Entrevista com György Lukács por Perry Anderson
Nesta
entrevista concedida ao historiador Perry Anderson, publicada na revista
New Left Review em 1971, ano de sua morte, György Lukács fala sobre sua
visão da trajetória do pensamento de esquerda e da sua própria
trajetória política e de pensamento.
Perry Anderson:
Os eventos recentes na Europa colocaram novamente o problema da relação
entre socialismo e democracia. Quais são, em sua opinião, as diferenças
fundamentais entre democracia burguesa e a democracia socialista
revolucionária?
György Lukács: A
democracia burguesa foi estabelecida com a Constituição Francesa de
1793, sua maior e mais radical expressão. Seu ativo constituinte é a
divisão do homem no cytoain da vida pública e no bourgeois da
vida privada, o primeiro com direitos políticos universais, de acordo
com a expressão de diferentes interesses econômicos particulares. A
divisão é fundamental para a democracia burguesa que historicamente
determinou o fenômeno. Sua reflexão filosófica é encontrada em Sade. É
interessantes que escritores como Adorno tenham lidado com Sade como um
reflexo da Constituição de 1793. A ideia chave, tanto para uma reflexão
como para outra, é que o homem é objeto para o homem e a racionalidade
egoísta é a essência da sociedade humana. Agora, e óbvio que qualquer
tentativa de recriar no socialismo que historicamente excedeu esta forma
de democracia é uma regressão e um anacronismo. Isto não quer dizer,
contudo, que as aspirações a uma democracia socialista devem ser
endereçadas em uma ótica administrativa. O problema da democracia
socialista é um problema real que ainda não foi resolvido, como deve
ser: material e idealmente. Deixe-me dar um exemplo. Guevara foi um
homem como uma representação heroica dos ideais Jacobinos. Seus ideais
impregnaram sua vida e a modelaram totalmente. Ele não foi o primeiro
caso dentro do movimento revolucionário. Levine na Alemanha ou Otto
Korvin aqui na Hungria viveram e agiram da mesma maneira. Nós devemos
ter um grande respeito por nobreza humana deste tipo. Mas o idealismo
deles não é socialismo do dia a dia, o qual deve ter uma base material e
baseado na construção de uma nova economia. Mas eu devo adiantar que o
desenvolvimento econômico por si só nunca produzirá socialismo. A
doutrina de Khrushchev, para a qual o socialismo triunfaria globalmente
quando os padrões de vida da URRS ultrapassassem aqueles dos EU, estava
completamente enganada. O problema deveria ser colocado em um lugar
radicalmente oposto. Você pode formular-se assim: O socialismo é o
primeiro treinamento na história econômica que não produz
espontaneamente o seu “homem econômico” correspondente. Isto é porque é
um treinamento de transição, um interlúdio de transição do capitalismo
para o comunismo. Agora, como uma economia socialista não produz e
reproduz espontaneamente o homem correspondente a ela, como a sociedade
capitalista gera seu homo economicus, que é a divisão citoyen/bourgeois
de 1793 e de Sade, a principal função da democracia socialista é a
educação dos seus membros para o socialismo. Esta função não tem
precedente similar na democracia burguesa. Claramente, o que hoje seria
necessário é reviver os sovietes, o sistema de democracia socialista que
surge sempre que você tem uma revolução proletária: a Comuna de Paris
em 1871, a Revolução Russa de 1905 e assim como a Revolução de Outubro.
Mas pode acontecer do dia pra noite… O problema é que os trabalhadores
aqui são indiferentes: inicialmente eles não acreditam em nada.
Uma
problema a esse respeito concerne à emergência histórica de mudanças
necessárias. No debate filosófico recente aqui temos tido muita
discussão sobre a continuidade e descontinuidade na história. E tenho
definitivamente me expressado pela descontinuidade. Você já conhece a
tese conservadora de De Toqcqueville e Taine segundo os quais a
Revolução Francesa de maneira alguma foi uma mudança na história
francesa, porque deu continuidade à tradição de Estados franceses
centralizados, a qual foi dominante sob o “antigo regime”
com Luis XIV e foi acentuado por Napoleão e em seguida pelo Segundo
Império. Esta visão da história, dentro do movimento revolucionário, foi
decisivamente rejeitada por Lenin. Ele nunca apresentou qualquer
mudança fundamental e novos inícios como uma simples continuação de
tendências e antigos progressos. Por exemplo, quando ele anunciou a nova
política econômica, nunca alegou que este era o desenvolvimento ou a
coroação da guerra comunista. Lenin deixou claro que a economia de
guerra comunista era um erro, contudo, compreensível dadas as
circunstâncias do momento e que a NEP era uma correção daquele erro e
uma nova correção de curso. Este método leninista foi abandonado pelo
stalinismo, o qual sempre tentou apresentar mudanças políticas – até
mesmo as mais importantes – como a consequência lógica de melhoramentos
da linha precedente. Stalinismo é toda a história do socialismo como um
contínuo e ordenado desenvolvimento; nunca admitindo descontinuidade.
Hoje, este problema é vital como nunca, especialmente para endereçar a
sobrevivência do stalinismo. A continuidade com o passado deve ser
enfatizada dentro da perspectiva de melhoramentos ou, do contrário, o
caminho do progresso deve consistir em um ruptura profunda com o
stalinismo? Eu acredito que a ruptura completa é necessária. Para o
problema da descontinuidade na história, para mim, parece importante.
PA:
Aplica-se este ponto de vista também para seu o desenvolvimento
filosófico? Como julgar seus escritos dos anos vinte? Eles se relacionam
com seu trabalho hoje?
GL: Nos
anos vinte, Korsch, Gramsci e eu tentamos, cada um à sua maneira, lidar
com o problema da necessidade social e sua interpretação mecanicista, o
legado da Segunda Internacional. Nós legamos o problema, mas nenhum de
nós – nem mesmo Gramsci, que era, talvez, o melhor entre nós, conseguiu
resolvê-la. Nós estávamos errados e seria um erro hoje nos alçar a
reviver os trabalhos daquela época como se fossem válidos hoje. No
ocidente existe uma tendência a erigir uma “heresia clássica”, mas nós
não precisamos hoje. Os anos vinte são uma era pretérita; o que nos
concerne são os problemas dos anos sessenta. Eu estou trabalhando em uma
ontologia do ser social que, eu espero , resolverá o problema que eu
enfrentei de maneira errada no meu trabalho preliminar, especialmente em
História e Consciência de Classe. Meu
novo trabalho foca na relação entre liberdade e necessidade, ou, como
eu me expresso, entre casualidade e teleologia. Tradicionalmente,
filósofos tem sempre baseado seus sistemas em um ou outro dos dois
polos; ou tem negado a necessidade ou a liberdade humana. Minha intenção
é de apresentar a inter-relação ontológica dos dois termos, e rejeitar o
ultimato – ao qual filósofos tem recorrido para representar o homem. O
conceito de trabalho é a pedra angular da minha análise, porque o
trabalho não é biologicamente determinado. Se um leão ataca um antílope,
seu comportamento é determinado por uma necessidade biológica e apenas
por isso. Mas o homem primitivo está em frente a uma pilha de pedras,
ele precisa escolher entre uma dela, tendo como critério qual será mais
adequada para ser usada como ferramenta; ele escolhe entre alternativas.
O termo alternativas é fundamental para o conceito de trabalho humano, o
qual é, então, sempre teleológico – ele emprega propósito, o qual é
resultado de uma escolha. Desta maneira expressa-se a liberdade humana.
Mas a liberdade existe apenas objetiva e fisicamente, nas forças
motrizes que obedecem as leis da causalidade do universo material. A
teleologia do trabalho é então sempre coordenada com a causalidade
física, e de fato, o resultado de qualquer outro trabalho individual é
um tempo da causalidade física para a posição teleológica (Setzung)
do que qualquer outra individual. Fé na teleologia da natureza é
teologia, e fé em uma teleologia na história é infundada. Mas existe uma
teleologia em cada trabalho humano, intrinsecamente inserida na
causalidade do mundo físico. Esta posição, que é o núcleo do qual se
desenvolve meu trabalho atual, excede a oposição clássica entre
necessidade e liberdade. Mas eu quero enfatizar que não estou tentando
construir um sistema compreensivo. O título do meu trabalho – que já
está pronto, apesar de eu estar revisando o primeiro capítulo – é para uma ontologia do ser social e não A ontologia do ser social.
Perceba a diferença. A tarefa na qual eles estão envolvidos vai
requerer um esforço coletivo de muitos pensadores para seu real
desenvolvimento. Mas eu espero que isto mostre os fundações ontológicas
do socialismo da vida cotidiana que eu mencionei antes.
PA: A
Inglaterra é o único grande país europeu sem uma tradição filosófica
marxista nativa. Você tem escrito extensivamente sobre um dos momentos
da sua história cultural, o trabalho de Walter Scott; mas como você vê o
desenvolvimento amplo da história política e intelectual britânica e
suas relações com a cultura europeia do Iluminismo?
GL: A
história britânica tem sido vítima do que Marx chamou de
desenvolvimento desigual. O radicalismo da revolução de Cromwell e então
a revolução de 1688, e seu sucesso em assegurar relações capitalistas
entre cidade e país, tornou-se uma razão de atraso na Inglaterra. Eu
penso que a sua revista tem sublinhado bastante a importância histórica
da agricultura capitalista na Inglaterra e seus consequências paradoxais
para o desenvolvimento inglês subsequente. Isto pode ser visto
claramente em um desenvolvimento cultural inglês. O domínio do empirismo
como uma ideologia da burguesia nasceu depois de 1688, mas alcançou
extraordinário poder posteriormente, mudando a história da filosofia e
da arte anteriores. Peque Bacon, por exemplo, Ele foi um grande
balizador, muito mais que Locke, que mais tarde deu à burguesia o que
importa. Mas sua importância foi completamente apagada do empirismo
inglês, e hoje se você quer estudar o que Bacon foi para o empirismo ,
você deve antes estudar o que o empirismo
incluiu de Bacon, o que é sensivelmente diferente. Marx foi um grande
admirador de Bacon, como é sabido. A mesma coisa aconteceu com outro
grande pensador inglês, Mandeville. Ele foi o sucessor de Hobber, mas a
burguesia inglesa negligenciou isto totalmente. Ao invés disso
descobriu que Marx o cita em Teorias do Mais-Valor.
Esta cultura inglesa radical do passado foi obscurecida e ignorada. No
seu lugar, Eliot e outros preferiram preferiram e exageraram a
importância atribuída aos poetas metafísicos – Women, etc. – os quais
são muito menos importantes para o desenvolvimento e a história da
cultura humana. Outro episódio detector é o destina de Scott. Eu escrevi
sobre a importância de Scott no meu livro O romance histórico,
você notará que é o primeiro novelista que entendeu que o homem é
modificado pela história. Esta foi uma descoberta extraordinária e foi
imediatamente perseguida por grandes escritores europeus tais como
Pushkin na Russia, Manzoni na Itália e Balzac na França. Todos
perceberam a importância de Scott e aprenderam com ele. O curioso,
contudo, é que na Inglaterra Scott não tem seguidores. Foi muito pouco
entendido e foi esquecido. Esta tem, portanto, sido uma fratura em todo
o desenvolvimento da cultura inglesa, a qual é muito visível nos
escritores radicais subsequentes como Shaw. Shaw não tem raízes na
cultura inglesa do passado, porque a cultura inglesa do século dezenove
foi amputada da sua história radical precedente. Esta é a grande
fraqueza de Shaw.
Hoje,
intelectuais britânicos não apenas tem de importar de importar do
marxismo exterior, mas eles tem de construir uma nova história da sua
cultura: esta é uma tarefa essencial que apenas eles podem realizar. Eu
escrevi para Scott, e Ágnes Heller sobre Shakespeare, mas são os
britânicos que essencialmente tem de descobrir a Inglaterra. Até mesmo
na Hungria tem circulados vários boatos sobre nosso “caráter nacional”,
como vocês na Inglaterra. A verdadeira história sobre a sua cultura
destruirá estas interpretações enganosas. O que talvez seja ajudado pela
profundidade da crise econômica e financeira inglesa, produzida por um
desenvolvimento desigual que eu mencionei antes. Wilson é
indubitavelmente um dos mais astutos políticos oportunistas burgueses,
ainda assim seu governo tem sido um total e desastroso fracasso. Este
também é um sinal da profundidade da crise e inextricabilidade inglesa.
PA: Como você vê hoje seus primeiros trabalhos e critica literária, especialmente Teoria do romance? Qual foi sua relevância histórica?
GL: Teoria do romance
foi a expressão do meu desespero durante a primeira guerra mundial.
Quando a guerra estourou, eu disse que Alemanha e Austria-Hungria
teriam provavelmente derrotado a Rússia e destruído o czarismo, o que
seria bom. França e Inglaterra teriam provavelmente derrotado Alemanhã e
Áustria-Hungria e derrotado os Hohenzollern e os Habsburg, o que seria
bom. Mas quem defenderia a cultura inglesa e francesa? Meu desespero
não encontrou resposta para esta questão, e este era o pano de fundo da Teoria do Romance.
Naturalmente outubro deu uma resposta. A revolução russa foi a resposta
mundial-histórica para o dilema: prevenir o triunfo da burguesia
francesa e inglesa, o que eu temia. Mas eu devo dizer que Teoria do romance,
com todas suas falhas, ele previu o colapso de uma cultura que
analisou. Ele entendeu a necessidade de uma mudança revolucionária.
PA: Na
época você era você era amigo de Max Weber. Como julgá-lo agora? O
colega dele, Sombart, eventualmente virou um nazista; as crenças de
Weber, caso ele tivesse vivido, teriam feito ele se reconciliar com o
Nacional Socialismo?
GL: Não,
nunca. Deve-se entender que Weber foi uma pessoa absolutamente honesta.
Ele tinha grande desprezo pelo imperador, por exemplo. Nós
frequentemente dizíamos, em particular, que o grande azar da Alemanha
era que, diferentemente dos Stuart ou os Bourbons, nenhum dos
Hohenzollern foi decapitado. Pode imaginar o quão incomum era um
professor alemão dizer coisas assim em 1912. Weber foi bastante
diferente de Sombart; ele não fez concessões ao antissemitismo, por
exemplo. Deixe-me lhe contar uma história típica do Weber. Uma
Universidade alemã pediu para ele que enviasse recomendações para
contratação de professores naquela Universidade – estávamos com um outro
compromisso próximo. Weber disse, dando três nomes em ordem de mérito.
Então ele acrescentou, cada uma das três indicações seria uma excelente
escolha – são todos excelentes; mas vocês não escolherão nenhum deles,
porque eles são todos judeus. Então eu acrescento uma lista de outros
três nomes, nenhum sendo tão bom quanto os outros que mencionei e não há
dúvida que você escolherá um deles, porque eles não são judeus.
Mas apesar
disso, você deve lembrar que Weber foi um firme imperialista, cujo
imperialismo era baseado somente na sua crença de acordo com a qual um
imperialismo eficiente era necessário e que somente o liberalismo
poderia assegurar tal eficiência. Ele era inimigo jurado da revolução de
outubro e novembro. Era um acadêmico extraordinário assim como um
profundo reacionário. O irracionalismo que começa com Schelling e
Schopenhauer tem nele uma das suas maiores expressões.
PA: Como você reagiu à conversão dele em direção à Revolução de Outubro?
GL: Acho
que ele falou que “para Lukács a mudança deveria ter sido uma profunda
transformação de crenças e ideias, enquanto Toller apenas confunde
sentimentos”. Mas eu não tive mais contato com ele desde então.
PA: Depois
da guerra, você tomou parte na municipalidade húngara como comissário
para a educação. Qual é a possível avaliação da experiência da cidade
hoje, cinquenta anos depois?
GL: A
causa essencial da comuna foi a “Nota Vyx” e a política da Entente
dirigida à Hungria. Nesse sentido, a municipalidade é comparável À
Revolução Russa, onde a questão da guerra foi um peso decisivo no
estouro da Revolução de Outubro. Uma vez entrega a Nota Vyx, sua
consequência foi a municipalidade. Os social democratas mais tarde nos
atacaram pela criação da municipalidade, mas no momento, depois da
guerra, não havia chance de manter-se dentro do confinamento do esquema
da política burguesa; aquela explosão foi necessária.
PA: Depois
da derrota da Comuna, você foi delegado do Terceiro Congresso do
Comintern em Moscou. Você encontrou líderes bolcheviques? Que impressão
teve?
GL: Veja,
você tem que entender que eu era um pequeno membro de uma pequena
delegação; eu não era nenhuma figura importante naquele momento, e claro
que tive longas conversas com líderes do partido russo. Mesmo assim, eu
fui apresentado a Lenin por Lunacharsky. Fascinou-me completamente. Eu
também pude vê-lo trabalhando na comissão do congresso, claro. Eu devo
dizer que achei obnóxios outros líderes bolcheviques. Trotsky de começo
eu não gostei de; eu achei ele um poseur.
Existe uma passagem nas memórias de Gorky sobre Lenin, encontrando-o
após a revolução, reconheceu resultados organizacionais durante a Guerra
Civil, diz que Trotsky tem algo de Lassalle. Zinoviev, cujo papel no
Comintern eu fui conhecer mais tarde, foi apenas um manipulador
político. Minha opinião sobre Bukharin pode ser lida no meu artigo de
1925, a cerca do seu marxismo crítico – naquela época era, depois de
Stalin, as perguntas teóricas das autoridades russas. Nem mesmo Stalin
pode lembrar – como muitos outros comunistas estrangeiros eu não tinha
ideia da sua importância para o partido russo. Eu conversei com Radek
por um tempo. Ele me contou que o que eu havia escrito sobre as ações de
março foi a melhor coisa que havia sido escrita sobre e aprovava
totalmente. Depois, claro, mudou de ideia quando o partido condenou a
ação de março e então me condenou em público. Diferentemente dos todos
os outros, Lenin me causou um forte impressão.
PA: Qual foi sua reação quando Lenin atacou seu artigo sobre a questão do parlamentarismo?
GL: Meu artigo estava completamente errado e eu desisti da minha tese sem hesitação. Mas eu devo acrescentar que eu li Esquerdismo: a doença infantil do comunismo de
Lenin antes da crítica dele ao meu artigo e eu me tornei convicto das
suas posições sobre o problema da participação parlamentar já lá: tanto
que a minha critica ao meu artigo não mudou com o tempo. Eu sabia que
estava errado. Lembro o que Lenin disse naquele trabalho, nomeadamente
que a burguesia parlamentar era completamente desmantelada no sentido da
história do mundo com o nascimento dos órgãos revolucionários do poder
proletário, sovietes, mas que isso não significava de maneira alguma que
houve um consenso político imediato, porque as massas do ocidente ainda
não confiavam nos sovietes. Então os comunistas tiveram de trabalhar
tanto dentro como fora dos parlamentos.
PA: Em
1928-29 você propôs o conceito de ditadura democrática dos
trabalhadores e camponeses como um objetivo estratégico do Partido
Húngaro daquele momento, a famosa “Teses de Blum”
para o terceiro congresso do PCU. As teses foram rejeitadas como
oportunistas e você foi expulso do comitê central. Como vocês as julga
agora?
GL: As Teses de Blum
foram minha retaguarda contra o sectarismo do “Terceiro Período”, que
alega serem gêmeos democracia e fascismo. Esta linha foi um completo
desastre, como você sabem o slogan “classe contra classe” e a
expectativa do imediato estabelecimento da ditadura do proletariado.
Restaurando e adaptando o slogan de Lenin de 1905 – ditadura democrática
dos trabalhadores e camponeses – eu tentei achar um ponto de apoio na
linha do Sexto Congresso do Comintern, através do qual eu pudesse trazer
o partido Húngaro para uma política realista. Eu não tive sucesso. As
Teses de Blum foram condenadas pelo partido, e Béla Kun e sua facção
arranjaram minha expulsão do Comitê Central. Eu estava completamente
sozinho no partido; deve imaginar que não consegui convencer nem mesmo
aqueles dentro do partido que compartilhavam minha posição na batalha
contra o sectarismo de Kun. Então eu fiz uma autocrítica das teses. Isto
foi absolutamente cínico: eu fui forçado pelas circunstâncias do
momento. Eu não mudei de opinião e em verdade eu ainda acho que eu
estava certo lá. O período de 1945-48 na Hungria foi a realização
concreta da ditadura democrática dos trabalhadores e camponeses que
apoiaram em 1929. Depois de 1948, é evidente, o stalinismo criou algo
bastante diferente, mas esta é outra história.
PA: Quais eram suas relações com Brecht no anos trinta e depois da guerra? Como você classificaria a figura dele?
GL: Brecth era um verdadeiro grande poeta, e suas últimas peças – Mãe Coragem, A Boa Pessoa de Szechwan e outras – são excelentes. Evidente, a teoria estética e dramática dele eram bastante confusas e erradas. Eu expliquei isto em O significado corrente do realismo crítico.
Mas elas não mudam a qualidade dos seus trabalhos posteriores. Em
1930-31 eu estava em Berlim e trabalhei na União dos Escritores. Na
época – metade dos anos trinta, pra ser mais exato – Brecht escreveu um
artigo contra mim, em defesa do expressionismo. Mas mais tarde, quando
eu estava em Moscou, Brecht veio me visitar na sua jornada da
Escandinávia para os Estados Unidos – viajou pela União Soviética
naquela viagem – e disse: Existem algumas pessoas que estão tentando me
colocar contra você, e algumas que estão tentando colocar você contra
mim. Vamos fazer um acordo de não nos imiscuir na querela de outros. Por
essa razão nós sempre tivemos boas relações, e depois da guerra eu ia
para Berlim – frequentemente – e sempre encontrava Brecht, nós tínhamos
longas conversas juntos. Eventualmente nossas posições eram bastante
próximas. Você sabe, eu fui convidado pela esposa dele para falar no
funeral dele. Uma coisa que eu me arrependo é de não ter escrito um
ensaio sobre Brecht nos anos quarenta. Eu sempre tive grande respeito
por Brecht. Ele era bastante inteligente e tinha uma grande senso de
realidade. No que era realmente bastante diferente de Korsh, que sabia
bem, é claro. Quando Korsh saiu do partido alemão, cortou todos os laços
com o socialismo. Eu sei porque nunca foi possível colaborar no
trabalho da União do Escritores na luta antifascista em Berlim no
momento – o partido não permitiria isso. Brecht era bastante diferente.
Ele sabia que nada poderia ser feito sem a União Soviética, a qual ele
permaneceu leal por toda a vida.
PA: Você
conheceu Walter Benjamin? Acredita que, se ele tivesse sobrevivido, ele
teria tendido a um comprometimento revolucionário com o marxismo?
GL: Não,
por um motivo ou outro eu nunca conheci Benjamin. Adorno, contudo eu
conheci em Frankfurt em 1930 quando eu estava indo para a União
Soviética. Benjamin era extremamente dotado, e penetrou fundo em muitos
problemas novos. Ele os explorou de muitos jeitos, mas nunca os
encerrava. Eu acredito que seu desenvolvimento, caso ele tivesse
sobrevivido, teria sido bastante incerto, apesar da sua amizade com
Brecht. Você tem de lembrar que aqueles eram tempo difíceis – os
expurgos dos anos trinta e depois a Guerra Fria. Adorno naquele clima se
tornou o expoente do “conformismo inconformado”.
PA: Depois da vitória do fascismo na Alemanha, você trabalhou no instituto Marx-Lenin na Rússia com Ryazanov. O que você fez lá?
GL: Quando
eu estava em Mouscou em 1930 Ryazanov me mostrou os manuscritos que
Marx escreveu em 1844 em Paris. Você pode imaginar minha empolgação: ler
aqueles manuscritos mudou totalmente minha relação com o marxismo e
transformou minhas perspectivas filosóficas. Um acadêmico alemão da
União Soviética estava trabalhando nos manuscritos, arranjando para sua
publicação. Os ratos haviam atacado os manuscritos e haviam várias
partes nas quais letras e até palavras estavam faltando. Graças ao meu
conhecimento filosófico, trabalhando com ele, estabelecendo quais eram
as letras e as palavras que estavam faltando: frequentemente haviam
palavras que começavam, digamos, com “g” e terminavam com “s” e ninguém
sabia o que havia no meio. Acho que a elaboração que eventualmente saiu
era bastante boa – posso dizer isso porque eu colaborei com a edição.
Ryazanov era responsável por esse trabalho e era um ótimo filólogo, não
um teórico, mas um grande filólogo. Após a sua remoção, o trabalho no
instituto também desapareceu. Eu lembro de ele ter me dito que haviam
dez volumes dos manuscritos de Marx para O Capital
que nuca haviam sido publicados.; Engels, com certeza na sua introdução
ao segundo e terceiro volumes disse que eram apenas uma seleção de
manuscritos sobre os quais Marx estava trabalhando. Ryazanov organizou a
publicação deste material. Mas até agora ainda não apareceu nada.
No início
dos anos trinta, é evidente que haviam debates filosóficos na URSS, mas
eu compareci neles. Houve um debate no qual o trabalho de Deborin foi
criticado, então eu pensei, corretamente, que o propósito daquele
criticismo eram apenas para impor a preeminência de Stalin como um
filósofo.
PA: Contudo, você participou de debates literários dos anos trinta na União Soviética.
GL: Eu colaborei com a revista Literaturnyj Kritik
por seis ou sete anos e trouxe para frente uma luta consistente contra o
dogmatismo daqueles anos. Fadeeyev e outros lutaram e ganharam a RAPP
na Rússia, mas só porque Averbakh e outros na RAPP eram trotskistas.
Depois da vitória deles, eles começaram de desenvolver a forma deles de
“rappismo”. Literaturnyj Kritik
tem sempre resistido tem sempre resistido a esta tendência. Eu escrevi
muitos artigos para a revista, cada um dos quais tem duas ou três
citações de Stalin – o que era uma necessidade intransponível na Rússia
no momento – e cada uma das quais era direcionada contra a concepção
stalinista de literatura. Seus conteúdos eram sempre dirigidos contra o
dogmatismo de Stalin.
PA: Por
dez anos vocês foi bastante ativo politicamente, de 1919 a 1929 , então
abandonou toda atividade política direta. Esta é uma enorme mudança
para qualquer marxista convicto. Foi limitado (ou talvez liberto) pela
súbita mudança na sua carreira em 1930? Como se liga essa parte da sua
vida com a sua juventude? Quais eram suas influências então?
GL: Eu
não tenho arrependimentos sobre o fim da minha carreira política. Veja
você, eu estava completamente convencido de estar certo nas discussões
do partido em 1928-29, nada me fazia mudar de ideia; contudo, eu falhava
em convencer o partido da qualidade das minhas ideias. Então eu pensei,
apesar de estar com a razão, eu havia sido totalmente derrotado, isso
significa que eu não tenho nenhuma habilidade política. Então eu
facilmente desisti da prática política, eu decidi que não estava
absolutamente preparado. Minha expulsão do Comitê Central do partido
húngaro alterou minha crença de que mesmo com a desastrosa e sectarista
política do terceiro período, você poderia lutar contra o fascismo
dentro das fileiras do movimento comunista. Eu nunca mudei de ideia
quanto a isso. Eu sempre pensei que a pior forma de socialismo era
melhor do que a melhor forma de capitalismo.
Mais
tarde, minha participação no governo Nagy de 1956 não contradisse minha
resignação com a atividade política. Não compartilhei a abordagem
política geral de Nagy, e quando as pessoas jovens tentaram nos
reconciliar assim como antes de outubro, eu respondia: “A distância
entre mim e Imre Nagy não é maior do que a distância entre Imre Nagy e
mim”. Quando eu fui convidado para ser o Ministro da Cultura em outubro
de 1956, isso foi uma questão moral pra mim, não uma questão política, e
eu não podia recusar. Quando fomos presos e trancafiados na Romênia, os
companheiros dos partidos húngaro e romeno vieram e pediram pra que eu
expressasse minha opinião sobre as políticas de Nagy, já sabendo dos
meus desacordos com elas. Eu falei pra eles: “Quando eu for um homem
livre nas ruas de Budapeste e ele também, então eu ficarei feliz em dar
minha opinião para vocês sobre ele de uma maneira franca e relaxada. Mas
enquanto estivermos permanecermos aprisionados, minha única relação com
ele é de solidariedade”.
Você me
perguntou onde estavam meus sentimentos quando eu abandonei a minha
carreira política. Eu devi dizer que talvez eu não seja um homem
verdadeiramente contemporâneo. Eu posso dizer que nunca experimentei
nenhum tipo de complexo ou frustração na minha vida. Então o que isso
quer dizer? Eu conheço a literatura do século vinte, e eu li Freud. Mas
eu nunca experimentei pessoalmente. Sempre quando eu costumava cometer
erros ou tomar direções falsas, eu sempre estive disposto a reconhecer
isto, não me custou muito, então pego outros caminhos. Quando eu tinha
15 ou 16 anos eu escrevi romances à maneira de Ibsen e Hauptmann. Quando
eu tinha 18 eu os li e os achei desesperançosamente feios. Eu decidi
então que jamais seria um escritor e queimei aquelas peças. Não tenho
arrependimentos. Aquelas primeiras experiências foram uteis para mim
mais tarde, como um crítico; sempre que dizia de um texto que eu queria
escrever, então eu percebia que essa era a prova conclusiva da sua
feiura, era um critério bastante confiável. Esta foi minha primeira
experiência literária. Minhas primeiras influências políticas foram
lendo Marx enquanto estudante, e então, a mais importante de todas, a
leitura do grande poeta húngaro: Ady. Eu era um menino bastante isolado
entre meus contemporâneos, e ler Ady teve um grande impacto em mim. Ele
era um revolucionário animado por Hegel, apesar de ele nunca ter
aceitado aquele aspecto de Hegel que eu também, desde o começo, sempre
recusei: sua Versöhnung mit der Wirklichkeit –
que é a reconciliação coma realidade dada. É uma grande fraqueza da
cultura inglesa o fato de não haver qualquer familiaridade com Hegel.
Até agora tenho mantido minha admiração por ele, e acho que o trabalho
que Marx começou – a “materialização” da filosofia de Hegel – deve ser
perseguida até mesmo além de Marx. Eu tentei em algumas passagens da
minha iminente ontologia. Quando tudo estiver dito e feito, haverão
apenas três grandes pensadores no ocidente, incomparáveis com todos os
outros: Aristóteles, Hegel e Marx.
in LavraPalavra.blogspot.com
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