A verdade sobre o milagre de Fátima
Transcrevo
este texto com a primeira intenção de o registar no ciberespaço como
documento histórico, na certeza de que não será fácil aos investigadores
ter outros acessos ao mesmo.
Trata-se dum
testemunho de Artur de Oliveira Santos, Administrador do Concelho de
Ourém à época das aparições e, nessa condição, protagonista da história
de Fátima. Nele o autor manifesta sentir-se injustiçado e ferido na sua
honra pela personagem que a partir do seu nome foi criada para fantasiar
a história de Fátima.
Depois do Relatório que dirigiu ao Governo Civil de Santarém em
1924, Artur de Oliveira Santos teve um percurso que passou pela prisão,
pelo exílio em Espanha, durante a Guerra Civil, e só depois, quando
regressado a Portugal, terá sentido mais intensamente a história que se
estava a construir e que o apontava como o ator que tinha o papel de
“mau da fita”.
Terá sido
esse facto que o levou a redigir este texto que veio parar à minhas mãos
pela mão de pessoa amiga, amiga de Artur de Oliveira Santos, que com
ele privou e com a família. Porventura, como forma de reconhecimento à
abordagem que aqui tem sido feita a propósito da questão de Fátima,
entregou-me fotocópia dum texto dactilografado pelo autor que, segundo
pensa, terá sido publicado no jornal “A República” de 20/07/1951, na
forma que aqui se deixa ou eventualmente noutra, fruto de correções
posteriores que o ofendido tenha entendido, por bem, fazer.
A VERDADE SOBRE O MILAGRE DE FÁTIMA
Há um facto,
que tanto e tão injustamente tem sido tratado, para pretenderem ferir a
honra de um homem cujo defeito, para determinadas pessoas, é o de não
servir nem prestar-se a ser instrumento das mais asquerosas mentiras, e
que vem agora à superfície. A Deus o que é de Deus, a César o que é de
César.
Em 13 de
Agosto de 1917 fui a Aljustrel, um lugar a poucos quilómetros da
freguesia de Fátima, com o objectivo de acabar com uma especulação que
em volta do chamado milagre de Fátima se estava realizando. Ao tempo a
Igreja não tinha intervenção no assunto. Acompanhado do Oficial da
Administração do Concelho, Cândido Jorge Alho e de João Lopes, condutor
de uma charrete puxada por um cavalo, seguimos para a referida povoação,
onde habitavam o Francisco e a Jacinta, além de Lúcia dos Santos. Ali
se encontravam seminaristas e padres, e um destes, que disse chamar-se
João, do Concelho de Porto de Mós, interrogou a meu pedido as
criancinhas.
A Lúcia
dizia ter-lhe aparecido a Santa na Cova de Iria, o Francisco e a Jacinta
limitaram-se a dizer que a Lúcia é que sabia, eles não tinham visto
nada, O pai de Lúcia, o Abóbora por alcunha, dizia que a filha era uma
intrujona. Os pais do Francisco e da Jacinta conservavam-se em dúvida.
Consegui que os pais das crianças e o padre João, sem ameaças de nenhuma
espécie, antes tratados com toda a benovolência, me acompanhassem a
Fátima, a casa do Prior da Freguesia, para ali serem interrogados pelo
mesmo, Padre Manuel Marques Ferreira.
Nada tinha
combinado com o prior antecipadamente, nem tão pouco ele combinou nada
comigo, durante a minha permanência e a das crianças, na residência
paroquial.
O pároco,
que não acreditava no que Lúcia dizia, interrogou as três crianças a meu
pedido e nada adiantaram do que já tinham dito ao padre que dizia
chamar-se João.
A minha
intenção era trazer as crianças por meios suasórios para minha casa,
como na madrugada de 13 (treze) de Outubro eu tinha dito ao Tenente,
comandante da força da G.N.R., e nunca por meios violentos. E assim
sucedeu, como é do conhecimento imparcial e honrada da população.
Vieram as
crianças para minha casa, onde foram recebidas e tratadas como se fossem
da minha família, durante dois dias que lá estiveram. Assistiram a uma
procissão, que se realizou no dia 13, a qual foi por mim autorizada, à
sombra do Artigo 57º., da Lei da Separação, como foram autorizadas todas
as outras em todo o concelho, durante o tempo em que exerci o cargo do
administrador do concelho, sem que houvesse a mais pequena nota
discordante.
Brincaram as
crianças de Fátima com os meus filhos e outros rapazes durante os dois
dias, tendo sido visitadas por bastantes pessoas, algumas delas de
categoria social, como o comandante da força, Dr. António Rodrigues de
Oliveira. No largo da Louça haviam aparecido dezenas de pessoas que lhe
queriam falar, o que recusei por serem muitas, com excepção de uma
mulher que encontrei no Largo e que me pediu por todos os santos e
santas, para só as deixar ver. Tive de transigir. Na noite do dia 13,
estiveram às janelas da moradia do falecido Augusto Monteiro Batalha e
da sua esposa, Srª.D. Virginia Nicolau, felizmente ainda hoje viva.
O que é
falso, falsíssimo, é eu ter ameaçado ou intimidado as crianças ou terem
estado presas, incomunicáveis ou sofrerem a mais pequena pressão ou
violência, como pode ser testemunhado pela própria família e por toda a
população séria e honrada, de todos os credos políticos e religiosos da
minha terra.
O pai de
Jacinta e Francisco, esteve na Administração do Concelho, ali chamado
para levar os filhos, o que não fez, limitando-se a dar-lhes uma
reprimenda. Compareceu também o pai de Lúcia, António dos Santos, por
alcunha o Abóbora, com a filha Lúcia dos Santos.
Interroguei-a
sobre a Santa e continuou a afirmar tê-la visto numa azinheira. Caía
porém em contradições e, tendo ouvido a opinião de dois médicos sobre a
estranha afirmação, que se pronunciaram ser ela uma doente, perguntei ao
Abóbora o que dizia ele a respeito da filha. Resposta teatral: – O
Senhor Administrador, não acredite nela porque é uma grande intrujona!
Retiraram no
mesmo dia à tarde para suas casas e só no dia 13, se passou o que atraz
me refiro, indo eu na mesma charrette com o João Lopes e o Oficial da
Administração, Cândido Jorge Alho.
Deixei as
crianças em casa do Prior da Freguesia, Rev. Manuel Marques Ferreira, no
dia 14 de Agosto à saída da missa. No largo da Igreja foram as crianças
abordadas por inúmeras pessoas, que lhes perguntavam o que lhes tinha
acontecido. Havia uma certa hostilidade contra a Autoridade
Administrativa e também contra o Pároco da freguesia a quem o povo
acusava de ser conivente na ida das crianças para Ourém, mas tudo se
desanuviou, afirmando eu na varanda da casa de residência do Prior, ao
povo, que o Prior de nada sabia, ao mesmo tempo que as crianças
abordadas por inúmeras pessoas, diziam que tinham sido bem tratadas.
Mandei seguir o cocheiro com a charrette e o Oficial da Administração
para Ourém e fiquei em Fátima, donde à tarde regressei num carro dum
amigo particular.
O resto são
calúnias, infâmias, ditas por aqueles que, propositadamente para
encobrirem as suas mazelas, se lembram das espalhar, para fins de
predomínio e de exploração, que brandam aos Céus!
Respeitei sempre e respeito as ideias dos meus adversários, para que respeitem também os meus ideais.
Tenho a
subida honra de contar amigos em todos os campos, como também tenho
inimigos implacáveis, uns que conheço bem, outros que se acobertam no
anonimato indigno. O que é extraordinário é que – apesar de tantas
acusações que me são feitas, até agora o meu certificado de registo
criminal apareça limpo – e isso não acontece a certas pessoas que
pretendem atacar-me.
Em Espanha,
durante o tempo do meu exílio voluntário, defendi sempre, como soube, o
nome de Portugal, e mesmo honrá-lo, nunca tomando parte em manifestações
contrárias ao nosso brio nacional. Tenho as mãos limpas de sangue ou de
roubos, como eu disse ao cônsul de Portugal, Sr. Xara Brazil, que teve a
confirmação da minhas afirmações, e também o prazer de avaliar que
nenhuma acusação da polícia me era desfavorável.
Por isso pude vir livremente para Portugal. Senão, não tinham agora os meus acusadores o trabalho e a desfaçatez de me atacarem com tal fúria e de maneira tão caluniosa.
Por isso pude vir livremente para Portugal. Senão, não tinham agora os meus acusadores o trabalho e a desfaçatez de me atacarem com tal fúria e de maneira tão caluniosa.
Estive a
trabalhar nos hospitais, no período da guerra, como vigilante e
encarregado de dispensas e armazém. No hospital de S.João de Deus, em
Madrid, consegui guardar quadros de valor artístico, histórico e
religioso, de uma turbamulta que tudo destruía. Isto pode ser confirmado
pelos médicos, enfermeiras, e até pelas próprias freiras.
Quanto ao
procedimento e à maneira como cumpri os meus deveres, indico as
seguintes testemunhas: Padre Rafael Fernandes, cura de Chamartin;
tenente coronel D. Luis Muñoz Balcasar; D. Alejandro Canis, ilustre
professor; Srª D. Luisa Maria Lopes Ochôa, chefe de pessoal do hospital,
filha do general Lopes Ovhôa; dr Carvajal, chefe da Direcção Geral de
Seguridad, e mais de trinta ou quarenta falangistas, cujos nomes posso
indicar.
Sem comentários:
Enviar um comentário