A extrema direita no Leste Europeu
Por EURICO PEREIRA DE SOUZA*
Os destinos do Ocidente e do Oriente estão extremamente interligados, e devem trabalhar juntos para que a Europa do passado não seja a Europa do futuro
Quando o site A Terra é Redonda inaugurou a série de suas entrevistas, o primeiro convidado, em julho de 2023, o Professor Paulo Arantes, indagado a respeito dos movimentos de direita e extrema direita no mundo, justificou vaga lembrança a um título publicado no Brasil, em meados dos anos 1990, de um autor identificado por Hockenos, que assinalava a emergência de grupos de extrema direita nos países do Leste Europeu, logo após a desagregação do socialismo real na região. Esta foi a pista que motivou a elaboração do presente texto.
Não se trata aqui de expor uma resenha, mas apenas algumas notas de HOCKENOS, Paul. Livres para odiar (Scritta, 1995), com vista a uma visão geral da obra. Certamente, devido tal escrito ter sido publicado no Brasil em 1995, os relatos dos eventos estão circunscritos ao período de 1989 a 1993. Porém, como o leitor deduzirá por si mesmo, tais registros têm impacto no momento atual.
Paul Hockenos visita os países do Leste Europeu logo após o colapso do sistema soviético e suas consequências na desestruturação dos regimes, agora pós-comunistas, da Alemanha Oriental, Hungria, Romênia, República Tcheca, Eslováquia e Polônia.
O autor é jornalista, e seu escrito tem um enfoque de grande reportagem, acompanhado de uma parte mais restrita com viés analítico. A visita ocorre entre 1989 e provavelmente 1992, e desse modo, o autor observará fenômenos políticos e sociais da transição dos regimes do socialismo real, nos referidos países, para as perspectivas otimistas, na época, com a edificação das experiências democráticas.
Porém, o que Paul Hockenos encontra, e enfatiza em seu texto, é o surgimento de forças de extrema direita sustentadas por ideologias ultranacionalistas, nacionalismos radicais de matriz étnica e movimentos fascistas.
Uma constante se apresenta nos países visitados pelo autor: com a queda dos regimes do socialismo real (apoiados, sustentados e pressionados pelo sistema soviético), o ódio contra os comunistas é moeda corrente; um conjunto de forças políticas caracterizadas por dissidentes democratas, nacionalistas, ultranacionalistas, setores de centro, movimentos de esquerda (críticos do regime soviético) e organizações fascistas tentam remodelar o destino de seus países.
Os primeiros anos após os regimes autoritários (1989 a 1991) sinalizam anseios de reflorescimento da experiência democrática cercada por incertezas e até desconfianças com antigos vizinhos devido a disputas territoriais e incômodos étnicos. As elites participantes desse processo político, entusiasmadas com os ideais da democracia liberal, e ansiosas para serem reincorporadas à Europa, aceitam os preceitos econômicos neoliberais via FMI e Banco Mundial. O resultado, nos poucos anos seguintes, com privatizações, desregulação das normas de mercado, diminuição ainda maior dos poucos gastos sociais, aumento da inflação e queda acentuada nos serviços estatais acessíveis à população, fez emergir uma grande frustração com relação ao futuro dos países em questão.
Ora, o fenômeno mais esperado diante desta situação seria a população da Europa Oriental questionar o modelo econômico neoliberal em decorrência dos pífios resultados sociais e econômicos. Mas, o que boa parte da população, em seus diferentes estratos sociais, manifestou foi a culpabilização de outro agente pelos difíceis resultados da transição dos regimes. Este outro agente foi “o estrangeiro”. Seja ele o cigano, o negro, o judeu, ou o vizinho de fronteira, no caso o romeno ou o húngaro, sejam os “irmãos ideológicos” que faziam intercambio de estudo ou trabalho, no caso os vietnamitas, cubanos, e alguns chilenos, perseguidos pelo regime de Augusto Pinochet. No caso dos negros, em particular na Alemanha Oriental, principalmente no início dos anos 1980, houve programas de convite para trabalho em decorrência do déficit de mão de obra, recebendo, desse modo, etíopes, angolanos, e moçambicanos.
Então, a culpabilização do estrangeiro fez com que parte da população (maior ou menor em cada país) moldasse a conjuntura política na Alemanha Oriental, Hungria, Romênia, República Tcheca, Eslováquia e Polônia, potencializando, assim, nacionalismos étnicos que, por sua vez, constituíram a base de forças ultranacionalistas e movimentos fascistas.
Ocorre que a referida região, entre a primeira e a segunda guerra mundial, e nas décadas posteriores a 1945, já conservava um caldo cultural de conflitos e desconfianças de ordem étnica. Nos países em questão, havia (e prosseguem até o presente) conflitos com base em litígios territoriais e perseguições étnicas. Exemplo: na Hungria há uma comunidade romena que sofre ameaças, não somente por parte da população, mas também, pela institucionalidade estatal; na Romênia há uma grande comunidade húngara em situação semelhante, inclusive que foi perseguida por Nicolau Ceausescu; na Alemanha Oriental, há trabalhadores poloneses que eram vistos como vagabundos e aproveitadores.
A Eslováquia guardava profunda crítica e desconfiança com a arrogância da República Tcheca (que é mais desenvolvida); na própria Eslováquia, há outra comunidade húngara que também é perseguida pela burocracia estatal. E há um conjunto de povos e etnias que são perseguidos em todos estes países: primeiramente os ciganos; em seguida os negros; judeus; e os demais povos do “terceiro mundo” – assim chamados, em tom ressentido, pelos cidadãos locais.
Paul Hockenos apresenta dados que salientam a existência de skinheads, mesmo no período de vigência do socialismo real, na Alemanha Oriental, Hungria, Romênia, República Tcheca, e Polônia. E tais grupos, ora perseguidos e presos pelo antigo regime, ora tolerados, já estabeleciam conexões com grupos de extrema direita dos países ocidentais, tais como a Ku Klux Klan nos EUA, e outros na Alemanha Ocidental.
Os movimentos ultranacionalistas e fascistas se materializaram em decorrência das frustrações com os resultados da economia de mercado neoliberal e também pela ação de membros da extrema direita que, encarcerados durante o período dos regimes socialistas, foram posteriormente libertados devido à anistia geral que acompanhou os momentos últimos do socialismo na região.
Paul Hockenos não diz, mas é possível inferir uma hipótese sobre um problema central que cerca a refundação de uma nova ordem política. Nitidamente, a transição em parte dos países em questão, sofreu pela falta de quadros para a gestão pública. Em certos países, a baixa organização e diversidade da sociedade civil (decorrente da ausência de participação política) aliada à ausência de experiências democráticas, fez com que, para o lugar dos funcionários do anterior estado burocrático sob o socialismo real, não houvesse lideranças com competência para a gestão pública.
Assim, para a “nova” administração do Estado, será formada uma composição de antigos comunistas (agora reinventados), forças democráticas, setores ultranacionalistas e até fascistas, constituindo uma mistura ideológica problemática e, certamente, geradora de novas instabilidades.
O fenômeno do nacionalismo étnico e a total ausência de um nacionalismo cívico é o que moldou toda a conjuntura política dos referidos países naqueles inícios dos anos 1990. E tal nacionalismo, como é de se esperar, resultou em conflitos étnicos, hostilidades raciais, perseguições, mortes, etc.
Todo este caldo político e cultural fez aparecer na região grandes movimentos de extrema direita compostos por partidos políticos e uma diversidade de grupos de interesses ideológicos comuns.
Na composição da administração pública, logo após a queda do muro, e nas posteriores eleições, outras sombrias articulações políticas, coligações pontuais ou conjunturais, apareceram. É conhecido que os setores mais duros dos regimes do socialismo real, nos referidos países, se situavam na área de segurança, por exemplo, na Stasi, que era a polícia secreta da Alemanha Oriental, na sua correlata Securitate, do Estado romeno. Os funcionários destes órgãos, além de manifestarem práticas autoritárias, guardavam sentimentos nacionalistas e potenciais preconceitos com relação a estrangeiros.
Ora, com a desestruturação dos Estados socialistas, tais setores serão incorporados às forças nacionalistas étnicas, cujos programas políticos eram claramente fascistas, ou serão reincorporados aos sistemas de segurança estatal quando, por meio de eleição, a direção do país caiu nas mãos de algum partido de direita. Ocorreu então que forças nacionalistas e ultranacionalistas, embora anticomunistas, tinham à disposição a expertise das antigas forças de segurança da antiga burocracia socialista.
O livro de Paul Hockenos ajuda a compreender – considerando fatos objetivos – aquilo que nos Estados das revoluções socialistas caracterizam os ganhos e as vicissitudes de um processo revolucionário. Nos países citados, tornar-se socialista, do ponto de vista do regime e da governança, não resultou de um envolvente processo revolucionário, como foi o caso da Rússia, ou mais tarde, o de Cuba. Alemanha Oriental, Hungria, Romênia, República Tcheca, Eslováquia e Polônia tornaram-se socialistas por meio de outras conveniências e não em decorrência de intenso processo de luta de massas.
Há que se lembrar, por exemplo, que a participação da Hungria na Segunda Guerra mundial foi de apoio aos países do Eixo. Logo, nas estruturas desses Estados, e em seus partidos comunistas, houve a composição de forças socialistas, com grupos nacionalistas étnicos, antissemitas, e até xenófobos. Com a desagregação dos regimes a partir de 1989, especificamente, tais forças políticas reacionárias, desalojadas do próprio Estado socialista em crise, vieram a se somar ideologicamente a outras forças reacionárias (anticomunistas e fascistas) e, desse modo, constituíram, nestes países, grupos de direita e extrema direita.
Precisamente sobre a Polônia, o texto de Paul Hockenos, acrescenta interessantes informações para além daquilo já conhecido no Brasil. Nos anos 1980, a esquerda brasileira acompanhou o surgimento do movimento Solidariedade, de origem sindical, cujo um de seus líderes, Lech Walesa, se tornará, depois, com a retomada do processo democrático, o presidente do país. O Solidariedade foi um movimento sindical que começou a confrontar o regime socialista polonês.
Ocorre que tal movimento é composto por diferentes frações políticas, desde grupos de esquerda críticos do regime, até grupos de centro e de direita. No movimento, Lech Walesa era o líder sindical representante da Igreja Católica Polonesa. Católico conservador, Walesa representava bem os interesses da Igreja na luta política. A Polônia, deste período, enfrentando a conjuntura política semelhante aos demais países do Leste, não pode ser compreendida sem a presença de sua Igreja Católica. Com 95% da população vinculada ao catolicismo, o país em questão, culturalmente guarda um vínculo inextricável entre catolicismo e nacionalismo. Em outras palavras, a ideia de nação para os poloneses está amarrada aos valores do cristianismo católico.
Assim, na transição do regime socialista para a possível gestão democrática posterior, a Igreja Católica assumiu o papel de mediadora entre as forças da burocracia comunista e as novas forças democráticas. Ocorre que a Igreja Católica polonesa, na época – e certamente ainda hoje – uma das mais conservadoras de todo cristianismo católico no mundo, manifestava uma relação ambígua com o Solidariedade e com as forças democráticas: de um lado, a cúpula legitimava a participação de sua base (clero e leigos) na luta política e mesmo no interior do Solidariedade; por outro lado, a própria cúpula ficava distante de tal envolvimento.
A rigor, como aponta Paul Hockenos, a elite da instituição cristã contribuía para o que ela compreendia como reflorescimento das experiências democráticas, mas acompanhava de perto as forças democráticas com o intuito destas “não saírem do controle” no sentido de defenderem proposições de uma experiencia democrática mais radical, inclusive no terreno dos costumes. Nesta questão, a título de esclarecimento, uma analogia pode ser estabelecida entre a Igreja Católica polonesa e o liberalismo no Ocidente: ambos manifestam a mesma ambiguidade com relação à democracia, pois apoiam o exercício democrático com desconfiança e, em decorrência, criam obstáculos objetivos à gestão que pretenda ser mais alargada e que inclua valores substantivos de igualdade e tolerância efetiva a novos costumes.
Na eleição que ocorreu no país, posteriormente à queda do socialismo, nenhum partido ousou confrontar a Igreja, e esta trabalhou nos momentos cruciais para fazer de Walesa o presidente, e marginalizar as forças mais à esquerda (ação que ela já efetivava nas divisões internas do Solidariedade). Mas algo mais sombrio se fez com as intervenções da Igreja no processo político polonês. Nos anos 1980, a Polônia era talvez o experimento e a esperança da cúpula do Vaticano em recriar uma sociedade cristã, um catolicismo puro e incorruptível para ser modelo para a Europa.
Sua missão não era reformar os valores, mas algo mais, isto é, reorganizar o cristianismo europeu e projetar a libertação do Ocidente moralmente doente (HOCKENOS, 1995). Há que se lembrar que, neste mesmo período, a Igreja Católica polonesa tinha um grande representante no cristianismo mundial, e um político para o mundo secular: o Papa, também polonês, Karol Wojtyla (João Paulo II). Tal Papa, como já se sabe, foi profundo aliado das forças conservadoras e neoliberais da época (Margareth Tatcher e Ronald Reagan), além de articulador internacional nas ações com vista a abreviar os regimes dos países do socialismo real, a começar pela Rússia de Gorbachev.
Mas apoiar as forças neoliberais não significa total compromisso com a ideologia dominante no Ocidente. João Paulo II e seu secretário Joseph Ratzinger (futuro Bento XVI), reprovavam certos traços do Ocidente tais como o relativismo dos valores, a frouxidão no âmbito dos costumes, e o extremo consumo. Assim, por exemplo, na Polônia dos anos 1990, qualquer político que assinalasse certa tolerância com relação às práticas de aborto, era claramente alijado do processo político. Isto fez com que, naquele momento, a institucionalidade polonesa com suas leis tivesse (junto com a Irlanda) uma das legislações mais truculentas contra médicos e gestantes que se envolvessem com os procedimentos de aborto. Evidentemente, o Papa e a Igreja Católica polonesa tinham uma postura crítica não somente contra a anterior experiencia socialista, mas também, contra certas bases da cultura do Ocidente.
Tal preocupação se mostra institucionalmente no partido político mais representativo dos interesses da Igreja, o CNU (União Nacional Cristã) que, entre 1991/1993, fez parte da coalizão do governo polonês, com seu programa claramente de direita, cujos princípios se intitulam “Cristianismo, Igreja, Pátria e Honra”. Tal partido se comportou como soldado leal da hierarquia da Igreja defendendo um programa de ideias de uma Polônia definida como Estado católico nacionalista; um posicionamento crítico ao liberalismo por meio da rejeição à economia de mercado; à condenação do sexo antes do casamento; rejeição do divórcio e do uso de contraceptivos. Para os jovens, o partido tinha uma missão bem específica:
Os jovens poloneses devem assumir o papel de “cruzados da moral” se quiserem sobrepujar “pequenos criminosos, alcoólatras e anarco-pacifistas”, pois, ‘um verdadeiro católico não é um cordeirinho que se conforma facilmente’ (HOCKENOS, 1995, 294).
O programa político do CNU projeta o país como expressão de uma unidade nacional e cristã. Logo, nação e espírito estão imbricados, tanto no projeto do partido, como para a Igreja. Para o partido, a nação é a um só tempo comunidade étnica de poloneses e comunidade espiritual de católicos. Ora, tal concepção que vincula raça e religião somente pode resultar em um sinistro projeto político. E este valor se materializa na defesa, pelo partido, da ideia de edificação na Polônia de uma “comunidade espiritual vital”, que, para ser alcançada “[…] depende de uma nação polonesa forte, que é baseada na comunidade de poloneses étnicos, devotados ao cristianismo. A mais elementar unidade dessa comunidade étnica é a família católica. A construção de uma nação-estado católica deve, portanto, começar na base da fraqueza da nação, ou seja, a família, e sua crise moral contemporânea” (HOCKENOS, 1995, 295).
O chamamento dos jovens e a exigência de constituição de uma comunidade forte, pois um verdadeiro católico não é um cordeirinho que se conforma facilmente, assinala o propósito do viés étnico presente no programa do CNU: um projeto eugênico, portanto, uma intenção de aperfeiçoamento da raça para criação de cidadãos fortes com a finalidade de enfrentar, por meio dos cruzados da moral, a “decadência dos valores ocidentais” que se avizinha à cultura polonesa. Sendo tal programa partidário efetivado com apoio da Igreja Católica local.
Neste aspecto, verifica-se na Polônia, após o difícil percurso rumo ao reflorescimento dos ideais democráticos e às frustrações provenientes dos resultados econômicos neoliberais, um vínculo entre conservadorismo da Igreja Católica e o projeto de movimentos de direita fascistas.
Adiciona-se a consideração de que a Opus Dei começou a penetrar na sociedade polonesa sob as bençãos de João Paulo II. Tal organização reacionária, inscrita no mundo institucional da Igreja em muitos países, defensora de um catolicismo extremamente conservador e com símbolos hierárquicos quase militares, se aproximou do país por meio da popularização de traduções dos textos de seu fundador, o padre espanhol Jose Maria Escriva de Belaguer. O pontificado de João Paulo II demonstrou simpatia para com a Opus Dei, e alçou fiéis dessa organização a altos postos no Vaticano. Para além disso, o Papa, contornando exigências de tempo para a canonização (entre cinquenta e cem anos), com apenas 17 anos após a morte de Belaguer (falecimento em 1975), inicia o processo de sua beatificação (HOCKENOS, 1995).
Por todo este relato sobre a política e a conjuntura da Polônia após a desagregação do socialismo real ali inscrito, o texto de Paul Hockenos (1995) situa a sombria trama muito refinada dos interesses compartilhados entre o Vaticano, a Igreja Católica polonesa e os partidos fascistas.
Um penúltimo aspecto a salientar é o posicionamento do autor sobre o objeto de seu livro. Paul Hockenos, sendo um jornalista americano, não escapa de uma certa crença em defesa da economia de mercado. A rigor, ao longo de seu texto, o autor hesita em afirmar que os países do Leste Europeu foram iludidos com o projeto neoliberal, cuja natureza não iria trazer bons resultados econômicos e sociais a curto e médio prazo; por outro lado, também professa de maneira implícita que o âmbito da política e da vida social devem se sustentar na economia de mercado, pois este é o caminho mais avançado, moderno e comprometido com os ideais democráticos.
Nesta perspectiva, nas entrelinhas de seu texto, sugere que há um desenvolvimento maior nos países ocidentais e isto já assinala uma superioridade com relação ao Leste da Europa. Seguindo neste mote, apresenta a comparação entre valores constituintes de projeto nacional. Para o autor, estruturando um argumento forçado, a experiência socialista de viés estalinista fortaleceu, nos países do Leste Europeu, nacionalismos étnicos com todas as suas consequências: racismos, xenofobia, fascismos de distintos matizes e articulações de movimentos de extrema direita. Nesta toada, o contrário ocorreu com o Ocidente que conseguiu disciplinar de maneira melhor suas forças políticas de direita, e as convergiu para compromissos com ideais democráticos.
Portanto, no juízo de Paul Hockenos, a equação é simples: a experiência autoritária do socialismo real contribuiu para o avanço da extrema direita na região em questão, enquanto no Ocidente, houve uma contenção do extremismo, compelindo-o para aceitação das regras do jogo democrático. Ora, tal argumento é forçado porque não se sustenta. Sobre o que o autor não diz, nem faz a mínima menção: os grandes movimentos fascistas do século XX tiveram origem nos países ocidentais, no caso, o nascedouro na Itália de Mussolini, o mais tenebroso na Alemanha de Hitler, e o mais longevo, na Espanha de Franco.
Aliás, o autor busca situar, de maneira implícita, que o fascismo na Europa Ocidental circunscreveu-se apenas ao período pré Segunda Guerra e, em seguida, foi desaparecendo, mas, esquece de que, no caso da Espanha, ele teve vida longa, iniciando-se em meados dos anos 1930 e chegando até a metade dos anos 1970.
Paul Hockenos admite algumas fragilidades do Ocidente, mas apresenta-as como algo pontual: cita a presença de skinheads na Alemanha Ocidental; contextualiza a contribuição de grupos de extrema direita de países ocidentais às organizações irmãs situadas no Leste e, na conclusão de seu livro, situa muito bem que o Ocidente Europeu mais prometeu do que cumpriu com projetos e programas que visassem incorporar países do Leste à comunidade da Europa. Proveniente do Ocidente não houve apenas a estratégia de danos previsíveis da política de mercado desregulado e demais exigências do FMI/Banco Mundial. Houve também ação deliberada em definir altos requisitos para os países do Leste se integrarem à Europa, criando, desse modo, propositais entraves decorrentes das suspeitas do alto custo de tal decisão para a economia da parte abastada da região. Neste aspecto, o autor faz o alerta:
O Ocidente não pode contar só com os quarenta anos de estabilidade, nem pode fechar a Europa Oriental como se os muros da Guerra Fria estivessem de pé. Os destinos do Ocidente e do Oriente estão extremamente interligados, e devem trabalhar juntos para que a Europa do passado não seja a Europa do futuro (HOCKENOS, 1995, p. 365).
Colocando-se as devidas ressalvas na suspeita ideia de que “o Ocidente teve quarenta anos de estabilidade,” o aviso de Hockenos é pertinente.
*Eurico Pereira de Souza é mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Sem comentários:
Enviar um comentário