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domingo, 7 de maio de 2017

Um presidente de laboratório


A tarefa será entregue a Emmanuel Macron, o candidato anti-sistema apresentado pelo próprio sistema, o eleito de Hollande, Valls, Juppé, Juncker, Merkel, Schulz, Sarkozy, Fabius, Fillon, Strauss-Khan, Lagarde, Schauble, Hillary Clinton, Obama, da NATO, da União Europeia, de Israel.
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Créditos / Agência Lusa
Medo, propaganda como pilar da mentira política e estado de excepção são os principais panos do cenário das eleições presidenciais francesas, nas quais a enxurrada de análises, pareceres, conjecturas e previsões é inversamente proporcional ao esclarecimento e consciencialização dos franceses sobre decisões determinantes para o seu futuro.
Mais do que isso, o discurso e os comportamentos da maioria dos políticos e dos media empenhados em dar credibilidade ao que não passa de uma farsa de democracia escondem os desmandos que irão atingir a generalidade dos cidadãos eleitores.
Este jogo perverso, em que se estrangula o direito das pessoas a decidirem sobre a sua vida enquanto são ludibriadas quanto às hipóteses de escolha, tem como provável vencedor o candidato que mais escondeu sobre si e as suas propostas: Emmanuel Macron, o falso socialista, falso centrista, ex-membro do staff de Sarkozy, ex-ministro de Hollande e que, apesar de há poucos meses ainda ter a pasta governamental da Economia, se apresentou «de fora do sistema» e «contra o sistema», prometendo uma «revolução política» que já está «em marcha».
Daí a designação do partido que formou – En Marche – uma entidade talhada para fazer eleger um presidente de laboratório capaz de agir como marioneta dos grandes interesses mundiais, projecto este que centralizou vastos apoios de bancos transnacionais, das grandes empresas da Bolsa de Paris e de diversas fundações, entre as quais a norte-americana New Endowment for Democracy (NED), conhecida pelo seu patrocínio de golpes de Estado «democráticos», da América Latina ao Médio Oriente, passando pela Ucrânia. Por isso se juntaram ao En Marche, como «conselheiros», alguns diplomatas neoconservadores norte-americanos alinhados com Obama, Hillary Clinton e as facções das agências de espionagem sob sua influência.
Não surpreende, por isso, que a finalíssima presidencial em França seja, afinal, uma réplica da recente catástrofe norte-americana que selou o esvaziamento da democracia enquanto instrumento da genuína capacidade popular de decidir.
A alternativa deixada aos eleitores, nos Estados Unidos como em França, nada tem a ver com os reais interesses e direitos das pessoas, apenas coloca uma baia entre duas roupagens para a mesma anarquia neoliberal: o nacionalismo de inspiração fascista, tirando proveito da degradação das condições sociais e de vida da maioria da população, assumindo frontalmente as suas orientações xenófobas e racistas; ou o neoliberalismo sem fronteiras, no caso francês ancorado no autoritário sistema económico, financeiro e monetário na União Europeia e teleguiado pela NATO.
Neste quadro teve um significado exemplar a manifestação de fraternidade entre o ex-futuro primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, e o próximo presidente francês, Emmanuel Macron, testemunhada publicamente na Festa do Unità, por sinal o histórico jornal operário de que o americanizado Partido Democrático se apropriou, assaltando o património do dissolvido Partido Comunista Italiano (PCI).
Não é difícil estabelecer um paralelo entre os duelos Trump-Clinton, Le Pen-Macron, e mesmo Beppe Grilo-Renzi, como exemplos crus do esvaziamento da democracia representativa e da emergência de uma nova variante da alternativa bipolar; agora, o pensamento único neoliberal oscila cada vez mais entre o nacionalismo em ascensão e o sistema dirigente internacional sem fronteiras, que até aqui tem assentado numa bipolaridade entre a direita conservadora e os sociais-democratas da «terceira via», ao estilo de Tony Blair, François Hollande e Martin Schulz.
O caso francês é mais uma demonstração de como o pensamento único que sustenta a política de governo do capitalismo internacional, uma vez chegado ao estado de anarquia de mercado, está em transição para se instalar na extrema-direita; dispensa assim o recurso a formas mesmo adulteradas de social-democracia, pelo que os Partidos Socialistas vão implodindo em ritmo de dominó.
Assim sucedeu em Itália, na Grécia, na Alemanha através da coligação acrítica com Merkel, na Holanda, na Bélgica, agora em França, tal como existem indícios coincidentes no Reino Unido – pelo cerco anárquico a Corbyn – e em Espanha. No espaço dos países saídos da esfera de influência soviética há muito que o pensamento único já cristalizou na extrema-direita, ou mesmo no fascismo, podendo dizer-se que a democracia pluripartidária mal chegou a vigorar. Nem os países nórdicos escapam à tendência: basta atentar na deriva actual da social-democracia, que durante décadas dominou a ponto de se identificar praticamente com os Estados.
Não se estranhe que este fenómeno que ataca os partidos da social-democracia seja identificado como implosão. Retomando o caso francês, há muito que o ex-primeiro ministro Manuel Valls, conhecido pelas suas actuações xenófobas e anti refugiados idênticas às de Marine Le Pen, vem defendendo a transformação do Partido Socialista numa outra entidade e com outro nome.
«O nacionalismo não irá gerir o neoliberalismo, nem criar novas insónias na União Europeia, estas sim as verdadeiras inquietações geradas por Le Pen.»
Muito mais claro ainda foi o presidente cessante François Hollande, que em 2015 falava assim do Partido Socialista que o elegeu: «É preciso um acto de liquidação. É preciso um hara-kiri. É preciso liquidar o PS para criar o Partido do Progresso».
Se bem o pensou, melhor o fez, dir-se-á ao observar a situação do PS nas presentes eleições. Depois de preparado o terreno através da artimanha das primárias partidárias, uma ficção de democracia para descaracterizar e subverter a democracia, o processo culminou numa aberração que liquida, de facto, o Partido Socialista: foi escolhido um candidato que não chegou aos dez por cento, enquanto os barões do partido, entre eles o presidente Hollande e o ex-primeiro ministro Manuel Valls, fizeram campanha pelo candidato de outro partido que mal viu a luz do dia: Emmanuel Macron.
Aí está En Marche, criado em laboratório com sotaque norte-americano para fazer eleger um presidente de aviário, numa campanha onde o debate de ideias e de programas foi suprimido, substituído pelo duelo entre retratos de Photoshop animado pelo marketing de detergentes, num ambiente de medo suscitado pela combinação do terrorismo com o estado de excepção.
A esquerda, em torno de Mélenchon, quase conseguiu meter um pauzinho na engrenagem, mas a convergência dos efeitos do terrorismo, da austeridade, da supressão de direitos, do tratamento dado pelo governo à vaga de refugiados catapultou as grandes bolsas de excluídos, de trabalhadores revoltados, de desempregados e dos desfavorecidos das cinturas das grandes cidades para os braços de Marine Le Pen.
Marine Le Pen, essa sim ainda no exterior do sistema, não terá condições para fazer frente ao cilindro compressor da clique dirigente – direitas e restos do PS – pelo que a França e o resto do mundo farisaicamente preocupados com a xenofobia e o racismo da Frente Nacional poderão respirar de alívio. O nacionalismo não irá gerir o neoliberalismo, nem criar novas insónias na União Europeia, estas sim as verdadeiras inquietações geradas por Le Pen.
A tarefa será entregue a Emmanuel Macron, o candidato anti-sistema apresentado pelo próprio sistema, o eleito de Hollande, Valls, Juppé, Juncker, Merkel, Schulz, Sarkozy, Fabius, Fillon, Strauss-Khan, Lagarde, Schauble, Hillary Clinton, Obama, da NATO, da União Europeia, de Israel. Macron, o candidato da Fundação Rockfeller, dos banqueiros Rotschild, promovido de jovem dirigente da French-American Foundation para o staff de Sarkozy no Eliseu, e depois para ministro da Economia de Valls e Hollande, após o tradicional tirocínio conspirativo no conclave de 2014 do Grupo de Bilderberg.
Como ministro da Economia, Emmanuel Macron fez aprovar um novo pacote laboral persecutório e austeritário, através das condições autoritárias proporcionadas pelo estado de excepção que dura há mais de um ano e meio e sob o qual – que não se perca tal aberração de vista – se realizam as eleições presidenciais. Esse pacote laboral reproduz as exigências da comunidade dos grandes patrões franceses, os senhores do CAC 40 da Bolsa de Paris, os quais frequentaram os jantares da campanha de Macron na companhia dos dirigentes dos grupos de comunicação que possuem os principais jornais, rádios e televisões do país.
Nenhuma destas personalidades e entidades manifestou, em caso algum, inquietação com a xenofobia e o racismo praticados pelo governo de que Macron foi membro, sob a cobertura do estado de excepção, a pretexto do terrorismo e da crise dos refugiados. Condições e situações que, tudo o indica, prosseguirão com a «revolução em marcha» de Macron.
Por ora observamos a camada governante francesa repudiar o nacionalismo, a gestão do capitalismo neoliberal, o racismo e a xenofobia de Marine Le Pen enquanto apoia o neoliberalismo selvagem, o racismo e a xenofobia de Emmanuel Macron, afinal uma prática de fascismo em versão maquilhada num sistema esvaziado de democracia, gerido por um presidente produzido e formatado em laboratório.
Eis a escolha deixada aos franceses, tal como a apresentada aos norte-americanos; e que ameaça tornar-se a panaceia da época para valer ao estado de crise do capitalismo.


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