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quarta-feira, 8 de setembro de 2021

UMA APRESENTAÇÃO À ONTOLOGIA DO SER SOCIAL, DE LUKÁCS, por NICOLAS TERTULIAN

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«(...) De fato, a ontologia heideggeriana é alvo dos ataques de Lukács.
Além de manter as críticas formuladas na obra anterior, A destruição da
razão, na Ontologia, Lukács denuncia as carências da análise do Dasein no
terreno ético. Examinando, por exemplo, a famosa dualidade entre
existência inautêntica e existência autêntica, também tema central da sua
reflexão, ele faz notar a falta de conteúdo ético positivo em categorias
como das Gewissen (a consciência) ou die Entschlossenheit (o caráter
resoluto) e a abstração na qual desemboca a transcendência do Dasein. À
profundidade enigmática do ser heideggeriano, verdadeiro pendant do
silêncio proposto por Wittgenstein diante dos grandes problemas da
existência (a expressão hegeliana, leere Tiefe, "profundidade vazia", figura
como epígrafe anteposta por Lukács ao capítulo sobre o neopositivismo e o
existencialismo), ele contrapõe uma imagem ricamente articulada do ser,
fundada no princípio hartmanniano da estratificação progressiva dos níveis
ontológicos. O verdadeiro principium movens, porém, da Ontologia do ser
social encontra-se em outra parte.
Lukács tinha perfeita consciência do extremo empobrecimento sofrido
pelo pensamento marxista durante a época staliniana. Aos seus olhos, o
stalinismo consistia não apenas em um período de "profunda
desumanidade" e de crimes, mas também num conjunto de concepções
teóricas que havia pervertido a própria natureza do pensamento de Marx.
Deste modo, a Ontologia do ser social representa um gigantesco esforço
para examinar, passo a passo, as categorias fundamentais do pensamento
marxiano, a fim de restituir-lhe a densidade e a substancial idade,
revelando ao mesmo tempo as raízes da sua degradação devida ao
stalinismo. Obra de síntese, concebida no curso dos anos 60, a Ontologia
pretendia ainda precisar os pontos do debate que havia agitado o
pensamento marxista nos últimos decênios. Não se deve esquecer que
Lukács tinha sido um dos principais atores das discussões iniciadas por
Sartre e Merleau-Ponty na metade dos anos 50 sobre a natureza do
marxismo. Sartre o tinha atacado vivamente em Questões de método e
Merleau-Ponty ocupara-e longamente dele nas A venturas da dialética. Por
outra parte, a glorificação e as discussões ensejadas pela obra de juventude,
História e consciência de classe, não se mantêm, em algumas áreas da
intelectualidade, com a sua obra da maturidade. A Ontologia permitia-lhe
abordar a fundo esses pontos de dissenso e fornecer esclarecimentos acerca
dos problemas essenciais do marxismo e dos fundamentos da própria
evolução.
Tomemos, por exemplo, o conceito de necessidade na história, que nos
parece um dos pontos de partida do seu pensamento ontológico. Nas
conversações com István Ebrsi e Erzsébet Vezér acerca da sua biografia
intitulada Pensamento vivido, que tiveram lugar em maio de 1971, um mês
antes da sua morte, Lukács afirma, num certo momento, que as origens da
interpretação logicizante e necessitarista da história – difundida tanto no
58. UMA APRESENTAÇÃO À ONTOLOGIA DO SER SOCIAL, DE LUKÁCS período staliniano, 
como, anteriormente, na época da Segunda
Internacional - remetem a F. Engels. Lukács não hesita em questioná-lo,
como já havia feito várias vezes na Ontologia, com o objetivo de distinguir
o pensamento autenticamente ontológico de Marx da interpretação dada
por Engels, segundo ele ainda muito impregnada de logicismo hegeliano.
O interesse disto está em que, no plano estritamente filosófico, Engels é
considerado responsável, de certa forma, pela deformação staliniana do
marxismo:
Eu acredito, e isto é, antes de mais nada, muito importante - sem esta
deformação o stalinismo não teria sido possível-, no fato deque Engels e,
depois dele, alguns social-democratas interpretaram o desenvolvimento da
sociedade em termos de necessidade em contraste com aquelas conexões
sociais das quais fala Marx. Marx praticamente sempre diz que x homens da
sociedade em questão reagem de maneira x a um dado sistema de trabalho e
que destas relações x sintetiza-se o processo verificado naquela sociedade. Ipso
facto, isto não pode mais ser necessário no sentido em que dois mais dois são
quatro (4).
Lukács identifica em Engels uma certa distorção da relação entre
universal e particular ou, mais precisamente, entre a necessidade e a
casualidade. A subestimação do peso das casualidades e o crédito
excessivo dado à força impessoal ou um deus absconditus lhe pareceram
reminiscências da filosofia hegeliana.
A crítica endereçada por Nicolai Hartmann à filosofia hegeliana - que,
segundo ele, privilegia indevidamente o papel do universal lógico e
minimiza o peso dos indivíduos e das suas ações regulares - encontra eco
em Lukács: as reprovações que faz a Engels estão de acordo, nesse ponto,
com as objeções de Hartmann a Hegel.
Na introdução ao seu livro intitulado Moglichkeit und Wirklichkeit,
Nicolai Hartmann escreveu, a propósito da filosofia da história hegeliana,
que "essa faz valer como historicamente real [geschichtlich-wirklich]
somente aquilo que é realização da 'Idéia' [eines substantiell wirkenden
geistigen Prinzip, 'de um princípio espiritual que age de maneira
substancial '], enquanto a grande massa dos homens, dos acontecimentos,
dos destinos privados permanece 'irreal' [unwirklich] e se toma massa de
detritos da história [zum Schutt der Geschichte zurückfallt]: A violência
metafísica do conceito teleológico da realidade talvez nunca se tenha
apresentado com tão terrível clareza como nesta tardia extremização (5)".(...)

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