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domingo, 17 de março de 2024

É por isto e por outras razões que os meninos votam (os que têm idade para isso) no Chega e assim pela Europa fora


Começar outra vez

É difícil explicar o que se sente quando rapazes que ainda nem são maiores de idade, defendem com toda a veemência que jamais aceitarão ter uma mulher que ganhe mais do que eles.


O cenário é o auditório de uma escola secundária do interior do país onde, sentados por turma, cerca de 200 adolescentes aguardam o início da sessão de Educação para a Saúde organizada pelo Gabinete de Psicologia. E enquanto fazemos um compasso de espera porque, ao que parece, falta chegar uma turma de Economia, aproveito para olhar para os miúdos que, curiosamente, fazem muito menos barulho do que seria expectável. Talvez o silêncio se deva ao facto de a grande maioria ter a cabeça enterrada num ecrã de telemóvel, é certo. Mas a tranquilidade relativa permite-me observá-los de verdade e, de repente, sinto que consigo vê-los.
Uma miúda loura, de faces muito ruborizadas, tem uma expressão que se assemelha a pânico. A forma como utiliza as mãos para se agarrar às laterais do assento deixa-me perturbada. Sinto que a cadeira é aquilo que a protege do mundo e, quase sem querer, creio ter descoberto o motivo. Há três miúdas, umas quantas filas atrás, que não param de olhar para ela e sussurrar. Cada sussurro é veneno.
Começar outra vez
E depois há um grupo de seis rapazes que, mais ou menos a meio do auditório, distribui sorrisos e acenos em todas as direcções. Parecem uma espécie de família real da escola. Os demais rapazes olham-nos com a esperança de serem chamados para perto de tão nobres figuras e as raparigas suspiram pelos cabelos cortados em formato de capacete. Já não me lembrava que o ensino secundário é mesmo um lugar estranho.

E é comigo perdida em devaneios que a turma em falta faz a sua entrada triunfal. As minhas companheiras de mesa olham-me e uma delas diz “vamos a isto?”. Começamos.

Eu, como acontece muitas vezes, vim falar sobre a importância de utilizar preservativo numa altura em que as campanhas sobre esta temática são escassas. Já aqui escrevi sobre o tema, mas deixem-me repetir que os números são cada vez mais preocupantes: desde que existe vigilância epidemiológica das Infecções Sexualmente Transmissíveis na Europa (2009), nunca tivemos tantos casos de gonorreia como em 2022. E a clamídia e a sífilis também seguem disparadas. Já agora, para que fique o registo, Portugal foi o sexto país da Europa com a taxa mais elevada de sífilis em 2022. E é urgente que se comece a trazer este assunto para a ordem do dia e que se invista a sério em campanhas de sensibilização para os mais jovens. Enfermeiras a falar em escolas ajudam, mas não são suficientes. Tal como o marketing da marca de preservativos Control que sozinho não faz milagres. É preciso entrar pela casa dos miúdos nem que, para isso, se tenham de fazer dancinhas de TikTok a explicar que a gonorreia pode causar infertilidade, que a clamídia pode provocar doença inflamatória pélvica e que a sífilis pode matar. O que vos digo, e o que digo também a estas duas centenas de miúdos, é que temos de acordar.

Mas não é sobre a minha conversa que quero escrever hoje porque, na verdade, este é um tema consensual. Já os dois temas seguintes, igualdade de género e violência no namoro, dão origem a um prolongado debate que, devo dizer, me deixa até indisposta.
Começar outra vez
Reparem, eu conheço os números. Ainda há cerca de uma semana, o El País publicava um estudo que mostrava claramente que os homens da geração Z eram mais conservadores e tinham uma visão mais negativa do feminismo do que aqueles que os antecederam. Já em 2022, o The Survey Center on American Life concluiu que homens e mulheres pertencentes à geração nascida entre 1997 e 2012 tinham percepções muito diferentes sobre temas como o aborto ou a igualdade de género. Eles eram mais conservadores e elas mais progressistas. Mas mesmo sabendo os conceitos e dados teóricos, é difícil explicar o que se sente quando rapazes que ainda nem são maiores de idade, defendem com toda a veemência que jamais aceitarão ter uma mulher que ganhe mais do que eles e que é ao homem que cabe garantir o sustento do lar. E esta é a parte em que eu podia dizer que estamos a voltar ao tempo das cavernas, mas a ciência, ela própria, tem vindo a mostrar-nos que aquela ideia enraizada do homem que saía para caçar mamutes enquanto a mulher cuidava da gruta tem pouca correspondência com a realidade. Aliás, o que se tem vindo a constatar, através da análise de ossadas, é que a divisão de tarefas entre feminino e masculino é muito mais recente do que o período paleolítico onde não existe grande dúvida de que as mulheres também eram, por exemplo, caçadoras.

Há uns meses, o meu filho Pedro disse-me que tinha aprendido na catequese que Deus tinha criado o mundo e que o homem foi a sua criação mais perfeita. A mulher, dizia ele, fora criada para ser companhia e veio directamente das costelas de Adão. E eu até senti um aperto no peito quando o ouvi. E muito devagarinho voltei a apresentar-lhe um senhor chamado Darwin e uns “primos afastados” chamados gorilas. Sabem o que me disse no final, de sorrisinho nos lábios? Que gostava mais da história do Adão e da Eva porque, assim, queria dizer que os meninos eram chefes das meninas. Engoli em seco e precisei de contar até dez. Mas o episódio serviu-me para perceber que mesmo nas coisas mais pequenas continuamos a transmitir a ideia de que o homem está um degrau acima de nós.

Nos adolescentes portugueses, nesta e noutras escolas, a ideia do “homem-alpha” defendida, por exemplo, por Andrew Tate, está viva. E se o TikTok de Tate, que contava com mais de 11,6 mil milhões de visualizações, foi desactivado, muitos outros por lá continuam a transmitir a ideia de que os homens têm de ser dominantes. E sim, a ideia de hipermasculinidade disseminada pelos influencers do movimento de Tate está presente. Demasiado presente.
Começar outra vez
Vivemos tempos estranhos, sabem? Em Espanha, mesmo aqui ao lado, 44% dos rapazes entre os 15 e os 25 anos consideram que o feminismo foi demasiado longe e que as mulheres, na tentativa de atingir a igualdade, desequilibraram a balança contra os homens. Ironia das ironias, em Espanha os homens continuam a ganhar, para os mesmos cargos, cerca de 9,4% mais do que as mulheres e, nos últimos dez anos, 1238 mulheres foram mortas às mãos de companheiros e ex-companheiros. E, não, este fenómeno não é exclusivo do país vizinho ainda que, em Portugal, não tenha conseguido encontrar grandes estudos sobre o tema.









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