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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Entrevista

Entrevista com István Mészáros




Europa tornou-se sistema de partido único

Cláudia Antunes*

15.Jun.11 :: Outros autoresA actual crise do capitalismo enterrou os resquícios de diferença entre social-democratas e conservadores na Europa. Vale para o continente a frase que o escritor Gore Vidal cunhou para caracterizar os EUA: é um sistema de um só partido com duas alas direitistas.

 
FOLHA - A resposta dos social-democratas à crise foi voltar às ideias de John Maynard Keynes sobre intervenção estatal, enquanto governos de esquerda na América Latina reforçaram o papel do Estado no desenvolvimento. Eles estão certos?

ISTVÁN MÉSZÁROS - Governos social-democratas sempre tentam voltar a Keynes para solucionar o que acreditam ser crises financeiras. Isso pode trazer alívio temporário, mas não uma solução real. Isso porque as chamadas crises financeiras são também sociais, com extensas ramificações, especialmente sob as actuais condições de desenvolvimento socioeconómico global.

Nas últimas décadas nós assistimos a uma significativa –e também perigosa– virada em favor do domínio económico-financeiro, como uma alternativa em última instância inalcançável ao desenvolvimento produtivo, muitas vezes com consequências incontroláveis ou até mesmo fraudulentas, mesmo quando sancionadas pelo Estado. Em muitos países o resultado foi e continua sendo a falência maciça, seguida de resgates feitos pelo Estado, que mergulha mais e mais no chamado “endividamento soberano”.

Na Europa três países estão obviamente falidos –Grécia, Irlanda e Portugal–, enquanto vários outros, incluindo economias maiores como a Itália e o Reino Unido, não estão muito longe disso. É verdade que “Estados soberanos” podem intervir para se proteger, por meio do agravamento de seu próprio endividamento. Mas também há um limite para isso, e ir além pode gerar problemas ainda piores. A dura verdade é que agora nós ultrapassamos as mais optimistas recomendações keynesianas: em vários países o volume de dívida insustentável chegou aos trilhões de dólares.

FOLHA - Como o sr. interpreta o predomínio de governos de direita hoje na Europa, incluindo uma forma bem extremada na Hungria?

MÉSZÁROS - Esses problemas são em grande medida cíclicos, e no próximo ciclo os governos podem ir para a outra direcção. Mas o aspecto mais importante dessa questão é o tipo de desenvolvimento político-institucional a que estamos assistindo nas últimas duas décadas ou mais. O escritor americano Gore Vidal o caracterizou bem quando disse que nos Estados Unidos temos “um sistema de partido único com duas alas direitistas”. O mesmo é verdade na maioria dos países europeus. É suficiente lembrar que tanto na França quanto na Itália os antigos partidos comunistas se transformaram em forças políticas muito difíceis de distinguir de seus oponentes neoliberais.

Claro que na Hungria a mudança no Parlamento assumiu uma forma chocante [dois terços das cadeiras estão na mão do ultraconservador Fidesz]. No entanto, é necessário lembrar que o partido que o antecedeu por oito longos anos no governo [nominalmente social-democrata] esteve muito longe de ser um partido de esquerda, com sua devoção a impor aos trabalhadores as políticas neoliberais mais dolorosas, disseminando o ressentimento e a alienação.

Se quisermos superar a paralisia do “sistema de partido único com duas alas direitistas”, é preciso mudar o processo de tomada de decisões políticas. Na Grécia e na Espanha, por exemplo, temos supostamente governos “socialistas”, mas nada que devamos comemorar. E na Inglaterra, na próxima eleição, devemos ver o retorno de outro governo “socialista”. À luz da experiência passada, quem seria corajoso o suficiente para sustentar que um governo do “Novo Trabalhismo” representaria mais do que uma mudança cosmética?

FOLHA - O sr. está optimista com as últimas manifestações populares na Espanha e na Grécia?

MÉSZÁROS - A palavra optimista não cabe muito bem. Não penso nesses termos porque sei que muita coisa pode dar errado e, como resultado, muitas vezes os mais vulneráveis e fracos têm que arcar com o maior peso. No entanto, estou certamente esperançoso, e reconheço que é preciso encontrar esperança, do contrário seria apenas um “pensamento positivo” que se extinguiria numa ilusão derrotista.

De fato, há uma boa base para estar convencido de que nem a Grécia nem a Espanha podem se conformar com os requerimentos prescritos a elas pelo sistema bancário internacional. Também nesse aspecto há um limite. É de fato muito irónico que nesses dois países a tarefa de impor um arrocho cada vez maior aos trabalhadores tenha sido passada a um governo “socialista” e assumida por ele.

Inevitavelmente, essa circunstância carrega com ela um processo de aprendizado penoso e o necessário reexame das respostas institucionais tradicionais dadas à pergunta “o que fazer?”. Seria ingénuo pensar que esse aprendizado pudesse trazer resultados rápidos. No entanto, a dimensão positiva de tudo isso é que grupos cada vez maiores de trabalhadores se vêem diante do desafio inevitável de reavaliar tantos as formas de tomada de decisão com que se acostumaram no passado quanto as respostas a ela. Seria arrogante presumir que nada de significativo possa emergir desse processo.



FOLHA - Qual será sua principal mensagem aos universitários que o ouvirão no Brasil?

MÉSZÁROS - Em certo sentido é muito simples. Quero chamar sua atenção para a natureza da crise de nosso tempo e a necessidade de lidar com ela o mais rápido possível. Porque o que devemos encarar não é a crise cíclica tradicional do capitalismo, que vai e vem em intervalos regulares, mas algo radicalmente diferente. É a crise estrutural global do sistema do capital em sua integralidade, que não pode ser conceituada nos termos habituais da “longa onda descendente” (downturn) seguida da confortadora “longa onda ascendente” (upturn), dentro de um período de mais ou menos cinco décadas. Há muito tempo essa caracterização perdeu credibilidade e não há nenhum sinal da fictícia “longa onda ascendente”.

A razão pela qual é importante reposicionar nossa atenção nessa direcção é porque uma crise estrutural requer remédios estruturais radicais para sua solução. O que está em jogo é muito grande porque nossa crise estrutural está se tornando mais profunda, em vez de diminuir. A crise financeira global a que fomos submetidos nos últimos anos é um aspecto importante disso, mas só um aspecto. Não há lugar para a auto complacência quando trilhões de dólares jogados fora mal puderam arranhar a superfície do problema real.



FOLHA - O sr. previu uma confrontação entre os EUA e a China. Também sugeriu que a China não pode ser classificada como um país capitalista. Ainda pensa assim?

MÉSZÁROS - Sim, nos dois casos, mesmo se desde que eu escrevi isso, há 12 anos, muitas coisas mudaram e devem continuar mudando. O principal ponto é a diferença dramática no nível de desenvolvimento económico dos dois países, com sinais de conflitos de interesse significativos decorrentes desse fato surgindo em partes diferentes do planeta, incluindo a África e a América Latina.

Considerar a China simplesmente como um país capitalista é simplista demais. O facto é que alguns sectores vitais da economia, especialmente na produção de energia e na extracção de material estratégico, estão em grande medida sob o controle do sector estatal. Além disso, e isso é um fato de importância seminal, o sector bancário e o câmbio - questão muito debatida e ressentida pelos EUA - estão sob controlo estatal completo. Tente convencer as empresas capitalistas e o sistema bancário nos EUA a imitar isso.

Conflitos de interesse nessas linhas podem não apenas se intensificar como se tornar não administráveis, ao ponto da explosão. Mas claro que seria loucura pensar nisso em termos de fatalidade. No entanto, muitos problemas herdados do passado terão que ser confrontados no tempo certo para resolver as contradições subjacentes.

FOLHA - O sr. disse uma vez que “revoluções reverberam por séculos, até que suas causas profundas sejam resolvidas”. O sr. vê alguma reverberação de revoluções passadas nas revoltas que ocorrem nos países árabes?

MÉSZÁROS - Sem dúvida podemos ouvir potentes reverberações, ao lado dos temas prementes às populações dos países em questão. É quase impensável que o chamado “Estado pós-colonial” de dominação e dependência da segunda metade do século 20 pudesse ser mantido permanentemente nesses países. E claro que estamos muito longe do fim desse processo doloroso.

Também não podemos nos esquecer que a grande maioria das pessoas nos países afitados tem o problema básico de se alimentar, problema que está se agravando com o aumento do preço dos alimentos em todo o mundo.

Além disso, quando o presidente Obama (ou os redactores de seus discursos) fala das virtudes da “democracia”, eles falham em reconhecer que o governo criminalmente repressivo do presidente egípcio Hosni Mubarak, que deve ser julgado em Agosto, esteve em total subserviência em relação aos EUA por três décadas. Isso sem mencionar a ausência total de qualquer referência crítica à Arábia Saudita, que é feudal, mas lucrativa militarmente.

As reverberações que ouvimos devem continuar e se tornar mais altas, porque têm uma base causal e uma realidade irreprimível.

*entrevista em http://www.folha.uol.com.br/

in ODiário.info

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