Hiperimperialismo: Um novo estágio decadente perigoso
A pesquisa realizada para a produção deste documento foi conduzida de forma coletiva durante mais de um ano e recebeu contribuições de diversos acadêmicos e ativistas socialistas. Foram compilados dados e gráficos fornecidos pela Sul Global Insights (GSI), com edição e coordenação de Gisela Cernadas, Mikaela Nhondo Erskog, Tica Moreno e Deborah Veneziale. Grande parte dos dados e gráficos da Parte IV se baseiam em pesquisas publicadas pelo economista John Ross.
Introdução
Faz apenas 30 anos que ideólogos burgueses declararam o “fim da história” em pantomimas de satisfação de desejos, por sentirem a inviolabilidade do imperialismo dos Estados Unidos.1
Diante da violência da repressão, como a ocorrida no Massacre de Eldorado do Carajás em 1996 no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra liderou a reivindicação de terras para a reforma agrária popular por meio da ocupação e da produção, desafiando gigantes do agronegócio, como a multinacional estadunidense Monsanto.2
Em 2002, as mulheres nigerianas se reuniram em frente aos portões da Shell e da Chevron para protestar contra a destruição e a exploração ambiental no Delta do Níger. Os haitianos rejeitaram séculos de abuso em manifestações em massa após a destituição de Jean-Bertrand Aristide pelos EUA e a ocupação estadunidense em 2004. Milhões de nepaleses e nepalesas comemoraram a derrubada da monarquia por meio da resistência armada liderada por comunistas em 2006. Quando Mohamed Bouazizi ateou fogo em si mesmo em 2010, o povo tunisiano se rebelou contra o sistema neoliberal que levou o vendedor de frutas a tomar uma medida tão drástica.
Nos anos seguintes, ocorreram transformações, por vezes pequenas e imperceptíveis, por outras, voláteis e explosivas. Essas mudanças envolveram tanto movimentos populares quanto atores estatais, em alguns casos extremamente poderosos. Os EUA foram confrontados por uma potência econômica em ascensão, a China, por economias em crescimento no Sul Global (que ultrapassaram o PIB do Norte Global em termos de PPC em 2007), por anos de negligência no investimento de capital doméstico, pela financeirização da economia e a perda da superioridade na indústria.
A ascensão do Tea Party em 2009 sinalizou uma fratura na política interna dos EUA. No âmbito internacional, o país não conseguiu promover uma ruptura branda do regime na China nem uma desnuclearização ou mudança de regime na Rússia. Após uma redução temporária dos gastos militares com o fim da desastrosa guerra contra o Iraque (2003-2011), o uso efetivo do poder militar ou a ameaça de seu uso passou a ser um pilar central da resposta dos EUA a essas transformações.
Historicamente, a perda da hegemonia acontece em três estágios: produtivo, financeiro e militar.4
Os EUA definiram a China como concorrente estratégica. Seu programa mínimo é a contenção e o enfraquecimento econômico do país asiático em medida suficiente para garantir a hegemonia econômica perpétua dos EUA no futuro.
De seu próprio ponto de vista, o capitalismo dos EUA é racional em suas tentativas de limitar a ascensão da China. Sem isso, haveria uma corrosão de sua vantagem relativa no controle dos níveis mais altos das forças produtivas e nos privilégios monopolistas resultantes desse controle. Há um alinhamento quase completo entre os atores estatais dos EUA para continuar conduzindo uma dissociação da China (apesar da quase impossibilidade de remodernizar totalmente as forças produtivas dentro dos EUA) e avançar nos preparativos militares contra a China.
O movimento de tropas russas para a Ucrânia em fevereiro de 2022 – resultado das violações contínuas das garantias dos EUA sobre a não expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da guerra civil permanente entre Kiev e Donbas – marcou, para os EUA, uma nova fase explícita de alinhamento militar mundial. Em uma série de movimentos rápidos, os EUA subordinaram abertamente todos os países do Norte Global e, nesse processo, subordinaram ainda mais o aparato militar desses Estados. Estabeleceram-se como potência militar hegemônica óbvia daquilo que recebe o eufemismo de Otan+, que inclui todos os membros do antigo Bloco do Leste, com exceção de três. Aqueles que participaram como membros ou observadores da cúpula da Otan em 2023 em Vilnius, na Lituânia – incluindo Austrália, Nova Zelândia, Japão e República da Coreia5
A partir de outubro de 2023, Israel iniciou uma campanha de expulsão, limpeza étnica, punição coletiva e genocídio da população palestina com o apoio total e descarado do governo dos Estados Unidos. Os acontecimentos na Ucrânia, seguidos pelas recentes escaladas em Gaza, são marcos significativos que refletem uma mudança qualitativa no sistema imperialista. Os EUA já concluíram sua subordinação econômica, política e militar de todos os outros países imperialistas. Isso consolidou um bloco imperialista integrado e militarmente focado. Seu objetivo é manter suas garras sobre o Sul Global como um todo e as atenções se voltaram para o domínio da Eurásia, última região do mundo que escapou de seu controle.
Não é exagero dizer que o Norte Global declarou um estado de guerra e hostilidade aberta contra qualquer parte do Sul Global que não esteja de acordo com suas políticas. Isso pode ser visto na declaração conjunta sobre a Cooperação UE-Otan publicada no dia 9 de janeiro de 2023:
Mobilizaremos ainda mais o conjunto de instrumentos a nossa disposição, sejam eles políticos, econômicos ou militares, para alcançar nossos objetivos comuns em benefício do nosso bilhão de cidadãos.6
Jens Stoltenberg, Ursula von der Leyen e Charles Michel, “Joint Declaration on EU-NATO Cooperation”, Organização do Tratado do Atlântico Norte, 10 de janeiro de 2023, https://www.nato.int/cps/en/natohq/official_texts_210549.htm.Nota de rodapé
É certo que o povo palestino em Gaza está sentindo a barbárie palpável da Otan+ e o “consenso de massa” forçado que o Norte Global é capaz de promover. Como afirmou recentemente a liderança da luta pela libertação palestina Leila Khaled:
Sabemos que eles falam em terrorismo, mas eles são os heróis do terrorismo. A força imperialista ao redor do mundo, no Iraque, na Síria, em diferentes países… está se preparando para atacar a China. Tudo o que dizem sobre terrorismo acaba sendo sobre eles mesmos. As pessoas têm o direito de resistir a isso com todos os meios, incluindo com a luta armada. Isso está na Carta das Nações Unidas. Então eles estão violando os direitos de resistência das pessoas, porque é direito delas recuperar sua liberdade. E essa é — como sempre digo — uma lei fundamental: onde há repressão, há resistência. As pessoas não querem viver sob ocupação e repressão. A história nos ensinou que, quando um povo resiste, ele consegue manter sua dignidade e sua terra.7
Leila Khaled: “Onde há repressão, há resistência”, Capire, 27 de outubro de 2023, https://capiremov.org/entrevista/leila-khaled-onde-ha-repressao-ha-resistencia/.Nota de rodapé
***
O imperialismo começou sua transformação para um novo estágio: o hiperimperialismo.8
No entanto, essa não é a marcha vigorosa que a Guerra Fria iniciou pelo mundo, travada em batalhas por procuração seguidas de um imperialismo econômico por meio do Banco Mundial e de outras instituições de desenvolvimento. Trata-se do imperialismo de um bilionário que está se afogando e tem a firme convicção de que deveria estar de volta ao seu iate. Um imperialismo que flexiona os músculos do poder que ainda estão fortes – os militares. Entretanto, na ausência de poder produtivo e sabendo que o poder financeiro está em um ponto de inflexão, o conjunto completo de tecnologias imperiais de controle que os EUA já tiveram não está mais à disposição. Desse modo, o país canaliza seus esforços por meio dos mecanismos de que mais dispõe: cultura (controle da verdade) e guerra.
As táticas do hiperimperialismo são moldadas, em parte, pela modernização da guerra híbrida, que inclui guerra jurídica (lawfare), hipersanções, tomada de reservas e ativos nacionais e outras formas de guerra não militar. Novas ferramentas tecnológicas de vigilância e comunicação direcionada que caracterizam a era digital são utilizadas para exercer o controle imperialista na batalha de ideias, incluindo a implementação de métodos mais perversos e secretos contra a verdade, como a prisão política do editor da WikiLeaks, Julian Assange, que expôs inúmeros crimes cometidos contra o Sul Global.9
O Norte Global é um bloco militar, político e econômico integrado composto por 49 países. Entre eles estão os EUA, o Reino Unido, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, Israel, o Japão e países secundários da Europa Ocidental e Oriental. Na arena militar, a Turquia (como membro da Otan), as Filipinas e a República da Coreia (estas duas, efetivamente colônias militarizadas dos EUA) estão incluídas em nossa definição de “bloco militar liderado pelos EUA”, embora façam parte do Sul Global.
Nos últimos vinte anos, o Norte Global passou por um significativo declínio econômico relativo, juntamente com um declínio político, social e moral. Suas falsas reivindicações “morais” de direitos civis e “liberdade de imprensa” já se tornaram um completo escárnio, pois buscam tornar ilegal o apoio público (inclusive pela internet) aos direitos da população palestina. Esse apoio total à humilhação e à destruição dos povos de pele mais escura do mundo é reminiscência de séculos passados, expondo o que pode ser descrito como “fragilidade branca” coletiva.
Os países do Sul Global compreendem ex-colônias e semicolônias, alguns Estados independentes fora da Europa e projetos socialistas atuais e antigos. Na maior parte do Sul Global, as lutas por libertação nacional, independência, desenvolvimento e soberania econômica e política total ainda precisam ser concluídas.
Apesar das limitações da terminologia, falaremos em “Norte Global” e, ocasionalmente, em “Ocidente” (expressão vazia de uso frequente) de forma intercambiável com o termo mais preciso “campo imperialista liderado pelos EUA”. Analisaremos o Norte Global em quatro “anéis”. O restante do mundo é hoje conhecido como “Sul Global”, sendo que grande parte era chamada, no passado, de “Terceiro Mundo”. Analisaremos o Sul Global em seis “grupos”, determinados a partir da medida relativa com que um país é alvo de mudança de regime e pelo papel que seu governo desempenha na promoção pública de posições internacionais e anti-imperialistas (conforme Figura 1). O Norte Global está envolvido em níveis muito mais altos de conflito generalizado com o restante do mundo, o Sul Global.
PARTE I: A ascensão de um bloco militar do Norte Global totalmente liderado pelos EUA
Mudanças e consolidação
O bloco militar liderado pelos EUA
passou por duas transformações internas nas últimas três décadas:
- A maior expansão do bloco para incluir todos os países do Leste Europeu (faltando apenas Belarus).
- O desafio de manter a total subordinação dos Estados capitalistas da Europa Ocidental, que abandonaram qualquer independência fundamental e, em muitos casos, até mesmo a falsa aparência de independência.
Esta última transformação ficou evidente em 2018 pela genuflexão dos Estados da Europa Ocidental à retirada de Donald Trump do acordo nuclear com o Irã, de 2015 – um golpe significativo contra seus interesses econômicos. Mais adiante, discutiremos o histórico desse processo.10
A Otan é o centro do “bloco militar liderado pelos EUA”, como o chamamos, que inclui também Japão, Austrália, Israel, Nova Zelândia, três países do Sul Global e alguns outros países europeus que não são membros da Otan.
O bloco militar liderado pelos EUA é o único bloco do mundo, uma aliança militar de fato e de direito com um comando central. Não existe nenhum outro bloco desse tipo. Sua clareza e unidade de propósito são evidentes. Nos últimos dez anos, os EUA abandonaram muitos tratados importantes de não proliferação de armas nucleares (Tratado sobre Mísseis Antibalísticos em 2002, Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário em 2019 e Tratado de Céus Abertos em 2020).11
Gastos militares
Em artigo publicado na edição de novembro de 2023 da Monthly Review, uma pesquisa bem conduzida por Gisela Cernadas e John Bellamy Foster, utilizando apenas estatísticas econômicas oficiais dos EUA consultadas junto ao Escritório de Análise Econômica (Bureau of Economic Analysis) e ao Escritório de Administração e Orçamento (Office of Management and Budget – OMB), revelou que o gasto militar real dos EUA é mais do que o dobro do que é reconhecido pelo governo estadunidense ou mesmo pelo Instituto Internacional de Estocolmo de Pesquisa para a Paz (Sipri na sigla em inglês).12
O gasto militar real dos EUA em 2022 foi de US$ 1,537 trilhões.13
Para calcular o gasto militar mundial total, selecionamos os números publicados pelo Sipri como nossa principal fonte de dados sobre todos os países, exceto para os EUA.14
https://data.stats.gov.cn/english/adv.htm?m=advquery&cnC01.Nota de rodapé
O Sipri ajustou em 14,5% para mais o orçamento militar anual dos EUA informado pelo OMB a respeito do ano de 2022, passando de US$ 765,8 bilhões para US$ 876,9 bilhões.18
O tratamento dado pelo Sipri aos gastos militares da China é bem diferente daquele dispensado aos EUA, pois o instituto adota uma abordagem muito mais cautelosa em relação aos cálculos dos EUA.
Mesmo que o Sipri dobrasse o número informado pela China a respeito de seu gasto militar, chegando a US$ 458 bilhões, essa soma representaria 2,6% do PIB do país. A cifra é significativamente inferior aos 6% realmente gastos pelos EUA em relação a seu PIB. Ainda assim, o gasto militar da China representaria apenas 29,8% do gasto dos EUA, com uma população quatro vezes maior que a estadunidense.19
Além disso, ao contrário dos EUA, a China não tem 902 bases militares no exterior.20
Nossa análise encontrou uma série de descobertas patentes. A primeira é que os EUA controlam, pela Otan e por outros meios, surpreendentes 74,3% de todo o gasto militar do mundo (Figura 2). Isso equivale a mais de US$ 2 trilhões.22
A Figura 3 mostra que os países imperialistas são responsáveis por 12 dos 16 maiores orçamentos militares do mundo.
A Figura 4 mostra os 16 países com maiores gastos militares per capita do Norte Global em comparação com os três países do Sul Global que mais gastam nessa área. Per capita, os Estados Unidos gastam 21 vezes mais nas forças armadas do que a China.23
Nome do país (GSI) | Gasto militar dólares (mi) |
Porcentagem do PIB (TCC) |
Per Capita>média mundial (vezes) |
---|---|---|---|
Bloco militar liderado pelos EUA
|
|||
Estados Unidos | 1.536.859 | 6,0% | 12,6 |
Reino Unido | 68.463 | 2,2% | 2,8 |
Alemanha | 55.760 | 1,4% | 1,9 |
França | 53.639 | 1,9% | 2,3 |
Rep. da Coreia | 46.365 | 2,8% | 2,5 |
Japão | 45.992 | 1,1% | 1,0 |
Ucrânia | 43.998 | 27,4% | 3,1 |
Itália | 33.490 | 1,7% | 1,6 |
Austrália | 32.299 | 1,9% | 3,4 |
Canadá | 26.896 | 1,3% | 1,9 |
Israel | 23.406 | 4,5% | 7,2 |
Espanha | 20.307 | 1,4% | 1,2 |
Sul Global
|
|||
China | 291.958 | 1,6% | 0,6 |
Rússia | 86.373 | 3,8% | 1,7 |
Índia | 81.363 | 2,4% | 0,2 |
Arábia Saudita | 75.013 | 6,8% | 5,7 |
Brasil | 20.211 | 1,1% | 0,3 |
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados do FMI, ONU, SIPRI e Monthly Review
|
A Figura 5 lista todos os países com orçamentos militares superiores a US$ 20 bilhões, sendo que 11 estão no Norte Global em comparação com seis (de 145) países no Sul Global. Nesta tabela, a República da Coreia foi incluída no bloco militar liderado pelos EUA.
É nítido que o Sul Global, ao contrário do Norte Global, não constitui um bloco nem, definitivamente, um bloco militar. O Sul Global enfrenta, desse modo, o monopólio extremo dos gastos militares do bloco militar liderado pelos EUA. Isso representa um perigo evidente e presente para todos os países do Sul Global – e um perigo iminente para a continuação da existência da humanidade e do planeta.
Por sua vez, o aspecto mais importante do poder do Estado – ou seja, o poder militar –, o perigo central absoluto para as classes trabalhadoras de todos os países, sobretudo das nações de pele mais escura do mundo, está no campo imperialista liderado pelos EUA. Objetivamente, não existe subimperialismo nem potências imperialistas não ocidentais (esses conceitos são enganações subjetivas que ofuscam as realidades factuais).
Bases militares dos EUA e do Reino Unido
Em março de 2002, a Monthly Review publicou um artigo com uma relação e um mapa de países onde é sabido haver bases militares dos EUA, argumentando que a extensão do império estunidense poderia ser descrita por suas bases.24
As informações sobre a localização dessas bases permitiu vislumbrar a natureza absolutamente alastrada da hegemonia militar dos EUA. A localização e o número de bases são elementos valiosos para se compreender a forma e a trajetória do imperialismo, evidenciando suas fronteiras e mostrando seu papel no patrulhamento delas.
Existem 902 bases militares dos EUA conhecidas e 145 bases militares do Reino Unido conhecidas, descritas abaixo.26
Devido ao sigilo imposto pelas forças armadas e pelo governo dos EUA, faltam dados sobre o que ocorre dentro dessas bases e sobre as ações lançadas a partir das forças militares dos EUA localizadas nelas. Isso torna incompleta a análise qualitativa das atividades militares dos EUA no exterior. Entre as deficiências analíticas estão:
- As bases listadas não incluem as instalações e os locais das muitas
operações militares privatizadas que os EUA criaram nos últimos 40 anos.
Empresas como DynCorp International, Fluor Corporation, AECOM e KBR,
Inc. realizam operações em todo o mundo, inclusive no Kuwait, na Arábia
Saudita e na Indonésia.27Sally Williamson, “Logistics Contractors and Strategic Logistics Advantage in US Military Operations”, Logistics In War, 4 de junho de 2023, https://logisticsinwar.com/2023/06/04/logistics-contractors-and-strategic-logistics-advantage-in-us-military-operations/.Nota de rodapé
- Não estão incluídos projetos “não oficiais” das forças armadas dos
EUA, como o controle do Terminal 1 do Aeroporto Internacional Kotoka, na
capital de Gana, no qual os soldados dos EUA não precisam de passaporte
nem visto para entrar (apenas a identificação militar) e as aeronaves
militares estadunidenses têm “passe livre no embarque e na inspeção”.28“Agreement Between the United States of America and Ghana”, Tratados e outras leis internacionais, série 18-531, Departamento de Estado dos EUA, https://www.state.gov/wp-content/uploads/2019/02/18-531-Ghana-Defense-Status-of-Forces.pdf.Nota de rodapéDesse modo, o Terminal 1 é efetivamente uma base militar estadunidense. Gana cedeu a soberania nacional aos EUA.29Vijay Prashad, “Why Does the United States Have a Military Base in Ghana?”, Peoples Dispatch, 15 de junho de 2022, https://peoplesdispatch.org/2022/06/15/why-does-the-united-states-have-a-military-base-in-ghana/.Nota de rodapé
- Não estão incluídos projetos essenciais para o complexo
militar-industrial-digital dos EUA. Muitos pontos terminais de cabos
submarinos são controlados apenas por funcionários autorizados pela
inteligência dos EUA. O controle da comunicação mundial por cabos
submarinos é uma das principais prioridades da inteligência dos EUA.30Matthew P. Goodman e Matthew Wayland, “Securing Asia’s Subsea Network: US Interests and Strategic Options”, Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, 4 de abril de 2022, https://www.csis.org/analysis/securing-asias-subsea-network-us-interests-and-strategic-options.Nota de rodapéIsso faz parte do programa da NSA de “coleta total” para reunir todas as comunicações do mundo e armazená-las em locais como o Centro de Processamento de Dados de Utah, em Bluffdale (codinome “Bumblehive”), primeiro centro desse tipo da Iniciativa Nacional de Segurança Cibernética Abrangente da Comunidade de Inteligência.31Centro de Dados de Utah, Diretório de vigilância doméstica, acessado em 27 de novembro de 2023, https://nsa.gov1.info/utah-data-center/.Nota de rodapé
- Excluem-se projetos e locais militares secretos (incluindo instalações da nação anfitriã conhecidas como “lily pads“), embora alguns tenham sido expostos e incluídos.32Nick Turse, “Pentagon Misled Congress About US Bases in Africa”, The Intercept, 8 de setembro de 2023, https://theintercept.com/2023/09/08/africa-air-base-us-military/.Nota de rodapé
- Há poucas informações sobre os movimentos militares dos EUA entre diferentes locais, a natureza das atividades realizadas (como movimentos de tropas ou assassinatos direcionados) e o volume de bens, aviões e embarcações.
- Nem todas as bases são iguais em escala ou função, e é quase impossível avaliar a importância relativa de cada uma. Às vezes, um único edifício é classificado como uma base por estar desconectado de outros edifícios a um quilômetro de distância. Algumas bases são imensas e destroem tudo pelo caminho, como as instalações militares em Guam, que assolam o meio ambiente natural e a vida das pessoas que lá vivem. Outras são conhecidas como pequenas instalações de redes de espionagem.
Essas limitações têm como resultado uma tendência a se relatar o que é mensurável, e não o que é desconhecido, mas estratégico.
Primeiro, apresentamos um mapa com dados do World Beyond War que mostra quais países têm bases, sem detalhar o número exato em cada país. Isso ajuda a reduzir possíveis comparações incorretas. Mesmo a existência de uma única base dos EUA significa que o país já cedeu alguma soberania nacional. Em segundo lugar, para fins de completude, incluímos abaixo dois quadros (um para o Norte Global e outro para o Sul Global) com a relação de países com bases conhecidas de acordo com o World Beyond War.
A Figura 6 mostra que os EUA têm, pelo menos, 902 bases militares no exterior. São bases em grande medida concentradas em regiões de fronteira e zonas-tampão ao redor da China e que representam um grave abalo à soberania dos países do Sul Global.33
Número de bases | País/território |
---|---|
50+ | Alemanha (171), Japão (98) |
20-49 | Itália (45), Reino Unido (25) |
5-19 | Austrália (17), Bélgica (12), Portugal (9), Romênia (9), Noruega (8), Israel (7), Países Baixos (7), Grécia (5), Polônia (5) |
1-4 | Bulgária (4), Espanha (3), Islândia (3), Canadá (2), Geórgia (2), Hungria (2), Letônia (2), Eslovaquia (2), Dinamarca (1), Chipre (1), Irlanda (1), Luxemburgo (1), Estônia (1), Groenlândia (1), Kosovo (1) |
Total | 445 |
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em World Beyond War
|
As bases militares dos EUA no exterior não existem apenas no Sul Global, mas também têm uma presença significativa no Norte Global (Figura 7). Mais de dois terços das bases conhecidas estão concentradas nos dois países derrotados na Segunda Guerra Mundial: Alemanha e Japão.
Número de bases | País/território |
---|---|
50+ | Rep. da Coreia (62) |
20-49 | Guam (45), Porto Rico (34), Síria (28), Arábia Saudita (21) |
5-19 | Panamá (15), Turquia (12), Filipinas (11), Bahrein (10), Ilhas Marshall (10), Iraque (10), Bahamas (9), Belize (9), Honduras (9), Níger (9), Guatemala (8), Jordânia (8), Kuwait (8), Omã (8), Paquistão (8), Egito (7), Colômbia (6), El Salvador (6), Somália (6), Catar (5), Ilhas Marianas do Norte (5), Peru (5) |
1-4 | Camarões (4), Costa Rica (4), Ilhas Virgens (EUA) (4), Argentina (3), Chade (3), Emirados Árabes Unidos (3), Mauritânia (3), Nicarágua (3), Palau (3), Quênia (3), República Centro-Africana (3), Tailândia (3), Brasil (2), Diego Garcia (2), Djibuti (2), Gabão (2), Gana (2), Iêmen (2), Mali (2), República Dominicana (2), Samoa Americana (2), Singapura (2), Suriname (2), Tunísia (2), Uganda (2), Antártica (1), Antilhas Holandesas (1), Aruba (1), Botsuana (1), Burkina Faso (1), Burundi (1), Camboja (1), Chile (1), Cuba (1), Ilha de Ascensão (1), Ilha Wake (1), Indonésia (1), RD Congo (1), Samoa (1), Seicheles (1), Senegal (1), Sudão do Sul (1), Uruguai (1) |
Total | 457 |
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em World Beyond War
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A Figura 8 lista os locais das bases militares dos EUA nos países e territórios do Sul Global. A República da Coreia abriga 62 dessas bases permanentes.
País/território | Área construídam2 | Construçõesnúmero total | Áreahectares | Bases militaresnúmero total |
---|---|---|---|---|
Japão | 10.339.000 | 12.079 | 41.715 | 76 |
Alemanha | 9.135.000 | 12.537 | 2.682 | 93 |
Rep. da Coreia | 5.631.000 | 5.832 | 12.262 | 62 |
Itália | 2.011.000 | 2.032 | 945 | 31 |
Guam | 1.382.000 | 2.807 | 25.322 | 45 |
Reino Unido | 1.364.000 | 2.883 | 3.253 | 14 |
Kuwait | 676.000 | 1.503 | 2.549 | 6 |
Catar | 661.000 | 663 | 2 | |
Cuba | 588.000 | 1.540 | 11.662 | 1 |
Turquia | 478.000 | 817 | 1.356 | 8 |
Espanha | 419.000 | 889 | 3.802 | 2 |
Porto Rico | 411.000 | 794 | 7.042 | 29 |
Bahrein | 390.000 | 468 | 83 | 9 |
Bélgica | 362.000 | 479 | 10 | |
Ilhas Marshall | 286.000 | 633 | 551 | 6 |
Groenlândia | 220.000 | 197 | 94.306 | 1 |
Djibuti | 171.000 | 379 | 459 | 2 |
Países Baixos | 151.000 | 150 | 5 | |
Emirados Árabes Unidos | 128.000 | 400 | 5.059 | 3 |
Portugal | 114.000 | 170 | 532 | 6 |
Honduras | 92.000 | 336 | 1 | |
Singapura | 86.000 | 120 | 3 | |
Romênia | 70.000 | 179 | 177 | 4 |
Bahamas | 62.000 | 179 | 219 | 6 |
Grécia | 61.000 | 85 | 41 | 4 |
Santa Helena | 43.000 | 124 | 1.402 | 1 |
Austrália | 41.000 | 83 | 8.124 | 5 |
Bulgária | 39.000 | 93 | 2 | |
Ilhas Virgens (EUA) | 26.000 | 29 | 5.964 | 5 |
Jordânia | 17.000 | 31 | 3.978 | 1 |
Chipre | 16.000 | 38 | 1 | |
Israel | 13.000 | 19 | 2 | |
Samoa Americana | 11.000 | 10 | 2 | 1 |
Níger | 11.000 | 45 | 1 | |
Polônia | 11.000 | 20 | 3 | |
Curaçau | 9.000 | 15 | 17 | 1 |
El Salvador | 6.000 | 14 | 14 | 1 |
Ilhas Marianas do Norte | 5.000 | 17 | 6.499 | 10 |
Peru | 5.000 | 7 | 1 | |
Noruega | 3.000 | 4 | 1 | |
Islândia | 2.000 | 7 | 425 | 1 |
Quênia | 2.000 | 5 | 1 | |
Canadá | 91 | 1 | ||
Total | 35.548.000 | 48.712 | 240.533 | 468 |
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados do Departamento de Defesa dos EUA
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A Figura 9 mostra a escala da presença militar dos EUA: quase 36 milhões de metros quadrados em 49 mil construções que cobrem 245 mil hectares. Na classificação por número de construções, as três potências do Eixo estão entre as quatro primeiras.
Embora hoje o sol se ponha sem se preocupar com o Império Britânico, a Figura 10 mostra o tamanho que a rede de bases do Reino Unido ainda tem, com foco na Ásia Ocidental e na África.
Invasões, intervenções e “destacamentos” militares dos EUA e do Reino Unido
Os países da Otan conduzem amplos destacamentos e intervenções militares em todo o mundo, apoiados por uma vasta rede de bases.
As figuras 11 e 12 referem-se apenas ao ano de 2022. As forças imperialistas realizaram 317 operações militares em países do Sul Global e 137 em nações aliadas do Norte Global, totalizando 454 (sendo que 45 ocorreram em nações que não são membros da ONU). Entre os países imperialistas que conduziram o maior número de destacamentos militares estão EUA (56), Reino Unido (32), França (31), Itália (20), Alemanha (17), Espanha (15), Canadá (13) e Países Baixos (13) (Figura 11).34
A Figura 12 mostra como África e Ásia Ocidental continuam a ser os pontos focais dos esquemas ocidentais, tendo as cinco nações a seguir sofrido o maior número de destacamentos militares somente em 2022: Mali (31), Iraque (30), Líbano (18), República Centro-Africana (13) e Sudão do Sul (13).35
Observando a geografia das bases dos EUA e do Reino Unido e os destacamentos do Norte Global, é nítido onde se encontram as fronteiras do patrulhamento dos EUA e como os campos de batalha do nosso tempo são a Eurásia e as regiões que funcionam como zona tampão.
Durante séculos os EUA e seus aliados do Norte Global, sobretudo o Reino Unido, realizaram intervenções militares no mundo, conforme indicado nas Figuras 13 e 14. Por ser uma publicação oficial do governo dos EUA, o Serviço de Pesquisa do Congresso (Congressional Research Services – CRS) serve como fonte primária de dados sobre intervenções militares dos EUA e é utilizado para demonstrar sua magnitude e longa duração histórica. Entretanto, é preciso observar que o CRS não inclui missões secretas e não agrega dados para diferenciar os diferentes tipos de intervenções das forças armadas dos EUA no exterior. Os dados não são organizados com base na natureza qualitativa e quantitativa nem na escala de cada caso. Os casos relacionados (mais de 480) variam muito em tamanho, duração, autorização legal e relevância.36
O Projeto sobre Intervenção Militar (Military Intervention Project – MIP) utiliza uma definição mais abrangente de intervenção militar que engloba “casos combinados de conflito internacional ou conflito potencial fora das atividades normais de tempos de paz em que a ameaça, demonstração ou uso intencional de força militar pelos canais oficiais do governo dos EUA são explicitamente direcionados ao governo, a representantes oficiais, a forças oficiais, a propriedades ou a territórios de outro ator estatal”.37
Como visto na Figura 13, em junho de 2023, os dados do Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA mostram que as forças armadas dos EUA foram destacadas, assumidamente, para 101 países e territórios entre 1798 e 2023.38
De acordo com o MIP, entre 1776 e 2019, os EUA realizaram mais de 392 intervenções militares em todo o mundo.39
Em 1950, no Dia Internacional das Mulheres Trabalhadoras, Claudia Jones, mulher negra comunista e imigrante, discursou em um ato de militantes nos EUA. Em circunstâncias diferentes, mas com o mesmo espírito, compartilhamos esse relato com o objetivo de – para Jones – “ampliar [nossa] consciência sobre a necessidade de se promover campanhas militantes de frente única em torno das demandas urgentes do dia, contra a opressão monopolista, contra a guerra e o fascismo”.41
PARTE II: Evolução do imperialismo
O novo estágio do imperialismo
O monopólio do dólar estadunidense e a mudança de nação credora para devedora, iniciados na década de 1970, seguidos pela queda da União Soviética em 1991, deram início a um período em que os Estados Unidos tentaram criar sua própria ordem mundial unipolar. Não foi possível estabelecer uma unipolaridade total porque alguns Estados – que os EUA chamaram de “vilões” – recusaram a submissão a esse novo sistema.42
Nos últimos quinze anos, o projeto de unipolaridade dos EUA se enfraqueceu consideravelmente. O período entre a “grande recessão financeira”, de 2008, e o conflito entre a Otan e a Rússia, de fevereiro de 2022, consolidou uma mudança quantitativa e qualitativa no imperialismo global.
Uma questão histórica fundamental decorrente disso foi a magnitude e as consequências das rivalidades interimperialistas, que acarretam profundas implicações estratégicas e políticas: outras potências imperialistas irão romper com os EUA em questões fundamentais ou subordinarão seus próprios interesses aos dos EUA?
Atualmente, os fatos mostram que essas diferenças não são mais estratégicas. O imperialismo consolidou um novo estágio de existência, melhor descrito como hiperimperialismo. Mais adiante, explicaremos por que escolhemos esse termo.
Entre as características desse novo estágio estão o seguinte:
- A China emergiu como maior e mais dinâmica economia do mundo. O crescimento do Sul Global excede o do Norte Global. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na Ásia é significativamente maior do que nos países do G7.
- Apesar da força econômica que ainda mantêm, os EUA enfrentam um crescimento escasso e um declínio em relação à ascensão do Sul Global (que tem o crescimento da China como uma locomotiva importante). Isso é evidenciado por indicadores de PIB total, indústria, comércio, infraestrutura e comunicações 5G. Os EUA estão fazendo tentativas agressivas de restringir o crescimento econômico da China e seu papel em iniciativas globais como o Brics 10. Os EUA estão levando o mundo a um maior protecionismo.
- Os EUA avançaram rapidamente na guerra híbrida, incluindo o uso de
sanções (impostas a mais de um em cada quatro países do mundo).43Francisco R. Rodríguez, ‘The Human Consequences of Economic Sanctions”, Centro de Pesquisa em Política Econômica, 4 de maio de 2023, https://cepr.net/press-release/new-report-finds-that-economic-sanctions-are-often-deadly-and-harm-peoples-living-standards-in-target-countries/.Nota de rodapéO ataque a reservas nacionais (da Rússia, da Venezuela, do Irã e do Afeganistão) abriu os olhos de muitos no Sul Global.
- Os EUA agora estão de olho na dominação da Eurásia, onde o Ocidente enfrenta a Rússia e a China, dois países poderosos com uma forte capacidade combinada: econômica, tecnológica, militar, energética e alimentar. A desmilitarização completa da longa fronteira entre a China e a Rússia e o anúncio da parceria “sem limites” entre as duas nações são prova de seus interesses comuns em termos de paz e segurança.
- Há um perigo evidente e presente de que o imperialismo continue a
trilhar um caminho militarista e dependa de seu domínio militar para
compensar o crescente declínio econômico e político relativo que
enfrenta. Os interesses políticos e militares dos imperialistas se
tornam, agora, fundamentais. Perdas econômicas de curto prazo estão
ocorrendo.44Agence France-Presse, “US Commerce Chief Warns against China ‘Threat'”, South China Morning Post, 3 de dezembro de 2023, https://www.scmp.com/news/world/united-states-canada/article/3243657/us-commerce-chief-warns-against-china-threat.Nota de rodapéOs interesses de capitalistas individuais ou de grupos se tornam secundários.
- A hegemonia do dólar estadunidense, a financeirização e a capacidade tecnológica permitem que o setor financeiro movimente trilhões de dólares em negociações em milissegundos, o que mudou a mecânica da acumulação capitalista e sua propriedade. Os capitalistas europeus e japoneses investem capital nas mesmas estruturas que seus pares de classe dos EUA, embora sob o controle destes últimos.
- Os EUA aprimoraram sua já vasta infraestrutura de “soft power” sustentada pelo surgimento de uma nova geração de serviços avançados de redes sociais e streaming de vídeo, sob o controle total dos monopólios estadunidenses, todos explicitamente integrados ao complexo militar industrial digital dos EUA.
- As contradições entre os países imperialistas deixaram de ser
antagônicas e passaram a ser secundárias. A Alemanha, o Japão, a França e
todas as outras potências imperialistas devem subordinar seus
interesses de curto e médio prazo aos interesses fundamentais dos
Estados Unidos. Seu trabalho é coordenado na Otan+. Os documentos
oficiais de políticas afirmam que a estratégia em relação à China é
reduzir o risco. No entanto, os parlamentares do Bundestag da
Alemanha, por exemplo, estão liderando os pedidos de isolamento da
China, mesmo que isso implique uma perda considerável de mercados para
os fabricantes “alemães”.45Deutscher Bundestag, China-Strategie der Bundesregierung [Estratégia do Governo Federal para a China], 20/7770, 13 de julho de 2023, https://dserver.bundestag.de/btd/20/077/2007770.pdf.Nota de rodapéHá também um ímpeto interno simultâneo de remilitarizar a Alemanha.
- Novas instituições multilaterais e modelos alternativos de
financiamento do desenvolvimento que vêm surgindo no Sul Global estão
ganhando impulso. Isso fica evidente pela amplitude do apoio à Nova Rota
da Seda (NRS) e pelo crescente interesse de participação no Brics,
agora Brics 10. Quase 80% dos Estados-membros da ONU participam da NRS,
compreendendo cerca de 64% da população global, enquanto suas economias
combinadas representam 52% do PIB mundial (paridade do poder de compra –
PPC) em 2022.46Elaboração própria com base em dados de Christoph Nedopil Wang, “Countries of the Belt and Road Initiative (BRI) – Green Finance & Development Center”, acessado em 2 de dezembro de 2023, https://greenfdc.org/countries-of-the-belt-and-road-initiative-bri/.Nota de rodapéOs países do Brics 10 compreendem hoje 45,5% da população mundial e 35,6% do PIB global (PPC). Em comparação, embora os países do G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) representem apenas 10% da população mundial, sua participação no PIB global (PPC) é de 30,4%.47Elaboração própria da Sul Global Insights com base nos Indicadores de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial e na Perspectiva Econômica Mundial do FMI.Nota de rodapé
- O Sul Global está perdendo a confiança na liderança econômica, política e moral dos EUA e da Europa. Foi China, e não os EUA, quem facilitou o acordo diplomático histórico entre a Arábia Saudita e o Irã. A Rússia e a China agora realizam a maior parte do comércio entre os dois países em suas próprias moedas. O Brics 10 está criando um grupo de trabalho para explorar alternativas ao uso do dólar estadunidense, incluindo sistemas de pagamentos internacionais e uma possível nova moeda de reserva. Na votação da resolução da ONU sobre um cessar-fogo em Gaza (A/ES-10/L.25), o Norte Global foi superado numericamente, com 14 votos contrários e 120 favoráveis à aprovação.
- É a primeira vez em mais de 600 anos que existe uma alternativa econômica e política plausível ao domínio das relações mundiais pelos europeus e seus Estados coloniais de descendentes de colonizadores brancos. Em primeiro lugar, há o grupo socialista liderado pela China. Em segundo, as crescentes aspirações por soberania nacional, modernização econômica e multilateralismo que emergem do Sul Global.
Diante dessas movimentações, os líderes da classe política dominante dos EUA no Centro para uma Nova Segurança Americana (Center for a New American Security –CNAS) – think tank com sede em Washington e núcleo intelectual do governo estadunidense – definiram como geoestratégia dos EUA a derrota dupla da Rússia e da China, o que significaria que o Norte Global ganharia o controle da Eurásia. As dimensões, a quantidade de recursos naturais, o poder militar, a proximidade geográfica e a independência da dominação imperialista da China e da Rússia são os principais fatores de suas respectivas perspectivas globais e parcerias estratégicas.
Esses fatores objetivos são muito mais dominantes do que os ideológicos. Os EUA querem terminar a missão inacabada de desnuclearizar a Rússia. Nas paredes de Washington, estão pendurados mapas que foram desenhados para mostrar os dois países divididos em pequenos pedaços, Estados vassalos do Ocidente, sem independência e, certamente, sem armas nucleares.
Conforme ilustrado na Figura 15, China, Rússia, República Popular Democrática da Coreia e Irã são as quatro potências nucleares (ou potencialmente nucleares) que estão no centro da linha de frente de ataque do imperialismo. A China e a Rússia são os dois principais alvos, a primeira devido a sua força econômica e a segunda, ao seu arsenal nuclear. Síria, Venezuela, Cuba e Belarus também são alvos imediatos para uma mudança de regime.
O mundo está enfrentando um momento muito difícil e perigoso. Os países do Sul Global são extremamente diversos e heterogêneos, não formam um bloco e não têm um alinhamento ideológico. Certamente não têm alianças militares. Alguns – República da Coreia e Filipinas – se emaranharam na esfera militar dos EUA.
O que os países do Sul Global têm é uma história compartilhada. Sofreram durante centenas de anos o abuso colonial e semicolonial cometido pelo Norte Global. As nações mais brancas passaram os últimos cinquenta anos tentando apagar da história o terror que desencadearam sobre os povos de pele mais escura do mundo, inclusive aqueles que vivem dentro de suas próprias fronteiras.
A mídia ocidental se refestela com as grandes diferenças dentro do Sul Global. O Grupo dos 77 e o Movimento dos Não Alinhados, apesar de mais fracos, continuam existindo. Não é possível desconsiderar os avanços senso mais forte de identidade compartilhada entre os países do Sul Global. A demanda por soberania nacional é profundamente democrática e continua sendo uma questão crucial para melhorar a vida das classes populares no Sul Global, além de ser também uma etapa necessária no caminho para o socialismo.
A Primeira Guerra Mundial marcou o início da Revolução Russa (1917), seguida pela criação da União Soviética, primeiro Estado operário plenamente funcional do mundo, e por uma onda de lutas revolucionárias de libertação nacional. A Segunda Guerra Mundial terminou com a criação da República Popular Democrática da Coreia, em 1948, e da República Popular da China, em 1949, seguidas por mais uma onda de lutas de libertação nacional que incluiu importantes vitórias socialistas, como no Vietnã, em 1945 e 1975, e em Cuba, em 1959.
Hoje, não estamos vivendo um período comparável de revoluções. No entanto, é nítido que há novo ânimo e um despertar do espírito para levar adiante os projetos incompletos de libertação nacional que começaram nos dois períodos anteriores. A dominação do sistema neocolonial ocidental está sendo questionada. Estamos testemunhando “mudanças não vistas em 100 anos” e entrando em um novo período da história.
Em resumo, pode-se dizer que oito contradições principais são evidentes no mundo:48
- Imperialismo moribundo liderado pelos EUA x socialismo emergente liderado pela China.
- Capital parasitário em busca de renda x exigências das sociedades por desenvolvimento ambientalmente sustentável, indústria, agricultura e emprego.
- Imperialismo liderado pelos EUA x necessidade urgente de soberania nacional dos países socialistas e capitalistas do Sul Global.
- Classes dominantes do Norte Global x burguesia dos países capitalistas do Sul Global.
- Classe dominante supremacista branca do G7 (e do restante do Norte Global) x classes populares (pessoas trabalhadoras, camponesas e da baixa pequena burguesia) nas nações de pele mais escura do Sul Global
- Burguesia e estratos superiores dos países capitalistas do Sul Global x classes populares do Sul Global.
- Imperialismo ocidental x futuro do planeta e da vida humana.
- Contradição interna entre a burguesia do Norte Global x milhões da classe trabalhadora (pobres e parcelas cada vez mais numerosas das pessoas com trabalho qualificado e semiqualificada) no Norte Global.
Assim como já começamos a fazer com o setor militar, buscamos aqui analisar esse novo estágio do imperialismo, o funcionamento interno do campo imperialista, e examinar a composição e as conotações do Sul Global para compreender as principais contradições do mundo atual.
Conquista, racismo e genocídio: A história comum do campo imperialista
A riqueza do Norte Global teve origem no roubo histórico por meio de expropriações violentas promovidas ao longo de séculos (Figura 16). 49
O fim do Período Quente Medieval na Europa (que durou entre cerca de 950 e 1250 d.C.) e a catástrofe da Peste Negra (1346-1353) fizeram com que a situação pendesse a favor do campesinato, afastando-o da aristocracia. Em toda a Europa, as rebeliões camponesas e as cartas da floresta (charters of the forest) sinalizaram que o futuro do capitalismo estava longe de ser garantido.
A Europa iniciou, então, uma trajetória como poder hegemônico mundial por meio de suas potências marítimas militarizadas, começando com a invasão e captura de Ceuta, porto marroquino fortificado, por Portugal já em 1415 – data que utilizamos para marcar os mais de 600 anos de dominação ocidental. A primeira potência colonial europeia, Portugal, usou o capital genovês para financiar suas expedições, e o resto da Europa seguiu o exemplo nos anos 1400.
As conquistas das nações de pele mais escura do mundo, a subsequente expropriação de povos de suas terras e a subordinação de sua mão de obra fizeram surgir ideologias raciais. Essa camada ideológica se infiltrou na base e na superestrutura tanto das sociedades europeias quanto dos povos conquistados, e é mais pronunciada nos Estados coloniais de ocupação branca, que se estabeleceram como projetos raciais desde o início de sua existência. Dentro desses Estados coloniais de ocupação branca, os EUA e Israel representam agora a história mais aguda, permanente e profundamente arraigada de projetos raciais e religiosos.
A análise econômica mostra que o aumento real do investimento capitalista no Reino Unido começou quando os lucros da escravização e a pilhagem de países como a Índia possibilitaram o aumento histórico do investimento em capital fixo, sendo decisivos para a chamada acumulação primitiva capitalista e o financiamento da “revolução industrial”. Em um estudo de 2022, Utsa Patnaik indicou que o Reino Unido extraiu da Índia, entre 1765 e 1939, US$ 45 trilhões (a economista usou uma fórmula de taxa de juros composta, uma vez que ainda não foram reembolsados).50
Ao longo dos séculos, a Europa criou diversos outros projetos coloniais de ocupação branca fora de seu centro histórico nas Américas e na Australásia, inclusive no Quênia, na África do Sul e no Zimbábue. Os “bem-sucedidos” não se estabeleceram em terras desabitadas – o mito da terra nullius –, mas sim promovendo genocídio e conquista militar, criando populações e Estados de população majoritariamente branca. A Alemanha foi o primeiro país a promover um genocídio colonial, assassinando aproximadamente 80 mil pessoas dos povos Herero e Nama, na Namíbia, entre 1904 e 1908.
Cinco desses projetos coloniais permanecem até hoje: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Israel, todos projetos britânicos. O Reino Unido iniciou suas conquistas coloniais em meados no século XV, na Irlanda, e, nas Américas, seu papel resultou na criação dos Estados Unidos da América. A infame Declaração Balfour (1917) foi fundamental para a formação de Israel às custas da Palestina, então colônia britânica. A missão sionista precisava criar em Israel uma barreira para as “hordas bárbaras” da Ásia. Nenhuma outra nação é tão influente nos EUA quanto Israel. Os EUA, graças a seu tamanho e papel, continuam a ser a força dominante do terrorismo mundial, mas Israel tem um papel desproporcional em termos de violência e gastos militares, com armas nucleares que a mídia ocidental convenientemente minimiza.
Desde sua criação até os tempos modernos, os EUA têm sido definidos como um projeto racial. Em American Holocaust: The Conquest of the New World (1992), David E. Stannard estimou que, nos primeiros 150 anos da conquista europeia das Américas, cerca de 100 milhões de pessoas indígenas podem ter morrido devido à conquista e suas consequências, incluindo doenças, guerras e escravização.
Em 1860, quase quatro milhões de pessoas negras eram escravizadas somente nos EUA.51
A declaração de 2023 da Otan e o apoio unificado ao genocídio israelense contra o povo palestino são prova cabal de que o imperialismo não pode ser separado de aspectos raciais históricos. Durante mais de 600 anos, os Estados europeus e de ocupação branca buscaram e conseguiram dominar o mundo inteiro.
Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA têm buscado estender essa regra por pelo menos um milênio. Inicialmente, todos os Estados do campo imperialista eram brancos. Com a derrota absoluta na Segunda Guerra Mundial, inclusive com o uso de bombas atômicas, o Japão foi assimilado ao campo imperialista, acabando por alcançar o que os sul-africanos chamaram de status de “branco honorário”. Esse movimento foi possível sobretudo porque o Japão havia sido uma potência fascista que também vinculava sua expansão imperialista a práticas racializadas.
O imperialismo também tem bases patriarcais racializadas, que remontam à forma como a divisão sexual do trabalho, o controle das capacidades reprodutivas das mulheres e a exploração do trabalho não remunerado das mulheres foram reformulados na colonização ocidental, como pré-condições para a expansão internacional da acumulação de capital.55
Não é por acaso que os Estados Unidos aparecem em sete das oito categorias de violência histórica na Figura 16. Esse processo não começou na década de 1890 com o desenvolvimento do imperialismo moderno: é possível identificá-lo desde 1492, com a primeira invasão europeia das Américas.
Em outubro de 2023, dos 193 membros da ONU, apenas os Estados Unidos e Israel votaram contra o fim do embargo e do bloqueio ilegais contra a heroica Cuba. Quando um projeto de resolução que pedia um cessar-fogo em Gaza foi redigido, em 16 de outubro de 2023, nenhum membro branco da Câmara dos Representantes dos EUA o assinou inicialmente.57
História e definição de “hiperimperialismo”
Antecedentes
A pré-história do imperialismo moderno começou em 1415 com o advento da expansão marítima europeia. A África foi a primeira vítima, seguida da colonização das Américas e do genocídio de milhões de povos indígenas. Em seguida, a Europa (e seus Estados colonizadores) passaram rapidamente a depender do capital ensanguentado da escravização humana, que durou 400 anos.
A existência do Reino Unido como potência moderna começou com a dependência vampírica do sangue de pessoas escravizadas e trabalhadoras coloniais. Os britânicos foram responsáveis por milhões de mortes no comércio atlântico de escravizados e em suas conquistas coloniais. A mão de obra escravizada nas Américas – bem como a captura britânica de boa parte do excedente das colônias espanholas e portuguesas – forneceu o ingrediente “especial” da chamada acumulação primitiva ou originária (“ursprüngliche Akkumulation”, termo utilizado por Marx em O capital).58
Além de começar como um projeto racial, o imperialismo dos EUA tem uma trajetória singular de desenvolvimento capitalista, que inclui o seguinte:
- Uma forma de escravização capitalista altamente lucrativa.
- Um Estado em expansão desenfreada em um grande território, sem nenhum resquício do feudalismo.
- O único grande país imperialista cujo território não foi atacado militarmente por outros imperialistas.
- Uma potência imperial que começou depois que a Europa já havia dividido o mundo.
- Um poder ilimitado autodefinido por meio da Doutrina Monroe (1823), além de conceitos como o Destino Manifesto e o excepcionalismo estadunidense.
Desde o advento da indústria moderna, o sistema-mundo capitalista consistiu em dois períodos sucessivos com o domínio de uma única potência capitalista: primeiro o Reino Unido, depois os EUA. Do final do século XVIII até a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido foi considerado a força dominante no setor financeiro internacional. No entanto, houve um franco colapso dessa dominação quando os britânicos abandonaram a conversibilidade da libra em ouro e encerraram o padrão ouro-libra em 1931. Na realidade, o domínio dos EUA ficou evidente a partir da Primeira Guerra Mundial e a hegemonia reconhecida do país começou em 1945, quando a Europa estava em frangalhos. No centro do sistema imperialista, portanto, está o que se pode chamar de projeto anglo-americano.
A economia dos EUA ultrapassou a britânica em tamanho na década de 1870, mas o PIB per capita (PPC) dos EUA só se igualou ao do Reino Unido no século XX. Em 1913, a economia estadunidense já tinha o dobro do tamanho do PIB (PPC) britânico.59
Histórico
A obra de Vladimir Lênin Imperialismo, estágio superior do capitalismo (1916), que se valeu muito do livro O capital financeiro, de 1910, escrito por Rudolf Hilferding, explicou a ascensão do capital financeiro durante o último período do século XIX, marcando a transição do capitalismo liberal clássico para o imperialismo de orientação financeira.60
Paralelamente a isso, ocorreram transformações tecnológicas. A transição da energia a vapor para a energia elétrica na década de 1890 provocou um salto nas forças produtivas e na produção fabril: maior eficiência energética, menor manutenção, descentralização, reconfiguração do desenho do chão de fábrica, produção em massa e um aumento maciço na divisão e socialização do trabalho. Esse tipo de transformação rápida das forças produtivas ocorreu novamente, mais tarde, com a invenção do transistor e o surgimento dos computadores.
Lênin observou cinco características desse novo estágio: o surgimento do capital financeiro e da oligarquia financeira; a concentração da produção e dos monopólios; a exportação de capital; o surgimento de cartéis monopolistas, que “dividiram” o mundo entre si; e a conclusão da divisão territorial do mundo inteiro entre as maiores potências capitalistas, juntamente com o crescente conflito entre os Estados imperialistas.
Com esses desdobramentos, começava um novo e último estágio superior do capitalismo, ou seja, o estágio do imperialismo moderno. Não é possível haver outro novo estágio do capitalismo (pois um sistema sem concorrência não seria capitalismo).
O livro de Lênin foi escrito às vésperas da Revolução Soviética. Após a formação da União Soviética, o conflito entre trabalho e capital mudou qualitativamente, deixando de ser apenas uma contradição interna dos países e passando a incluir contradições entre Estados com diferentes bases de classe.
O imperialismo moderno herda totalmente a história de dominação e exploração do mundo pelo projeto europeu. Lênin define os superlucros, resultado do imperialismo moderno, como “um excedente de lucros além dos lucros capitalistas que são normais e costumeiros em todo o mundo”.61
Após a Segunda Guerra Mundial, as divisões capitalistas internacionais se intensificaram mais uma vez durante a Grande Depressão (1929-1939), quando várias potências imperialistas trancaram suas economias com tarifas e outras barreiras. Antes do final da Segunda Guerra Mundial, a reorganização do sistema financeiro global, liderada pelos EUA, foi acordada em Bretton Woods em julho de 1944. A conversibilidade das principais moedas em dólar estadunidense e do dólar estadunidense em ouro estabeleceu a supremacia do novo “ouro verde”. Para garantir que suas normas fossem implementadas e seguidas, foram criados o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), que mais tarde se tornaria o Banco Mundial. Desde então, essas duas instituições têm sido os principais pilares da dominação dos EUA sobre o Sul Global.
Pós-Segunda Guerra Mundial
Em 1945, os Estados Unidos obtiveram uma vitória decisiva entre as potências capitalistas, e deu-se início à dominação do dólar estadunidense. Entre 1945 e 1971, houve uma fase de expansão de seu imperialismo. Com efeito, o país sofreu perdas significativas nesse período, inclusive com uma série de novos projetos socialistas. No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, confiantes em sua própria supremacia produtiva, os EUA iniciaram uma reorganização radical do sistema capitalista global e desmantelaram as tarifas e outras medidas protecionistas que consideravam desnecessárias para seu próprio avanço (mas mantiveram medidas de subsídio que favoreciam suas próprias empresas capitalistas). A nova organização “globalizada” do capitalismo mundial pós-Segunda Guerra Mundial diferia significativamente, em sua estrutura internacional, do sistema capitalista anterior a 1945. O desenvolvimento das forças produtivas se acelerou em relação à era dos impérios coloniais anteriores. Ao longo dos séculos XIX e XX, por trás do verniz do livre comércio, sempre houve monopólios, como afirmou Karl Marx com relação ao Reino Unido. Os EUA avançaram ainda mais nessa dominação por meio de monopólios imperialistas protegidos por um aparato militar internacional.
Criada em 1949, a Otan tinha inicialmente três objetivos: primeiro, impedir a disseminação do espectro comunista na Europa Ocidental; segundo, garantir a subordinação militar de todos os outros países imperialistas aos EUA; e terceiro, criar um bloco militar para conter e, por fim, derrotar os países do bloco socialista. Os EUA também iniciaram a domesticação da elite europeia e angariaram apoio para o projeto do Atlântico Norte por meio da integração e da dependência econômica (simbolizada pelo Plano Marshall, iniciado em 1948) e da subordinação política (por meio de instituições como o Clube de Bilderberg, a partir de 1954).62
Os EUA tinham três objetivos no mundo colonial. Primeiro, finalizar a derrota do controle europeu e remover as barreiras a seus interesses econômicos. Segundo, proibir o alinhamento da Europa com o bloco socialista. Terceiro, derrotar qualquer projeto revolucionário de inspiração ou liderança comunista.
Com algumas exceções, como Cuba e Filipinas na virada do século XX, os EUA nunca tiveram o objetivo ou o desejo de governar ou administrar todo o escopo das relações políticas, econômicas e sociais locais do que era, então, chamado de Terceiro Mundo. Utilizando poder militar, operações secretas, incentivos econômicos e “soft power“, os EUA desenvolveram uma estratégia de neocolonialismo: independência política nominal e subordinação econômica quase total. O Bird, primeira instituição responsável pelo alistamento de europeus para o projeto hegemônico dos EUA após a Segunda Guerra Mundial, voltou-se para seu trabalho no Sul Global assim que o Plano Marshall entrou em vigor.
Neoliberalismo
A próxima fase do imperialismo é geralmente chamada de neoliberalismo. Surgiu como uma resposta à estagnação econômica iniciada na década de 1960 (que se agravou com a crise de 1974) e à ameaça política dos projetos de esquerda do Terceiro Mundo.63
Em 1981, os EUA se tornaram, em termos correntes, uma nação devedora. A queda da União Soviética, em 1991, permitiu que os EUA se engajassem em uma projeção imperialista mais despojada, sobretudo no âmbito militar. As principais características do neoliberalismo incluem o seguinte:
- O mundo vivenciou a globalização econômica e a financeirização do capitalismo monopolista, com privilégios de monopólio financeiro “superimperialista” criados pelos EUA para sustentar a retirada do dólar estadunidense do padrão ouro.
- Os EUA ampliaram de forma agressiva seus direitos de propriedade intelectual em todo o mundo e obtiveram monopólios globais quase perpétuos. A economia de bens tangíveis foi subordinada à economia virtualizada. Grandes áreas de pequena produção foram impiedosamente destruídas.
- O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial adotaram
consistentemente políticas de austeridade que empobreceram e
sobrecarregaram o Sul Global com grandes níveis de endividamento. Essa
dívida só poderia ser paga por meio da exportação de produtos que o
Norte Global pagaria em dólares estadunidenses. Diferentemente de
qualquer outro banco, o Banco Mundial pode formular a política econômica
de seus credores, encolhendo o Estado e esvaziando a moeda local para
garantir a primazia do dólar estadunidense. A privatização, o cercamento
do setor público, a redução do papel do Estado na economia e na
sociedade (sobretudo no Sul Global) e o aumento da precarização do
trabalho foram as principais demandas de suas políticas, o que resultou
no aumento da pobreza e da desigualdade, assim como a intensificação do
trabalho reprodutivo não remunerado das mulheres.64Nalu Faria, “O Feminismo Latino-Americano e Caribenho: Perspectivas Diante Do Neoliberalismo”, em Desafios Do Livre Mercado Para O Feminismo, Cadernos Sempreviva 9 (São Paulo: SOF, 2005).Nota de rodapé
- A desarticulação da produção fabril e das cadeias de suprimentos (auxiliada por enormes transformações tecnológicas e pelos preços do petróleo subsidiados pelos EUA) criou não apenas aumentos maciços na produtividade, mas também enormes vantagens para o capital global e suas corporações multinacionais às custas da classe trabalhadora. O capital conseguiu transferir, com facilidade, partes da produção entre diversos países pequenos e fracos do Sul Global, e os países de industrialização tardia do Sul Global, como o Brasil e a África do Sul, sofreram desindustrialização. O socialismo e o tamanho da China a protegeram desse destino.
- Houve uma mudança da produção para a especulação financeira e o capital monopolista e rentista. Em todo o mundo, uma forte desregulamentação dos mercados financeiros e uma revolução nas tecnologias de comunicação possibilitaram enormes fluxos de capital financeiro especulativo em tempo real.
- Uma nova forma avançada de produção e circulação monopolista tornou-se evidente em vários setores da economia. Notadamente, com a ascensão do capital digital monopolista, alguns monopólios e oligopólios, como o Google, dominam o mundo inteiro (com exceção de China, Rússia, Irã, República Popular Democrática da Coreia, Cuba e alguns outros).
- Houve um crescimento do Estado coercitivo, níveis cada vez mais altos de desigualdade e um aumento do populismo neofascista.
- A ascensão da hegemonia cultural, política e de política externa do
Ocidente foi possível devido à onipresença e ao status de monopólio
econômico das tecnologias estadunidenses, incluindo Google, Facebook,
WhatsApp, Instagram e Twitter.65Assange, When Google Met WikiLeaks.Nota de rodapé
A obra de Michael Hudson Super Imperialism (1972) descreve a grande derrota enfrentada pelo resto do mundo quando os EUA abandonaram o padrão ouro.66
Tecnologia e soft power
Imensas transformações na tecnologia e no desenvolvimento das forças produtivas acompanharam esse processo. Os semicondutores, por exemplo, tiveram um aumento de 100 bilhões de vezes na densidade de transistores entre 1954, quando foi criado o primeiro dispositivo de silício funcional, e junho de 2023, com o lançamento do chip Apple M2 Ultra, com 134 bilhões de transistores.67
O poder do setor de tecnologia dos EUA surgiu, em primeiro lugar, devido à importância do avanço tecnológico para o complexo militar-industrial e, em segundo lugar, porque o domínio do comércio mundial pelos EUA lhes permitiu mover seus braços comerciais para reforçar a centralidade do Vale do Silício. Assim, o Vale do Silício é, ao mesmo tempo, um facilitador das principais funções de inteligência militar dos EUA e um dos beneficiários delas.
A natureza por trás do que é chamado de “efeito de rede” permitiu o rápido estabelecimento de monopólios e oligopólios “naturais” em muitas áreas da tecnologia. Assim como as centrais telefônicas de cem anos atrás, quando uma empresa como o Google ultrapassa um limite de participação de mercado em operações de busca e o monetizou, ela se torna um oligopólio. Tecnologias como a computação em nuvem permitiram que a Amazon deixasse de ser apenas um monopólio do setor de varejo e passasse a desafiar Google e Microsoft em novos mercados.
O termo “soft power” foi desenvolvido por Joseph Nye no final da década de 1980, mas é apenas um novo nome para a extensão adquirida pelos conceitos de hegemonia de Gramsci quando se trata do imperialismo dos EUA. Os seguintes “setores” fazem parte da hegemonia global dos EUA: cultura, informação, entretenimento, organizações sem fins lucrativos (ONGs), academia e think tanks. Todos dependem de um setor de comunicação centralizado comum, que abrange cabos submarinos de fibra óptica, satélites, redes de telecomunicações, imensos centros de dados e empresas de comunicação digital como Twitter (X), Facebook e Google.
No último século, foram aproximadamente cinco os estágios das tecnologias da comunicação:
- Rádio como meio de comunicação de massa, telefone e cinema “falado” (1920-1950).
- Televisão e a ascensão da publicidade da Madison Avenue (1950-1970).
- Revolução digital, crescimento em larga escala da internet (que, na verdade, começou como um projeto militar dos EUA em 1969) (1980-2000).
- Celular e redes sociais de primeira geração (2000-2005).
- Dispositivos móveis e inteligentes onipresentes e monopólios de serviços OTT de streaming de vídeo, como Netflix, Amazon Prime, Disney+, CGI, realidade aumentada e virtual e, em breve, mídia influenciada pela IA (2005 até o presente).
Cada uma dessas cinco gerações de tecnologias foi comercializada e depois “transformada em arma” sob o olhar atento das agências militares e de inteligência dos EUA. Hollywood é famosa por esses vínculos. A quinta geração de tecnologias representa um salto quantitativo e qualitativo de capacidade. As empresas de tecnologia e mídia dos EUA, representantes da hegemonia norte-americana, hoje controlam efetivamente a maior parte das vozes que os jovens do Sul Global ouvem. Ainda que o X possa estar em declínio e tenha sido principalmente um espaço para as classes médias ilustradas e engajadas dos centros urbanos, o Facebook, o Instagram e serviços de streaming, como Netflix, penetram na vida de bilhões de pessoas da classe trabalhadora.
Vejamos o caso da Índia. Nos primeiros dez meses de 2023, 510 milhões de usuários únicos de internet no país passaram um total de 371 bilhões de horas online, registrando 2,9 trilhões de visualizações. Dessas horas, 105 bi foram gastas em redes sociais, 74 bi em entretenimento, 10,5 bi em notícias, 10 bi em varejo e 12,8 bi em outras atividades (principalmente relacionadas ao setor financeiro). Durante o mês de outubro de 2023, as pessoas com idade entre 18 e 24 anos passaram, em média, 940 minutos no Instagram, 708 no YouTube, 387 no Facebook e 117 no X. Entre todas as idades, o tempo gasto no Facebook, Instagram e X mais do que dobrou desde janeiro de 2020. Em outubro de 2023, os seguintes serviços OTT de streaming de vídeo lideraram em milhões de espectadores: 170 mi na Disney, 99 mi na MX Player (empresa indiana supostamente em negociações com a Amazon), 92 mi na JioCinema (Reliance, Paramount e James Murdoch) e outros como ZEE5, Netflix e Sony. Apesar da ascensão de Bollywood, Hollywood continua presente na Índia.68
Globalmente, a mídia ocidental tem utilizado quatro tipos de censura nas redes sociais: Shadow banning ou ghosting (supressão secreta de usuários), listas de nomes favorecidos e desfavorecidos (priorização de conteúdo desejável; depreciação ou eliminação de conteúdo indesejado), manipulação algorítmica privada não visível e, agora, até mesmo remoção direta e supressão de conteúdo e/ou usuários.
Estima-se que 73% do tráfego da internet seja conduzido pelos chamados “bad bots“, incluindo contas falsas controladas pelo Estado, sobretudo pelos Estados Unidos e Israel.69
Observando a “supremacia cultural dos Estados Unidos”, o jornal The Financial Times demonstra preocupação com o império da seguinte forma: “Manter um imenso alcance cultural é uma excelente salvaguarda para uma superpotência após um pico. O truque é não se acomodar e relaxar demais”.70
No entanto, o nível de detalhe do controle exercido pela inteligência dos EUA sobre cada chamada telefônica, mensagem e toque de tecla resulta em riscos muito altos para o Sul Global. É necessário dar muita atenção e não menosprezar a soberania digital.
Capital fictício
Karl Marx analisou criticamente o aumento do capital fictício no Volume III de O Capital.71
Os fundos de hedge, como a Bridgewater Associates, e as empresas de participações privadas, como a BlackRock, participam dessa hiperespeculação. Uma analogia utilizada para ajudar a explicar os derivativos é que, se você se colocar entre dois espelhos posicionados com um ligeiro ângulo entre si, verá uma longa série de imagens suas. Você continua sendo de verdade, mas as imagens são efêmeras.
Embora o capital seja fictício, os resultados não são. A expropriação dos bens naturais e das empresas do Sul Global acontece agora em uma escala de trilhões de dólares estadunidenses a uma velocidade de milissegundos.73
2008-2022: Uma transição
A derrota da União Soviética, em 1991, levou o capital estadunidense a um novo sentimento de confiança eterna no imperialismo. Agora seria possível expropriar os mercados da antiga União Soviética e ter a sensação de ter alcançado o destino manifesto. A ideia de “fim da história” e o surgimento do sentimento de unilateralismo dominaram o pensamento do Conselho de Relações Exteriores (Council on Foreign Relations) e de outras instituições estratégicas dos EUA.
Diante de um declínio na taxa de criação de capital em suas economias, e como a financeirização e os direitos de propriedade intelectual aumentaram a prevalência de monopólios, uma proporção maior de capital evitou investimentos produtivos e passou a buscar cada vez mais ganhos de curto prazo, tornando-se ainda mais especulativa.
Com a crise financeira de 2007-2008 – no que chamamos de início da Terceira Grande Depressão –, as ferramentas anteriores de combate à estagnação se mostraram cada vez mais ineficazes. A impermeabilidade da China a essa crise aumentou o sinal de alerta do Norte Global. Nos 14 anos seguintes, um período de transição marcou o fim da fase do neoliberalismo. Do início dos anos 2000 até 2022, começaram a ocorrer grandes transformações. Algumas aceleraram a consolidação do capital, enquanto outras sinalizaram o início de uma crise existencial do capital:
- A mudança mais importante foi a ascensão da China como maior economia do mundo quando medida pela paridade do poder de compra (PPC).
- O Sul Global passou de 40% do PIB mundial para 60% quando medido em PPC.
- A Terceira Grande Depressão levou a uma queda ainda maior nas taxas de crescimento do PIB. Em 2022, as taxas de crescimento per capita médias em 10 anos registravam patamares inferiores a 1% na Europa e de 1,5% nos EUA.
- O processo de “desnacionalização” do capital europeu e japonês foi acelerado pelas rápidas transformações nos mercados de capitais. Agora estão totalmente integrados, dependentes e subordinados aos EUA em questões fundamentais.
- A China se consolidou como um projeto socialista e a esperança ocidental de um novo “Gorbatchov chinês” fracassou completamente.
- Os países da Otan aumentaram o número de intervenções militares globais, mas foram confrontados com uma série de derrotas, como no Afeganistão, no Iraque e até mesmo, em certa medida, na Síria.
- A decisão dos EUA de expandir a Otan para a Europa Oriental e usar a Ucrânia em uma batalha por procuração no centro da movimentação para controlar a Rússia resultou em um importante conflito militar entre potências nucleares.
- Os EUA, diante de uma relativa hegemonia econômica e política, começaram a expandir maciçamente o uso de sanções, batalhas juríricas (lawfare), tarifas e apreensão de reservas em moeda estrangeira.
- Para tentar impedir o avanço tecnológico da China, os EUA começaram a adotar tarifas e medidas protecionistas. Iniciaram um imenso ataque de soft power contra a China e começaram uma nova Guerra Fria.
- As principais vozes da classe dominante dos EUA falam abertamente sobre a possibilidade de usar sua hegemonia militar para bloquear a China. Como também “perderam” a Rússia, pelo menos com Vladimir Putin no poder, os EUA estão concentrados em planejar a forma de concluir sua missão histórica de subordinar a Eurásia de uma vez por todas. Em última análise, isso implicaria a desnuclearização e o possível desmembramento da Rússia e da China.
Periodização do imperialismo
O imperialismo mudou nos últimos 100 anos. Grosso modo, podemos descrever alguns de seus principais períodos da seguinte forma:
- 1890 – 1916: A ascensão do imperialismo moderno.
- 1917–1939: Nascimento da União Soviética, declínio da hegemonia britânica, continuação da extrema rivalidade interimperialista, ascensão do fascismo, disseminação de ideias socialistas pelo mundo e Grande Depressão.
- 1940–1945: Batalha do mundo contra o fascismo, agressão alemã e japonesa.
- 1945–2008: Estabelecimento da República Popular da China, era da hegemonia dos EUA dentro do campo imperialista, avanço das lutas de libertação nacional no Sul Global e fim do colonialismo direto, aumento da importância de projetos socialistas como Cuba e Vietnã, mudanças drásticas nas forças produtivas e inúmeras guerras nas quais os EUA assassinaram dezenas de milhões de pessoas. Esse período pode ser subdividido em duas partes: a chamada era de ouro do imperialismo estadunidense durante as décadas de 1950 e 1960, seguida pela década de 1970 e a virada para a estagnação e o neoliberalismo.
- 2008–2023: A falsa esperança do unilateralismo dos EUA foi substituída pela consciência de que um poderoso projeto socialista não branco poderia, em pouco tempo, superar os EUA economicamente. Em 1918, no 73.o dia da República Socialista Federativa Soviética Russa, Vladimir Lênin deixou seu escritório no Instituto Smolny (Petrogrado) e dançou na neve. Ele comemorou o fato de que a experiência soviética havia superado a duração da Comuna de Paris. Em 18 de novembro de 2023, a República Popular da China completou 27.077 dias de existência, superando a duração do projeto socialista soviético. Conforme observado pelo Presidente Xi Jinping, estamos entrando em um período que não se viu em 100 anos.
Em suma, essas mudanças configuram uma transição para o que seria melhor descrito como um novo estágio do imperialismo: o hiperimperialismo.
PARTE III: Definindo o mundo
Definindo o Norte Global
O Norte Global é um bloco militar, político e econômico integrado, atualmente composto por 49 países, conforme ilustrado na Figura 17. Entre eles estão os EUA, o Reino Unido, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, Israel, o Japão e países secundários da Europa Ocidental e Oriental. Esse bloco liderado pelos EUA é o campo imperialista no mundo atual.
Conforme ilustrado na Figura 18, o Norte Global é fundamentalmente um projeto do Atlântico Norte, com três países periféricos, Austrália, Japão e Nova Zelândia.
Inspirada no conceito de tríade de Samir Amin, mas expandindo-o e modificando-o para se adequar às realidades atuais, a organização do bloco do Norte Global pode ser melhor compreendida em camadas de quatro anéis concêntricos.74
Anel 1 do Norte Global: Seis países imperialistas no núcleo anglo-americano liderado pelos EUA
País | Geral | Relação com Inteligência dos EUA | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
ONU ano de entrada |
População (mi) |
PIB (PPC) (bi) |
Taxa de crescimento 10 anos média movel anual |
PIB (PPC) per capita |
5 olhos | 9 olhos | 14 olhos | |
Estados Unidos | 1945 | 338 | 25.463 | 2,1% | 76.343 | S | S | S |
Reino Unido | 1945 | 68 | 3.717 | 1,5% | 54.824 | S | S | S |
Canadá | 1945 | 38 | 2.265 | 1,8% | 58.316 | S | S | S |
Austrália | 1945 | 26 | 1.629 | 2,4% | 62.026 | S | S | S |
Israel | 1949 | 9 | 502 | 4,1% | 51.990 | |||
Nova Zelândia | 1945 | 5 | 266 | 3,1% | 51.962 | S | S | S |
Total | 6 países | 485 | 33.843 | 70.326 | ||||
Porcentagem do mundo | 6,1% | 20,7% | ||||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados da ONU, FMI
|
País | Militar | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
OTAN ano de entrada |
OTAN+ | Gasto militar aj. (mi) |
Gasto militar ajust. per capita >média mundial (vezes) |
Bases EUA excl. EUA |
Operações Intra-imperialistas |
Operações militares no Sul Global |
Potência nuclear |
|
Estados Unidos | 1949 | S | 1.536.859 | 12,6 | 22 | 34 | S | |
Reino Unido | 1949 | S | 68.463 | 2,8 | 25 | 8 | 24 | S |
Canadá | 1949 | S | 26.896 | 1,9 | 2 | 6 | 7 | |
Austrália | S | 32.299 | 3,4 | 17 | 8 | |||
Israel | 23.406 | 7,2 | 7 | S | ||||
Nova Zelândia | S | 2.829 | 1,5 | 4 | ||||
Total | 1.690.752 | 51 | 36 | 77 | ||||
Porcentagem do mundo | 58,9% | |||||||
Fonte: Elaboração do Sul Global Insights com base em dados de SIPRI e Monthly Review, ONU, World Beyond War, IISS
|
O Anel 1 (apresentado na Figura 19) representa o núcleo interno do imperialismo. Os vencedores brancos anglófonos da Segunda Guerra Mundial, que integram os Cinco Olhos (EUA, Reino Unido em 1946, Canadá em 1948, Austrália e Nova Zelândia em 1956), se estabeleceram como guarda pretoriana do que pode ser chamado de projeto anglo-americano, composto pelo Reino Unido e pelos Estados colonizadores de ocupação branca derivados dele. Israel, tratado pelos EUA como o sexto olho, não oficialmente, faz parte do núcleo interno. A coesão dos países nesse anel permanece; um exemplo é a aliança de segurança trilateral Aukus, criada em setembro de 2021.
A relação especial entre os Estados Unidos e Israel é uma chave fundamental para entender o Norte Global. São Estados colonizadores de ocupação branca, fundados e justificados nas bases da supremacia branca e do fanatismo religioso, e constituem o núcleo do Anel 1 do Norte Global. Os EUA foram fundados por extremistas religiosos brancos que, em 1690, conceberam e estabeleceram seus assentamentos coloniais como “plantations de religião”.75
Israel foi uma criação do imperialismo britânico e estadunidense, organizada pelos líderes do movimento sionista. Foi descrito pelo especialista militar do jornal The Guardian, Herbert Sidebotham, durante a Primeira Guerra Mundial, da seguinte forma: Os únicos colonizadores possíveis da Palestina são os judeus… representam, ao mesmo tempo, uma proteção contra o Oriente exótico e uma mediação entre ele e nós, uma civilização distinta da nossa, mas imbuída de nossas ideias políticas”.76
Conforme indicado anteriormente, entre 1776, ano da independência dos britânicos, e 2019, os EUA passaram 228 dos 245 anos desse período em guerra/conflito e apenas 17 anos em “paz”.
Durante sua história, as forças do Reino Unido (ou forças com mandato britânico) invadiram, tiveram algum controle ou travaram conflitos em 171 dos 193 países do mundo que são hoje membros da ONU – ou seja, nove em cada dez países.77
Em seus 72 anos de existência, Israel iniciou “oficialmente” 16 conflitos militares com a população palestina e outras nações árabes. Um quarto deles ocorreu sob o comando de Benjamin Netanyahu (1996-1999; 2009-2023). Obviamente, não estão incluídas nessas estatísticas “oficiais” as diversas incursões dos colonos sionistas e de seus pares militares contra o povo palestino.
O racismo branco israelense e a demagogia religiosa passaram de justificativas ideológicas para forças materiais que contribuíram para a transformação qualitativa do imperialismo na atualidade. Um exemplo disso, entre outras coisas, é o gasto militar per capita dos EUA, que é 12,6 vezes maior do que a média mundial, e de Israel, que é 7,2 vezes maior. São os dois maiores gastos militares per capita no Norte Global. Apenas no primeiro mês após 7 de outubro de 2023, o número de civis mortos por Israel na Palestina superou aquele registrado na Ucrânia desde 2022. Além disso, Israel detonou mais toneladas de explosivos do que o peso combinado das duas bombas nucleares lançadas em Hiroshima e Nagasaki.78
Segundo o Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA, “Israel é o maior beneficiário cumulativo de assistência externa dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial… Israel é o primeiro operador internacional do F-35 Joint Strike Fighter, aeronave furtiva de quinta geração do Departamento de Defesa, considerada o caça mais avançado tecnologicamente já fabricado”.79
No entanto, são os Estados Unidos que estão dirigindo a agenda na região após 7 de outubro de 2023, e não Israel. A “diplomacia de vaivém” de Blinken estabelece as regras e os tons das operações militares de Israel e as ações “proporcionais” contra a resistência palestina e as potências regionais. Os EUA fornecem o apoio político e militar necessário para que Israel elimine “permanentemente” a resistência palestina e promova a normalização com os países árabes vizinhos.
Todas essas intervenções dos EUA buscam preparar o terreno para a construção do planejado Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa (IMEC), que não se trata apenas de um mero corredor econômico, mas, essencialmente, de um plano ideológico e político para bloquear a crescente influência chinesa na região. Portanto, Israel constitui um “entroncamento central” para o IMEC, planejado pelos EUA e desenhado dentro da estrutura da Parceria do G7 para o Investimento em Infraestrutura Global, um plano do Norte Global que visa, essencialmente, combater a Nova Rota da Seda da China e qualquer forma de cooperação duradoura do Sul Global.
Anel 2 do Norte Global: Nove principais potências imperialistas europeias
País | Geral | Relação com Inteligência dos EUA | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
ONU ano de entrada |
População (mi) |
PIB (PPC) (bi) |
Taxa de crescimento 10 anos média movel anual |
PIB (PPC) per capita |
5 olhos | 9 olhos | 14 olhos | |
Alemanha | 1973 | 83 | 5.370 | 1,2% | 64.086 | S | ||
França | 1945 | 65 | 3.696 | 1,1% | 56.305 | S | S | |
Itália | 1955 | 59 | 3.059 | 0,4% | 51.827 | S | ||
Espanha | 1955 | 48 | 2.272 | 1,4% | 47.711 | S | ||
Países Baixos | 1945 | 18 | 1.244 | 1,9% | 70.728 | S | S | |
Bélgica | 1945 | 12 | 735 | 1,5% | 63.268 | S | ||
Suécia | 1946 | 11 | 695 | 2,4% | 66.091 | S | ||
Noruega | 1945 | 5 | 427 | 1,6% | 78.014 | S | S | |
Dinamarca | 1945 | 6 | 419 | 2,1% | 71.332 | S | S | |
Total | 9 países | 306 | 17.918 | 58.334 | ||||
Porcentagem do mundo | 3,8% | 10,9% | ||||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados da ONU, FMI
|
País | Militar | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
OTAN ano de entrada |
OTAN+ | Gasto militar aj. (mi) |
Gasto militar ajust. per capita >média mundial (vezes) |
Bases EUA excl. EUA |
Operações Intra-imperialistas |
Operações militares no Sul Global |
Potência nuclear |
|
Alemanha | 1955 | S | 55.760 | 1,9 | 171 | 8 | 9 | |
França | 1949 | S | 53.639 | 2,3 | 5 | 26 | S | |
Itália | 1949 | S | 33.490 | 1,6 | 45 | 5 | 15 | |
Espanha | 1982 | S | 20.307 | 1,2 | 3 | 3 | 12 | |
Países Baixos | 1949 | S | 15.607 | 2,5 | 7 | 6 | 7 | |
Bélgica | 1949 | S | 6.867 | 1,6 | 12 | 2 | 6 | |
Suécia | S | 7.722 | 2,0 | 2 | 7 | |||
Noruega | 1949 | S | 8.388 | 4,3 | 8 | 2 | 7 | |
Dinamarca | 1949 | S | 5.468 | 2,6 | 1 | 4 | 4 | |
Total | 207.247 | 247 | 37 | 93 | ||||
Porcentagem do mundo | 7,2% | |||||||
Fonte: Elaboração do Sul Global Insights com base em dados de SIPRI e Monthly Review, ONU, World Beyond War, IISS
|
Conforme apresentado na Figura 20, os países do Anel 2 são os mais próximos do núcleo interno liderado pelos EUA, a saber, Alemanha, França, Itália, Espanha, Países Baixos, Bélgica, Suécia, Noruega e Dinamarca. O Anel 2 é definido pela proximidade e afinidade de cada país e pela confiabilidade de suas atividades de inteligência em relação às dos Estados Unidos.
“A política é uma expressão concentrada da economia”, explicou Lênin.81
Graças ao trabalho do Wikileaks e à coragem de Julian Assange e Edward Snowden, pela primeira vez, o mundo secreto das relações de inteligência entre as forças imperialistas foi exposto mundialmente.82
De forma pedagógica, os EUA priorizaram seu nível de confiança além dos Cinco Olhos e do relacionamento especial oculto com Israel. Posteriormente, de forma secreta, mas formal, os EUA criaram a aliança Nove Olhos, que incluiu a Dinamarca, a Noruega, a França e os Países Baixos. Os europeus não queriam que se soubesse, mesmo em particular, que Israel era um membro formal. Além disso, Israel não confiava totalmente na inteligência de muitas potências europeias. Portanto, todas as partes permitiram que os EUA continuassem a ter seu relacionamento especial com Israel.
Cinquenta anos após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos continuaram a excluir as antigas potências fascistas europeias (Alemanha, Itália e Espanha) das alianças Cinco e Nove Olhos. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os EUA construíram um sistema internacional que tinha como premissa a subordinação e a integração das antigas potências fascistas e do restante da Europa. Esse processo de subordinação e integração ficou evidente no aparato militar construído pelos Estados Unidos, tendo a Otan como um de seus pilares. O estabelecimento de um sistema de bases militares estadunidenses nas potências derrotadas – Alemanha, Itália e Japão – permitiu que Washington deixasse de lado qualquer conversa sobre um projeto militar ou diplomático soberano para os derrotados.
Em 2011, outros cinco países (Alemanha, Bélgica, Itália, Espanha e Suécia) foram incluídos aos nove anteriores e se tornaram os Quatorze Olhos.83
Anel 3 do Norte Global: Japão e quatorze potências imperialistas europeias menores
País | Geral | Relação com Inteligência dos EUA | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
ONU ano de entrada |
População (mi) |
PIB (PPC) (bi) |
Taxa de crescimento 10 anos média movel anual |
PIB (PPC) per capita |
5 olhos | 9 olhos | 14 olhos | |
Japão | 1956 | 124 | 6.145 | 0,5% | 49.090 | |||
Suíça | 2002 | 9 | 754 | 1,9% | 86.262 | |||
Irlanda | 1955 | 5 | 684 | 8,9% | 132.359 | |||
Áustria | 1955 | 9 | 604 | 1,2% | 66.889 | |||
Portugal | 1955 | 10 | 439 | 1,6% | 42.692 | |||
Grécia | 1945 | 10 | 393 | 0,6% | 37.526 | |||
Finlândia | 1955 | 6 | 324 | 1,0% | 58.445 | |||
Luxemburgo | 1945 | 1 | 91 | 2,6% | 141.333 | |||
Chipre | 1960 | 1 | 47 | 2,5% | 51.774 | |||
Malta | 1964 | 1 | 31 | 6,1% | 59.408 | |||
Islândia | 1946 | < 1 | 25 | 3,2% | 67.176 | |||
Andorra | 1993 | < 1 | 5 | 1,3% | 66.155 | |||
San Marino | 1992 | < 1 | 3 | 1,8% | 79.633 | |||
Liechtenstein | 1990 | < 1 | ||||||
Mônaco | 1993 | < 1 | ||||||
Total | 15 países | 176 | 9.543 | 53.935 | ||||
Porcentagem do mundo | 2,2% | 5,8% | ||||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados da ONU, FMI
|
País | Militar | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
OTAN ano de entrada |
OTAN+ | Gasto militar aj. (mi) |
Gasto militar ajust. per capita >média mundial (vezes) |
Bases EUA excl. EUA |
Operações Intra-imperialistas |
Operações militares no Sul Global |
Potência nuclear |
|
Japão | S | 45.992 | 1,0 | 98 | 3 | |||
Suíça | 6.145 | 2,0 | 2 | 8 | ||||
Irlanda | 1.164 | 0,6 | 1 | 3 | 4 | |||
Áustria | S | 3.626 | 1,1 | 3 | 3 | |||
Portugal | 1949 | S | 3.500 | 0,9 | 9 | 1 | 6 | |
Grécia | 1952 | S | 8.105 | 2,2 | 5 | 4 | 5 | |
Finlândia | 2023 | S | 4.823 | 2,4 | 1 | 6 | ||
Luxemburgo | 1949 | S | 565 | 2,4 | 1 | 1 | 3 | |
Chipre | 494 | 1,1 | 1 | 1 | ||||
Malta | 87 | 0,5 | 1 | |||||
Islândia | 1949 | S | 3 | |||||
Andorra | ||||||||
San Marino | ||||||||
Liechtenstein | ||||||||
Mônaco | ||||||||
Total | 74.501 | 118 | 15 | 40 | ||||
Porcentagem do mundo | 2,6% | |||||||
Fonte: Elaboração do Sul Global Insights com base em dados de SIPRI e Monthly Review, ONU, World Beyond War, IISS
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Embora seja composto por 15 países, o Anel 3 (apresentado na Figura 21) se concentra especialmente no Japão, que se tornou um ativo decisivo na linha de frente do esforço para limitar e suprimir a China e a Rússia. Entretanto, acrescentamos no Anel 3 outras potências secundárias da Europa Ocidental, que, embora leais aos Estados Unidos, são menos estratégicas do que outras. Algumas, como Portugal, Finlândia e Islândia, fazem parte da Otan. Portugal é a única ex-potência colonial fascista não incluída no Anel 2, em função de sua pouca relevância para a inteligência militar dos EUA (o país não faz parte dos Quatorze Olhos) e de seu PIB menor.
Portanto, o terceiro anel do campo imperialista inclui o Japão e outros 14 países europeus (Suíça, Irlanda, Áustria, Portugal, Grécia, Finlândia, Luxemburgo, Chipre, Malta, Islândia, Andorra, San Marino, Liechtenstein e Mônaco).
Nos últimos séculos, os países dos três primeiros anéis do campo imperialista, com exceção da Irlanda, provocaram enormes desastres humanos (Figura 16). O Reino Unido, os EUA e os Países Baixos se apropriaram de riquezas por meio do comércio de pessoas africanas escravizadas. Os europeus implementaram o colonialismo em todo o mundo; a totalidade do continente americano, quase toda a África e mais da metade da Ásia foram dominados por colonizadores. Os imigrantes brancos anglo-saxões expulsaram e assassinaram à força os povos indígenas das Américas, da Austrália e da Nova Zelândia. Diversas foram as tentativas imperialistas de desmembrar a China, inclusive a Primeira Guerra do Ópio, quando Hong Kong foi cedida, em 1842, e depois Taiwan, no final da Primeira Guerra Sino-Japonesa, em 1895. Em 1884-1885, os colonizadores europeus dividiram arbitrariamente a África na Conferência de Berlim. Essa metodologia violenta de divisão continua inabalável até hoje, como evidenciado pela divisão do Sudão em 2011 e pela destruição que continua afetando o país e seu povo. Em 1919, os impérios austro-húngaro e alemão foram desmantelados por meio do Tratado de Versalhes, os direitos de algumas áreas da China (Shandong) foram transferidos para o Japão, as colônias alemãs na África foram entregues às potências europeias vitoriosas e uma ordem mundial liderada pelas forças anglo-americanas foi restabelecida. Como resultado de crises internas e rivalidades imperialistas, surgiram Estados fascistas dentro desse campo, desencadeando a Segunda Guerra Mundial e provocando a morte de pelo menos 50 milhões de pessoas soviéticas e chinesas. Nos estágios finais da Segunda Guerra Mundial, os EUA lançaram bombas atômicas contra civis. Até hoje, o país se recusa a renunciar ao primeiro uso de armas nucleares e se retirou unilateralmente dos principais tratados sobre armas nucleares e mísseis.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o Japão se tornou um aliado estratégico dos EUA. Em 1951, com a assinatura do tratado de segurança entre os dois países, o primeiro-ministro japonês, Shigeru Yoshida, aceitou o domínio das forças armadas estadunidenses sobre seu país. Durante a Guerra Fria, o Japão desempenhou um papel significativo na contenção da União Soviética e da China na frente oriental, e esse papel continua sendo desempenhado até hoje. Em julho de 2023, o Japão era o segundo país com o maior número de bases militares dos EUA (98), atrás apenas da Alemanha (171). Até hoje, nenhuma dessas bases está localizada na antiga República Democrática Alemã85
Embora não seja oficialmente membro da Otan, o Japão tem cooperado com a organização de modo individual desde 2014. Mais recentemente, em julho de 2023, aceitou aderir ao Programa de Parceria Individual Sob Medida e participou das duas últimas cúpulas da Otan. O país também participa regularmente de reuniões realizadas na sede da organização, em Bruxelas, envolvendo seus aliados e os quatro parceiros da região do Indo-Pacífico no nível de embaixadores. Essa incorporação prática pode ser explicada pelo Conceito Estratégico da Otan 2022, que afirma que “a cooperação com os parceiros dessa região é fundamental para enfrentar o ambiente de segurança global cada vez mais complexo, incluindo a guerra da Rússia contra a Ucrânia, a mudança no equilíbrio de poder global e a ascensão da China, além da situação de segurança na península da Coreia”.
Além disso, o Japão é o único membro do G7 que não faz parte da Otan. Em 2022, a China foi rotulada pelo governo japonês como “o maior desafio estratégico de todos os tempos para a garantia da paz e da estabilidade do Japão”, que anunciou, ainda, planos para dobrar os gastos militares oficiais para 2% do PIB (mesmo nível dos países da Otan) até 2027. O governo japonês derruba, assim, o limite de 1% do PIB para os gastos militares do país, que havia sido estabelecido após a Segunda Guerra Mundial.86
Anel 4 do Norte Global: Dezenove países europeus do antigo Bloco do Leste integrados à Otan
País | Geral | Relação com Inteligência dos EUA | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
ONU ano de entrada |
População (mi) |
PIB (PPC) (bi) |
Taxa de crescimento 10 anos média movel anual |
PIB (PPC) per capita |
5 olhos | 9 olhos | 14 olhos | |
Polônia | 1945 | 40 | 1.643 | 3,7% | 43.624 | |||
Romênia | 1955 | 20 | 737 | 3,5% | 38.703 | |||
Chéquia | 1993 | 10 | 519 | 2,2% | 47.955 | |||
Ucrânia | 1945 | 40 | 449 | -4,0% | 12.886 | |||
Hungria | 1955 | 10 | 408 | 3,3% | 42.121 | |||
Eslovaquia | 1993 | 6 | 219 | 2,3% | 40.211 | |||
Bulgária | 1955 | 7 | 205 | 2,3% | 31.857 | |||
Sérvia | 2000 | 7 | 164 | 2,6% | 24.564 | |||
Croácia | 1992 | 4 | 155 | 2,4% | 40.128 | |||
Lituânia | 1991 | 3 | 133 | 3,2% | 47.107 | |||
Eslovênia | 1992 | 2 | 103 | 2,6% | 48.757 | |||
Geórgia | 1992 | 4 | 75 | 4,2% | 20.243 | |||
Letônia | 1991 | 2 | 73 | 2,5% | 39.167 | |||
Bósnia e Herzegovina | 1992 | 3 | 64 | 2,9% | 18.518 | |||
Estônia | 1991 | 1 | 60 | 2,9% | 44.630 | |||
Albânia | 1955 | 3 | 52 | 2,8% | 18.164 | |||
Macedônia do Norte | 1993 | 2 | 41 | 2,2% | 20.129 | |||
Moldova | 1992 | 3 | 40 | 2,9% | 15.710 | |||
Montenegro | 2006 | 1 | 16 | 2,7% | 25.862 | |||
Total | 19 países | 167 | 5.156 | 32.662 | ||||
Porcentagem do mundo | 2,1% | 3,1% | ||||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados da ONU, FMI
|
País | Militar | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
OTAN ano de entrada |
OTAN+ | Gasto militar aj. (mi) |
Gasto militar ajust. per capita >média mundial (vezes) |
Bases EUA excl. EUA |
Operações Intra-imperialistas |
Operações militares no Sul Global |
Potência nuclear |
|
Polônia | 1999 | S | 16.573 | 1,2 | 5 | 4 | 7 | |
Romênia | 2004 | S | 5.187 | 0,7 | 9 | 2 | 9 | |
Chéquia | 1999 | S | 4.005 | 1,1 | 6 | 6 | ||
Ucrânia | S | 43.998 | 3,1 | 1 | ||||
Hungria | 1999 | S | 2.572 | 0,7 | 2 | 4 | 4 | |
Eslovaquia | 2004 | S | 1.994 | 1,0 | 2 | 3 | 4 | |
Bulgária | 2004 | S | 1.336 | 0,5 | 4 | 2 | 2 | |
Sérvia | 1.426 | 0,5 | 1 | 4 | ||||
Croácia | 2009 | S | 1.309 | 0,9 | 3 | 5 | ||
Lituânia | 2004 | S | 1.732 | 1,8 | 2 | 4 | ||
Eslovênia | 2004 | S | 735 | 1,0 | 4 | 4 | ||
Geórgia | S | 360 | 0,3 | 2 | 2 | |||
Letônia | 2004 | S | 849 | 1,3 | 2 | 1 | 3 | |
Bósnia e Herzegovina | S | 184 | 0,2 | |||||
Estônia | 2004 | S | 811 | 1,7 | 1 | 5 | ||
Albânia | 2009 | S | 289 | 0,3 | 4 | 1 | ||
Macedônia do Norte | 2020 | S | 225 | 0,3 | 2 | 4 | ||
Moldova | S | 48 | < 0,1 | 1 | 4 | |||
Montenegro | 2017 | S | 98 | 0,4 | 2 | 1 | ||
Total | 83.732 | 27 | 42 | 69 | ||||
Porcentagem do mundo | 2,9% | |||||||
Fonte: Elaboração do Sul Global Insights com base em dados de SIPRI e Monthly Review, ONU, World Beyond War, IISS
|
O Anel 4 (apresentado na Figura 22) é composto pelos membros europeus do antigo Bloco do Leste e pelos membros da Europa Oriental do antigo Conselho para Assistência Econômica Mútua (Comecon, que existiu entre 1949 e 1991). Trata-se de uma nova categoria dentro do campo imperialista e, portanto, não foi incluído por Samir Amin em seu influente trabalho sobre a tríade.
O Anel 4 do campo imperialista inclui Polônia, Romênia, Chéquia, Ucrânia, Hungria, Eslováquia, Bulgária, Sérvia, Croácia, Lituânia, Eslovênia, Letônia, Bósnia e Herzegovina, Estônia, Albânia, Macedônia do Norte, Moldávia e Montenegro (exceto Belarus). Cinco países eram repúblicas formais da União Soviética.
Esses países não faziam parte do campo imperialista anteriormente. Para expandir sua hegemonia, os EUA têm visado essa região militar, política e culturalmente. A Sérvia, parte da antiga Iugoslávia, foi submetida a um bombardeio de 78 dias pela Otan em 1999. Apesar de não ser membro da organização até hoje, o país foi obrigado a participar de exercícios militares conjuntos com países da Otan em junho de 2023.
A entrada da Romênia na Otan não envolveu a realização de um referendo. Em vez disso, o governo no poder modificou a Constituição, permitindo que os senadores tomassem a decisão sem consultar o povo romeno.
A expansão dos EUA e da Europa Ocidental aconteceu principalmente por meio da subordinação econômica e da expansão oriental da Otan. Quatorze são membros da Otan, enquanto quatro (Bósnia e Herzegovina, Geórgia, Moldávia e Ucrânia) participaram da reunião da Otan em Vilnius em junho de 2023. Alguns desses países são governados por regimes de direita pró-Otan (entre os exemplos estão Polônia, Ucrânia e Estônia) e desempenham um papel ativo como tropas de linha de frente contra a Rússia.
Definindo o Sul Global
Para além dos 49 países do campo imperialista do Norte Global, há 145 países que constituem o Sul Global e compõem a grande maioria da população mundial (Figura 23).
O termo “Sul Global” tem sido comumente utilizado como uma referência vaga e imprecisa. No entanto, as ações promovidas nos últimos quatro anos pelo bloco militar liderado pelos EUA, agora totalmente alinhado e integrado, criaram um grande grupo de países que são o “resto do mundo”. O “resto do mundo” está, portanto, alinhado inicialmente pela “unidade negativa”, ou seja, todos os seus membros são excluídos. Consequentemente, eles se tornaram uma negação do campo imperialista. Esses países incluem a Rússia e a Belarus, que não são países em desenvolvimento, mas são em grande medida alvos para a promoção de mudanças de regime e subjugação.
O Sul Global inclui sobretudo os chamados países “menos desenvolvidos” ou “em desenvolvimento”, geograficamente associados a países da América Latina, Ásia, África e Oceania. Trata-se de uma referência implícita a países que foram historicamente marginalizados no sistema econômico global e que estão lutando contra os legados do colonialismo e do imperialismo. Era comum chamar esses países de Terceiro Mundo.
O Sul Global carece de coesão, de uma identidade coletiva consensual e de organização e ação unificadas. Ao contrário do bloco integrado do Norte Global, o Sul Global não é um bloco unificado. Cada um desses 145 países tem ideologias e agendas políticas distintas, com diferenças de proximidade e orientação entre si e com os países do Norte Global. São diversas as disputas entre alguns deles, que vão desde disputas territoriais (como o caso da Eritreia e da Etiópia) até lutas pelo poder político intrarregional (como o caso histórico da Arábia Saudita e do Irã).
Grande parte do Sul Global busca a soberania, a paz e o desenvolvimento, mas esses países raramente chegam a um consenso global sobre qualquer questão. Muitas vezes, isso aponta para diferenças no grau de proximidade de um determinado país com o núcleo interno do Norte Global. Dessa forma, organizamos esses países em “grupos” com base em alguns atributos comuns, em vez de colocá-los em camadas de anéis integrados ou blocos distintos.
No entanto, isso não significa que o Sul Global seja – como algumas perspectivas ocidentais gostariam – um conceito fabricado e desprovido de substância. O Sul Global (Figura 24) são ex-colônias ou semicolônias do campo imperialista do Norte Global, que sofreram séculos de opressão e humilhação sob o imperialismo. Alguns desses países compartilham, em graus variados de compromisso e percepção, uma orientação política socialista. Objetivamente, com a renda per capita atual registrada em 2022 (US$ 12.850), a China é um país em desenvolvimento.87
É possível encontrar as raízes genealógicas do Sul Global no projeto do Terceiro Mundo, que tentou alterar o equilíbrio internacional de forças em favor dos interesses dos países que haviam conquistado independência política em meados do século XX, mas mantinham uma relação de servidão econômica com o Norte Global. Isso incluiu os esforços da Conferência de Bandung (1955), o Movimento dos Não Alinhados (1961), a Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina – OSPAAL (1966) e a busca por uma nova ordem econômica internacional (1974) por meio da formação da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (1964) por parte dos países em desenvolvimento.89
Em comum, esses países têm a marginalização histórica e contemporânea na ordem econômica e política global. Um dos exemplos mais pungentes e devastadores desse aspecto é o dano ambiental e ecológico que o Norte Global vem causando a países do Sul Global. A extração de recursos e a especulação financeira sobre a terra e as plantações levaram ao desmatamento, à destruição de habitats, à degradação do solo e à poluição da água. Isso vem resultando em fome generalizada e tem provocado uma perda significativa de biodiversidade e grandes extensões de terras agrícolas não cultiváveis, destruindo ecossistemas e espécies locais.
Além disso, as empresas multinacionais do Norte Global são responsáveis pela poluição do ar, da água e do solo com seus métodos perversos, enquanto o neoliberalismo garante que não haja regulamentações para evitar essas práticas. Proibidos no Norte Global, mas amplamente utilizados no Sul Global, os agrotóxicos e a geração de materiais perigosos e outros resíduos aumentaram os riscos à saúde, especialmente para povos indígenas, mulheres, crianças e pessoas idosas.90
Todos esses 145 países estão agora sofrendo a imensa pressão da superexpansão imperialista. Entre os desafios comuns que continuam enfrentando estão o subdesenvolvimento histórico, a dependência do setor primário, a industrialização limitada, a dívida externa, os desequilíbrios comerciais, as lacunas tecnológicas, o déficit de infraestrutura e a crise ambiental desproporcional.
Desiludidos com os desafios mencionados acima, setores cada vez maiores da nova burguesia dos países do Sul Global – que surgiram com o rápido crescimento econômico registrado nas últimas duas décadas, sobretudo na Ásia – estão aos poucos perdendo a confiança na liderança política, econômica e moral dos Estados Unidos e da Europa. Novos centros de poder econômico, como a China, oferecem modelos alternativos de desenvolvimento e investimento (por exemplo, por meio de iniciativas como a Nova Rota da Seda) e se tornam mais atraentes para a burguesia do Sul Global.
Entre os 145 países do Sul Global, identificamos seis grupos. Ainda que haja traços comuns entre cada um deles, o número atribuído a cada grupo está correlacionado à ordem decrescente de países considerados uma ameaça ao bloco imperialista anglo-americano liderado pelos EUA. O pertencimento dos países aos grupos é dinâmico e pode mudar de acordo com a conjuntura política e econômica.
Grupo 1 do Sul Global: Seis países socialistas independentes
País | Geral | História colonial | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
ONU ano de entrada |
População (mi) |
PIB (PPC) (bi) |
Taxa de crescimento 10 anos média movel anual |
PIB (PPC) per capita |
Situação colonial |
Principais colonizadores |
Ano de independência |
|
China | 1945 | 1.426 | 30.217 | 6,2% | 21.404 | Semi-colônia | Reino Unido, Japão, EUA | 1949 |
Vietnã | 1977 | 98 | 1.321 | 6,1% | 13.284 | Colônia | França, Japão | 1945 |
Venezuela | 1945 | 28 | 197 | -11,8% | 7.302 | Colônia | Espanha | 1811 |
Laos | 1955 | 8 | 69 | 5,1% | 9.207 | Colônia | França | 1953 |
RPD Coreia | 1991 | 26 | Colônia | Japão | 1945 | |||
Cuba | 1945 | 11 | Colônia | Espanha | 1959 | |||
Total | 1.597 | 31.804 | 20.577 | 6 Col+SemiCol | ||||
Porcentagem do mundo | 20,0% | 19,4% | ||||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados da ONU, FMI
|
País | Militar | Alvo militar dos EUA | |||
---|---|---|---|---|---|
Gasto militar aj. (mi) |
Gasto militar ajust. per capita > média mundial (vezes) |
Sanções dos EUA lista |
Intervenção militar dos EUA hist. |
Bases militares EUA |
|
China | 291.958 | 0,6 | S | S | |
Vietnã | S | ||||
Venezuela | 5 | < 0,1 | S | S | |
Laos | S | S | |||
RPD Coreia | S | S | |||
Cuba | S | S | 1 | ||
Total | 291.963 | 5 | 6 | 1 | |
Porcentagem do mundo | 10,2% | ||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados de SIPRI e Monthly Review, ONU, CRS, World Beyond War
|
País | Afiliações internacionais | Votos na ONU | |||
---|---|---|---|---|---|
Amigos da Carta da ONU |
Org. de Cooperação de Xangai |
Brics10 | Cessar-fogo em Gaza 10/2023 |
Retirada da Rússia 02/2023 |
|
China | S | Pleno | Original | A favor | Abstenção |
Vietnã | A favor | Abstenção | |||
Venezuela | S | Não votou | Não votou | ||
Laos | S | A favor | Abstenção | ||
RPD Coreia | S | A favor | Contra | ||
Cuba | S | A favor | Abstenção | ||
Total | 5 | 1 | 1 | 5 A favor | 5 Contra+abstenção |
Fonte: Sul Global Insights
|
Os seis países do Grupo 1 (Figura 25) promovem o socialismo em graus variados e, muitas vezes, adotam posições internacionais progressistas. Cinco dos seis fazem parte do Grupo de Amigos em Defesa da Carta da ONU.
A China é o membro mais importante desse grupo. Seu PIB, medido em paridade do poder de compra, está em primeiro lugar no mundo, representando quase o triplo do PIB (PPC) da Índia. Também corresponde a 119% do PIB (PPC) dos Estados Unidos.92
Enquanto a China representa, hoje, o maior desafio econômico e político à hegemonia do Norte Global, Cuba e Venezuela representam a linha de frente da resistência socialista histórica. Cuba segue resistindo ao sofrimento causado por mais de seis décadas de embargo e bloqueio econômico liderados pelos EUA. A Venezuela enfrenta sanções pesadas. Esses dois países não tentam esconder sua aposta em uma agenda socialista. A República Popular Democrática da Coreia continua sendo o “bicho-papão” que o Ocidente teme no Leste, enquanto o Laos e o Vietnã têm partidos comunistas de longa data no comando de seus governos e estão passando por um rápido desenvolvimento econômico.
Desde a fundação da União Soviética, as forças de esquerda do mundo têm enfrentado uma contradição entre as necessidades do Estado e do povo dos projetos socialistas e as necessidades da classe trabalhadora em países e regiões específicas. É necessário que as lideranças da classe trabalhadora em todos os países tenham pensamento estratégico para evitar o antagonismo nas “contradições entre os povos” e garantir que o golpe decisivo seja direcionado ao centro do imperialismo. Seguir a máxima de que comunistas “não têm interesses separados daqueles do proletariado como um todo” exige uma investigação do concreto.95
Grupo 2 do Sul Global: Dez países em forte busca por soberania
País | Geral | História colonial | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
ONU ano de entrada |
População (mi) |
PIB (PPC) (bi) |
Taxa de crescimento 10 anos média movel anual |
PIB (PPC) per capita |
Situação colonial |
Principais colonizadores |
Ano de independência |
|
Rússia | 1945 | 145 | 4.770 | 0,8% | 33.253 | Independente | ||
Irã | 1945 | 89 | 1.617 | 2,0% | 18.865 | Semi-colônia | Reino Unido | 1979 |
Belarus | 1945 | 10 | 210 | 0,1% | 22.679 | Independente | ||
Burkina Faso | 1960 | 23 | 58 | 4,9% | 2.549 | Colônia | França | 1960 |
Mali | 1960 | 23 | 57 | 4,1% | 2.514 | Colônia | França | 1960 |
Guiné | 1958 | 14 | 44 | 5,8% | 3.025 | Colônia | França | 1958 |
Níger | 1960 | 26 | 40 | 5,7% | 1.518 | Colônia | França | 1960 |
Síria | 1945 | 22 | Colônia | França | 1946 | |||
Afeganistão | 1946 | 41 | Semi-colônia | Reino Unido, EUA | 2021 | |||
Eritreia | 1993 | 4 | Colônia | Itália | 1993 | |||
Total | 395 | 6.795 | 20.938 | 8 Col+SemiCol | ||||
Porcentagem do mundo | 5,0% | 4,1% | ||||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados da ONU, FMI
|
País | Militar | Alvo militar dos EUA | |||
---|---|---|---|---|---|
Gasto militar aj. (mi) |
Gasto militar ajust. per capita > média mundial (vezes) |
Sanções dos EUA lista |
Intervenção militar dos EUA hist. |
Bases militares EUA |
|
Rússia | 86.373 | 1,7 | S | S | |
Irã | 6.847 | 0,2 | S | S | |
Belarus | 821 | 0,2 | S | ||
Burkina Faso | 563 | 0,1 | 1 | ||
Mali | 515 | 0,1 | S | 2 | |
Guiné | 441 | 0,1 | S | ||
Níger | 243 | < 0,1 | S | 9 | |
Síria | S | S | |||
Afeganistão | S | S | |||
Eritreia | S | S | 28 | ||
Total | 95.802 | 8 | 6 | 40 | |
Porcentagem do mundo | 3,3% | ||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados de SIPRI e Monthly Review, ONU, CRS, World Beyond War
|
País | Afiliações internacionais | Votos na ONU | |||
---|---|---|---|---|---|
Amigos da Carta da ONU |
Org. de Cooperação de Xangai |
Brics10 | Cessar-fogo em Gaza 10/2023 |
Retirada da Rússia 02/2023 |
|
Rússia | S | Pleno | Original | A favor | Contra |
Irã | S | Pleno | Novo | A favor | Abstenção |
Belarus | S | Observador | A favor | Contra | |
Burkina Faso | Não votou | Não votou | |||
Mali | S | A favor | Contra | ||
Guiné | A favor | Abstenção | |||
Níger | A favor | A favor | |||
Síria | S | A favor | Contra | ||
Afeganistão | Observador | A favor | A favor | ||
Eritreia | S | A favor | Contra | ||
Total | 6 | 4 | 2 | 9 A favor | 7 Contra+abstenção |
Fonte: Sul Global Insights
|
Os países do grupo 2 (Figura 26) não são Estados socialistas, mas são os principais alvos de mudanças de regime lideradas pelos EUA. São países que estão defendendo aguerridamente sua soberania e a de outros (como visto por sete dos nove países do grupo que votaram contra a resolução apoiada pelos EUA para a retirada da Rússia em fevereiro de 2023 e seu total apoio ao cessar-fogo em Gaza).
Essas nações enfrentam algumas das situações mais agudas da luta por soberania nacional, embora tenham motivos diferentes para isso. Elas estão na linha de frente da luta do Sul Global contra o imperialismo. Ainda que todas tenham total ou parcial dependência econômica do Ocidente, buscam ativamente a independência política e, portanto, estão sujeitas a uma guerra híbrida extrema travada pelo imperialismo. Simplificando, esses países, em sua maioria, estão incluídos nos alvos críticos da inteligência dos EUA para a promoção de mudanças de regime.
Sobretudo desde o golpe de direita apoiado pelos EUA na Ucrânia em fevereiro de 2014, seguido pela anexação da Crimeia para a unificação, a Rússia tem sido o principal alvo de uma mudança de regime empreendida pelo campo imperialista. Os EUA e seus aliados vêm dedicando recursos consideráveis para enfraquecer, desmantelar e desnuclearizar a Rússia; os EUA forneceram mais de US$ 90 bilhões em assistência militar à Ucrânia para a campanha contra a Rússia entre fevereiro de 2014 e fevereiro de 2022.96
Desde as revoluções de 1978 e 1979, que depuseram líderes alinhados aos EUA, o Afeganistão e o Irã têm sido alvos de intervenção militar e interferência política estadunidense. O Irã tem sido um obstáculo para os avanços ocidentais na região, com seu programa de energia nuclear, forte influência regional em conflitos por procuração e postura consistente contra o Ocidente (e Israel). O Afeganistão foi invadido em 2001, e os EUA gastaram duas décadas e mais de US$ 2 trilhões (US$ 300 milhões por dia) para conquistar um ponto de apoio na Ásia Central – acabando por se retirar em 2021.97
Esse grupo está crescendo, e países como Eritreia, Mali, Burkina Faso e Níger estão tomando medidas mais ousadas para proteger a própria soberania nacional. A Eritreia nutre uma hostilidade histórica contra os EUA e é alvo de intervenção dos EUA por meio da Etiópia. Burkina Faso, Mali e Níger rejeitaram a presença neocolonial da França no Sahel e depuseram seus líderes políticos alinhados ao Ocidente. Esses países criaram a Aliança Econômica do Sahel e a Aliança dos Estados do Sahel, com o intuito de promover a cooperação econômica e militar. Entretanto, a situação política ainda é instável e eles lutam para alcançar, de fato, a independência das potências imperialistas.
Grupo 3 do Sul Global: Onze países atual ou historicamente progressistas
País | Geral | História colonial | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
ONU ano de entrada |
População (mi) |
PIB (PPC) (bi) |
Taxa de crescimento 10 anos média movel anual |
PIB (PPC) per capita |
Situação colonial |
Principais colonizadores |
Ano de independência |
|
Brasil | 1945 | 215 | 3.837 | 0,5% | 18.897 | Colônia | Portugal | 1822 |
Colômbia | 1945 | 52 | 966 | 3,2% | 18.720 | Colônia | Espanha | 1819 |
África do Sul | 1945 | 60 | 953 | 0,9% | 15.728 | Colônia | Reino Unido | 1931 |
Argélia | 1962 | 45 | 584 | 1,8% | 12.900 | Colônia | França | 1962 |
Nepal | 1955 | 31 | 144 | 4,5% | 4.787 | Independente | ||
Bolivia | 1945 | 12 | 119 | 3,2% | 9.936 | Colônia | Espanha | 1825 |
Honduras | 1945 | 10 | 70 | 3,1% | 6.832 | Colônia | Espanha | 1821 |
Nicarágua | 1945 | 7 | 48 | 2,9% | 7.229 | Colônia | Espanha | 1821 |
Zimbábue | 1980 | 16 | 41 | 1,6% | 2.603 | Colônia | Reino Unido | 1980 |
Palestina | 5 | 34 | 1,9% | 6.364 | Colônia | Israel, Reino Unido | ||
Namíbia | 1990 | 3 | 29 | 1,4% | 11.080 | Colônia | Alemanha, África do Sul | 1990 |
Total | 456 | 6.826 | 15.397 | 10 Col | ||||
Porcentagem do mundo | 5,7% | 4,2% | ||||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados da ONU, FMI
|
País | Militar | Alvo militar dos EUA | |||
---|---|---|---|---|---|
Gasto militar aj. (mi) |
Gasto militar ajust. per capita > média mundial (vezes) |
Sanções dos EUA lista |
Intervenção militar dos EUA hist. |
Bases militares EUA |
|
Brasil | 20.211 | 0,3 | S | 2 | |
Colômbia | 9.938 | 0,5 | S | 6 | |
África do Sul | 2.995 | 0,1 | |||
Argélia | 9.146 | 0,6 | S | ||
Nepal | 428 | < 0,1 | |||
Bolivia | 640 | 0,1 | S | ||
Honduras | 478 | 0,1 | S | 9 | |
Nicarágua | 84 | < 0,1 | S | S | 3 |
Zimbábue | 182 | < 0,1 | S | ||
Palestina | S | S | |||
Namíbia | 369 | 0,4 | |||
Total | 44.471 | 3 | 7 | 20 | |
Porcentagem do mundo | 1,6% | ||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados de SIPRI e Monthly Review, ONU, CRS, World Beyond War
|
País | Afiliações internacionais | Votos na ONU | |||
---|---|---|---|---|---|
Amigos da Carta da ONU |
Org. de Cooperação de Xangai |
Brics10 | Cessar-fogo em Gaza 10/2023 |
Retirada da Rússia 02/2023 |
|
Brasil | Original | A favor | A favor | ||
Colômbia | A favor | A favor | |||
África do Sul | Original | A favor | Abstenção | ||
Argélia | S | A favor | Abstenção | ||
Nepal | Diálogo | A favor | A favor | ||
Bolivia | S | A favor | Abstenção | ||
Honduras | A favor | A favor | |||
Nicarágua | S | A favor | Contra | ||
Zimbábue | S | A favor | Abstenção | ||
Palestina | S | ||||
Namíbia | A favor | Abstenção | |||
Total | 5 | 1 | 2 | 10 A favor | 6 Contra+abstenção |
Fonte: Sul Global Insights
|
Os países relacionados na Figura 27 estão alocados no grupo 3 com base em duas preocupações essenciais: o grau relativo em que são alvos de mudança de regime e seu papel na promoção de posições anti-imperialistas, de forma pública, no âmbito internacional. Os países deste grupo ou são os próximos da fila nas tentativas de promover mudanças de regime (logo atrás do Grupo 2) ou estão desempenhando um papel nítido e aberto de enfrentar os interesses do campo imperialista.
Entre os exemplos de países que buscam promover agendas progressistas estão o Brasil sob o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e a África do Sul sob a aliança tripartite (que inclui o Congresso Nacional Africano, o Partido Comunista Sul-Africano e o Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos). O primeiro demonstra liderança na construção de instituições intergovernamentais alternativas, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) em 2008, a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em 2011 e o Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (Ibas), que foi complementado pelo Brics em 2009. Já a África do Sul desempenha um papel importante na construção da União Africana. Por vezes, esses países defendem posições internacionais progressistas, como o apoio a Cuba contra as sanções dos EUA em organizações internacionais. O Nepal aboliu a monarquia em 2008, estabeleceu uma república liderada pela esquerda e alcançou avanços significativos na emancipação legal e política de comunidades historicamente marginalizadas.
A Palestina está sob ocupação e cerco há mais de sete décadas. A Argélia tem dedicado apoio firme à autodeterminação e independência palestina e, dentro da União Africana, tem sido influente na promoção de posições progressistas sobre o desenvolvimento econômico e a unidade africana. Depois do golpe popular no Níger, a Argélia foi o único Estado africano a defender, de imediato, soluções não militares para as crises políticas.
Esses países estão buscando um caminho de desenvolvimento soberano em um sistema capitalista global, mas enfrentam graves contradições internas. Por exemplo, a África do Sul foi obrigada a fazer concessões econômicas significativas na década de 1990, inclusive com desindustrialização e privatização, o que levou a consequências catastróficas. Hoje, 57% da população do país vive abaixo da linha da pobreza, 46% está desempregada, e a participação da indústria manufatureira no PIB caiu de 25% em 1981 – durante o regime do apartheid – para 12% em 2022.99
Ao contrário da China, por exemplo, essas nações tiveram seu potencial revolucionário reduzido – ou suas revoluções não culminaram no socialismo –, mas buscaram apostar em agendas progressistas nas esferas doméstica, regional e/ou internacional. São países que os EUA consideram ter posições políticas hostis à hegemonia do Norte Global. Muitos sofreram intervenções dos EUA, guerras híbridas, sanções e quedas de governos. Entre os exemplos recentes dessas intervenções estão os golpes em Honduras (2009), no Brasil (2016) e na Bolívia (2019). O Zimbábue continua sofrendo sanções dos EUA.
Grupo 4 do Sul Global: Cinco países recentemente não alinhados
País | Geral | História colonial | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
ONU ano de entrada |
População (mi) |
PIB (PPC) (bi) |
Taxa de crescimento 10 anos média movel anual |
PIB (PPC) per capita |
Situação colonial |
Principais colonizadores |
Ano de independência |
|
Índia | 1945 | 1.417 | 11.901 | 5,7% | 8.398 | Colônia | Reino Unido | 1947 |
Indonésia | 1950 | 276 | 4.037 | 4,2% | 14.687 | Colônia | Países Baixos | 1945 |
Turquia | 1945 | 85 | 3.353 | 5,3% | 39.314 | Independente | ||
México | 1945 | 128 | 3.064 | 1,2% | 23.548 | Colônia | Espanha | 1810 |
Arábia Saudita | 1945 | 36 | 2.150 | 2,5% | 66.836 | Independente | ||
Total | 1.942 | 24.505 | 12.634 | 3 Col | ||||
Porcentagem do mundo | 24,3% | 15,0% | ||||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados da ONU, FMI
|
País | Militar | Alvo militar dos EUA | |||
---|---|---|---|---|---|
Gasto militar aj. (mi) |
Gasto militar ajust. per capita > média mundial (vezes) |
Sanções dos EUA lista |
Intervenção militar dos EUA hist. |
Bases militares EUA |
|
Índia | 81.363 | 0,2 | |||
Indonésia | 8.987 | 0,1 | S | 1 | |
Turquia | 10.645 | 0,3 | S | S | 12 |
México | 8.536 | 0,2 | S | ||
Arábia Saudita | 75.013 | 5,7 | S | 21 | |
Total | 184.543 | 1 | 4 | 34 | |
Porcentagem do mundo | 6,4% | ||||
Fonte: Elaboração de Sul Global Insights com base em dados de SIPRI e Monthly Review, ONU, CRS, World Beyond War
|
País | Afiliações internacionais | Votos na ONU | |||
---|---|---|---|---|---|
Amigos da Carta da ONU |
Org. de Cooperação de Xangai |
Brics10 | Cessar-fogo em Gaza 10/2023 |
Retirada da Rússia 02/2023 |
|
Índia | Pleno | Original | Abstenção | Abstenção | |
Indonésia | A favor | A favor | |||
Turquia | Diálogo | A favor | A favor | ||
México | A favor | A favor | |||
Arábia Saudita | Diálogo | Novo | A favor | A favor | |
Total | 3 | 2 | 4 A favor | 1 Abstenção | |
Fonte: Sul Global Insights
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Com economias de escala consideráveis, o não alinhamento recente que caracteriza os países do grupo 4 é econômico, não político (Figura 28). Esses países não são socialistas e não estão reanimando o projeto político do Movimento dos Não Alinhados. A maioria teve 50 anos ou mais de independência dos antigos poderes coloniais e, hoje, tem relações muito diferentes com eles.
Economicamente, os cinco não alinhados têm PIBs significativos (estavam entre as 20 maiores economias em termos de PIB [PPC] em 2022) e estão tomando medidas econômicas cada vez mais independentes.
Esses países reconheceram que o acúmulo de reservas cambiais pelos EUA e as sanções contra países com 30% da população mundial representam graves ameaças globais. Atualmente, mais de um em cada quatro países está sofre sanções da ONU e de governos ocidentais, enquanto 29% do PIB global é produzido em países afetados por sanções. Na década de 1960, esse número ficava em 4%.100
Politicamente, trata-se de um grupo ambivalente. Militarmente, a Indonésia, a Turquia e a Arábia Saudita mantêm relações muito próximas com os Estados Unidos. A Arábia Saudita é um dos maiores compradores de armas avançadas dos EUA. Recep Tayyip Erdoğan, da Turquia, é um parceiro menos confiável para o Ocidente, apesar de o país ser membro da Otan.
Esse grupo apresenta comportamentos bastante contraditórios no cenário internacional. Há algum grau de lenta redução da dependência econômica e do alinhamento com o Ocidente e/ou há algum preparo para se opor a ele em algumas questões importantes.
Apesar do alinhamento da Índia com os EUA em organizações como o Quad e de suas posições reacionárias em relação a Israel na guerra contra Gaza, desde o início da guerra na Ucrânia, o país tem se recusado a atender a algumas exigências importantes dos EUA, como a implementação de sanções contra a Rússia. O ministro das Relações Exteriores, S. Jaishankar, defendeu com veemência a recusa de seu governo em ceder à pressão de Washington, afirmando em uma coletiva de imprensa, em junho de 2023: “Muitos americanos ainda têm na cabeça a construção do tratado da Otan… Fica quase parecendo que esse é o único modelo ou ponto de vista com o qual eles olham para o mundo… Esse não é um modelo que se aplica à Índia”.101
A Arábia Saudita discorda dos EUA quando seus interesses econômicos assim determinam, por exemplo, ao aumentar os investimentos entre o país e a China (incluindo acordos para a comercialização de petróleo em yuan chinês) e utilizar sua parceria com a Rússia na Opep+ para definir o preço global do petróleo. No entanto, ao mesmo tempo, durante os preparativos para a cúpula da Liga Árabe em novembro de 2023, a Arábia Saudita bloqueou os esforços da Argélia para fechar as bases dos EUA, bloqueou a ajuda militar proposta pelo Irã para a Palestina, impediu um boicote comercial proposto e se recusou a reduzir as remessas de petróleo para Israel. O Pentágono, a CIA e a Arábia Saudita foram aliados de primeira linha na recente guerra contra o Iêmen, que tirou dezenas de milhares de vidas. As Forças Especiais dos EUA forneceram aos pilotos sauditas as coordenadas para o bombardeio de alvos.102
A Indonésia, que abriga a maior população islâmica do mundo, teve uma taxa de crescimento média composta do PIB (PPC) de 4,2% entre 2012 e 2022.103
O projeto imperial emergente dos EUA no México se consolidou efetivamente em 1846. Confrontado com uma guerra de agressão sob a lei internacional, o México foi forçado a trocar terras por paz e ceder 50% de seu território. A nova fronteira entre os dois países se tornou uma linha histórica que, internamente, constitui uma determinação inexorável e preestabelecida. Por outro lado, o México tem uma história que retorna incessantemente a suas raízes anticoloniais, à cultura indígena e à história moderna anti-imperialista. Há pouquíssima análise sobre a complexa interdependência entre os dois países, por exemplo, em termos de população, cultura e economia, mas talvez haja uma análise mais significativa em termos de segurança geopolítica para a viabilidade da hegemonia dos EUA.107
Os cinco países deste grupo têm diferentes perspectivas políticas, econômicas e militares e diferentes níveis de proximidade, com nuances diversas, com o Norte Global. No entanto, suas novas e crescentes burguesias nacionais estão aos poucos buscando relações econômicas alternativas e divergências políticas ocasionais com os EUA, embora por interesse próprio e autopreservação. A questão da nova burguesia nacional que está surgindo no Sul Global está fora do escopo deste texto; ela será abordada em nossa pesquisa de 2024 sobre formação e propriedade de capital no Sul Global.
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