A Natureza do Reformismo Social-Democrata
(A Social-Democracia Sem Amparo)
Ernest Mandel
21 de Setembro de 1993
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Título original: Nature du réformisme social-démocrate. La social-démocratie désemparée.
Fonte: Ernest Mandel Archives Internet (Avec le soutien de la Formation Leon Lesoil, 20, rue Plantin, B-1070 Bruxelles, Belgique.)
Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez. Novembro, 2009.
HTML: Fernando A. S. Araújo
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A social-democracia gera a longa depressão num clima de dinheiro fácil
A social-democracia foi, de alguma maneira, a herdeira da vaga de contestação revolucionária de 1968-1975. Como esta não tendeu para a vitória, uma parte substancial das massas reocuparam as suas esperanças de mudança radical por esperanças nas reformas. A social-democracia ofereceu-se para as prometer. Em Espanha, pôde oferecer a perspectiva duma liquidação pacífica da ditadura. A maioria dos antigos «esquerdistas» aprovaram e interiorizaram esta escolha. Juntaram-se à movimentação social-democrata.
Os partidos socialistas puderam, desde logo, ostentar toda a sua ambição de parecer os melhores gestores da economia (entendamos: capitalista) e do Estado (entendamos: burguês), na medida em que eles ficaram no governo durante períodos prolongados.
Mas para a sua infelicidade, o período depois de 1975 foi o duma «onda longa depressiva» da economia capitalista internacional(12). Fechados na sua vontade de gerir a economia de maneira puramente «técnica», os líderes socialistas abordaram a depressão sem qualquer projecto económico de conjunto, fundamentalmente diferente do que tinha o Grande Capital. Durante tempo bastante, obstinaram-se por outro lado a negar a depressão ou a minimizar a sua amplidão. Tudo isto empurrou-os a endossar a política de austeridade proposta pola burguesia. Nos países onde estavam no poder, começaram às vezes eles mesmos a tomar a iniciativa para a pôr em marcha. As consequências foram graves para as massas laboriosas. Em Espanha foram desastrosas. Sob o governo de Felipe Gonzalez, este país conheceu a taxa de desemprego mais elevada de toda a Europa.
A participação governamental de duração prolongada depois de 1975, foi efectuada polos partidos socialistas num clima económico marcado, pola longa depressão, por uma persistência do hiperliquidado. A economia capitalista continuou a ser caracterizada por uma taxa de endividamento crescente. A massa total dos capitais flutuantes atingiu uma amplitude colossal. Tornou-se largamente incontrolada e incontrolável.(13)
As mudanças sócio-económicas consideráveis derivam disto. Uma mentalidade de enriquecer rapidamente se espalhou em importantes sectores da grande e média burguesia. O aparecimento da camada dos «yuppies» exprime-o em parte. Créditos à vontade, projectos assombrosos financiados com o dinheiro dos outros, tráficos de influência e agiotismos generalizados escorrem deste clima. Nos partidos socialistas, a ideia prevaleceu: Já que toda a gente o faz, porque é que não o poderemos fazer nós também?
Uma segunda muda de composição social favoreceu esta degradação dos costumes no seio da social-democracia. Atraídos pola longa participação governamental dos partidos socialistas, uma série de capitalistas, sobretudo os médios, começaram a penetrar nos PS. A sua maneira de agir foi substancialmente diferente dos tecnocratas. Lançaram-se, por vezes, nas operações de especulação de grande envergadura, esperando ser apoiados polo poder. Théret, na França, amigo de Mitterrand, Maxwell, na Grã-Bretanha, amigo de Harold Wilson, são típicos casos disso.
No princípio, a corrupção individual dos dirigentes socialistas não resulta dessas práticas. Agiam essencialmente tendo em vista financiar as campanhas eleitorais e o aparelho do partido. A redução dramática dos efectivos acrescentou a pressão nesse sentido. Mas numa sociedade onde, mais do que nunca, o dinheiro é rei, a tentação de se adoçar a si mesmo é muito grande. Alguns dirigentes escaparam-se bem e sucumbiram. O caso mais típico é o do chefe do PS italiano, antigo primeiro-ministro, Bettino Craxi.(14)
Os novos quadros sociais-democratas do tipo funcionários têm dado origem a líderes tecnocratas frios e autoritários, onde Jacques Delors e Craxi são os representantes típicos. Os novos quadros de origem «yuppie» caracterizam-se por costumes patuscos e de esbanjamento dos dinheiros públicos. Jacques Attali e a sua gestão da Banca encarregada dos créditos polos países do Leste é aqui o símbolo perfeito.
Uns e outros são indiferentes quanto aos efeitos do seu comportamento sobre as massas e o eleitorado. A experiência tem demonstrado que pesadamente enganaram-se a este propósito. É um desprezo pola inteligência das massas, não totalmente diferente do que caracterizou a burocracia estaliniana(15). As massas sentem o instinto, como ressentem profundamente a escalada de corrupção que se tem instalado no seio dos partidos socialistas.
O resultado é dramático: um desprezo crescente polos lideres destes partidos em numerosos países; um desprezo crescente polos «homens políticos» em geral. Estes fenómenos agravam no imediato as tendências para a despolitização. Arriscam criar um boião de cultura para extrema-direita. As reacções das massas diante da corrupção que se tem instalado em numerosos partidos socialistas são plenamente justificadas. Embora é preciso lembrar sem cessar que os partidos pequeno-burgueses, sem falar das ditaduras fascistas e militares, são ainda mais corrompidos. É preciso sobretudo relembrar que o Grande Capital é corruptor e que os corruptores são mais culpados que os corrompidos.
Mas as reacções das massas são, antes de tudo, determinadas polos efeitos da política social-democrata sobre as suas condições de existência. A sua preocupação principal é a do desemprego, tal como o medo do desemprego. A prioridade principal nestas condições é a duma luita eficaz por uma redução da duração da jornada de trabalho sem redução do salário semanal: semana de 35 horas mesmo de 32 horas. A recusa dos sociais-democratas de se engajarem nesta via é sem dúvida a causa fundamental da sua falência política, a causa fundamental do seu declínio na Europa(16).
A debilidade da contra-cultura operária
Os efeitos da despolitização promovida pola social-democracia têm sido poderosamente reforçados pola debilidade da contra-cultura obreira no decorrer das últimas décadas. O brusco desaparecimento do jornal do PS austríaco Arbeiterzeitung, durante muito tempo um dos melhores jornais socialistas na Europa, quase dia por dia um século depois da sua fundação, é uma expressão simbólica.
Uma das conquistas principais do movimento operário de massa, em primeiro lugar da social-democracia tradicional e, depois, dos partidos comunistas de massa, fora a organização duma rede de instituições que imunizaram uma fracção importante da classe do(a)s assalariado(a)s contra a influência predominante da ideologia burguesa, ideologia inevitavelmente dominante no seio da sociedade burguesa.
A imprensa, os folhetos e os livros socialistas (mais tarde socialistas e comunistas) jogaram o papel principal a este respeito. Mas ao papel da imprensa, é preciso juntar o das instituições culturais como os grupos teatrais, os corais, as fanfarras adultas e jovens, os grupos desportivos, etc. Elas desenvolveram no seio das massas laboriosas as necessidades que a sociedade burguesa sufocara. No seu livro Introdução à Economia Política (Einführung in die Nationalökonomie), Rosa Luxemburgo justamente tinha insistido sobre este verdadeiro papel civilizador do movimento operário organizado [Introduction à l'economie politique, com introdução de Ernest Mandel, Anthropos, Paris 1970, ndr].
Os diques assim construídos contra o oceano da ideologia burguesa eram sem dúvida frágeis. As ideias difundidas pola imprensa e as publicações socialistas eram as mais das vezes duma vulgarização elementar. O conhecimento do marxismo era limitado. A ideologia social-democrata acarretava a influência e preconceitos pequeno-burgueses (pense-se nos preconceitos acerca das mulheres e das concepções sexuais). Mais tarde, a imprensa, publicações e instituições estalinianas e post-estalinianas fizeram o mesmo. Ainda assim, o efeito do conjunto limitou consideravelmente a influência ideológica directa da burguesia no seio do proletariado. O desenvolvimento da consciência de classe, da independência política da classe, da solidariedade obreira, foi poderosamente estimulada.
A desintegração progressiva destas redes de contra-cultura operária poderosamente contribuiu, do mesmo modo, para enfraquecer a politização da classe obreira e para restringir as formas das reacções colectivas de classe. A sua interacção com as novas consequências da prática social-democrata é evidente. Esta regressão tem uma base objectiva: a reprivatização dos lazeres das massas tem jogado um papel preponderante. As redes da vida colectiva, de igual maneira, distenderam-se. Menos vida colectiva conduziu a menos consciência colectiva. Menos consciência colectiva desemboca em menos resistência contra a ideologia burguesa.
Não é necessário generalizar de maneira abusiva esta regressão. Importantes centros de vida colectiva subsistem, antes de tudo, no seio das empresas e dos sindicatos. A pressão dos interesses imediatos é em definitivo maior que a das mistificações ideológicas. A amplitude das reacções de massa testemunham-no.
Por outra via, é possível reconstituir as redes de contra-cultura. Os grupos cristãos de base apareceram consideravelmente numa série de países: na Europa sobretudo ancorados na solidariedade com o «Terceiro-Mundo», nestes mesmos países do «Terceiro-Mundo», sobretudo em torno das necessidades imediatas dos pobres. A problemática ecológica, feminista, anti-racista, anti-fascista, a luta contra a marginalização, presta-se hoje numa série de países da Europa.
Mas o que continua verdade, é que os partidos sociais-democratas não são mais os centros organizadores deste renascimento possível e necessário da contra-cultura obreira e popular. Ela efectuar-se-á essencialmente fora deles.
1 comentário:
Esclarecedor!
Boa semana, apesar dos pesares.
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