tal introdução inicialmente desloca trabalhadores causando muitas dificuldades, mas ela eleva a taxa de lucro e portanto a taxa de acumulação de capital, razão pela qual os trabalhadores deslocados são reabsorvidos para o emprego. De facto, os trabalhadores no seu conjunto podem até ver uma melhoria nos seus salários se não se reproduzirem demasiado rapidamente e assim controlarem a taxa de crescimento da força de trabalho.
O argumento de Ricardo tem duas falhas óbvias. Primeiro, ele falava de introdução de maquinaria uma única vez; mas o capitalismo introduz as mais recentes máquinas e métodos de produção numa base contínua. Mesmo que aceitemos o seu argumento de que o efeito criador de desemprego de uma introdução de máquinas de uma só vez acabaria por se inverter através de uma maior taxa de acumulação de capital e portanto de uma maior taxa de crescimento da procura de mão-de-obra, esta eventual ocorrência nunca se concretiza, pois entretanto são introduzidas novas rondas de máquinas.
A questão tem, portanto, de ser analisada em termos dinâmicos. Se g é a taxa de crescimento do stock de capital e também da produção (assume-se que o rácio entre a produção e o stock de capital se mantém inalterado apesar do progresso técnico cujo principal efeito é supostamente uma redução do custo do trabalho) e p a taxa de crescimento da produtividade do trabalho, então a taxa de crescimento da procura de trabalho é g-p. Se esta for inferior à taxa natural de crescimento da mão-de-obra n, então a taxa de desemprego continuará a aumentar ao longo do tempo. Não há nada no funcionamento do capitalismo que faça o g-p exceder o n.
Naturalmente, alguns argumentariam em defesa de Ricardo que se a produtividade laboral continuasse a crescer enquanto a taxa de desemprego também continuasse a aumentar (de modo a que a taxa salarial permanecesse ligada a um nível de subsistência), então a taxa de lucro que poderia ser obtida a partir da produção continuaria a aumentar e que isso continuaria a pressionar em alta a taxa de acumulação até que a taxa de desemprego caísse significativamente. Mas é aqui que entra o segundo problema com o argumento de Ricardo, a saber: ele assume que nunca haveria uma restrição da procura sobre a realização da produção potencial e, portanto, sobre a taxa de lucro e a taxa de acumulação. Por outras palavras, ele assume que a Lei de Say – a qual afirma que "a oferta cria a sua própria procura" – é invariavelmente válida. Mas quando reconhecemos que existe um "problema de realização", que a taxa de lucro, que decorre da taxa salarial, em dadas condições de produção, não precisa de ser "realizada", e que a taxa de acumulação do stock de capital, e com ela a taxa de crescimento da procura de trabalho, não precisa de continuar a aumentar sem limites, então torna-se claro que não existe nenhum mecanismo dentro do capitalismo para reabsorver no exército de trabalhadores ativos todos aqueles que são deslocados pela sua contínua introdução de progresso técnico.
Ambos os pontos acima referidos haviam sido formulados por Marx em crítica à afirmação de Ricardo de que a introdução de maquinaria só teve um efeito negativo transitório sobre o nível de emprego e a condição dos trabalhadores. Uma vez tomados em consideração estes pontos, não há absolutamente nenhuma base teórica para a crença de que o capitalismo, embora inicialmente prejudicial ao emprego e à condição dos trabalhadores, acabe por melhorar o seu destino.
Como explicar, então, o indubitável facto histórico de que houve uma reviravolta nas condições de vida dos trabalhadores metropolitanos no decurso do desenvolvimento do capitalismo? A resposta aqui reside na emigração em grande escala de trabalhadores europeus para o "Novo Mundo" que ocorreu no decurso do que é chamado o "longo século XIX" (ou seja, o período até à Primeira Guerra Mundial). Entre o fim da guerra napoleónica e a Primeira Guerra Mundial, segundo o economista W. Arthur Lewis, cerca de cinquenta milhões de trabalhadores europeus migraram dos seus países de origem para outras regiões temperadas de povoamento branco, tais como os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul.
Esta foi uma migração de "salários elevados", uma vez que os salários, tanto nos seus países de origem como nos seus países de destino, eram altos, em contraste com outra vaga de migração que estava a ocorrer simultaneamente. Esta segunda vaga era de países tropicais e semi-tropicais como a Índia e a China para outros países tropicais e semi-tropicais como as Fiji, as Maurícias, as Índias Ocidentais, a África Oriental e o Sudoeste dos Estados Unidos. Estes migrantes tropicais que faziam parte de uma migração de baixos salários não eram autorizados a deslocarem-se livremente para as regiões temperadas de colonização branca (ainda não o são até hoje).
Lewis explica esta diferença entre os fluxos migratórios de salários altos e baixos com a sugestão de que tinha havido uma revolução agrícola na Grã-Bretanha (a qual espalhara-se por outros lugares) que tinha elevado os rendimentos da população rural nos seus países de origem. Mas há muito pouca evidência de uma tal revolução agrícola. A razão real para os altos salários associados à primeira migração foi que os migrantes simplesmente tomaram à força as terras pertencentes à população tribal indígena e estabeleceram-se como agricultores com elevados níveis de rendimento, o que aumentou a taxa salarial tanto nos países de onde vieram como nos países para onde foram.
A escala desta migração de região temperada para região temperada foi muito grande: para a Grã-Bretanha, por exemplo, estima-se que entre 1820 e 1915 cerca de metade do aumento da população a cada ano acaba por emigrar. Isto em termos de escala seria análogo a cerca de 500 milhões de pessoas emigrarem para fora da Índia no período decorrido desde a independência. A possibilidade de migração numa tal escala não está hoje disponível para as pessoas do terceiro mundo. Mas é esta possibilidade de estar disponível para a população das metrópoles que explica a reviravolta na sorte dos trabalhadores europeus no século XIX. Não são as tendências espontâneas do capitalismo que explicam tal reviravolta, mas o facto de um grande segmento da população poder simplesmente migrar para o estrangeiro e, arrebatando as terras dos habitantes originais, estabelecer-se como agricultores razoavelmente abastados. A possibilidade de se apoderarem das terras dos habitantes originais surgiu devido ao fenómeno do imperialismo.
O imperialismo ajudou neste processo de reviravolta nas condições materiais de vida dos trabalhadores metropolitanos também de uma segunda forma. Mencionei acima que o sistema, sendo limitado pela procura, impede a reabsorção dos trabalhadores deslocados pela maquinaria. Mas uma limitação da procura pode ser quebrada através da venda de bens fabricados por máquinas a expensas dos produtores artesanais nas colónias e semi-colónias, como de facto aconteceu historicamente. Isto teria o efeito de reduzir ou manter baixo o nível de desemprego na metrópole. Na verdade, equivaleria realmente a uma exportação de desemprego da metrópole para as colónias e semi-colónias, as quais são impotentes para protegerem as suas economias de tais importações desindustrializantes porque são dominadas pelas metrópoles.
Daí resulta que, ao contrário da concepção errada de que o próprio capitalismo tende a ultrapassar os danos iniciais que ele inflige à população trabalhadora das metrópoles, é o fenómeno do imperialismo – o qual assegura tanto uma apropriação de terras em todo o mundo como uma exportação de desemprego para as colónias e semi-colónias –que está subjacente à viragem na sorte dos seus trabalhadores internos. Isto não deve ser entendido como significando que os trabalhadores da metrópole são cúmplices do projeto imperialista; é apenas a forma como o sistema funciona.
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