Sentenças
Da velhice
1 A sabedoria alcança-se com a idade. Nunca houve sentença mais sábia. É então que se descobre que a sabedoria é uma ficção dos mais velhos.
2 Com o futuro já incerto tombam as ilusões sobre os outros e sobre si próprio, contudo a este outono não se segue necessariamente o inverno: uma dose certa de cepticismo permitir-nos-á a tranquilidade serena de um suavíssimo crepúsculo de setembro.
3 É sábio o conselho epicurista para nos dedicarmos, enfim, ao cultivo do nosso quintal e dos amigos. Mas mais sábio ainda é sermos solitários e solidários no justo equilíbrio, pois que, à falta de um jardim, cultivam-se as ideias e os afetos.
Da retórica
4 Os impérios vistos ao pé, resumem-se a histórias repetidas de bandoleiros. Vistos ao longe são como as religiões: histórias fantásticas.
5 As epopeias engrandecem os seus heróis: de caseiros em pijama convertem-se em universais. Disfarçam-se astuciosamente as suas finalidades. Ainda que o cantor seja crente. Descasca-se a retórica humanista, fica o caroço dos egoísmos.
6 Não foi preciso o nosso tempo para lermos os relatos verídicos das patifarias dos poderosos. Já Homero as conhecia: não há obra mais moderna do que a Ilíada, nem olhar mais profundo sobre o coração humano do que a Odisseia. Ambas as obras retratam as ilusões pelas vãs glórias crendo que elas nos imortalizam. Na verdade, são os grandes artistas, incluindo filósofos-historiadores, que se imortalizam a si mesmos. Na Ilíada narram-se os atos de indivíduos extraordinários, porém bem humanos, movidos por paixões perfeitamente humanas, e são estas que fazem a história. Na Odisseia,o herói maior da Guerra de Tróia surge-nos em toda sua frágil humanidade, gozando, enganando, e sofrendo como o mais comum dos homens. Esta narrativa é o epílogo da primeira, isto é, o regresso a casa do guerreiro-político que serviu interesses particulares -de ruína, morte, rapina- sem escrúpulos de consciência e que ignora que a sua casa está transformada num antro de orgias. Os planos divinos, as finalidades transcendentes, as interferências dos deuses, não constituem senão dispositivos da retórica. A História é tão casual como consequente.
Dos filósofos
7 Não são as soluções que mais importam nas obras dos grandes filósofos: são os caminhos. Decorar as primeiras sem viajar pelos segundos, é não compreender, nem amar, a filosofia.
Da ciência
8 A ciência é a ideologia do capitalismo: as ciências foram e são utilizadas como dispositivos teóricos de discriminação e dominação (no racismo, p. ex.), como técnicas de extorsão e de submissão. O capitalismo originou-se e desenvolveu-se por meio das técnicas e da ciência teórico-experimental. A descoberta, o domínio e a exploração dos poderes que a ciência fornece serviram para criar e subjugar a humana força-de-trabalho, expandir a proletarização universal, controlar todo o processo de produção, exportá-lo para todos os cantos do mundo.
9 O Mercado capitalista livre é uma mentira e um engodo: sem Estados que os proteja e lhes pague os prejuízos, o mercado não traria benefícios seguros para os capitalistas. Não existe Mercado sem um Estado do Mercado.
10 O Estado não existe com origem num mítico espontâneo e voluntário Contrato Social: é ele que legisla os contratos sociais; protege a extorsão que, no mercado, os mais fortes exercem sobre os mais fracos. Não sendo o Estado outra senão, o mais das vezes, o estado-maior-general dos poderosos, como consegue perdurar? Através do monopólio da guerra e de um contrato fictício em que todos acreditam. A coerção, o interesse e a cegueira geral, eis tudo.
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