António Damásio: “Há uma grande distribuição de generosidade, paciência e calma nos portugueses”
O leitor tem mais em comum com uma bactéria do que aquilo que possa pensar. Na obra de António Damásio, a vida, com ou sem cérebro, ocupa o papel central. Em entrevista ao P2, o neurocientista fala sobre o que faz de nós humanos, a pandemia e de como precisamos de robôs vulneráveis.
Sentir & Saber – A Caminho da Consciência é o novo livro de António Damásio, um dos mais importantes neurocientistas do mundo. Nesta obra, edição Temas e Debates, com 48 breves capítulos, o director do Instituto do Cérebro e da Criatividade da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, salienta a importância do afecto na consciência dos seres humanos. Em conversa por videochamada com o P2, o cientista, com 76 anos, critica os políticos que manipulam a raiva e as redes sociais que danificam a cultura humana.
Sentir & Saber
é um livro mais pequeno do que o habitual para si. Trata da
consciência, um tema envolto em mistério. Porque escreveu um livro
pequeno sobre um tema tão grande?
Já tinha dito muitas
vezes: “Um dia, vou escrever um livro só com as ideias de que gosto.”
Comecei a pensar em fazer capítulos muito curtos e na ideia do espaço,
muito ligado também à estrutura de um livro de poesia: ter um texto que
ocupa apenas uma parte de uma página ou que acaba num espaço branco, o
que obriga o leitor a parar e a pensar. O objectivo principal é que as
ideias se imponham e se tornem mais transparentes.
A
neurociência ainda procura saber porque é que temos vida interior, uma
consciência de nós mesmos, e não somos apenas robôs de grande qualidade,
capazes de processar informação e reagir a estímulos. Fala-se no
“problema difícil da consciência”, atribuem-lhe mistério. Mas o
professor escreve que a consciência não é insolúvel e não é um problema
tão “difícil” assim.
Não há este “hard problem” de
que se fala e que certos filósofos têm pretendido vincar. E não há
porque a forma como corpo e sistema nervoso se inter-relacionam é muito
diferente daquilo que se espera. Não é de todo parecida com a forma como
o sistema nervoso se relaciona com o exterior. O chamado “mistério da
consciência” não é um mistério ligado ao sistema nervoso, mas sim um
problema ligado à interacção do sistema nervoso com o corpo.
Se ler descrições sobre o “hard problem”, encontra pessoas que dizem: “Como é possível que uma estrutura física como o cérebro dê origem ao espírito, à mente, que não é física?” Bem, esse é o problema: é que não é só o cérebro, não é só o sistema nervoso, é o sistema nervoso em interacção, é esse conjunto que serve de base à consciência. Isto não é só sobre o sistema nervoso, trata-se de uma parceria entre sistema nervoso e corpo.
E isso simplifica ou complica o nosso entendimento do que é consciência? De repente, está todo o corpo envolvido nela.
Por
um lado, clarifica porque diz: “É possível haver uma resposta, vamos
tentar uma nova abordagem do problema.” Por outro lado, claro que o
campo sobre o qual temos de trabalhar para criar todos os dados que
confirmem essa explicação é agora muito maior.
Há mais de 20 anos que o meu trabalho incide principalmente na ideia de que corpo e sistema nervoso não estão separados e que corpo e mente não estão separados. É a coisa mais importante do meu pensamento científico e filosófico.
Já
disse que o intestino terá sido o primeiro “cérebro” da história da
vida na Terra. No intestino sentimos, por exemplo, ansiedade.
As
provas são perfeitamente claras, é uma questão de pedir às pessoas para
reorientarem o seu pensamento. Podem até usar a psicologia do senso
comum, que às vezes se menospreza. Quando temos ansiedade, sentimo-la no
corpo — no coração que bate descontroladamente, na respiração, que se
torna difícil, no estômago ou no intestino. Todas as referências dos
sentimentos são feitas ao corpo. São elas a realidade daquilo que é
ansiedade ou, da mesma forma, o bem-estar.
Se assim é, porque é que insistimos em pôr tudo em gavetas: cognição vs. emoção e sentimentos?
Temos
a tendência de facilmente cair em simplificações. Quando os pensadores
começaram a olhar para os sentimentos, verificaram — e é verdade em
muitas circunstâncias — que podem levar a um mau caminho: se a pessoa
resolver um problema puramente de um modo afectivo, pode chegar à
conclusão errada. Daí a ideia de que excluir a emoção, contar apenas com
os factos e tentar ser puramente racional seria uma maneira melhor de
resolver a nossa ligação com as complexidades do mundo.
Não há nada no meu pensamento e na ciência que fazemos que seja contra a razão, pelo contrário. O que queremos é mostrar que a razão tem sempre de ser informada por aspectos afectivos. Se se excluir completamente o afecto, a razão fica desordenada.
É um processo integrado.
No livro, tenho quatro
grandes divisões: o ser, as representações que trazem a mente, depois o
afecto, depois a razão. Biologicamente, houve uma sequência: de seres
simples que nem sequer tinham emoções a seres mais complexos em que
aparecem as emoções e, depois, seres em que aparece a possibilidade dos
factos e da razão. Mas não é possível ter seres que têm unicamente razão
sem terem um aspecto subjacente, que é o dos afectos. Aquilo que faz
parte das nossas histórias individuais e o trajecto do ser humano e de
outros seres vivos no planeta aponta para que a emoção e o sentimento
tenham sido formas primárias de resolver problemas inteligentemente.
O que lhe ensinou esta pandemia sobre os seres humanos?
Estamos
defronte de uma doença séria. As pessoas não se aperceberam
imediatamente da gravidade do problema, que não é só das pessoas idosas.
Nunca pensei que na minha vida iria encontrar algo tão parecido com os
grandes problemas da II Guerra Mundial.
Sempre tive muito interesse por ler sobre a II Guerra e pensar no
horror daquele período, pensar que felizmente aquilo passou e que não
iríamos ter de viver qualquer coisa como este terror. A verdade é que
estamos a viver esse horror, não tão focado no cenário europeu (e com
horrores absolutamente incríveis), mas planetário.
A pandemia escancarou a nossa fragilidade. Mas também fomos capazes de fazer vacinas em menos de um ano.
Há
este paradoxo: somos de uma fragilidade incrível e nunca pensámos que
isto poderia acontecer, mas, ao mesmo tempo, temos uma capacidade de
resposta que vem do facto de que há ciência de ponta.
Disse,
em Agosto de 2019, antes de tudo isto começar, que os nossos
comportamentos poderiam levar a uma pandemia. Outros especialistas já
alertavam para isso. Mas o impacto da covid-19 foi uma surpresa para quase todos, não era algo que estivesse “no programa”.
Há
uma arrogância humana lamentável na forma como se menospreza o ambiente
e os seres não humanos. As pessoas têm um certo respeito pelos
pássaros, têm respeito pelos cães e pelos gatos, ou seja, têm respeito
pelas criaturas que lhes trazem alguma coisa, que funcionam como
companheiros.
E nas quais reconhecemos emoções.
Exacto.
As pessoas têm animais de estimação porque esses outros seres vivos
lhes dão qualquer coisa. É uma troca perfeitamente egoísta. As pessoas
não imaginam o que são as vidas de seres unicelulares, que estão vivos
tal como nós, e não se importam nada de os destruir quando eles muitas
vezes são extremamente positivos para nós. Por exemplo: todas as
bactérias que estão dentro do meu corpo e do seu neste momento a fazer
com que o nosso microbioma funcione. Se não estivessem lá, estaríamos em
muito mau estado. [As pessoas] não têm noção disso e não têm noção de
que alterações do clima
destroem espécies e a qualidade do ar. Há uma ignorância em relação ao
mundo. Estamos a ver uma espécie de acordar tardio para coisas que têm
importância e para as quais temos de prestar atenção.
Vemo-nos como seres excepcionais, à parte. Porém, a sua
ciência mostra que temos muito em comum com as bactérias, enquanto a
física, para dar outro exemplo, tem mostrado que somos “meras”
interacções de partículas. A ciência torna o ser humano mais humilde?
Absolutamente.
Uma ciência verdadeiramente humana pode fazer coisas magníficas. Pode
dar-nos uma ideia da nossa complexidade e da forma como ela faz parte da
complexidade muito maior do nosso ambiente. Dá-nos uma possibilidade de
descobrir aquilo que é melhor em nós e de ter uma acção positiva em
relação ao que está à nossa volta — por exemplo, em relação ao clima, à
biodiversidade ou a problemas políticos, como a pobreza. Se
compreendermos o que é um ser humano, devemos ter mais e mais falta de
tolerância para deixar outros seres humanos viverem em mau estado de
saúde, sem casa ou as protecções que nós, os mais privilegiados, temos.
Tudo caminha num sentido muito curioso: é uma espécie de realização, através da ciência, de bons sentimentos e bons desejos que normalmente eram trazidos unicamente pela religião. Era a religião que nos dava a direcção daquilo que é ser bom e decente, como ser humano em relação aos outros e ao mundo. A ciência não é, de forma alguma, oposta à religião, é uma nova forma de caminhar no sentido daquilo que as melhores religiões puderam trazer ao ser humano. Antes da ciência, realizava-se puramente pelo transcendente e por um desejo de ser melhor. Agora, com a ciência, podemos realizá-lo de formas mais práticas e directas.
Escreve
muito sobre a homeostasia, o processo de regulação pelo qual um
organismo mantém constante o seu equilíbrio e procura garantir a
sobrevivência. É já o desejo de ter uma vida boa, que está tanto nos
homens como nas bactérias?
É um desejo antes do desejo.
Gosta de frisar que as bactérias têm esse “desejo”, mesmo que
não o saibam. São inclusive seres sociais, mesmo que não tenham noção
disso.
Há todos estes processos estruturais que existem
desde que existe a vida (e possivelmente antecedem a existência da vida —
por exemplo, em processos de cooperação ao nível de partículas
físicas). A vida de bactérias que têm uma sociabilidade e se comportam
diferentemente conforme o ambiente é demonstração de que a vida, ela
própria, como fenómeno central, já contém, de forma relativamente
abstracta, os guias para o nosso comportamento. Aquilo que depois
conquistamos — e que é magnífico — começa com processos muito pouco
claros (as coisas estão contidas, escondidas), mas, à medida que somos
capazes de fazer representações do mundo exterior e do interior, as
coisas tornam-se mais claras.
E aí entra a mente.
A
nossa ascensão em direcção à mente é um processo extraordinário. Dá-nos
a capacidade de ir descobrir aquilo que está em nós próprios e à nossa
volta através de mapas e imagens que são representações. As bactérias e
grande parte dos seres vivos, mesmo os complexos, não podem fazer isso.
Para que seja possível fazer representações e chegar à mente, aos
sentimentos, à representação do que está à nossa volta, é preciso ter um
sistema nervoso.
A vida tem quatro mil milhões de anos, há 3500 milhões de anos que se passaram sem sistema nervoso. Quinhentos milhões de anos não são nada. E sobretudo sistemas nervosos como os nossos, com 100 milhões de anos, são uma coisa recente. Quando se pensa na trajectória da história, é um pequeno momento, mas é esse momento que nos dá o passaporte para a mente e para entrar naquilo que são as representações dos factos e as representações do estado do nosso interior, que são os sentimentos, que trazem o princípio da consciência. É isso que quero que as pessoas percebam e é por isso que o livro é mais pequeno.
Há um debate sobre uma suposta consciência das plantas, tese
de que discorda. Queremos meter a consciência em tudo? Não aceitamos
facilmente que há muitas manifestações da vida que a dispensam?
Projectamos
sobre todos os seres ideias sobre a forma como chegaram a certas
conclusões ou comportamentos. Quando vemos uma planta que se encolhe com
o frio, a planta pensou que se tinha de encolher, tal como nós? Não é
assim. Há uma série de processos que são automáticos e que têm que ver
com a homeostasia dentro daquele organismo. As coisas que fazem na
procura de água, a maneira como as raízes se distribuem na terra… Claro
que não há nenhum cérebro na planta a dizer “vai para a direita, é onde
está mais água”, mas há uma maneira de fazer esse primeiro nível do
detectar (sensing ou detecting, em inglês), que é muito diferente do sentimento.
O detectar simples é uma coisa que as plantas e as bactérias fazem. Nós também fazemos, mas grande parte daquilo que é importante que nós detectamos é acompanhada por um sentimento, por uma “cor”, positiva ou negativa, que é dada pelo afecto.
Há coisas que nos aproximam das bactérias e de outros seres
vivos, mas há outras que nos tornam diferentes. Como damos o salto? O
que faz de nós humanos?
Esse salto é dado pela quantidade de
conhecimentos que conseguimos apreender, manter e manipular. Há animais
que são de enorme perspicácia, inteligência motora, capacidade de
resolver problemas. Vemos isso nos símios, em elefantes, há um grande
número de espécies não humanas com consciência, com uma vida afectiva,
com uma vida social complexa e uma inteligência extraordinária. O que
falta é a quantidade de conhecimentos que os cérebros dessas criaturas
conseguem ter (em nós são quantidades absolutamente extraordinárias). E a
capacidade de manipular esses conhecimentos com várias abordagens, como
a matemática e a linguística.
Uma das coisas extraordinárias daquilo que se está a passar entre nós, para além da tecnologia que nos reúne, é o facto de estarmos a usar linguagem. Estou a falar numa colecção de símbolos, uma determinada língua entre centenas de línguas que poderia utilizar, e você está a receber essas frases e eu as suas. Depois, há linguagens, como a matemática, que permitem de uma forma mais abstracta manipular conhecimentos. E a possibilidade de imaginar novos conhecimentos porque podemos manipular tudo na nossa imaginação, que é uma coisa extraordinária: você agarra numa história, parte-a aos bocados, recombina os elementos e faz uma nova história. Veja o curioso que é que esse recombinar é exactamente o que a natureza tem estado a fazer com ácidos nucleicos, através de toda a sua evolução, com genes...
Sentir & Saber - A Caminho da Consciência
Autor: António Damásio
Editor: Temas e Debates
296 págs., 17,52€
O enorme edifício intelectual está ligado ao edifício afectivo antigo, que continua a dar-nos apontadores. Às vezes, está errado: o afecto pode confundir-nos.
E temos visto muitos políticos a
utilizar os afectos para manipular os cidadãos. A raiva, em particular,
parece ser um dos grandes trunfos na política contemporânea.
A
raiva e o medo são emoções e sentimentos de defesa. As pessoas acabam
por utilizá-los porque se sentem ameaçadas. São uma forma de se
defenderem quando não há uma possibilidade de resolver os problemas
inteligentemente. Se as pessoas sentem medo e são levadas a irritarem-se
e a terem zanga em relação a outros, isso é extremamente eficaz. Os
bons sentimentos acabam por ser destruídos. É mais fácil induzir raiva e
medo em pessoas que não tiveram acesso aos factos. Se, em vez de
mostrar os factos, mostrar só uma situação que possa espoletar a zanga,
abre um atalho: corta o processo normal, que seria ter os factos e
depois pensar sobre eles. Seria possível evitar a zanga porque haveria
outras soluções possíveis.
Vemos isso diariamente nas
redes sociais, que critica. No entanto, os utilizadores parecem hoje
mais conscientes dos seus problemas. Continua pessimista?
Acho
que há uma melhoria. Vai ser muito difícil ter um grande efeito porque
há um aspecto de dependência que vem do nosso desejo de informação.
O fear of missing out, o medo de ficar de fora, de perder algo.
Lembro-me de achar que o Twitter era bom para ter certas informações. Agora, não vejo o Twitter, só e-mail, that's it!
O que me faz ser um pouco mais optimista é que há mais e mais pessoas
que estão a verificar que é preciso responder com firmeza. Se não, vamos
ser destruídos. Completamente. A cultura vai ser subserviente de um
tipo de informações e um tipo de isolamento de opiniões extremamente
graves. E há mais e mais pessoas que estão a perceber isso.
Que estão a ser manipuladas?
Perfeitamente.
Nos últimos anos, as políticas de identidade ganharam força. O que explica a força da ideia de identidade?
Há
certas ideias que são atractivas porque há uma resposta afectiva muito
positiva. A ideia de identidade (em relação a uma raça, a um grupo de
pessoas, a uma identidade sexual) tem muito significado e peso afectivo
porque as pessoas não se sentem todas iguais. Se me disserem: “Você é
português, Portugal é um país pequeno, não tem importância nenhuma”, eu
fico furioso. Porquê? Há qualquer coisa que tem que ver com o sítio em
que nós nascemos que forma uma parte da nossa identidade, que tem que
ver com a língua, os pais, as famílias, os sítios com que nos
relacionamos. São coisas extremamente ligadas àquilo que é a nossa
pessoa e, por isso, um ataque a essas coisas é como se fosse um ataque
físico ao nosso corpo. É daí que vem o enorme poder do aspecto
identitário e a enorme gravidade que é explorá-lo. Está-se a atirar
pessoas contra elas mesmas: às vezes, há um grupo ao nível de uma
identidade, mas os políticos espertos conseguem partir essa identidade
ao nível do sítio onde estão nos Estados Unidos.
Também assistimos a uma polarização política e identitária em
Portugal, nomeadamente com a ascensão da extrema-direita através do
Chega. Como vê isto a partir dos EUA?
Tenho um conhecimento remoto, que vem de ler o PÚBLICO e o Expresso.
Portugal é um sítio muito curioso, parece-me sempre melhor do que
outros… É um país extraordinário e muito mais equilibrado. Talvez por
isso tenha menos capacidade de resolver problemas, talvez porque há uma
grande distribuição de generosidade, paciência e calma nas pessoas, que
resulta da nossa própria história. Essas coisas que descreve
encontram-se noutros países de uma forma mais vincada, com muito mais
riscos, mas [em Portugal] é um espelho. As coisas parecem-me, de um modo
geral, melhores.
No novo livro, escreve também sobre a inteligência artificial (IA). Não a teme.
Grande
parte da IA é muito estúpida [risos]. O mais curioso na IA é que é
muito limitada por aspectos cognitivos. É pensar a inteligência apenas
com o aspecto mais moderno (o cognitivo) e não com os aspectos
fundamentais que vêm do afecto. Ora, a inteligência dos seres vivos
começou com aspectos que têm que ver com a regulação da vida. Uma vez
que houve sistema nervoso, [a inteligência] passou a ser ligada pelos
sentimentos e pela consciência. E só na parte final passou a ser uma
inteligência dos factos, que tem que ver com olhar para o mundo e,
através da visão, da audição e do tacto, descrevê-lo. Em vez de olhar
para a nossa trajectória biológica, a IA foi directamente ao fim. E
assim conseguiu uma coisa magnífica, que é ter uma inteligência rápida,
que resolve uma quantidade de problemas, mas que, muitas vezes, os
resolve de uma forma não particularmente inteligente e não condutiva ao
ser humano que precisa de afecto e carinho.
O que estamos a propor é que se faça uma nova espécie de IA que tenha em conta o afecto e que vem das chamadas soft robotics (matérias que podem ser modificadas, que se podem premer ou mudar com o frio e o calor). É uma forma de dar uma resposta do tipo que nós temos quando o nosso corpo responde a boa ou má temperatura, a calorias suficientes ou insuficientes. É uma nova linha de máquinas artificiais que julgo ter imenso futuro.
O que trariam essas máquinas de bom ao ser humano?
A
vulnerabilidade. A IA é um aspecto extremo da inteligência em que não
há praticamente vulnerabilidade. E nós, seres humanos, estamos no meio:
temos certas vulnerabilidades e certas capacidades. Para um robô se
relacionar consigo ou comigo, é preciso que tenha qualquer coisa de um
ser humano médio. Você não pode estar um dia inteiro sem beber água, vai
ficar desidratado. Essas vulnerabilidades vêm do facto de que a vida
não é um algoritmo fixo, mas uma constante adaptação a condições
biológicas. Trazer vulnerabilidades para a robótica é uma maneira de a
aproximar de nós. O problema da IA e a sua limitação é ser invulnerável.
Essas máquinas conseguiriam resolver problemas que hoje não conseguem?
Exacto. Falta-lhes o factor das nossas limitações.
É das limitações que surge a criatividade?
Absolutamente. A IA corrente dá-nos soluções para problemas que nós definimos. É muito mais difícil encontrar os problemas.
Os
humanos são geniais quando desafiam o pensamento estabelecido. Como
Einstein, que viu na gravidade um efeito de um espaço-tempo curvo.
Temos de pensar fora da caixa e para o fazer não podemos ser perfeitos.
E, por vezes, falhar espalhafatosamente.
Falhar é uma grande maneira de depois não falhar.
Jornal Público
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