Estranhas palavras- 2
KITSCH
Palavra estrangeira que se aportuguesou (já aparece escrita com “e” no final). Usual nos textos e conversas de eruditos, de críticos de artes, de artistas críticos de outros artistas, de fazedores de opinião ou de gosto, nos programas sobre artes que não existem nas televisões lusitanas, ou quase, como adjetivo pejorativo, desqualificativo, raramente como elogio . Na pintura, música, arquitetura. Associa-se ao objeto barato, obra de segunda mão, artesanato turístico, produtos em-série, lojas de antiguidades decorativas, “estilo” (entre comas) assumido na arquitetura, ou envergonhado, por quem já viu tudo ou não sabe nada. Afinal, já tudo se inventou e, pior ainda, se reinventou. Algo assim declamaram furiosamente modernistas e. muito depois, os nossos pós-modernistas. Nem sempre com intenções de subversão política, ou sim, mas para trás julgando que era para a frente. Diz-se de um objecto kitsch que é uma cópia, até pode ser boa, mas logo um preço a ele se aplica, e o que era “vulgar”, emerge como valioso, disputado com histeria por novas elites que desprezam as velhas. Sobrepõe-se o valor de mercado, em dinheiro, ao valor estético (segundo cânones que evoluem por sua vez : ocidentais? Eurocêntricos?). Contudo, ninguém arrisca apelidar de kitsch as “Meninas” de Picasso ou Dalí , menos de plágio!, recriando, deformando-reformando, as “Meninas” do clássico e inimitável Velázquez...
Kitsch é, assim, também, ou sempre, um retorno, uma repetição, uma homenagem ao “clássico” que alcançou a imortalidade e fez escola, do qual toda a cópia é plágio. Kitsch foi inicialmente a música do último Mahler que rompe com o romantismo, ou o próprio romantismo de compositores do século vinte? Ou apenas kitsch é a música sentimentalona, a manipular a emoção fácil de lágrima-no-olho (pseudo-arte que Brecht detestava), mera superfície sem profundidade, novela mexicana, esquemática, gorda de clichés? O objeto para ser kitsch necessita de um contexto, é o público que a designa ou o crítico-galerista-curador?
Atualmente é o “meio” (medium: por exemplo plataformas híbridas ) que é a cultura. A manipulação dos materiais (nomeadamente audio-visuais, virtuais, digitais, em algumas artes “performativas”). Abominam a “mensagem”, somente vale a técnica, o “conceito”. Onde fica o potencial subversivo de uma obra? No individualismo agressivo, por veves proto-fascista, ou no “manto diáfano da fantasia”? Porque não é kitsch a pintura de Paula Rego, e é kitsch determinada arquitetura decorativa que é um mix (mistura de estilos)?
Kitsch como expressão do esvaziamento de significados. Arte mercantil que vale não pelo seu valor de uso (emoção, crítica, gozo), mas pelo seu valor de troca, de prestígio de uma classe. Da “cultura industrial”. Cultura das “classes médias” que, apesar de tudo, puderam consumir. Consumir, eis o sentido da existência! Alguns lucram e muito. Cultura de “massas” ou “democratização da cultura”?
----------NOZES PIRES----07/07/2023