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terça-feira, 31 de outubro de 2023

Bricabraque

 

ESTRANHAS PALAVRAS-1-Bricabraque

 

Uma coluna mensal sobre estranhas palavras.

Talvez se hajam entranhado, não sei.

Tal somente o Poeta o conseguiu com a Coca-cola.

Pela boca fala o homem, é sabido. E morre o peixe.

Coitadinho, mas comemo-lo.

Bricabraque por exemplo. Francesa, não se escuta no fado

Que é português de origem dizem alguns sábios.

Nós, os aposentados, é o que fabricamos para adiar a morte : bricabraques.

Artes amadoras, como uma cadeira, um armário, um quadro.

Nos tempos de antigamente vendiam-se nos “mercados de pulgas”

(também à francesa!), Feiras da Ladra (em português vernáculo!). Porquê da “Ladra”?

Roupa velha, sabia-se lá que corpo sofrido suportara! Mas comprava-se

Que o porta-moedas só tostões continha. Quem se lembra?

Bricabraque. Um candeeiro de “pitrol”, uma santinha de loiça,

Umas tesouras horrendas para aparar as unhas dos pés...

E muitas coisas inúteis que a arraia miúda regateava pelo preço justo.

Na velha casa da minha avô havia um sótão e estava repleto

De coisas inúteis. Eu tinha pena delas. Fazia-lhes companhia.

Que saudade do sotão da minha avó!

......Nozes Pires.....03/06/2023

 

Estranhas Palavras-2- Kitsch

 

Estranhas palavras- 2

KITSCH

 

Palavra estrangeira que se aportuguesou (já aparece escrita com “e” no final). Usual nos textos e conversas de eruditos, de críticos de artes, de artistas críticos de outros artistas, de fazedores de opinião ou de gosto, nos programas sobre artes que não existem nas televisões lusitanas, ou quase, como adjetivo pejorativo, desqualificativo, raramente como elogio . Na pintura, música, arquitetura. Associa-se ao objeto barato, obra de segunda mão, artesanato turístico, produtos em-série, lojas de antiguidades decorativas, “estilo” (entre comas) assumido na arquitetura, ou envergonhado, por quem já viu tudo ou não sabe nada. Afinal, já tudo se inventou e, pior ainda, se reinventou. Algo assim declamaram furiosamente modernistas e. muito depois, os nossos pós-modernistas. Nem sempre com intenções de subversão política, ou sim, mas para trás julgando que era para a frente. Diz-se de um objecto kitsch que é uma cópia, até pode ser boa, mas logo um preço a ele se aplica, e o que era “vulgar”, emerge como valioso, disputado com histeria por novas elites que desprezam as velhas. Sobrepõe-se o valor de mercado, em dinheiro, ao valor estético (segundo cânones que evoluem por sua vez : ocidentais? Eurocêntricos?). Contudo, ninguém arrisca apelidar de kitsch as “Meninas” de Picasso ou Dalí , menos de plágio!, recriando, deformando-reformando, as “Meninas” do clássico e inimitável Velázquez...

 Kitsch é, assim, também, ou sempre, um retorno, uma repetição, uma homenagem ao “clássico” que alcançou a imortalidade e fez escola, do qual toda a cópia é plágio. Kitsch foi inicialmente a música do último Mahler que rompe com o romantismo, ou o próprio romantismo de compositores do século vinte? Ou apenas kitsch é a música sentimentalona, a manipular a emoção fácil de lágrima-no-olho (pseudo-arte que Brecht detestava), mera superfície sem profundidade, novela mexicana, esquemática, gorda de clichés? O objeto para ser kitsch necessita de um contexto, é o público que a designa ou o crítico-galerista-curador?

Atualmente é o “meio” (medium: por exemplo plataformas híbridas ) que é a cultura. A manipulação dos materiais (nomeadamente audio-visuais, virtuais, digitais, em algumas artes “performativas”). Abominam a “mensagem”, somente vale a técnica, o “conceito”. Onde fica o potencial subversivo de uma obra? No individualismo agressivo, por veves proto-fascista, ou no “manto diáfano da fantasia”? Porque não é kitsch a pintura de Paula Rego, e é kitsch determinada arquitetura decorativa que é um mix (mistura de estilos)?

   Kitsch como expressão do esvaziamento de significados. Arte mercantil que vale não pelo seu valor de uso (emoção, crítica, gozo), mas pelo seu valor de troca, de prestígio de uma classe. Da “cultura industrial”. Cultura das “classes médias” que, apesar de tudo, puderam consumir. Consumir, eis o sentido da existência! Alguns lucram e muito. Cultura de “massas” ou “democratização da cultura”?

 

 ----------NOZES PIRES----07/07/2023

 

Estranhas palavras- Utopias e distopias

 

ESTRANHAS PALAVRAS-3-

AS DISTOPIAS

 

Thomas More inaugurou a expressão “UTOPIA” em 1516 com o seu celebérrimo livrinho homónimo. U-topos, não-lugar, lugar puramente imaginário e tudo o que lá se passaria. As distopias expressam o contrário : não é o bom que reina , mas o mau que virá. Nas narrativas utópicas (novelas, doutrinas) parte-se dos males presentes para uma sociedade alternativa completamente oposta (perfeita ou progressivamente muito melhor). Por vezes apresentam-se como o  puro otimismo, ou esperança salvífica que pode surgir do mal absoluto (o Fim do Mundo), sendo este até, em certas narrativas, absolutamente necessário para que brote o Bem absoluto (eterno) ; ou nas narrativas utópicas mais reconhecidas (em T. More, Campanella, Cabet, etc.) imagina-se uma alternativa aos males do presente sem necessidade de um “Juízo Final”. Ora, nas distopias ficcionadas, o futuro é tão feio e mau que angustia o leitor ou espectador, sendo que o que virá é a soma das consequências das realidades do que é ; o presente contém já a tendência, possibilidade, senão mesmo inevitabilidade desse futuro. A meu ver a primeira ficção distópica foi escrita por Mary Shelley (1797-1851), “Frankenstein”, na qual avisa da ameaça das tecnologias; em seguida, relevo a novela “A Máquina do Tempo”, do famoso escritor britânico H. G. Wells (1895), pioneiro da literatura de ficção científica (FC), género que recebeu um impulso na década de cinquenta do século passado com o horror do holocausto nuclear e vem alcançando novamente sucessivos sucessos no cinema norte-americano. A distopia, na forma de novelas, não começou com “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro”, de George Orwell (1949), como se diz, livro que tem sido largamente utilizado como arma ideológica.

   Não cabe aqui exemplificar as distopias com a multiplicidade de livros (alguns já nobelizados ou que o mereciam) publicados seja em coleções de FC ( Philip K. Dick) seja como literatura do primeiro género (A Estrada, de Cornac McCarty), desde a segunda metade do século vinte, com temas distópicos.

  Karl Marx não foi um utopista, como sabem todos os que o leram realmente. As utopias socialistas da sua época (muito populares em França no século dezoito, do Iluminismo e da Revolução Francesa, transbordando para a primeira metade do século posterior, algumas das quais foram experimentadas) foram criticadas por esse pensador, não pela imaginação livre que a literatura se permite, mas pelos efeitos políticos mais negativos que positivos e pela sua conceção de que utopia significa mesmo “o impossível”. Evidentemente que distópicos também não são os seus textos, muito embora a sociedade capitalista tivesse sido por ele escalpelizada em “O Capital” em todos seus malefícios arreigados nas suas estruturas económicas e sociais (culturais, políticas, psicológicas). E não podem sê-lo porque os seus estudos científicos haviam sido precisamente dedicados à finalidade de demonstrar que o capitalismo criara “ o seu coveiro”. As classes sociais dos trabalhadores, os povos grosso modo, aproveitarão os progressos que eles mesmos, no capitalismo, criaram em condições de submissão assalariada, para planificarem a produção e associarem-se pelas formas que entenderem.

  Como a sua influência tem sido imensa, escritores (e cineastas) inspirados pelas suas teses, têm investigados a vida nas sociedades contemporâneas à luz dos conceitos negativos de “Alienação” ou “Estranhamento”, “Feiticismo da Mercadoria”, e outros, para se compreender sentires objetivos e coletivos de infelicidade e doença mental, de “consumismo”, de “submissão voluntária” , “autofagia do capitalismo”, dominação da natureza. Assiste-se a uma notória prevalecência do pessimismo na cultura norte-americana (as distopias!) que, sendo ainda hegemónica, é transmitida aos europeus. A meu ver, dos terríevis males a que assistimos, emergem respostas que prefiguram uma nova época. Será isto expressão (outra estranha palavra!) da DIALÉTICA?

  ..........NOZES PIRES----01/10/2023

   

   

   

 

Viagem à Polónia

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Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.