O BE e as agressões imperialistas*
Jorge Cadima 13.Mar.18 Outros autores
Nas
questões nacionais o BE é muito cuidadoso. Não poderia desempenhar o
papel que lhe foi atribuído sem procurar decalcar e antecipar-se às
propostas do PCP, e reivindicar-se como “esquerda de confiança”. Mas no
que toca a questões internacionais a máscara cai. O texto sobre a Síria
apresentado na Assembleia da República e aprovado com os votos
favoráveis de CDS, PSD, PS, BE e PAN «poderia ter sido subscrito pelo
próprio Donald Trump».
O
texto sobre a Síria apresentado pelo Bloco de Esquerda na Assembleia da
República e aprovado com os votos favoráveis de CDS, PSD, PS, BE e PAN
«poderia ter sido subscrito pelo próprio Donald Trump», como disse
eloquentemente João Oliveira, ao apresentar a declaração do voto contra
do PCP. O texto do BE reproduz todas as patranhas da propaganda de
guerra de agressão à Síria.
Nada diz sobre as causas de fundo daquela guerra, mais uma no infindável rol de guerras e ingerências do imperialismo. Nem sobre a natureza terrorista dos exércitos fundamentalistas, armados e financiados pelo imperialismo para impor o seu domínio na região, através da morte e da destruição dos estados que recusam submeter-se. É uma vergonha. Mas é uma opção cujas causas importa compreender.
Como todas as guerras de agressão do imperialismo, a guerra contra a Síria não se combate apenas no plano militar. Combate-se também através de enormes e mentirosas campanhas propagandísticas que diariamente nos entram em casa, em tudo análogas às patranhas já usadas noutras guerras. Foi assim com as inexistentes ‘armas de destruição em massa de Saddam Hussein’. Foi assim com os inexistentes ‘bombardeamentos de Kadhafi sobre o seu povo’, explicitamente desmentidos na altura pelo embaixador de Portugal na Líbia, Rui Lopes Aleixo (Antena 1, 23.2.11) e mais tarde pelo Relatório da Comissão dos Negócios Estrangeiros da Câmara dos Comuns britânica (Setembro 2016). Foi assim com a campanha de demonização de Milosevic, apresentado como ‘carniceiro dos Balcãs’ e ‘novo Hitler’, para ‘justificar’ a guerra da NATO contra a Jugoslávia, não sendo porém manchete que dez anos após a sua morte nos calabouços do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, este mesmo ‘tribunal dos vencedores’ acabou por confessar que Milosevic não tinha patrocinado qualquer genocídio (Avante!, 18.8.16).
Há inúmeros documentos oficiais das potências imperialistas que confessam as suas provocações e mentiras de guerra. Lembrem-se os Pentagon Papers relativos à guerra do Vietname. Ou o inacreditável documento conhecido por Operação Northwoods, elaborado pelos Chefes de Estado-maior dos EUA em 1962 com «uma breve mas concreta descrição de pretextos que possam fornecer justificação para uma intervenção militar dos EUA em Cuba» e que incluía, entre muitas outras, a sugestão de organizar campanhas bombistas em território dos EUA ou a encenação de derrubes de aviões civis ou o afundamento de barcos (com «falsos funerais de falsas vítimas» e tudo), a serem atribuídos à Revolução Cubana. Basta lembrar os documentos descobertos nos arquivos ingleses, relativos ao plano secreto aprovado ao mais alto nível dos EUA e Reino Unido em 1957, para que os respectivos serviços secretos «encenassem falsos incidentes fronteiriços como pretexto para uma invasão da Síria pelos seus vizinhos pró-ocidentais» (The Guardian, 27.9.03). Este plano, concebido muitos anos antes de Assad (ou mesmo o seu pai) chegar à Presidência da Síria, é praticamente o guião do que se passa na Síria desde 2011, pois «o plano apela ao financiamento dum ‘Comité Síria Livre’ e o armamento de ‘facções políticas com paramilitares’ […] no interior da Síria. A CIA e o MI6 instigariam sublevações internas» com o objectivo de levar a cabo uma ‘mudança de regime’ que, segundo o próprio texto do plano, não seria popular e «irá provavelmente exigir numa fase inicial medidas repressivas e um exercício do poder arbitrário». São as ‘democracias ocidentais’ em todo o seu esplendor…
BE junta voz ao coro dos propagandistas
Os dirigentes do BE não podem alegar que desconhecem que, desde há décadas, o imperialismo promove exércitos terroristas contra-revolucionários para fazer o seu trabalho sujo e para destruir quem se atravesse nos seus planos de hegemonia mundial. Foi assim na Nicarágua, Angola, Moçambique, Afeganistão (como confessou Z. Brzezinski ao Nouvel Observateur, 15.1.88). O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros britânico Robin Cook escreveu: «a Al Qaeda, que literalmente significa ‘a base’, era na sua origem o ficheiro de computador contendo os milhares de mujahedins que foram recrutados e treinados com a ajuda da CIA, para derrotar os russos» (The Guardian, 8.7.05). Os dirigentes do BE não podem alegar que não sabem que a estratégia de militarizar, desde o seu início em 2011, os protestos na Síria, foi oficialmente apadrinhada, financiada e armada pelo imperialismo, chegando ao ponto de pagar os ‘salários’ dos mercenários, não apenas através das ditaduras filo-imperialistas do Golfo (ABC ou Times of Israel, 1.4.12), mas directamente pelos EUA (New York Times, 18.9.14, ou Reuters, 22.6.15). Não podem alegar que desconhecem notícias da própria imprensa que mais tem promovido a guerra contra a Síria, como por exemplo este título: «Agora a verdade vem ao de cima: como os EUA alimentaram o ascenso do ISIS na Síria e no Iraque» (The Guardian, 3.6.15). Não podem alegar que não sabem dos planos imperialistas para de novo retalhar o Médio Oriente, a fim de tomar controlo directo dos seus gigantescos recursos.
Os dirigentes do BE sabem tudo isto, mas em vez de serem solidários com as vítimas do imperialismo e da tentativa de recolonização, juntam a sua voz ao coro dos propagandistas das guerras de rapina. Não é a primeira vez. Não é apenas na Síria. Pelo contrário, já se transformou num padrão sistemático. Quando surgem as grandes campanhas mediáticas que rodeiam as operações de ingerência e agressão do imperialismo (nomeadamente do sedeado na Europa), os dirigentes do BE credibilizam essas campanhas. Ao fazê-lo, contribuem para impedir que se fortaleça o movimento popular pela paz e contra a guerra e encobrem a natureza do imperialismo. Foi assim em 2011, com a Líbia, tendo o BE votado a favor da Resolução do Parlamento Europeu que abria caminho à guerra da NATO. É assim em relação à martirizada Venezuela bolivariana. É assim em relação à RPD da Coreia, país que nunca agrediu outro, mas que está sob a constante ameaça duma nova guerra de extermínio dos EUA, como em 1950-53. As vítimas são apresentadas como algozes. E os algozes continuam os seus crimes.
Favores com favores se pagam
Será possível que os dirigentes do BE não conheçam os resultados de todas estas guerras, agressões, campanhas? Será possível que não vejam o autêntico desastre deixado pelos 27 anos de guerras de agressão que se seguiram ao desaparecimento da URSS? Não, não é possível. Trata-se duma opção, não de desconhecimento ou subestimação.
Porque insistem os dirigentes do BE neste caminho? A resposta ajuda a esclarecer um aparentemente insondável mistério: o de uma força que se apresenta como de esquerda ser, desde a sua origem, autenticamente levada ao colo pela comunicação social do grande capital. Com destaque para o Público, jornal fundado por um dos maiores capitalistas portugueses, e para o Expresso e a SIC, daquele que foi até há bem pouco tempo o responsável português no Clube de Bilderberg (tendo Balsemão entretanto passado a pasta a Durão Barroso, Público, 27.5.15).
O grande capital sempre procurou (múltiplas) formas de canalizar o descontentamento social para rumos que não ponham em causa o seu poder. Historicamente, foi esse o papel das social-democracias que, em particular nos países do centro capitalista (veja-se o caso inglês), trocavam o seu apoio às guerras imperialistas por concessões no campo social, permitindo-lhes manter a sua base de apoio e combater os comunistas e outras forças alternativas ao sistema capitalista. Hoje, vivemos tempos de descrédito do capitalismo, tempos de crise e de ataque feroz aos direitos e condições de vida dos trabalhadores e povos. É inevitável o descontentamento popular, a revolta de largas massas contra um sistema que apenas lhes oferece a miséria, o desemprego, a exploração, a guerra. Nesse contexto, torna-se ainda mais urgente impedir que esse descontentamento fortaleça uma real alternativa de sistema. O grande capital sabe onde reside essa alternativa. Os dirigentes do BE asseguram simultaneamente o ataque ‘de esquerda’ ao PCP e a ‘cobertura de esquerda’ às campanhas do imperialismo. Tem sido assim, desde a política internacional à AutoEuropa. Favores com favores se pagam. Ao mesmo tempo, o grande capital sabe que, chegado o momento da verdade, os dirigentes do BE estarão do lado do sistema. O exemplo do governo Syriza na Grécia é, a este respeito, elucidativo. A traição do governo Syriza às aspirações do povo grego (reafirmadas no notável referendo de Julho de 2015) foi completa: é hoje o agente, não apenas de mais austeridade, mas também duma legislação laboral ferozmente antipopular. Os dirigentes do BE, que em 2015 se penduravam ao pescoço de Tsipras, assobiam hoje para o lado. Mas a matriz ideológica e social é a mesma, e o comportamento em situação análoga não seria previsivelmente diferente. Nesse sentido, o slogan do BE ‘esquerda de confiança’ terá, afinal, mais verdade do que se poderia supor. Falta é dizer ‘confiança’ para quem.
Perigos enormes
O mais dramático é que o comportamento dos dirigentes do BE leva água ao moinho do partido da guerra no seio do imperialismo. Não vivemos hoje as décadas após a II Guerra Mundial quando, sob o impacto da derrota do nazi-fascismo e a força e prestígio dos comunistas e das forças revolucionárias a nível mundial, o grande capital se via obrigado a fazer concessões importantes para suster o seu poder. Hoje aceitará ‘causas fracturantes’ que não põem em causa o capitalismo (e até se podem tornar novas fontes de lucro). Mas a profunda crise sistémica do capitalismo e as dificuldades que encontra em dela sair, incluindo as crescentes rivalidades entre EUA e UE; as dramáticas consequências sociais (e ambientais) das políticas de exploração e pilhagem desenfreadas; o descontentamento explosivo; e a emergência de novas potências económicas, que as velhas potências imperialistas se recusam a aceitar – tudo isto está a conduzir o planeta a uma crise de grandes proporções. Os planos de guerra, já concebidos há décadas (veja-se a entrevista do General Loureiro dos Santos ao Diário de Notícias, 13.3.00), estão a tornar-se cada vez mais aliciantes para uma parte considerável do grande capital das velhas potências imperialistas. Basta ver a desenfreada corrida militarista em curso, com os anúncios de enormes subidas nos orçamentos militares dos EUA, França, Alemanha, Espanha e outras potências, e com a anunciada militarização da UE (CEP). Ou o recente número da revista The Economist (27.1.18), dedicado a «A Próxima Guerra».
Não custa a perceber os perigos enormes que a Humanidade enfrenta. Uma verdadeira força de esquerda só pode virar baterias contra o imperialismo e os planos de guerra em marcha, sendo solidária com quem resiste e pugnando por criar uma vasta frente anti-imperialista e pela paz. Não é esta a opção dos dirigentes do BE.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2319, 8.03.2018
Nada diz sobre as causas de fundo daquela guerra, mais uma no infindável rol de guerras e ingerências do imperialismo. Nem sobre a natureza terrorista dos exércitos fundamentalistas, armados e financiados pelo imperialismo para impor o seu domínio na região, através da morte e da destruição dos estados que recusam submeter-se. É uma vergonha. Mas é uma opção cujas causas importa compreender.
Como todas as guerras de agressão do imperialismo, a guerra contra a Síria não se combate apenas no plano militar. Combate-se também através de enormes e mentirosas campanhas propagandísticas que diariamente nos entram em casa, em tudo análogas às patranhas já usadas noutras guerras. Foi assim com as inexistentes ‘armas de destruição em massa de Saddam Hussein’. Foi assim com os inexistentes ‘bombardeamentos de Kadhafi sobre o seu povo’, explicitamente desmentidos na altura pelo embaixador de Portugal na Líbia, Rui Lopes Aleixo (Antena 1, 23.2.11) e mais tarde pelo Relatório da Comissão dos Negócios Estrangeiros da Câmara dos Comuns britânica (Setembro 2016). Foi assim com a campanha de demonização de Milosevic, apresentado como ‘carniceiro dos Balcãs’ e ‘novo Hitler’, para ‘justificar’ a guerra da NATO contra a Jugoslávia, não sendo porém manchete que dez anos após a sua morte nos calabouços do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, este mesmo ‘tribunal dos vencedores’ acabou por confessar que Milosevic não tinha patrocinado qualquer genocídio (Avante!, 18.8.16).
Há inúmeros documentos oficiais das potências imperialistas que confessam as suas provocações e mentiras de guerra. Lembrem-se os Pentagon Papers relativos à guerra do Vietname. Ou o inacreditável documento conhecido por Operação Northwoods, elaborado pelos Chefes de Estado-maior dos EUA em 1962 com «uma breve mas concreta descrição de pretextos que possam fornecer justificação para uma intervenção militar dos EUA em Cuba» e que incluía, entre muitas outras, a sugestão de organizar campanhas bombistas em território dos EUA ou a encenação de derrubes de aviões civis ou o afundamento de barcos (com «falsos funerais de falsas vítimas» e tudo), a serem atribuídos à Revolução Cubana. Basta lembrar os documentos descobertos nos arquivos ingleses, relativos ao plano secreto aprovado ao mais alto nível dos EUA e Reino Unido em 1957, para que os respectivos serviços secretos «encenassem falsos incidentes fronteiriços como pretexto para uma invasão da Síria pelos seus vizinhos pró-ocidentais» (The Guardian, 27.9.03). Este plano, concebido muitos anos antes de Assad (ou mesmo o seu pai) chegar à Presidência da Síria, é praticamente o guião do que se passa na Síria desde 2011, pois «o plano apela ao financiamento dum ‘Comité Síria Livre’ e o armamento de ‘facções políticas com paramilitares’ […] no interior da Síria. A CIA e o MI6 instigariam sublevações internas» com o objectivo de levar a cabo uma ‘mudança de regime’ que, segundo o próprio texto do plano, não seria popular e «irá provavelmente exigir numa fase inicial medidas repressivas e um exercício do poder arbitrário». São as ‘democracias ocidentais’ em todo o seu esplendor…
BE junta voz ao coro dos propagandistas
Os dirigentes do BE não podem alegar que desconhecem que, desde há décadas, o imperialismo promove exércitos terroristas contra-revolucionários para fazer o seu trabalho sujo e para destruir quem se atravesse nos seus planos de hegemonia mundial. Foi assim na Nicarágua, Angola, Moçambique, Afeganistão (como confessou Z. Brzezinski ao Nouvel Observateur, 15.1.88). O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros britânico Robin Cook escreveu: «a Al Qaeda, que literalmente significa ‘a base’, era na sua origem o ficheiro de computador contendo os milhares de mujahedins que foram recrutados e treinados com a ajuda da CIA, para derrotar os russos» (The Guardian, 8.7.05). Os dirigentes do BE não podem alegar que não sabem que a estratégia de militarizar, desde o seu início em 2011, os protestos na Síria, foi oficialmente apadrinhada, financiada e armada pelo imperialismo, chegando ao ponto de pagar os ‘salários’ dos mercenários, não apenas através das ditaduras filo-imperialistas do Golfo (ABC ou Times of Israel, 1.4.12), mas directamente pelos EUA (New York Times, 18.9.14, ou Reuters, 22.6.15). Não podem alegar que desconhecem notícias da própria imprensa que mais tem promovido a guerra contra a Síria, como por exemplo este título: «Agora a verdade vem ao de cima: como os EUA alimentaram o ascenso do ISIS na Síria e no Iraque» (The Guardian, 3.6.15). Não podem alegar que não sabem dos planos imperialistas para de novo retalhar o Médio Oriente, a fim de tomar controlo directo dos seus gigantescos recursos.
Os dirigentes do BE sabem tudo isto, mas em vez de serem solidários com as vítimas do imperialismo e da tentativa de recolonização, juntam a sua voz ao coro dos propagandistas das guerras de rapina. Não é a primeira vez. Não é apenas na Síria. Pelo contrário, já se transformou num padrão sistemático. Quando surgem as grandes campanhas mediáticas que rodeiam as operações de ingerência e agressão do imperialismo (nomeadamente do sedeado na Europa), os dirigentes do BE credibilizam essas campanhas. Ao fazê-lo, contribuem para impedir que se fortaleça o movimento popular pela paz e contra a guerra e encobrem a natureza do imperialismo. Foi assim em 2011, com a Líbia, tendo o BE votado a favor da Resolução do Parlamento Europeu que abria caminho à guerra da NATO. É assim em relação à martirizada Venezuela bolivariana. É assim em relação à RPD da Coreia, país que nunca agrediu outro, mas que está sob a constante ameaça duma nova guerra de extermínio dos EUA, como em 1950-53. As vítimas são apresentadas como algozes. E os algozes continuam os seus crimes.
Favores com favores se pagam
Será possível que os dirigentes do BE não conheçam os resultados de todas estas guerras, agressões, campanhas? Será possível que não vejam o autêntico desastre deixado pelos 27 anos de guerras de agressão que se seguiram ao desaparecimento da URSS? Não, não é possível. Trata-se duma opção, não de desconhecimento ou subestimação.
Porque insistem os dirigentes do BE neste caminho? A resposta ajuda a esclarecer um aparentemente insondável mistério: o de uma força que se apresenta como de esquerda ser, desde a sua origem, autenticamente levada ao colo pela comunicação social do grande capital. Com destaque para o Público, jornal fundado por um dos maiores capitalistas portugueses, e para o Expresso e a SIC, daquele que foi até há bem pouco tempo o responsável português no Clube de Bilderberg (tendo Balsemão entretanto passado a pasta a Durão Barroso, Público, 27.5.15).
O grande capital sempre procurou (múltiplas) formas de canalizar o descontentamento social para rumos que não ponham em causa o seu poder. Historicamente, foi esse o papel das social-democracias que, em particular nos países do centro capitalista (veja-se o caso inglês), trocavam o seu apoio às guerras imperialistas por concessões no campo social, permitindo-lhes manter a sua base de apoio e combater os comunistas e outras forças alternativas ao sistema capitalista. Hoje, vivemos tempos de descrédito do capitalismo, tempos de crise e de ataque feroz aos direitos e condições de vida dos trabalhadores e povos. É inevitável o descontentamento popular, a revolta de largas massas contra um sistema que apenas lhes oferece a miséria, o desemprego, a exploração, a guerra. Nesse contexto, torna-se ainda mais urgente impedir que esse descontentamento fortaleça uma real alternativa de sistema. O grande capital sabe onde reside essa alternativa. Os dirigentes do BE asseguram simultaneamente o ataque ‘de esquerda’ ao PCP e a ‘cobertura de esquerda’ às campanhas do imperialismo. Tem sido assim, desde a política internacional à AutoEuropa. Favores com favores se pagam. Ao mesmo tempo, o grande capital sabe que, chegado o momento da verdade, os dirigentes do BE estarão do lado do sistema. O exemplo do governo Syriza na Grécia é, a este respeito, elucidativo. A traição do governo Syriza às aspirações do povo grego (reafirmadas no notável referendo de Julho de 2015) foi completa: é hoje o agente, não apenas de mais austeridade, mas também duma legislação laboral ferozmente antipopular. Os dirigentes do BE, que em 2015 se penduravam ao pescoço de Tsipras, assobiam hoje para o lado. Mas a matriz ideológica e social é a mesma, e o comportamento em situação análoga não seria previsivelmente diferente. Nesse sentido, o slogan do BE ‘esquerda de confiança’ terá, afinal, mais verdade do que se poderia supor. Falta é dizer ‘confiança’ para quem.
Perigos enormes
O mais dramático é que o comportamento dos dirigentes do BE leva água ao moinho do partido da guerra no seio do imperialismo. Não vivemos hoje as décadas após a II Guerra Mundial quando, sob o impacto da derrota do nazi-fascismo e a força e prestígio dos comunistas e das forças revolucionárias a nível mundial, o grande capital se via obrigado a fazer concessões importantes para suster o seu poder. Hoje aceitará ‘causas fracturantes’ que não põem em causa o capitalismo (e até se podem tornar novas fontes de lucro). Mas a profunda crise sistémica do capitalismo e as dificuldades que encontra em dela sair, incluindo as crescentes rivalidades entre EUA e UE; as dramáticas consequências sociais (e ambientais) das políticas de exploração e pilhagem desenfreadas; o descontentamento explosivo; e a emergência de novas potências económicas, que as velhas potências imperialistas se recusam a aceitar – tudo isto está a conduzir o planeta a uma crise de grandes proporções. Os planos de guerra, já concebidos há décadas (veja-se a entrevista do General Loureiro dos Santos ao Diário de Notícias, 13.3.00), estão a tornar-se cada vez mais aliciantes para uma parte considerável do grande capital das velhas potências imperialistas. Basta ver a desenfreada corrida militarista em curso, com os anúncios de enormes subidas nos orçamentos militares dos EUA, França, Alemanha, Espanha e outras potências, e com a anunciada militarização da UE (CEP). Ou o recente número da revista The Economist (27.1.18), dedicado a «A Próxima Guerra».
Não custa a perceber os perigos enormes que a Humanidade enfrenta. Uma verdadeira força de esquerda só pode virar baterias contra o imperialismo e os planos de guerra em marcha, sendo solidária com quem resiste e pugnando por criar uma vasta frente anti-imperialista e pela paz. Não é esta a opção dos dirigentes do BE.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2319, 8.03.2018
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