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segunda-feira, 15 de novembro de 2021

 

Enrique Dussel: contribuições para a crítica ética e radical nos Estudos Organizacionais

Enrique Dussel: contribuciones a la crítica ética y radical en los Estudios Organizacionales

Enrique Dussel: contributions to an ethical and radical critique in Organization Studies

Introdução

Iniciamos este ensaio esclarecendo o significado de crítica adotado. Seguindo Dussel (2001, p. 285) e a Teoria Crítica fundada nas proposições de Adorno e Horkheimer (1985), entendemos que a crítica precisa "cumprir com duas condições: ser negativa e material". A negatividade é o "não-poder-viver dos oprimidos, explorados, das vítimas". Além disso, essa "negação originária" deve situar-se no nível da materialidade, isto é, "no conteúdo da práxis que se refere à produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana", à sua corporalidade e ao seu existir em comunidade. No entanto, esses dois critérios de demarcação não são suficientes. É preciso, além da posição teórica negativo-material, colocar-se "efetiva e praticamente 'junto' à vítima e não apenas em posição observacional participativa {...}, mas como o co-militante que entra no horizonte prático da vítima (negatividade-material) a quem decide servir por meio de um programa de pesquisa científico-crítico (explicativo das 'causas' da sua negatividade)" (DUSSEL, 2001, p. 286). Esse sentido da práxis é inspirado na concepção de Marx (2005), segundo a qual a crítica não se refere apenas ao pensamento, mas também ao mundo objetivo e sempre está voltada para transformá-lo, ou seja, trata-se de uma prática-crítica-revolucionária.

Claro está que o exercício de um programa científico desde o "colocar o próprio corpo {...} ao lado ou junto à vítima" apresenta enormes dificuldades no campo dos Estudos Organizacionais (EOs). Nesse sentido, nos vinculamos ao esforço que alguns autores vêm realizando para "libertar pelo menos parte dos Estudos Organizacionais, inclusive dos Estudos Críticos em Administração, da hegemonia do management, abrindo possibilidades para múltiplos diálogos interdisciplinares e interculturais {...} de modo a dar conta do estudo da organização das lutas sociais" (MISOCZKY, 2011, p. 360).

Feitos esses esclarecimentos, podemos introduzir as partes que compõem esse ensaio. Na primeira, realizamos uma apresentação da Filosofia da Libertação (FL) desenvolvida por Enrique Dussel. Como ele mesmo esclarece, e sem pretender representar um movimento mais amplo, Dussel (2004a, p. 143) pratica, desde 1969, uma FL que "parte de uma realidade regional própria":

{...} a pobreza crescente da maioria da população latino-americana; a vigência de um capitalismo dependente que transfere valor ao capitalismo central; a tomada de consciência da impossibilidade de uma filosofia autônoma nestas circunstâncias; a existência de tipos de opressão que exigem não apenas uma filosofia da "liberdade", mas uma filosofia da "libertação" (como ação, como práxis cujo ponto de partida é a opressão, e o ponto de chegada a indicada liberdade) {...}.

Essa apresentação busca, apesar da síntese necessária devido ao espaço disponível, propiciar uma visão abrangente e coerente desta vasta obra e se justifica face à apropriação parcial e, mesmo, incoerente que vem sendo realizada nos EOs, como se verá na segunda parte. A apresentação se constitui em um exercício livre de história intelectual por reconhecer, como diz Altamirano (1997, p. 9), que a história intelectual "é praticada de muitas maneiras e não possui em seu âmbito uma linguagem teórica ou modos de proceder que funcionem como modelos obrigatórios nem para analisar, nem para interpretar seus objetos". Nesse sentido e sem pretender entrar nas disputas que ocorrem nesse espaço disciplinar (ver, p. ex., SILVA, 2002; SILVA, 2009), adotamos o seguinte procedimento: valorizar na trajetória de Dussel sua história pessoal em articulação com suas formulações, seguindo uma linha do tempo e de eventos indicada em textos autobiográficos (DUSSEL 1995a; 1998; 2008; 2011a; 2012a). Na segunda parte, discutimos algumas apropriações que vêm sendo feitas por autores vinculados aos EOs no contexto latino-americano, com destaque para o brasileiro. Esse diálogo crítico é indispensável para que se libere o caminho para que a FL de Enrique Dussel contribua para o exercício nos EOs de uma crítica que negue, lado a lado com as vítimas, a validade do sistema que explora e oprime e que, simultaneamente, se envolva com a afirmação da vida humana em comunidade e, portanto, com a práxis da libertação. Optamos por não terminar este texto de modo conclusivo. Dado seu caráter ensaístico, deixamos apenas indicativos de possibilidades como finalização.

A trajetória de Enrique Dussel e de sua filosofia: da hermenêutica à libertação

Dussel (1998, p. 14) descreve seu local de nascimento (La Paz, na Província argentina de Mendoza) como um "povoado a partir do qual García Márquez poderia ter escrito de novo Cem anos de solidão". Seu pai - "de quem era uma honra ser filho" - era um médico positivista e agnóstico "adorado pelo povo a quem se dedicava com generosidade", tendo fundado uma "clínica social do povo". Sua mãe era uma militante social de quem os três filhos herdaram o "espírito de compromisso social, político e crítico". Depois de uma passagem por Buenos Aires, para onde a família se mudou durante a II Guerra porque seu pai havia sido despedido do emprego na ferrovia devido à sua origem alemã, retornam à Mendoza, mas para a capital provincial de mesmo nome. Se inicia, então, um período de "profundas experiências juvenis", "uma época de formação acelerada de uma personalidade prática, social, política, intelectual": a militância na Ação Católica, "uma profunda experiência de conversão à responsabilidade com o Outro" em visitas aos hospitais de crianças com deficiência; a participação na fundação da Federação Universitária do Oeste; a presidência do Centro Estudantil de Filosofia e Letras; as greves e a prisão pela participação nos movimentos estudantis contra Perón em 1954 (DUSSEL, 1998, p. 15).

No curso de Filosofia, na Universidade Nacional de Cuyo, lia "Platão e Aristóteles em grego, Santo Agostinho ou Tomás em latim, Descartes ou Leibniz em francês, Scheler ou Heidegger em alemão" e, "contra o fascismo de direita" de alguns professores, tornou-se "seguidor democrático" de Jacques Maritain e Emmanuel Mourier. Terminado o curso, recebe, em 1957, uma bolsa para continuar os estudos em Madri: "a mentalidade 'colonial' latino-americana me exigia, me condicionava quase, a realizar a experiência europeia" (DUSSEL, 1998, p. 15).

Nessa viagem, ele se descobre latino-americano. Surge aí a quase obsessão, a "angústia existencial de conhecer-se" e de buscar respostas para as perguntas sobre "quem somos nós culturalmente?", "qual é nossa identidade histórica?" (DUSSEL, 2012, p. 29).

Na universidade franquista, constata que essa não era superior à de Mendoza. Após fazer os cursos exigidos, defendeu o trabalho de qualificação intitulado Problemática del bien común en el pensar griego hasta Aristóteles. Concluído o curso, vai de carona a Israel. Após uma longa viagem, fica um mês trabalhando em uma cooperativa árabe: "a violência da pobreza, o rude trabalho manual, o calor do deserto - experiências fortes, definitivas, profundas, místicas, carnais ...". Retornando a Madri, acelera o doutorado (para voltar a Israel) e defende a tese La problemática del bien común, em 1959 (DUSSEL, 1998, p. 16).

Novamente em Israel, desta vez por dois anos:

{...} carpinteiro da construção em Nazaré, pescador no lago Tiberiades no kibutz Ginosar, peregrino em toda Palestina {...}, estudante de hebraico {...}, a vida em comunidade entre os companheiros árabes junto a Paul Gauthier3, abriram a minha mente, meu espírito, minha carne, para um projeto novamente inesperado. Agora não era apenas a América Latina; agora eram os "pobres" (obsessão de Paul Gauthier), os oprimidos, os miseráveis de meu continente distante. Contando-lhe a história latino-americana em uma daquelas noites frescas em nossa pobre barraca da cooperativa de construção feita para trabalhadores árabes que construíam suas próprias casas em Nazaré, me entusiasmei com um Pizarro que conquistava o império inca com poucos homens. Gauthier, olhando-me nos olhos perguntou: quem eram naquela ocasião os pobres, Pizarro ou os índios? Naquela noite, com uma vela iluminando, escrevi a meu amigo historiador de Mendoza - Esteban Fontana: "Algum dia deveremos escrever a História da América Latina do outro lado, desde baixo, desde os oprimidos, desde os pobres!" Era 1959, antes de muitas outras experiências (DUSSEL, 1998, p. 17).

Estava, assim, definido o foco/motivo de seu pensar: o pobre oprimido latino-americano. No retorno à Europa, passa pela Grécia, aquela que havia estudado como berço da filosofia e que, com a vivência do Oriente, se tornara estranha. Conclui, então, que "para a reconstrução de uma filosofia latino-americana era necessário 'destruir' o mito grego": "Atenas falava da dignidade dos nobres livres, da impossibilidade da emancipação dos escravos" (DUSSEL, 1998, p. 17).

Na França, Dussel faz os cursos de Paul Ricoeur na Sorbonne, momento em que descobre e se deslumbra com a fenomenologia de Merleau-Ponty e de Husserl. Ao mesmo tempo, se entusiasma com o personalismo-fenomenológico de Ricouer, especialmente com História e verdade (RICOUER, 1968), publicado originalmente em 1955 e que "ajudava o militante a compreender a história" (DUSSEL, 1995a, p. 9). A via longa, ou longo desvio, proposta pelo autor francês, relaciona uma hermenêutica dos símbolos com uma filosofia da reflexão concreta, levando Dussel (1995a, p. 9) a revisar sua tese de doutorado em termos de uma hermenêutica dos símbolos e escrever El humanismo helénico, em 1961, e El humanismo semita, concluído em 1964.

Na mesma Sorbonne, inicia um doutorado em História que resulta na tese El episcopado latinoamericano, institución misionera en defensa del indio (1504-1620): "era, o que havíamos descoberto, em Nazaré, o começo de uma história escrita desde os pobres, desde o índio americano" (DUSSEL, 1998, p. 19). Em 1965 escreve um pequeno livro sobre a história da igreja latino-americana e publica um artigo programático - Iberoamérica na história universal. Em 1966, Dussel ministra um curso na Universidade de Resistência (Argentina), para o qual escreve um material intitulado Hipótesis para el estúdio de Latinoamérica en la história universal.

O retorno definitivo à Argentina ocorre em 1967. Como professor na Universidade Nacional de Cuyo, escreve, em 1968, El dualismo en la atropología de la cristianidad, fechando a trilogia sobre a hermenêutica antropológico-ética dos gregos, semitas e cristãos. Nesse trabalho aparece o tema do choque entre os mundos europeu e ameríndio: o enfrentamento assimétrico "com a conseguinte dominação de um sobre o outro; com a destruição do mundo ameríndio pela conquista em nome da Modernidade". Essas reflexões colocam em crise o modelo ricoeuriano, "apto para a hermenêutica de uma cultura, mas não para o enfrentamento assimétrico entre várias culturas (uma dominante e as outras dominadas)" (DUSSEL, 1998, p. 19). Essa preocupação se expressa nos seminários sobre a história da filosofia e resulta no texto Para una de-strucción de la historia de la ética 4.

Naquele momento, era travado um importante debate a partir do livro de Salazar Bondy (1969). Nele, o autor pergunta se a filosofia latino-americana existe; em caso de resposta negativa, questiona a possibilidade e condições para sua criação; finalmente, discute até que ponto faria sentido e teria validade tomar como tema ou objetivo de atenção filosófica a realidade latino-americana. Em resposta, Zea (1969) afirma que existe uma tradição de pensamento autenticamente latino-americana que não pode ser ignorada e que a filosofia deve contribuir para a superação do subdesenvolvimento e da dependência, que não se trata de considerar o pensar latino-americano como um tema ou objeto específico, mas como um componente iniludível.

É preciso dizer que esses debates aconteciam no bojo de um contexto marcado por um conjunto importante de processos revolucionários e libertadores (com destaque para a Revolução Chinesa, para a Cubana e para os conflitos na América Central) e pela emergência e disseminação, na América Latina, da teoria da dependência (SANTOS, 2000), da teologia da libertação (GUTIERREZ, 1973), da pedagogia do oprimido (FREIRE, 1994) e da literatura latino-americana5 (RAMA, 1982). Dussel (1995a, p. 17-18) faz o seguinte relato pessoal desse contexto de origem de sua FL:

Desde que retornei à América Latina, chegando da Europa, a situação política ia de mal a pior. Os alunos exigiam dos professores mais clareza política. Na Argentina, a ditadura de Onganía recebia oposição cada vez maior dos grupos populares. Em 1969, rebenta o "Cordobazo" (a cidade de Córdoba é ocupada por estudantes e operários, reproduzindo-se o que acontecera no ano anterior no México, em Paris e em Frankfurt). A "teoria da dependência" abria caminho, apontando a assimetria econômica Centro-Periferia existente entre o desenvolvimento do Norte como causa do subdesenvolvimento do Sul. Na Colômbia, Fals Borda publica Sociología de la liberación; Augusto Salazar Bondy apresenta seu estudo ¿Existe uma filosofia em América Latina?, no qual faz depender da situação estrutural de neocolônias dominadas a impossibilidade de uma filosofia autêntica. Estávamos ministrando um curso de Ética ontológica dentro da linha heideggeriana na Universidade Nacional de Cuyo (Mendoza, Argentina) quando, em um grupo de filósofos, descobrimos a obra de Emmanuel Lévinas, Tótalité et Infinit: Essai sur l'Exteriorité. A minha ética ontológica passou a ser, então, Para una ética de la liberación latinoamericana {...}.

O encontro com Lévinas (1997; 2000) permitiu a definição da posição de exterioridade indispensável para compreender a experiência da dominação e da exclusão porque fala sobre a outra pessoa, tratada como Outro (Autrui) e como pobre (Pauper). Dussel (1998, p. 20) explica porque essa "exterioridade metafísica do Outro" é fundamental:

Porque a experiência originária da FL consiste em descobrir o "fato" massivo da dominação, do constituir-se de uma subjetividade como "senhor" de outra subjetividade, no plano mundial (desde o começo da expansão europeia em 1492 - fato constitutivo originário da "Modernidade") Centro-Periferia; no plano nacional (elites-massas, burguesia nacional - classe operária e povo); no plano erótico (homem - mulher); no plano pedagógico (cultura imperial elitista versus cultura periférica popular etc.); no plano religioso (o fetichismo em todos os níveis); no nível racial (a discriminação das raças não-brancas) etc. {...} O pobre, o dominado, o índio massacrado, o negro escravo, o asiático da guerra do ópio, o judeu nos campos de concentração, a mulher objeto sexual, a criança sob a manipulação ideológica {...} não podem partir simplesmente da "estima de si mesmo" {...}. A anterioridade do Outro que interpela constitui a possibilidade do "mundo" ou de si mesmo como reflexivamente valiosa {...}.

A anterioridade do Outro que interpela torna-se o fundamento do ato ético. Esse encontro, em conjunto com as formulações dependitistas sobre Centro e Periferia, permitiu, também, uma revisão da abordagem culturalista anterior a 1969 (influenciada por Heidegger e Ricouer). Segundo Dussel (2012a, p. 32), ocorre uma "ruptura com a concepção substancialista de cultura", com a cegueira perante a assimetria dos envolvidos e a descoberta de que os condicionamentos culturais "eram articulados (explícita ou implicitamente) desde a perspectiva de interesses de determinadas classes, grupos, gêneros, raças etc."

No entanto, apesar de ter superado a noção da totalidade hegeliana racional e da totalidade existencial heideggeriana, Lévinas (1997; 2000) permanece concebendo um Outro abstrato ou passivo porque tem uma pedagógica, mas não uma política: "ele nos mostrava de que maneira apresentar a questão da 'irrupção do outro', mas nós não podíamos construir uma política (erótica, pedagógica etc.) que, questionando a Totalidade vigente (que dominava e excluía o Outro), pudesse construir uma nova Totalidade" (DUSSEL, 1995a, p. 22). Esse era, precisamente, o problema crítico-prático da libertação para o qual a contribuição de Lévinas era insuficiente.

Ocorre, naquela mesma época, o contato com os autores da primeira fase da Escola de Frankfurt (principalmente de Herbert Marcuse e Walter Benjamin6), considerada por Dussel (2002, p. 330) como "um movimento crítico que funciona como antecedente direto da FL e que se desenvolve no seio da crise da Modernidade tardia do capitalismo central". Essa influência se expressa: na reflexão sobre as condições de possibilidade da crítica negativa e teórica; na estratégia argumentativa que define o sistema vigente como uma Totalidade que se torna irracional e do qual é preciso emancipar-se; na definição da razão crítica como uma razão que considera a negatividade no nível material e prático; em um pensamento que se articula com as vítimas; na referência a comunidades com consciência explícita de sua condição de dominação; na concepção crítica da história valorizando os momentos libertadores do passado em relação às lutas do presente e os momentos nos quais a tomada de consciência das vítimas irrompe o descontínuo da história repetitiva (DUSSEL, 2002).

Dussel (1998, p. 21) se coloca, então, a "questão teórico-prática de uma nova Totalidade" - a questão da libertação para a qual se fazia necessário construir novas categorias e uma nova arquitetônica filosófica. A primeira destas categorias que precisa ser desenvolvida é a da "Totalidade no mundo do oprimido", dada a insuficiência de pensar ontologicamente o "ser da Totalidade vigente", de uma Totalidade que "justifica a opressão do oprimido e a exclusão do Outro". É preciso, portanto, romper com "a totalidade europeia do século XV ao século XX que colocou a outros homens como se fossem coisas em seu mundo" e esse mundo como se fosse "único, natural, incondicionado e exclusivo ponto de apoio de todo o pensar possível" (DUSSEL, 1995b, p. 231). A superação dessa ontologia implica em uma metafísica, em um ir além do horizonte do mundo (em grego, "mais além" e "mais alto" se diz aná, e palavra é logos). É preciso, desde a interpelação do Outro, afirmá-lo como outro e, assim, negar a negação dialética através de um "método analético", através da "afirmação original" do Outro (DUSSEL, 1998, p. 21).

Ana-lógos significa "palavra que irrompe no mundo mais além do mundo"; mais além do fundamento (DUSSEL, 1995b, p. 233). O método ontológico-dialético precisa ser superado porque chega apenas até o fundamento do mundo, detendo-se frente ao Outro da história distinta (não diferente - identidade e diferença são entes da totalidade, distinto é aquilo que é sempre e originalmente outro). A palavra do Outro é analógica porque irrompe interpelando, porque vem de mais além do meu mundo. Sendo assim, só é interpretável analeticamente porque "meu fundamento não é razão suficiente para explicar um conteúdo que escapa à minha história porque é a história do Outro" (DUSSEL, 1995b, p. 234). O método analético se diferencia do dialético porque o Outro como oprimido é o ponto de partida, porque "leva em conta a palavra do Outro como outro" e "implementa dialeticamente todas as mediações necessárias para responder a essa palavra" (DUSSEL, 1995b, p. 236). Ou seja, a analética é uma ampliação da dialética, incorporando uma nova possibilidade de construção do conhecimento na relação com o Outro, com a alteridade do distinto, com a exterioridade do sistema (DUSSEL, 1974). O ponto de partida da analética é a interpelação do oprimido, da comunidade de vítimas. Isso é o que leva à ampliação da dialética, pois exige uma experiência de 'nós' com os oprimidos, com a exterioridade do sistema vigente. A analética tem um momento afirmativo, em que se afirma a vida do oprimido, da comunidade de vítimas como um 'não-ser' que é resultado da exploração e da dominação. Nesse momento, há uma apreensão crítica da realidade, na qual o povo toma uma posição epistêmica. Apesar disso, a analética não se reduz à conscientização do oprimido (FREIRE, 1994), pois há um segundo momento, que é o de negação da negação da vida em concreto. Nesse momento, há a destruição dos sistemas de opressão e exclusão na prática. Nele, a experiência de 'nós' com os oprimidos não significa 'pensar pelo Outro' e muito menos 'fazer pelo Outro'. A analética exige 'estar junto com o Outro', com os oprimidos, na sua luta contra a opressão e contra a negação de sua vida pela Totalidade do sistema. A solidariedade com o Outro e a experiência de 'nós' com a comunidade de vítimas são o que permite o terceiro momento da analética, a realização superior da história, o novo em que os excluídos e oprimidos criam uma comunidade da qual são integralmente parte e em que constroem novas instituições7.

No que diz respeito aos pesquisadores que são interpelados pela comunidade de vítimas, a analética requer a abertura para pensar, para ouvir, para ver, para sentir, para provar o mundo desde a perspectiva do Outro. Ela é condicionada pela humildade, por uma solidariedade expectante. Ela permite o reconhecimento de que há uma política da Totalidade e uma política do Outro. "A política da Totalidade é dividida entre o senhor e seus oprimidos como oprimidos nesse sistema particular"; o oprimido é o Outro dessa Totalidade. Portanto, a "política do Outro é uma antipolítica, é uma política de subversão e contestação". É uma política que desafia hierarquias estabelecidas e verdades legais. "A política do Outro, a antipolítica da alteridade, proclama a injustiça e a ilegitimidade do sistema" em nome de uma nova legalidade, de uma nova legitimidade (MENDIETA, 2001, p. 21). Ou seja, trata-se de uma anti-política em relação à política do sistema.(...)

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