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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Opinião 11

Reflexão sobre um vil atentado

O assassinato de 12 pessoas nas instalações do semanário humorístico CHARLIE é de uma crueldade acima de qualquer justificação. Trata-se de um atentado à liberdade de expressão, essa liberdade tão pouco protegida e tão perseguida no século vinte e neste e por isso admirável quanto representada na figura de grandes fotógrafos, jornalistas, cartoonistas, desde a Guerra Civil de Espanha em 1939 até aos nossos conturbados dias. Essa liberdade diminuída na ex-União Soviética e países satélites, mas também nos países ditos "livres" onde a imprensa e as televisões são controladas pelos administradores e accionistas. Essa liberdade desaparecida no Paquistão, na Arábia Saudita e, de modo geral, por todo o Médio Oriente.
 Cartoonistas do CHARLIE fizeram publicar num jornal dinamarquês há anos atrás desenhos satirizando o profeta Maomé; o acto provocatório gratuito ofendeu todos os crentes muçulmanos, qualquer que fosse a filiação religiosa; as consequências previsíveis tornaram-se inevitáveis com a insistência no tema. Actos que não podendo nem devendo ser proibidos têm, porém, efeitos na política, sobretudo quando esta se mistura com o fanatismo religioso.
O século XVIII conheceu uma proliferação de livros e panfletos contra a religião católica e não foi mansa a repressão dos poderes monárquicos e clericais. Nesse contexto foram-se firmando os valores modernos das liberdades. Foi preciso mais um século para que a Igreja cristã, católica ou luterana, aprendesse a conviver com a liberdade de crítica e de expressão, mesmo assim com graves recuos como se verificou com o colaboracionismo do Vaticano com os nazis e o anti-semitismo.
A guerra das religiões reacendeu-se passando da Europa dos séculos XVI e XVII para o Médio Oriente e o Ocidente. A sua base, porém, é económica, social, política e cultural. Sem se explicar estes factores e a sua articulação, não se compreende o fanatismo muitas vezes assassino de jovens europeus. Esquecer, ou ignorar com sectarismo estúpido, o papel dos imperialismos, e da CIA em particular, nas guerras do Iraque, Síria e Afeganistão, é alimentar ódios.
Somos todos CHARLIE hoje, que não haja dúvidas. Contudo, nem todos agiríamos do mesmo modo que se agiu em determinadas circunstâncias. Nesta altura (nem talvez nunca) o profeta Maomé não é o culpado do terrorismo árabe, tal como o profeta Jesus não o foi nas sanguinárias guerras económico-religiosas europeias.

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