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domingo, 11 de maio de 2025

A situação atual da Guerra na Ucrânia

 

A situação atual da Guerra na Ucrânia

Por ALEX VERSHININ*

Desgaste, drones e desespero. A Ucrânia perde a guerra de números e a Rússia prepara o xeque-mate geopolítico

A eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos mudou a política do país com relação à Ucrânia de “o tempo que for preciso” para a busca de um acordo de paz negociado. Essas negociações serão orientadas pela realidade no campo de batalha. O lado com a maior vantagem dita os termos. Isso se torna mais complicado se não houver cessar-fogo durante as negociações e o campo de batalha permanecer dinâmico.

Os beligerantes podem conduzir operações ofensivas enquanto as negociações progridem, visando melhorar sua posição de barganha. Historicamente, em muitos conflitos, as negociações de paz duraram anos, mesmo enquanto a guerra continuava, como durante as guerras da Coreia e do Vietnã. Assim, o equilíbrio de poder, medido em recursos, perdas e qualidade da liderança estratégica, é crucial para o resultado das negociações.

Para as potências ocidentais, isso traz consequências graves. Elas apostaram sua reputação nesse conflito e, com ele, o destino da “ordem mundial baseada em regras”. O Sul Global e a ordem mundial multipolar aguardam ansiosamente para assumir o controle. O fracasso em alcançar a vitória tem o potencial de solapar mortalmente essa ordem, removendo o Ocidente da liderança global, da qual desfruta há vários séculos.

A natureza da guerra Rússia-Ucrânia de 2022

A guerra na Ucrânia agora é de desgaste. Guerras desse tipo são vencidas não pela captura de terreno, mas pela gestão cuidadosa de recursos, preservando os próprios enquanto destrói os do inimigo. A “taxa de câmbio” das perdas não apenas deve ser favorável a um lado, mas também deve levar em conta as reservas totais disponíveis do inimigo. O caminho para a vitória reside na capacidade de substituir as perdas, enquanto se mobilizam novas forças e se sustenta a economia e o moral civis.

Substituir perdas não significa simplesmente colocar homens em uniformes e fornecer-lhes treinamento básico. As unidades do Exército devem ser treinadas coletivamente em vários níveis, o que impulsiona a coesão de cada unidade. Quanto mais coesa ela for, mais complexas serão as manobras capaz de executar. Perder muitos soldados redefine a coesão da unidade até o ponto em que ela se torna incapaz de qualquer manobra, a não ser defender uma trincheira.

Nessa guerra, o ganho de terreno é muito menos importante. Os combates frequentemente se concentram no mesmo pedaço de terreno, com pouca movimentação, até que um dos lados não consiga mais sustentar o conflito. A Guerra Civil Espanhola e a Primeira Guerra Mundial são exemplos emblemáticos disso. Essas guerras permaneceram praticamente estacionárias até o último momento, quando então um dos lados capitulou. A guerra na Ucrânia segue a mesma trajetória.

A liderança estratégica é vital, porque orienta a gestão de recursos no conflito. As falhas em identificar objetivos estratégicos e o desperdício de recursos em objetivos irrelevantes fazem com que as chances de vitória diminuam. Segue-se, então, um breve resumo das perdas de recursos de cada lado e da capacidade de manter o conflito até o momento.

Condições militares das forças russas

Vendo-se frustrado o objetivo central da sua Blitzkrieg inicial, qual seja, promover, nos primeiros dois meses de combates, uma situação que levasse à mudança de regime em Kiev, a liderança política e militar russa parece ter apreendido a natureza desgastante em que o conflito se converteria e, daí, a importância de preservar recursos.

Em três ocasiões ao longo do ano de 2022 – em Kiev, Kharkov e Kherson –, os russos se esforçaram para preservar suas capacidades de combate, e cederam terras para salvar soldados. Essas “derrotas” foram um pesadelo de relações públicas, mas preservaram soldados experientes, que foram empregados para formar o núcleo da nova força militar.

A Rússia parece ser capaz de substituir suas perdas e ainda aumentar o contingente de suas forças. De acordo com o site Mediazona, subsidiado pelo serviço russo da rede britânica [inimiga] BBC, o exército russo pode ter sofrido um total de pouco mais de 98.000 mortos. Esse número incluiria apenas soldados russos mortos, identificados pelo nome, e o número real provavelmente seria maior. O próprio Mediazona estima que o número real possa ser de cerca de 165.000.

Ao mesmo tempo, não são contabilizadas as perdas de antigos independentistas dos novos territórios incorporados no Donbass. Então, outros 20.000 deveriam ser adicionados àquele montante, chegando a cerca de 120.000. Isso atualmente dá uma média de cerca de 3.600 mortos por mês. Historicamente, para cada morto há quatro feridos, então outros 480.000 feridos precisam ser adicionados à contagem russa, o que equivale a uma perda mensal de 14.400; ou seja, 18.000 baixas mensais no total.

No entanto, os mesmos dados indicam que, destes, três quartos dos feridos geralmente retornam ao serviço após o tratamento. Para resumir, as forças russas estão sofrendo 7.200 perdas permanentes mensalmente, com uma taxa de retorno de 10.800. Ao mesmo tempo, os russos estão recrutando 30.000 voluntários por mês, além dos feridos que se recuperaram. Isso se traduz em um crescimento de 22.800 soldados a cada mês. Mesmo que as perdas russas possam ser o dobro do contabilizado pelo Mediazona, o exército russo ainda estaria se expandindo. Somado a esse número, houve a presença temporal uma força limitada de cerca de 10.000 a 12.000 soldados norte-coreanos, destacados para ajudar as forças russas a expulsar o exército ucraniano da região de Kursk.

A Rússia também tem a geração de força a seu favor. Ela mantém o recrutamento obrigatório aos 18 anos. Ainda que os recrutas não possam ser enviados para o combate fora das fronteiras da Rússia, o sistema fornece um ano de treinamento básico para cada homem qualificado na Rússia. Quando um russo se voluntaria ou é mobilizado, ele só precisa de alguns meses de reciclagem individual e treinamento coletivo. Os soldados ucranianos devem ser treinados do zero. Isso dá à Rússia uma vantagem enorme na formação de novas unidades. O desafio viria apenas se os voluntários acabassem, já que parece haver pouco apetite político no país para uma nova rodada de mobilização em massa.

Para equipar esse exército, os russos vinham desenvolvendo sua base industrial militar na última década, além de receberem o apoio da Coreia do Norte e do Irã. Isso permite que o Exército Russo equipe a contento as novas formações. Ao mesmo tempo, rotações periódicas permitem que as unidades absorvam a substituição, mantendo soldados experientes. Isso se traduz em um exército russo com cerca de um milhão e meio de soldados treinados e equipados, que até mesmo o Pentágono reconheceu ter se recuperado com sucesso de eventuais perdas iniciais.

Onde o exército russo parece ser fraco é em seu corpo de oficiais gerais em nível operacional. Há um sistema de “bom e velho” no exército russo que não responsabiliza oficiais incompetentes. Ainda que muitos sejam competentes, a corrupção e a mentira são toleradas por aqueles que não o são. No campo de batalha, isso pode resultar em comandantes alegando falsamente conquistar objetivos [como foi o caso da frente de Sievierodonyetsk em setembro de 2024].

De suas posições lançam, então, ataques sem o suporte de fogo fornecido por escalões superiores, na tentativa de tornar realidade o que eram relatórios falsos, produzindo fiascos com baixas pesadas. Mesmo quando esses oficiais são flagrados por jornalistas militares russos e o público pressiona o Ministério da Defesa a agir, os culpados não apenas escapam da punição, mas podem ser promovidos para salvar a cara.

Em contraste, quando oficiais competentes levantam questões sérias na frente de batalha, podem ser punidos, como teria sido o caso do major-general Ivan Popov, ex-comandante do 58º Exército, que interrompeu a contraofensiva ucraniana em Zaporizhzhie e está atualmente preso sob o que podem ser até mesmo acusações forjadas. Situações como essas conspiram para aumentar as baixas no Exército Russo, gastando recursos valiosos com ferimentos autoinfligidos.

Condições militares das forças ucranianas

Minha opinião é que a alta liderança política ucraniana gastou tempo demais tentando atingir objetivos de relações públicas, a um custo significativo para as operações militares. As enormes perdas de recursos, especialmente humanos, esgotaram de forma considerável a capacidade de combate das forças ucranianas, e colocam em risco o potencial de combate a longo prazo. Isso acabou se mostrando duplamente desafiador, pois a Ucrânia começou com menos recursos. A Rússia tem três vezes a população da Ucrânia e, no caso de munição de artilharia, supera em muito não apenas a Ucrânia, mas todo o Ocidente, numa proporção de três para um.

O padrão de manter cidades depois que elas se tornaram indefensáveis, ou atacar mesmo quando não há chance de sucesso tornou-se visível em todas as operações, mas duas batalhas se destacaram mais. A primeira foi a batalha de Bakhmut na região de Donyetsk, no Donbass, de 2022 a 2023. No meu entender, a cidade tinha pouco valor operacional, menos ainda estratégico. No entanto, a liderança ucraniana insistiu em mantê-la até seu amargo fim.

Para atacar a cidade, os militares russos usaram o PMC [Private Military Company] Wagner, reforçado por presidiários com penas comutadas, dando ao exército regular russo tempo para absorver os reservistas mobilizados e estabelecer novas formações. Para deter a força russa, a Ucrânia enviou um fluxo constante de homens para a cidade, muitos deles com pouco treinamento.

A expectativa de vida em batalha do soldado ucraniano médio caiu para cerca de quatro horas, de acordo com o ex-fuzileiro naval norte-americano Troy Offenbecker, que lutou no lado ucraniano. É impossível dizer quantos morreram, mas um jornalista ocidental contou 250 feridos em um hospital ao longo de um dia. Havia três hospitais em Bakhmut, outro em Soledar, ao norte, e um em Chasov-Yar, recebendo feridos ao sul da cidade.

Aplicando aproximativamente aquela marca numérica, ela seria extrapolada então para uma média de 1.250 feridos diários. A proporção de quatro feridos para um morto resultaria em 312 mortos por dia, ou seja, dentro de uma faixa entre 200 e 400 mortos diários, com alguns relatórios anotando picos de 500 fatalidades por dia. A batalha durou oito meses, o que resulta entre 48.000 a 96.000 mortos ucranianos nela.

Em contraste, no mesmo período, os russos perderam cerca de 1.800 soldados Wagner e 11.000 ex-presidiários, num total próximo a 13.000 combatentes caídos. Isso está de acordo com a taxa de um para três que Yevgeny Prigozhin, chefe do Wagner, afirmou em uma entrevista de maio de 2023. Não há justificativa militar para tal taxa de perdas em uma cidade, especialmente porque há terreno mais defensável atrás dela.

A única explicação é a de que o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy transformou Bakhmut em um símbolo nacional, após entregar, com grande pompa, a bandeira assinada por seus defensores ao Congresso dos Estados Unidos, e depois não querer lidar com a imagem da perda desse símbolo. Assim, no mínimo 48.000 ucranianos morreram e, de qualquer maneira, a cidade caiu.

Mais tarde, em 2023, a mando dos britânicos, a liderança ucraniana enviou seu Corpo de Fuzileiros Navais para a operação mais questionável até então: a Batalha de Krinki. A meu ver, a operação tinha zero chances de sucesso. Para atingir os objetivos operacionais e avançar em direção à Crimeia, a Ucrânia teria que capturar uma grande cabeça de ponte e, a seguir, empurrar a artilharia para o outro lado do rio, o que exigiria grandes quantidades de munição pesada. Para movê-la através do rio, os ucranianos precisariam de pontes sobre o Dnipro, que seriam imediatamente destruídas pelo robusto fogo russo de longo alcance.

Fosse como fosse, os ucranianos cruzaram o rio e, durante o primeiro mês, conseguiram infligir pesadas perdas aos contra-ataques russos, mas depois, os russos se entrincheiraram para um cerco, e foi a vez dos ucranianos sofrerem perdas. O reabastecimento ucraniano, as substituições e a evacuação de baixas tiveram que ser realizadas sobre o exposto Rio Dnipro, enquanto os russos tinham a cobertura das florestas. O resultado foi uma proporção de baixas consideravelmente desequilibrada.

Quando a Ucrânia finalmente encerrou a operação, muitos meses depois, o Corpo de Fuzileiros Navais Ucranianos estava aniquilado, junto com uma artilharia equivalente a duas brigadas. Mesmo que a operação tenha gerado repercussão positiva na mídia ocidental, é impossível justificar militarmente esse colossal desperdício de homens e recursos.

O exército ucraniano obteve alguns sucessos onde o objetivo militar foi priorizado. A ofensiva de Kharkov, em outubro de 2022, foi magistralmente planejada e executada. O planejamento e a preparação cuidadosos permitiram que o exército ucraniano utilizasse o elemento surpresa, rapidamente explorado.

As perdas totais da Ucrânia são difíceis de avaliar. A Fundação Jamestown estimou que a Ucrânia tinha mobilizado dois milhões de homens até julho de 2023, e o número agora pode deve estar se aproximando de três milhões. A maioria das estimativas sugere o exército ucraniano em campo em cerca de 1 milhão de homens, enquanto Volodymyr Zelenskyy afirmou estar mobilizando outros 880.000. As perdas oficiais ucranianas de 43.000 são francamente irrealistas à luz dos números anteriores.

Para uma estimativa mais verossímil, o canal “Antiseptic” do Telegram oferece um dos poucos bancos de dados que compara fotos de satélite atuais e pré-guerra de alguns cemitérios ucranianos selecionados. A natureza limitada dos cemitérios pode resultar em subcontagem. Por exemplo, a cidade de Kharkov tem vários cemitérios, mas apenas o cemitério nº. 18 foi levantado. Soldados enterrados em outros cemitérios da cidade não são contados.

O gráfico abaixo calcula a média da porcentagem da população pré-guerra perdida por localidade e a compara com a população total da Ucrânia. A estimativa final é de cerca de 769.000 mortos e, com base em dados históricos, provavelmente o mesmo número é plausível para feridos nunca se recuperarão o suficiente para voltar à frente de batalha.

CidadePopulação antes da guerra (wikipedia)Número de mortosPorcentagem na população pré-guerraLink
Kharkov1,421,00010,0000.7%link
Odessa1,000,00012,0001.2%link
Vinnytsia369,0004,5001.2%link
Cherkasy269,8363,0001.1%link
Dnipro968,0004,0000.4%link
Ivano-Frankovsk238,1966,0002.5%link
Chernihov283,00010,0003.5%link
Zaporozhzhie710,00019,000
link
 
3,000
link
Zaparozhzhie total710,00022,0003.1% 
Kherson279,1315,0001.8%link
Sarny28,6251,2004.2%link
Pop. ucraniana38,585,000763,3182.0%link

Isso corresponde à estimativa da Fundação Jamestown: cerca de 1 milhão e meio de pessoas são vítimas permanentes, outros 400.000 a 600.000 feridos se recuperam em hospitais, deixando de 1 milhão a 800.000 ainda em campo.

Essa taxa de perdas significa que a Ucrânia está ficando sem formações treinadas e motivadas. O problema foi agravado pela decisão da liderança política ucraniana de criar novas formações, em vez de substituir as perdas em unidades experientes existentes. À medida que as formações mais antigas perdiam seu pessoal experiente e a eficácia em combate, as novas formações sofreram baixas extras antes que pudessem ganhar experiência suficiente para serem úteis.

Os ucranianos estão tentando mudar isso, mas pode ser tarde demais. Os soldados experientes são substituídos por homens capturados nas ruas e que não têm qualquer desejo de lutar. No ano passado, 100.000 soldados ucranianos desertaram. A recém-formada 155ª Brigada perdeu mais de 1.700 de 6.000 homens por deserção antes de chegar à linha de frente. Sem uma fonte milagrosa de combatentes experientes e motivados, o exército ucraniano pode entrar em colapso nos próximos 6 a 12 meses. O recrutamento de jovens de 18 a 25 anos ganhará tempo, mas não resolverá o problema da motivação.

Equipamentos também estão se esgotando. O Ocidente, cujo apoio militar mantém a Ucrânia na luta, parece ter esvaziado seu estoque de equipamentos, e pouco resta a oferecer. Alguns governos ocidentais até mesmo despojaram seus próprios exércitos de equipamentos, e atualmente eles não estão mais em condições de realizar missões. A mesma situação se aplica à capacidade de disparo de longo alcance. O Ocidente parece estar sem todos os mísseis, exceto os Taurus alemães. É improvável que estes últimos tenham o mesmo impacto que os Storm Shadows britânicos.

O único âmbito onde a Ucrânia conseguiu equipar suas forças foi na guerra de drones. Esses drones estão tendo um impacto militar desproporcional. Foram fundamentalmente os drones FPV [first person view: com câmeras de direção] que mantiveram a Ucrânia viva no último ano. No entanto, os russos têm tantos drones quanto, provavelmente mais, simplesmente devido a uma base industrial maior e importações quase irrestritas da China. O equilíbrio entre a defesa de guerra eletrônica e drones de ataque tem oscilado há algum tempo, mas ultimamente os russos ganharam uma clara vantagem com drones de cabo de fibra, que não podem ser bloqueados. A Ucrânia possui essa tecnologia, mas não parece produzir em números suficientes para se igualar aos russos.

Com a crescente escassez de mão de obra e equipamentos, é difícil imaginar como a Ucrânia poderá se manter sem a intervenção direta de forças ocidentais, e especificamente das americanas. Em especial quando a liderança política ucraniana continua a priorizar relações públicas em vez de objetivos militares.

Para o Ocidente, tudo isso aporta um risco estratégico. A liderança global ocidental se apoiava no poder econômico, militar e no soft power. O poder econômico já está abalado. Usando o PIB de Paridade de Poder de Compra, que mede a produção total de uma nação em vez do valor monetário de sua economia, torna-se evidente que duas das três das maiores economias globais são países asiáticos não alinhados, e não potências ocidentais.

A Rússia segue em quarto lugar, à frente do Japão e da Alemanha. As potências ocidentais, especialmente seus líderes, arriscaram boa parte de suas reputações, e aceitaram sacrifícios econômicos para vencer essa guerra. Uma derrota militar da Ucrânia nas mãos da Rússia, considerando o apoio ocidental, minaria tanto os aspectos militares quanto os de soft power da ordem mundial liberal.

Esta última já está abalada pela resposta ocidental ao conflito em Gaza. O resultado seria então o colapso da liderança ocidental e a substituição da ordem mundial liberal por outra. Seria difícil especificar a forma da nova ordem mundial, mas o período de transição pode ser perturbador e violento, à medida que países ao redor do mundo perceberem que as soluções militares estão de volta à pauta.

Isso também colocaria em risco o papel do dólar americano no comércio global, cuja instrumentalização militar tem assustado muitas nações, levando-as a buscar caminhos alternativos. Como afirmou o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, “em cinco anos… não teremos mais a capacidade de aplicar sanções”, à medida em que os países encontrem maneiras de contornar o dólar. Isso pode ajudar a explicar por que a equipe de Donald Trump está tão ansiosa para acabar com a guerra na Ucrânia.

Conclusão

Até o momento, a Ucrânia ainda tem algumas cartas na mesa de negociação. Seu exército ainda está em campo, disputando cada metro de terreno. Mas o tempo está se esgotando para os ucranianos. A Ucrânia tem problemas significativos com mão de obra. O equilíbrio de poder está mudando a favor da Rússia e, em algum momento, os ucranianos começarão a enfrentar o colapso da frente. Esse resultado é mais provável, dada a tendência negativa na tomada de decisões pela liderança política ucraniana. A menos que comecem a conservar seu poder de combate, o colapso torna-se cada vez mais iminente. A Ucrânia precisaria de um cessar-fogo agora para ganhar espaço para restaurar seu poder de combate e melhorar sua posição nas negociações de paz.

Os russos estão na situação oposta. As vantagens russas em mão de obra e equipamento estão crescendo. A Rússia está enviando para o combate o equivalente a duas novas divisões por mês. As condições do campo de batalha e o crescente poder de fogo significam que é improvável que os russos aceitem qualquer cessar-fogo até que os termos finais de paz sejam acordados, algo que já deixaram claro. Também é provável que estendam o processo de negociação para melhorar sua posição no terreno. O tempo está a seu favor e, a menos que a paz seja acordada agora, estão a caminho da vitória, o que pode ter consequências políticas e econômicas devastadoras para o resto da Europa.

As potências ocidentais apostaram a ordem mundial liberal no resultado dessa guerra. Negociar a paz nos termos russos hoje seria ruim, mas apostar em uma improvável melhora nas condições no campo de batalha e perder seria muito pior. Os Estados Unidos parecem estar tomando o primeiro caminho, com o secretário de Defesa, Pete Hegseth, sinalizando aos russos que os Estados Unidos levam as negociações a sério, retirando da mesa a adesão da Ucrânia à OTAN.

A União Europeia, no entanto, escolheu o último caminho, prometendo apoio pelo tempo que for necessário e negociando a partir de uma “posição de força”, sem perceber que a força é medida em combate e em poder industrial, e não em declarações atrevidas. As tendências atuais no campo de batalha são mais favoráveis à posição norte-americana. Isso daria aos Estados Unidos a chance de conter as consequências da guerra na Ucrânia para a Europa e preservar sua liderança global, especialmente o papel dominante do dólar.

Com os Estados Unidos cada vez mais enxergando a guerra como um risco, a posição de negociação da Ucrânia corre o risco de se desfazer. Mesmo com o apoio norte-americano, a posição ucraniana no campo de batalha está se deteriorando. Sem o apoio norte-americano, as chances de colapso da Ucrânia no mesmo campo são muito maiores, mesmo com a ajuda contínua da União Europeia.

Neste momento, os russos estão exigindo a Crimeia e quatro oblasts da Ucrânia, além da proibição da Ucrânia de entrar na OTAN e na União Europeia, bem como a garantia dos direitos dos russo-falantes no país. Essas demandas incidem sobre as regiões onde o exército russo já controla 60% ou mais do território. Se a Ucrânia entrar em colapso, o exército russo avançará, empurrando a linha de contato para o interior da Ucrânia e as condições se agravarão.

Há uma boa chance da Rússia abocanhar toda a Novorossiya, adicionando ao seu controle as províncias de Kharkov, Odessa, Mykolaiv, Poltava e Dnipropetrovsk, bem como referendos locais sobre a condição da Transcarpácia e, se o clima político na Romênia for favorável, também da Bucovina do Norte e de outras regiões de língua romena, seduzindo os membros que quiser da OTAN com territórios, para dividir a unidade da aliança. Isso reduzirá a Ucrânia a um Estado sem litoral, baseado em Kiev, Chernigov e Lvov.

A verdadeira questão, portanto, é: a Ucrânia obterá uma paz aceitável, ainda que amarga, agora, ou continuará lutando, arriscando-se a um colapso militar muito pior, sob os ditames russos, no futuro?

*Alex Vershinin é tenente-coronel da reserva do Exército dos Estados Unidos, mestre em simulação e modelagem virtual pela University of Central Florida.

Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.

Publicado originalmente no portal Russia Matters, do Belfer Center for Science and International Affairs.


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