I. Valores que ontem eram da esfera da moral tendem a ser respeitados pelas leis jurídicas e, portanto, protegidas pelo Estado. A moralidade abstrata - mas não metafísica - tende a ser resolvida por via política e, portanto, a dissolver-se, isto é, a perder credibilidade e legitimidade. Por exemplo o direito à interrupção voluntária da gravidez, à escolha livre de orientação sexual e de género, a direitos que protegem a mulher de formas de machismo violento, assédio e patriarcado. Muitas das antigas formas de discriminação de classe e aquelas que discriminavam segundo conceções racistas, são hoje proibidas na lei, deixando a esfera moral (em tradições religiosas em numerosas formações económico-sociais anteriores ao capitalismo). Por vezes já não é fácil distinguir a censura moral da proibição legal. Uma característica das atitudes conservadoras reacionárias verifica-se na forma moral pela qual defendem ou desaprovam determinados direitos e transformações progressistas (por exemplo na chamada "lei do aborto"). Servem também para constatar a presença da religião na moral. Contudo, libertarmo-nos da religião não significa libertarmo-nos de toda moral. Superarmos Kant e Nietzsche não significa abandonar toda a moral. Temos é de encontrar uma moral emancipatória. Uma moral cujos valores incitam a atitudes e estas a condutas de protesto contra moralismos conservadores e reacionários aos quais têm equivalência e suporte leis opressivas, antidemocráticas.
II. É positivo, no ponto de vista moral, que tu participes de uma ação na empresa capitalista onde trabalhas reivindicando melhores salários, não traindo os teus camaradas. É um ato imoral a traição. Contudo, só alcançará um alto valor moral quando a tua coragem e lealdade expressar continuidade e coerência, isto é, for consciente de que o lucro do teu patrão resulta da mais-valia que te extrai legalmente. Em termos claros : do tempo de trabalho que te rouba.
III. daqui concluímos que a moral emancipatória, efetivamente consciente, é uma consciência de classe contra classe. O antagonismo -que assume diversas formas - é o seu núcleo. Compõe-se de deveres (ou obrigações) tal como as morais tradicionais (capitalistas ou anteriores). Neste tópico, I. Kant conserva a sua atualidade. Não é somente pelas consequências, menos ainda pela utilidade pessoal, que se avalia um ato moral. Quando vivemos submetidos à ditadura fascistas o dever supremo foi combatê-la por todas as formas. Nenhuma desculpa servia para evitar esse comportamento (para tentar "passar entre os pingos da chuva"). Quem procurava desculpas demonstrava qual era deveria ser o seu dever. Assim, quando era preso pela PIDE e sujeito a torturas o seu dever era não falar, não denunciar. Portanto, em situações concretas, existem deveres (no plural) que são consequência de outros deveres. As causas provocam efeitos e os efeitos provocam novas causas. Toda a moral, qualquer que ela seja ou tivesse sido, é melhor explicada pelo método científico dialético. Com a dialética evitamos a forma metafísica de olhar as coisas. Isto é, o olhar unilateral, abstrato e não histórico.
IV. Na compreensão da conduta que age segundo valores morais, é necessário que quem queira compreendê-la, quem deseje ser compreensivo para com o outro, para quem queira auxiliá-lo a alterar a sua conduta, compreenda as condições concretas em que esse outro agiu e distinguir nesse comportamento o que é imoral do que é corrigível. Neste caso a compreensão pelas consequências das nossas condutas é porventura preferível sobre o imperativo categórico meramente abstrato e formal.
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