DESATAR NÓS GÓRDIOS
Manuel Carvalho da Silva |
Portugal
vive uma situação económica positiva, os resultados alcançados no
emprego e no desemprego são quantitativamente bons, o Governo dispõe de
apoios políticos e dos cidadãos que fornecem estabilidade à
governação do país, mas numa reflexão acrescida revelam-se muitos nós górdios por desatar.
As
crises económicas não são como as febres que vêm e vão deixando, em
regra, o paciente são e salvo, ou até imunizado. As crises económicas,
sobretudo quando curadas com medicamentos tóxicos, deixam sempre o
paciente mais vulnerável a novas infeções do mesmo tipo ou de tipo
diferente. Há efeitos cumulativos, de médio e longo prazo, que
dificultam a recuperação. A crise que vivemos e as políticas
económicas e sociais impostas, debilitaram-nos, pelo menos de quatro
maneiras.
A
primeira. A crise causou recessão ao mesmo tempo que agravou o défice
das contas públicas durante vários anos. Em consequência, a dívida
pública
e o seu peso no produto aumentaram muito. Apesar do crescimento
económico entretanto registado, o peso dos juros e a pressão para a
amortização da dívida não permitem que se faça a despesa pública
necessária para garantir a provisão de serviços públicos e
para o investimento. Ficou limitado o potencial de crescimento futuro e
de desenvolvimento da sociedade. Os efeitos do endividamento público
causado pelo "ajustamento" da troika e do PSD/CDS são assim cumulativos.
A
segunda. A recessão e o desemprego expulsaram de Portugal alguns dos
segmentos mais jovens e qualificados da população ativa. A falta de
trabalhadores
em geral e de trabalhadores qualificados em particular sente-se em
diversos setores. A emigração continua porque o diferencial de salários e
de condições de trabalho entre Portugal e outros países europeus se
alargou. A emigração reduz o potencial de crescimento
e tolhe o nosso futuro coletivo. Tudo isto com efeitos cumulativos.
A
terceira. A recessão comprimiu o investimento, não permitindo repor o
stock de capital fixo, manter as infraestruturas e atualizar a
tecnologia.
O fosso que separa Portugal, em capacidade instalada e sofisticação
tecnológica, da maioria dos países do seu espaço de integração económica
parece estar a aumentar. Na medida em que o novo investimento depende
também da qualidade das infraestruturas, da existência
de fornecedores capazes e de clientes específicos, o potencial de
atração ou de fixação de investimento pode estar a degradar-se. A queda
do investimento tem múltiplos efeitos cumulativos.
A
quarta. As desigualdades aumentaram. Os desníveis nos salários e nas
condições contratuais da geração que entrou no mercado de trabalho nos
últimos 15 anos e da que agora se aproxima da idade ativa agravaram-se.
Isso significa que as suas oportunidades e condições de vida futura
regrediram. As condições que poderão oferecer aos seus filhos,
nomeadamente no plano da educação ou de acesso a direitos
fundamentais podem bem ser menores do que aquelas de que eles próprios
beneficiaram. O potencial de crescimento futuro degradou-se. As
desigualdades têm efeitos cumulativos.
O
mal está feito. O que é preciso agora é descobrir como reverter os
efeitos cumulativos da dívida, da emigração, do desinvestimento, do
emprego
mal remunerado e muito precário, das desigualdades, da persistência da
pobreza. Há nós górdios que urge desatar: renegociar a dívida pública e
as condições da sua amortização com o maior credor - o Banco Central
Europeu; contribuir para uma reforma da União
Económica e Monetária que afaste a atual camisa de forças; condicionar
as políticas de distribuição gananciosa de dividendos e de investimento
especulativo, procurando que os excedentes de exploração revertam para o
investimento produtivo.
Reativar
as instituições e as práticas que enquadram as relações laborais para
uma valorização do trabalho, com melhores salários e menos precariedade,
é objetivo premente que exige mudanças na legislação laboral,
reequilibrando poderes que facilitem a negociação. Esta semana espera-se
do Governo um sinal de que vai por este caminho, através da sua
proposta de revisão da legislação laboral. Há nós górdios
em que o desatar é impossível e se impõe, com todos os cuidados, o
corte.
Sem comentários:
Enviar um comentário